sábado, 31 de outubro de 2015

O símbolo da esperança

Kuyt, o líder do Feyenoord em campo - e o alvo principal da confiança do torcedor (fr-fans.nl)
O Feyenoord teve ídolos nos últimos anos? Teve. Bem, talvez não teve ídolos, mas teve destaques. Precisamente dois jogadores se encaixaram neste papel: John Guidetti, protagonista no vice-campeonato holandês da temporada 2011/12, ponto inicial da “ressurreição” do clube de Roterdã. E Graziano Pellè, que não só foi figura central de outras boas campanhas do Stadionclub – com ênfase para outro vice no Holandês, em 2013/14 -, mas também soube erguer a própria carreira a partir das boas atuações, para virar o que é hoje: jogador fundamental tanto no Southampton quanto na seleção italiana.

Mas Guidetti e Pellè eram jogadores oriundos de outros clubes, que foram para outros clubes. Ou seja: embora ambos tenham tido importantes momentos de suas carreiras nos Rotterdammers, a equipe foi “apenas” o cenário para uma boa fase. Por isso, volte-se ao trecho inicial: foram, provavelmente, mais destaques do que ídolos. Para reafirmar que o Feyenoord é, sim, um clube grande da Holanda, faltava um personagem com identificação e com história inquestionáveis para turbinar a confiança do elenco e da torcida. Não falta mais: Dirk Kuyt foi contratado exatamente para isso. E é exatamente o que está fazendo.

Se havia dúvidas sobre a importância do nativo de Katwijk nesta temporada, elas foram dissipadas nas últimas semanas. Na 9ª rodada do Campeonato Holandês, há quase três semanas, o Feyenoord visitou o Heerenveen. Num primeiro tempo primoroso, fez 5 a 0 (o jogo terminaria 5 a 2): três gols de Kuyt. No domingo passado, um jogo até mais difícil, pela 10ª rodada, contra o AZ, em casa. 3 a 1. Outro hat-trick de Kuyt. Mas o grande desafio era na última quarta, pela terceira fase da Copa da Holanda: De Klassieker, o mais tradicional clássico do país, contra o Ajax. 

O jogo foi tenso, truncado, nervoso. E os Ajacieden até jogaram melhor. Mas sabe-se: se falta alguma habilidade a Kuyt, sobra a ele espírito de luta. E este se espalhou por toda a equipe, que batalhou até os acréscimos. Teve o prêmio mais delicioso que podia imaginar: aos 49 minutos do segundo tempo, último dos descontos, falta à esquerda da área. Eljero Elia cobrou, e Joël Veltman desviou acidentalmente para as redes defendidas por Jasper Cillessen, fazendo gol contra no último lance do jogo. Loucura na Het Legioen, como a ensandecida (para o bem e o mal) torcida é conhecida: desde janeiro de 2012, o Feyenoord não vencia um Klassieker. Tratou-se de uma poderosa injeção de ânimo, menos de duas semanas antes de novo duelo contra os arquirrivais, pela 12ª rodada da Eredivisie, em 8 de novembro. A comemoração no estádio seguiu ainda por vários minutos depois do fim do jogo (confira a prova aqui).

Então, o Feyenoord é Kuyt e mais dez? Nem tanto. Há coadjuvantes valiosos na equipe. Um deles está no meio-campo: campeão europeu sub-21, o sueco Simon Gustafson mal chegou e recebeu a aposta do técnico Giovanni van Bronckhorst. E corresponde à confiança: colocou Jens Toornstra e Lex Immers no banco, acelera as jogadas de ataque, mostra sabedoria para definir a melhor hora do passe e já é o líder de assistências da equipe na temporada (4).

No ataque, os outros titulares ajudam Kuyt. Pela ponta-esquerda, Eljero Elia parece entrar num momento já vivido por outros jogadores holandeses: após rodar pelo futebol europeu, volta ao país natal, e lá reencontra-se com a boa fase. Elia impressionou com a boa atuação no difícil 3 a 2, fora de casa, contra o De Graafschap. E até já foi convocado por Danny Blind para os dois jogos finais da seleção da Holanda nas eliminatórias da Euro 2016. Convém não descartá-lo para o trabalho com vistas à qualificação para a Copa de 2018.

Já o centroavante Michiel Kramer ocupou o lugar de Colin Kazim-Richards, como se pedia. Produz menos do que prometia no início da temporada, mas pelo menos é o segundo maior goleador do Stadionclub na Eredivisie (4 gols). E mostra, digamos, a “malícia” que os atacantes precisam ter: não são raras as confusões que arruma com zagueiros adversários. A tal ponto que quase pegou quatro jogos de suspensão, por suposta cotovelada num zagueiro do De Graafschap – foi absolvido.

Ainda assim, o destaque inegável do Feyenoord é Kuyt. Primeiramente, claro, pelas boas atuações que fizeram dele o goleador do campeonato: em dez rodadas, dez gols. Mais do que os oito gols pelo Fenerbahçe, em 32 jogos, na temporada 2014/15; exatamente a mesma quantidade de tentos anotados em 2012/13, também em 32 jogos; enfim, desde os 13 gols marcados pelo Liverpool em todo o Campeonato Inglês 2010/11 o atacante não prometia enfiar tantas bolas nas redes.

Mas é razoável supor que a facilidade se dê pelo próprio nível técnico baixo da Eredivisie, que permite a um veterano de 35 anos, como Kuyt, fazer tantos gols e conseguir ser titular, o que ele já não era nem seus últimos tempos no Liverpool, nem no Fener. Então, por que tamanha importância? Pela dedicação e raça inesgotáveis. Tanto nos gols, quanto nas comemorações: invariavelmente, o camisa 7 vai celebrar próximo à placa de publicidade, punhos cerrados, braços levantados e gritos de júbilo junto à torcida. 

Sem contar que quase sempre é Kuyt quem dá a cara para bater nas declarações à imprensa. Nas horas más, como após a derrota para o PSV, no primeiro clássico da temporada, quando falhou no gol de Santiago Arias, lateral dos Eindhovenaren: “Foi um momento crucial. Estou muito chateado, isso não me acontece sempre”. E também nas horas boas, como após a vitória recente no Klassieker: “É gostoso demais. Queríamos vencer a qualquer custo. Nesse tipo de jogo não importa quem joga melhor, vimos isso na temporada passada. Ganhar é o mais importante, e mostramos isso. Essa vitória é legal para os jogadores, e mais legal ainda para Het Legioen”.

Já tendo sido goleador máximo da Eredivisie na temporada 2004/05, e eleito melhor jogador do campeonato por duas vezes (2002/03 e 2005/06) nem parece que Kuyt passou tanto tempo longe de De Kuip, após sua primeira passagem (entre 2003 e 2006). E sua identificação com o clube é tamanha que as negociações para a renovação do contrato atual já preveem sua transformação em técnico, começando nas categorias de base – como ocorreu com Van Bronckhorst, outro ídolo que retornou a Roterdã no fim da carreira. Só fortalece a ideia de que o atacante está cumprindo sua tarefa de ser o líder do Feyenoord, transformando-se num dos grandes ídolos da história do clube. E que a equipe, enfim, está motivada como nunca para encerrar o jejum de 16 anos sem conquistar a Eredivisie. 

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 30 de outubro de 2015)

domingo, 25 de outubro de 2015

810 minuten: como foi a 10ª rodada da Eredivisie

Kuyt não para: segundo hat-trick consecutivo, e destaque em mais uma vitória do Feyenoord (Perfil oficial do clube no Twitter)
Antes de mais nada, o destaque da 10ª rodada do Campeonato Holandês vai para as torcidas holandesas. Sem nada oficial, aos 14 minutos de cada partida, os presentes nas arquibancadas e cadeiras batiam palmas. Tudo para homenagear e fortalecer Johan Cruyff, após as revelações de que o "Nummer 14" está com câncer no pulmão, nesta semana.

Zwolle 1x2 Utrecht

A agradável partida no estádio Ijsseldelta já vinha empatada em 1 a 1: Wouter Marinus aproveitara rebote e abrira o placar ainda no início, enquanto Sébastien Haller afastava a má fase de vez, marcando pelo segundo jogo seguido para os Utregs. Até que vieram os pontos culminantes, no final da partida. Aos 38 minutos, o zagueiro Mark van der Maarel derrubou o atacante Lars Veldwijk na área. Pênalti, e Van der Maarel expulso. Era a grande chance para os Zwollenaren passarem à frente. Stef Nijland cobrou. E mandou a bola por cima do gol. O preço do erro veio aos 49 minutos: Haller foi empurrado na área por Trent Sainsbury. Novo penal. E o próprio Haller converteu, decretando a segunda vitória seguida de um time visitante contra o Zwolle. Com dois gols, o atacante francês segue como grande destaque do Utrecht. Será difícil que ele fique na Eredivisie na próxima temporada, e pode até sair no período de transferências em janeiro.

Willem II 2x2 Heerenveen

Havia grande curiosidade: como o Heerenveen reagiria à semana altamente turbulenta que teve, com o técnico Dwight Lodeweges deixando o clube e os problemas na diretoria cada vez mais aprofundados? Em sua primeira partida como interino, Foppe de Haan fez cinco mudanças no time titular. Duas delas: trouxe Joey van den Berg para a zaga, e no meio-campo improvisou o zagueiro Jeremiah "Jerry" St. Juste. Não deram muito certo no início, até porque Richairo Zivkovic abriu o placar para os Tricolores. Mas aos poucos o time da Frísia encontrou seu caminho no ataque, e com Henk Veerman chegou ao empate. Depois, Lucas Andersen recolocou o Willem II na frente, mas Luciano Slagveer igualou as coisas. De todo modo, com os anfitriões perdendo um pênalti nos acréscimos (Erwin Mulder espalmou a bola cobrada por Stijn Wuytens), dá para dizer que o Fean escapou de uma derrota que aprofundasse o buraco em que está. Não é muito bom, mas poderia ser pior. Cabe a Foppe de Haan ajudar o time até a pausa de inverno, prazo que estipulou para seu período como técnico.

Twente 1x3 PSV

O primeiro tempo em Enschede foi curioso. O PSV ganhou gradualmente o domínio maciço em campo, com maior posse de bola, mas criou poucas chances de gol (e quando as criou, ou Luciano Narsingh foi ineficiente na ponta direita, ou Luuk de Jong apareceu pouco para finalizá-las). O Twente até iniciou o jogo com mais velocidade, mas aos poucos preocupou-se com o adversário, e só ia para o ataque com as investidas de Hakim Ziyech, despontando mais e mais como o grande (e único) destaque dos Tukkers. 

No início do segundo tempo, logo após pênalti claro de Héctor Moreno não dado pelo árbitro Kevin Blom, De Jong abriu o placar. Pouco depois, em mais uma jogada própria, Ziyech empatou e ampliou um dado que dá a mostra de sua importância atual no Twente: dos últimos 29 gols do time no Campeonato Holandês, o meio-campista atuou em 27, fazendo o gol ou dando o passe para ele. Só que a ingenuidade e o mau posicionamento da defesa dos Enschedese cobraram a conta no fim do jogo: duas jogadas velozes de ataque, com Jürgen Locadia participando de ambas (marcando o segundo, aos 39 minutos, e dando o passe para Gastón Pereiro completar, aos 41), e os Eindhovenaren garantiram a vitória no 2000º jogo de sua história na Eredivisie. contra a mais jovem equipe da história do Twente já escalada em uma partida da liga (média de idade: 21,1 anos).

De Graafschap 0x1 Heracles

Às vezes, a ineficiência também colabora para a má fase de um time. Lanterna da liga, com dois pontos em nove rodadas, o De Graafschap até foi melhor durante boa parte do jogo em Doetinchem. Jogou com segurança na defesa e impediu que os Heraclieden, grande surpresa desta primeira fase de campeonato, acelerassem o ataque como normalmente fazem. No segundo tempo, até tiveram mais chances de gol. Conquistar, no mínimo, o terceiro ponto no campeonato era uma possibilidade real dos Superboeren. Só que os visitantes foram encontrando gradualmente o espaço deles em contra-ataques. E deram o castigo final aos 38 minutos da etapa complementar: cruzamento do tcheco Jaroslav Navrátil, e Iliass Bel Hassani completou para as redes, consolidando-se como o outro grande destaque do time de Almelo na temporada (além de Oussama Tannane, que não jogou). Em quarto lugar, segue a ótima campanha do Heracles na Eredivisie, graças a uma vitória relativamente fortuita.

Roda JC 1x2 Excelsior

Dois escanteios mostraram boa preparação dos times nas jogadas de bola parada, no jogo em Kerkrade  - e também deficiências dos goleiros nas saídas de gol. Aos 13 minutos do primeiro tempo, Richmond Boakye cobrou córner, e Tomi Juric completou para as redes, abrindo o placar para os donos da casa. Ainda na etapa inicial, história repetida no empate dos Kralingers: aos 41 minutos, escanteio cobrado por Jeff Stans, má saída de gol do arqueiro Benjamin van Leer, e o zagueiro Sander Fischer fez 1 a 1. Stans, aliás, fez até melhor nas bolas paradas: na etapa final, aos 22 minutos, em cobrança de falta primorosa, mandou a bola no ângulo direito, virando o jogo para o Excelsior (na comemoração, o atacante Nigel Hasselbaink levou na cabeça uma lata de cerveja, jogada por um torcedor, mas não teve grandes ferimentos, por sorte). O autor do gol da vitória até teve a chance de marcar em mais uma bola parada - pênalti, aos 38 minutos -, mas chutou por cima, na terceira cobrança perdida da 10ª rodada. De todo modo, posteriormente foi garantida a boa vitória dos visitantes de Roterdã - aliás, primeira derrota em casa do Roda na temporada 2015/16.

Cambuur 1x1 ADO Den Haag

Com duas equipes francamente necessitadas da vitória, o jogo em Leeuwarden foi bastante truncado. Valendo-se da única qualidade maior que mostrou até agora no campeonato (o trio de ataque, de qualidade razoável para os padrões da Eredivisie), o Den Haag abriu o placar, com Mike Havenaar completando escanteio, aos cinco minutos do segundo tempo. Como o Cambuur perdera sua grande referência de ataque - Bartholomew Ogbeche, lesionado ainda no primeiro tempo -, a segunda vitória dos visitantes auriverdes na temporada parecia próxima. Até os 22 minutos, quando o lateral esquerdo Aaron Meijers perder a bola facilmente para Furdjel Narsingh, que chegou livre à área e decretou o placar final. Que não aliviou a vida de nenhuma das duas equipes na tabela: os Hagenaren seguem em 14º lugar, e o Cambuur, na 17ª e penúltima posição.

NEC 1x1 Groningen

O primeiro tempo do jogo em Nijmegen foi bastante chato. Principalmente para os anfitriões: já aos nove minutos, em chute de longe, Albert Rusnák fez o primeiro gol do Groningen em jogos fora de casa na atual temporada do Campeonato Holandês. Mas não houve muitas emoções, fora o gol. Coube a Christian Santos empolgar de novo a torcida e a partida: no início da etapa final, logo aos dois minutos, após mão na bola do lateral direito Hans Hateboer, Santos converteu pênalti e empatou o jogo. Animado, o NEC foi para cima, e quase virou com o próprio venezuelano, mas a defesa do Groningen impediu. Depois o ritmo desacelerou, e o placar ficou no 1 a 1 bem razoável para duas equipes já em posições razoáveis e confortáveis na tabela (7º e 8º lugares, respectivamente).

Vitesse 1x3 Ajax

Por mais que se tratasse do líder do campeonato, sabia-se que o Ajax sofreria bastante no jogo contra os Arnhemmers, pela velocidade e variação de posições destes no ataque. Foi exatamente o que aconteceu, principalmente no primeiro tempo: com Valeri "Vako" Qazaishvili chegando do meio-campo para ajudar o trio de atacantes, e Dominic Solanke cada vez mais à vontade entre os titulares, com muita habilidade pela ponta esquerda, o Vitesse esteve bem mais perto do gol. Que, afinal, veio, já no início do segundo tempo, contando com o azar do Ajax: Qazaishvili chutou colocado, a bola bateu em JoëlVeltman e encobriu Jasper Cillessen rumo às redes. Sem Anwar El Ghazi (doente, nem viajou a Arnhem) e sem Davy Klaassen (em disputa aérea de bola com Guram Kashia, teve a nuca atingida, sentiu dores leves e foi substituído no intervalo), os Amsterdammers poderiam ter sérios problemas no ataque. 

Mas conseguiram a virada. Primeiro, num lance confuso: falta cobrada para a área, bola chutada por Veltman na trave, o goleiro Eloy Room rebateu, mas Viktor Fischer enfim mandou para as redes, aos 26 minutos. Nem bem se passaram dois minutos, e num chutão da defesa o Ajax achou o segundo gol: Riechedly Bazoer dominou, passou fácil por Maikel van der Werff e tocou na saída de Room. Gol importante para premiar a evolução de Bazoer (é o centro de todas as jogadas do Ajax, no meio-campo, com bons passes e velocidade) e para abater o moral dos anfitriões. No final, em contra-ataque, Lasse Schöne definiu uma vitória difícil, mas animadora para o Ajax. pela dificuldade que o adversário lhe ofereceu.

Feyenoord 1x3 AZ

O Stadionclub também completava 2000 jogos em sua história pela Eredivisie, a exemplo de PSV e Ajax, seus dois "colegas" no Trio de Ferro. E também como os arquirrivais de Amsterdã, tinha um adversário desafiador no AZ, que poderia lhe pregar peças nada agradáveis, nesta fase em que os Rotterdammers se mantêm no encalço do líder. Mas Dirk Kuyt não se cansa de justificar a cada rodada as razões de tanta idolatria por ele: abriu o placar. De quebra, o entrosamento do Feyenoord no ataque é cada vez maior. Eljero Elia mostra rapidez pela esquerda; Michiel Kramer serve de referência no ataque (e mesmo quando não faz gols, abre espaços para Kuyt e Elia); o sueco Simon Gustafson vai se firmando como ponta-de-lança, iniciando jogadas quando tem a posse de bola e mostrando talento para saber a hora de arriscar o chute e de passar a alguém mais bem colocado. Só que tamanha velocidade do Feyenoord no ataque não é compensada na hora de voltar para a defesa. As laterais são costumeira opção de jogo para os ataques adversários.

Como o AZ não tem um time inepto nem bobo, aproveitou isso ainda na etapa inicial: num rápido contra-ataque, em que o goleiro Kenneth Vermeer ainda deixou Dabney dos Santos sem ângulo, Joris van Overeem aproveitou o rebote do chute do supracitado Dabney e empatou o jogo. Pior: no começo do segundo tempo, os Alkmaarders continuaram chegando à frente com perigo. E justamente quando o Feyenoord precisava, Dirk Kuyt apareceu de novo. Aos 13 minutos, contou com a sorte: em chute do lateral direito Bart Nieuwkoop, Kuyt desviou a bola e enganou o goleiro Gino Coutinho, recolocando o time da casa na frente. E aos 33 minutos, após pênalti corretamente marcado por Bjorn Kuipers, o camisa 7 bateu e garantiu seu décimo gol na temporada (o que faz dele artilheiro do campeonato). Seu segundo hat-trick seguido (!). A vitória do Feyenoord. E, principalmente, garantiu o prosseguimento da boa sensação de embalo que a torcida começa a sentir em De Kuip, com o time igual em pontos ao Ajax. O Klassieker desta semana, pela terceira fase da Copa da Holanda, promete fortes emoções. E ainda há o Klassieker da Eredivisie, daqui a duas rodadas...

Heerenveen: crise dentro e fora de campo

Foppe de Haan coloca histórico respeitável à prova em volta imprevista ao Heerenveen (Nic Bothma/ANP)

Sabe-se que Ajax, PSV e Feyenoord são os grandes clubes do futebol holandês. Mas não é o caso de se dizer que há três grandes e vários pequenos. Há certa gradação no país: abaixo do trio, há AZ e Twente, que já tiveram boas atuações em torneios continentais e conquistaram títulos na fase moderna do Campeonato Holandês. E finalmente, antes dos pequenos, há aqueles clubes médios. Que não aspiram a títulos na liga, mas fazem boas campanhas, periodicamente aparecem na Liga Europa, ganham uma copa nacional aqui e outra ali...

E um dos principais representantes desta casta está em crise aberta. É o Heerenveen. Tendo disputado uma vaga na Liga Europa desta temporada, via play-offs (perdeu-a para o Vitesse), o clube da Frísia continua sob crise interna, já deflagrada há algumas temporadas. Mas só agora esses problemas estão sendo seguidos pela má sequência dentro de campo: passadas nove rodadas da Eredivisie, a equipe está no 15º lugar, só tendo vencido a primeira partida no campeonato, contra o lanterna De Graafschap. De resto, quatro empates e quatro derrotas.

A última delas foi o verdadeiro estopim da crise esportiva: um 5 a 2 sofrido em casa para o Feyenoord. Com uma atuação pavorosa no primeiro tempo, vendo a rapidez do meio-campo do Stadionclub criar jogadas a granel, e vendo a eficiência de Dirk Kuyt, autor de três gols. A equipe saiu do primeiro tempo já com um 5 a 0 para os visitantes, e uma torcida irritadíssima. Mesmo com os dois gols de Henk Veerman, estava claro: algo teria de mudar.

E o técnico Dwight Lodeweges decidiu se sacrificar, anunciando a demissão voluntária na última terça, no site do clube: “A coisa não está saindo do jeito que eu quero, agora. Os resultados estão muito ruins, e o futebol [da equipe] também. Decidi sair, para que outra pessoa consiga salvar as coisas”. O interino já foi escolhido: num caso extremo, voltou ao cargo Foppe de Haan, técnico mítico em Heerenveen. Treinou a equipe duas vezes (entre 1985 e 1988, e entre 1992 e 2004), e mesmo quando ficou fora, era o diretor técnico. De Haan organizou o clube interna e tecnicamente a ponto de levá-lo à fase de grupos da Liga dos Campeões, na temporada 1999/2000. E o trabalho impressionou a ponto de levá-lo a treinar a seleção holandesa sub-21, que foi bicampeã europeia com ele no cargo, em 2006 e 2007.

Então Foppe é o salvador da pátria? Dentro de campo, pode ajudar. Fora, nem tanto. Fazendo parte da vida interna do clube desde seu trabalho com a equipe, o técnico foi um dos principais apoiadores da gestão que agora naufraga no comando. Mas como ela chegou ao poder? Hora de descrever a “Fean revolutie”, que agora encara sua derrocada. (Para constar: “Fean” é o apelido do clube, corruptela de “Hearrenfean”, como o clube se chama no dialeto frísio).

Tudo começou em 2013, quando Robert Veenstra era o presidente do Heerenveen. Ao final da temporada 2012/13, os resultados do time foram decepcionantes, para o padrão esperado: embora Alfred Finnbogason tenha sido o goleador da Eredivisie, a equipe ficou na 8ª posição, ficou pelo caminho nos play-offs por vaga na Liga Europa e foi apenas às oitavas de final na Copa da Holanda. Nada que perturbasse os clubes maiores, como o Fean costuma fazer às vezes.

Bastou para que começasse uma tremenda pressão, de vários setores dentro do clube. Vinda principalmente de empregados do clube, de patrocinadores e dos dois maiores grupos de torcedores do Heerenveen (não confundir com torcidas organizadas – na Holanda os grupos de torcedores servem mais para mediar relações entre torcida e clube), ela levou à organização de um relatório de apuração do que ocorria na gestão de Robert Veenstra. Feito por Jos Vaessen, dirigente experiente no futebol holandês, e Lense Koopmans, economista, o relatório encontrou más condutas suficientes para forçarem a destituição de Veenstra, de sua direção e do Conselho Deliberativo.

Após um período de transição, com o interino Gaston Sporre dirigindo o clube, enfim consumou-se a mudança pretendida com a “revolução Fean”. Jelko van der Wiel (nenhum parentesco com o lateral direito) tornou-se presidente. E favoreceu o fortalecimento de seu “padrinho político”: Riemer van der Velde, dirigente histórico no clube da Frísia, que presidiu entre 1983 e 2006.

Van der Wiel, então, prometeu uma gestão democrática, com dez diretores a lhe auxiliarem. Mas a boa intenção resultou numa troca incessante de “fogos amigos”. De um lado, Van der Wiel e o diretor comercial Wim van Dijk; do outro, os supervisores Egon Diekstra, Geert-Pieter Vermeulen, o diretor de patrocínio Anne Hettinga e Joost Jetten, antecessor de Van Dijk.

E os incidentes só se avolumam com essa divisão: Hettinga e Jetten indicaram a proposta de uma empresa chinesa, a Beijing Succesful International Management, para controlar o clube; Van Dijk e Van der Wiel negaram, com o presidente dizendo que a oferta era “conversa mole”. Restou à torcida agir. Primeiro, com uma faixa agressiva: “A todos os dirigentes e patrocinadores: coloquem o interesse do clube acima de tudo! O Heerenveen não é uma prostituta!”. Depois, indo à frente da casa de Anne Hettinga e pressionando-o com gritos, a ponto do diretor de patrocínio se demitir.

Não bastasse Hettinga, fala-se que é iminente a renúncia de Van der Wiel e de todo o seu gabinete, exatamente pela desunião que minou o ambiente interno. E que influi em campo, ao contrário do que ocorria em temporadas anteriores. Fica a pressão para que Foppe de Haan consiga reanimar uma equipe que tem nível técnico mais do que aceitável para os padrões do Campeonato Holandês (o goleiro Erwin Mulder, o meio-campista Joey van den Berg e os atacantes Luciano Slagveer e Sam Larsson são os destaques). Até porque há o clássico da Frísia contra o Cambuur, daqui a duas rodadas.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 23 de outubro de 2015)

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

810 minuten: como foi a 9ª rodada da Eredivisie

Com três gols, Kuyt alcançou marcas importantes e ajudou Feyenoord a manter-se colado no Ajax (Stanley Gontha/EPA)
Cambuur 1x1 AZ

Mesmo fora de casa, os Alkmaarders eram francos favoritos para a vitória. Enfrentavam o penúltimo colocado do Campeonato Holandês, vinham de dois resultados positivos e podiam ganhar o impulso decisivo para arrancarem no torneio. Ainda assim, o único gol do AZ saiu num lance duvidoso, ainda na etapa inicial: o árbitro Siemen Mulder não viu o atacante Vincent Janssen dominar com a mão antes de completar para as redes. E no segundo tempo, Bartholomew Ogbeche - sempre ele - empatou para o time de Leeuwarden. Que pelo menos saiu com um ponto, embora siga em 17º, sofrendo com o excesso de empates (cinco, em nove jogos). Já os AZ'ers amargaram uma atuação abaixo do que podem.

Groningen 2x1 Willem II

O zagueiro Etiënne Reijnen poderia ter sido o vilão do "Orgulho do Norte" na partida. Num jogo relativamente difícil, os anfitriões seguravam a vitória, com gol de Mimoun Mahi, ainda no primeiro tempo. Mas aos 40 minutos do segundo tempo, em jogada confusa na área, a bola bateu em Reijnen e foi para as próprias redes do Groningen. Os Tricolores de Tilburg arrancariam o empate? Reijnen ajudou a negar essa hipótese: no minuto seguinte, desviou de cabeça no meio-campo para Danny Hoesen partir com a bola dominada e fazer 2 a 1 para os Groningers, salvos pelo gongo. Um daqueles jogos normais que viram empolgantes por causa do final.

Heracles 0x2 Ajax

O líder do campeonato precisava de uma vitória. Por duas razões: diminuir o ânimo do Heracles, a grande surpresa deste início de temporada na Holanda, e dar satisfações à torcida, após a atuação apagadíssima no clássico contra o PSV. Conseguiu fazer isso com certa rapidez: dois belos gols (o de El Ghazi, até mais bonito que o de Nemanja Gudelj, pela jogada individual), aos 14 e aos 22 minutos do primeiro tempo, as boas atuações de Riechedly Bazoer e Viktor Fischer, e os Heraclieden estavam na lona. Se não foi brilhante, pelo menos o time da estação Bijlmer Arena levou o jogo como quis, e manteve a primeira colocação. A situação interna segue turbulenta (em breve o blog falará sobre isso), mas o pragmatismo no campo impede a crise.

PSV 1x1 Excelsior

Era para ser um jogo tranquilo contra os Kralingers. A tal ponto que Phillip Cocu preferiu deixar no banco Luuk de Jong, já com vistas ao importante jogo contra o Wolfsburg, pela Liga dos Campeões. Assim, os Boeren vinham fazendo um jogo sem correr muitos riscos. O problema era também não trazer muito perigo ao gol de Tom Muyters (efetivado como titular no Excelsior). Para sorte dos Eindhovenaren, Davy Pröpper abriu o placar antes de Luuk entrar em campo. E era para o jogo ter sido controlado. Mas uma desatenção, aos 47 minutos do segundo tempo, deu a Nigel Hasselbaink o gol de empate, punindo uma atuação ofensiva fraca dos donos da casa. Que não deram sequência à ascensão prometida com a vitória contra o Ajax.

Utrecht 1x1 Roda JC

Numa partida entre dois times que ainda estão no meio da tabela e não disseram claramente a que vieram na Eredivisie, o resultado continuou deixando dúvidas. Para os Utregs, valeu pelo primeiro tempo, quando a equipe foi melhor - e quando o francês Sébastien "Seb" Haller enfim acabou com seu jejum de gols no torneio, que vinha desde agosto. Para o time de Kerkrade, valeu por ter conseguido o empate ainda antes do intervalo, num lance de sorte do atacante Tomi Juric (após rebote de escanteio, chegou a armar o chute, mas a bola bateu em sua perna de apoio e entrou). No segundo tempo, uma bola na trave para cada lado, e mais nada. E ambos seguem sem mostrar muito, mas tendo nível suficiente para não passarem aperto até agora.

Twente 1x0 NEC

O Twente conseguiu sua segunda vitória na Eredivisie. Torcida aliviada? Nem de longe: até o zagueiro Peet Bijen abrir o placar, aos 25 minutos do segundo tempo, os Tukkers chocavam a torcida no Grolsch Veste, pela incompetência absoluta de seu ataque. Pior: abrir o placar não significou uma equipe mais aliviada em campo. O respiro definitivo só veio com o apito final, encerrando um jogo ruim, truncado, feio. Algo assumido até por René Hake, efetivado como técnico do Twente até o fim da temporada: "Queríamos algo melhor, mas agora o que conta são os pontos", reconheceu Hake após o jogo, à FOX Sports holandesa. O triunfo veio. O fim da crise do Twente, nem em sonho.

Heerenveen 2x5 Feyenoord

O Feyenoord começou muito bem na temporada. Só que a derrota - e a atuação medrosa - no clássico para o PSV deu novamente à torcida do Stadionclub a impressão de que faltava algo. Após algumas rodadas, a equipe de Roterdã dá a impressão de que aprendeu a lição: a atuação no primeiro tempo contra o Heerenveen foi primorosa. Com um meio-campo rapidíssimo e jogadas ofensivas aceleradas, o 5 a 0 foi merecido. O armador sueco Simon Gustafson (que colocou Lex Immers e Jens Toornstra no banco, mostrando mais habilidade nos lançamentos) até teve seu valor, mas é difícil não colocar como grande destaque Dirk Kuyt: com seus três gols, ele igualou outros dois ícones Feyenoorders, Coen Moulijn e Ove Kindvall, na lista dos maiores goleadores da história do campeonato. Empatado em pontos com o Ajax (perde a liderança nos critérios), o Stadionclub já esfrega as mãos para o Klassieker de 8 de novembro, na 12ª rodada. Isso porque ainda tem outro Klassieker, pela terceira fase da Copa da Holanda no meio...

ADO Den Haag 1x1 De Graafschap

Se havia um "jogo dos desesperados" na 9ª rodada da Eredivisie, era esse. O lanterna De Graafschap ainda procurava sua primeira vitória na temporada; após duas rodadas promissoras, os Hagenaren já estavam havia sete rodadas sem um triunfo, além de conviverem com uma crise interna que coloca sob risco o técnico Henk Fräser. Bastou para que se visse um jogo extremamente tenso em Haia. Os auriverdes até se valeram do ataque - razoável, para os padrões do campeonato - e fizeram 1 a 0, com Mike Havenaar. Só que um jogador já criticado por Fräser (o lateral direito Gianni Zuiverloon) piorou sua situação, marcando gol contra ao desviar cruzamento de Youssef El Jebli. Na etapa complementar, o Den Haag foi à frente, com mais chutes a gol, mas parou na boa atuação de Hidde Jurjus, goleiro dos visitantes. E nada mudou: o De Graafschap tem apenas dois pontos em nove rodadas. E o ADO Den Haag se manterá nas turbulências que começam a influir em campo.

Zwolle 1x5 Vitesse

Desde 15 de fevereiro de 2015, ao ser derrotado pelo Go Ahead Eagles no Clássico do Ijssel, o Zwolle não sabia o que era perder um jogo em casa pelo Campeonato Holandês. Até este domingo. Já no primeiro tempo, o Vites estava melhor: aproveitava-se da maior fluidez de seu ataque, na troca de posições e chegada dos pontas-de-lança. Abriu o placar, o zagueiro Thomas Lam até fez o gol de empate dos Dedos Azuis, no início do jogo, mas também cometeu o pênalti que Valeri "Vako" Qazaishvili converteu para fazer 2 a 1. No início do segundo tempo, mais um pênalti para o Vitesse, o meio-campista Ouasim Bouy foi expulso após cometê-lo, e veio o quarto gol. A goleada estava confirmada, e alimenta o desejo dos Arnhemmers, que tiraram o Zwolle do quinto lugar (maior número de gols pró) e já têm Heracles e PSV na alça de mira.

domingo, 18 de outubro de 2015

As razões do vexame (III): vácuo entre o ontem e o hoje

Memphis Depay está cada vez mais pressionado, mas ainda é o único novato holandês confiável na seleção (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)
Uma das razões mais faladas para a eliminação holandesa na qualificação da Euro 2016 é a falta de renovação da equipe. Afinal de contas, quando se fala nos destaques da Oranje dentro de campo, as primeiras lembranças ainda são Wesley Sneijder, Arjen Robben e Robin van Persie - sem contar Klaas-Jan Huntelaar, que segue no banco de reservas. Só que tratar a razão assim deixa a questão um pouco incompleta. A falta de caras novas existe, de fato. Mas ela só está aí porque nem há gente pronta para entrar e tomar rapidamente a vaga de titular, e porque há um claro vácuo, típico de entressafras.

Antes da derrota para a República Tcheca, Danny Blind reconheceu o vácuo entre os novatos e os veteranos: "Temos poucos jogadores entre os 24 e os 28 anos. Jogadores nessa faixa estão no melhor da forma e ajudam os outros. Eles olham tudo durante uma partida, não se preocupam só como eles. Gini (apelido de Georginio Wijnaldum) é um desses jogadores, Kevin Strootman pode fazer algo assim. Daley Blind também. De fato, temos muitos talentos jovens e muitos bons veteranos. O pessoal do meio é que não tem gente suficiente".

A partir daí, só piora. Porque sabe-se que Strootman tem sido perturbado pelas sérias lesões em seu joelho direito, há quase dois anos. Além disso, Wijnaldum e Blind não desenvolveram um espírito suficiente de liderança para conseguirem auxiliar os veteranos (se é que têm essa qualidade). E outros jogadores que poderiam ajudar nisso já sofrem com outros fatores, como Jasper Cillessen (com 26 anos, o goleiro segue sendo questionado) e Stefan de Vrij (23 anos, titular absoluto da zaga nas eliminatórias da Euro, mas as dores no joelho lhe impediram de jogar as duas últimas partidas).

E desse vácuo entre veteranos e novatos, pouco preenchido, chega-se ao fator principal: a dificuldade na geração de novos talentos. Ou, no mínimo, a dificuldade de jogadores medianos crescerem de nível e se destacarem para terem presença garantida entre os titulares. Basta ver o ataque: fora Van Persie e Huntelaar, há apenas Bas Dost e Luuk de Jong como finalizadores preferenciais. E nenhum deles trouxe razões para animação usando a camiseta laranja. Além disso, não são mais novatos: o irmão de Siem tem 25 anos, e Dost, 26 anos. Poderiam já estar ocupando o meio do ataque. E não o fazem. 

A mesma coisa com Luciano Narsingh: aos 25 anos, já tendo até a Euro 2012 no currículo, tem capacidade para atuar pelas duas pontas, num 4-3-3. Mas não ameaça a posição de Arjen Robben e Memphis Depay como titulares. Memphis, por sua vez, é o símbolo de um drama: aos 21 anos, o único talento holandês confiável da atualidade sofre com os vícios típicos da idade em campo, como o excessivo individualismo nas jogadas. Pior: ainda paga por falhas minúsculas, que só ganham importância num cenário de crise, como o atual na seleção holandesa. Por exemplo, o erro ao vestir uma camisa personalizada do jogo entre Holanda e Islândia, na partida contra a... República Tcheca. Sem dúvida, o atacante do Manchester United merece mais paciência. Até porque outros novatos, como Anwar El Ghazi, ainda não receberam muitas chances.

Se no ataque, o problema é a falta de gente confiável para substituir Van Persie (e/ou Huntelaar) e Robben, no meio-campo e na defesa há substitutos "prontos". Os problemas são diferentes: para armarem o jogo, Davy Klaassen e Jordy Clasie já mostraram talento. Klaassen, por exemplo, foi o melhor da Oranje na vitória contra a Espanha, num amistoso em março. Ainda assim, Sneijder deverá continuar atuando pela seleção nas eliminatórias para a Copa de 2018. E cada partida que ele faz, será uma partida a menos para Klaassen e Clasie terem a sequência de que precisam. Até porque, com seus 118 jogos, não falta experiência a Wesley. Nem capacidade técnica: foi o destaque no título turco do Galatasaray, na temporada passada.

Na defesa, a questão é mais complicada. A média de idade do setor é relativamente baixa. Porém, dos convocados frequentes, o único a trazer mais segurança tem sido De Vrij, titular absoluto na Lazio. Na lateral direita, Gregory van der Wiel não só voltou à má fase no Paris Saint-Germain, mas também segue com sua insegurança defensiva - mas tem sido o titular, em detrimento do razoável Daryl Janmaat. Pela esquerda, há a indecisão: Daley Blind fica no meio-campo ou vai para lá? E se o volante do Manchester United for efetivado como volante, como confiar em Jetro Willems, que ainda sofre com as falhas na marcação?

Além disso, na zaga, ainda não há um parceiro que traga segurança a De Vrij. Bruno Martins Indi, que foi razoável na Copa do Mundo, tem ficado mais no banco de reservas do Porto - e ainda é marcante sua expulsão contra a Islândia, que prejudicou sobremaneira a Oranje naquela partida. Jeffrey Bruma tem ritmo de jogo, titular absoluto que é no PSV; mas não é o defensor que um dia prometia ser (fracassou em Chelsea e Hamburgo), nem traz segurança. Virgil van Dijk apenas agora começou a ter chances, após começar bem no Southampton, e ainda mostra irregularidades (foi bem contra o Cazaquistão, e péssimo contra a República Tcheca).

Pior: a seleção sub-21 também não mostra gente pronta para assumir imediatamente a titularidade. Em campanha que começou até bem nas eliminatórias para o Europeu da categoria, em 2017, a Jong Oranje tem o zagueiro Wesley Hoedt, ainda aposta na Lazio; o volante Jorrit Hendrix, só agora trazendo confiança no PSV; os atacantes Mimoun Mahi (Groningen) e Ricardo Kishna (Lazio), promissores, mas que cometem falhas semelhantes às de Memphis Depay. E ainda há gente com certa experiência, mas que começa a bordejar a fronteira entre ser "promessa" e "foguete molhado", como o zagueiro Nathan Aké e o volante Tonny Trindade de Vilhena.

Enfim, a transição holandesa segue em dificuldades, com entressafras e decepções. Obviamente, a situação pode mudar daqui a alguns anos. Afinal, tratam-se de novatos. No entanto, o trabalho até ali exigirá paciência, talvez até com a ausência da Copa de 2018. Com uma federação hesitante e confusa, técnicos que apostam num estilo tático antiquado e um vácuo entre os veteranos de ontem e as promessas de hoje (com esparsas decepções no meio), surpresa seria ver imediatamente outra ótima atuação como a da Copa de 2014.


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

As razões do vexame (II): futebol totalmente antiquado

Danny Blind e Guus Hiddink pensaram poder manter o 4-3-3 como esquema na seleção. Pensaram errado (Hans van Tilburg)
Terça-feira, 9 de setembro de 2014. 47 minutos do segundo tempo de República Tcheca x Holanda, pelas eliminatórias da Euro 2016, na Generali Arena de Praga. Cruzamento para a área de defesa da Holanda, e da direita, Daryl Janmaat tenta recuar de cabeça para Jasper Cillessen. A bola quica, engana o goleiro da Oranje, bate na trave, e sobra para Vaclav Pilar fazer 2 a 1 e decretar a vitória tcheca na estreia pela qualificação do torneio europeu.

Terça-feira, 13 de outubro de 2014. 21 minutos do segundo tempo de Holanda x República Tcheca, pelas eliminatórias da Euro 2016, na Amsterdam Arena, Escanteio cobrado para a área de defesa da Holanda. Robin van Persie está postado na direita. Ele nem precisa subir: a bola bate em sua cabeça, e sai direto para o gol de Jeroen Zoet, vendido no lance. É o 3 a 0 da República Tcheca, praticamente liquidando o jogo e decretando que a seleção holandesa não estaria na Euro.

Entre essas duas jogadas semelhantes, há uma ligação: a insegurança e a desorganização defensiva exibida pelos batavos durante todas as partidas da qualificação. Frutos do apego a um 4-3-3 antiquado, lembrança do Futebol Total, mas que não cabe mais nos dias atuais. E que prejudicou decisivamente o que os jogadores mostraram em campo, na campanha fracassada por um lugar no torneio a ser disputado na França.

A bem da verdade, defesa nunca foi o forte da seleção holandesa. São poucos os zagueiros do país que se tornaram respeitados mundial e simultaneamente pela habilidade e pela capacidade de marcação: só Ruud Krol, Ronald Koeman, Frank Rijkaard e Frank de Boer. Justamente por isso, o auxílio dos outros jogadores, a sabedoria tática de todos e medidas como a linha de impedimento bem adiantada ajudavam a equipe da Copa de 1974 a se sustentar defensivamente.

O problema é que o tempo passou. Os conceitos de "todos atacam e todos defendem" e "o jogador mais próximo ocupa o lugar daquele que saiu para o apoio" já foram deglutidos, digeridos e regurgitados nos 41 anos passados entre 1974 e hoje. Só a Holanda que ainda não percebeu. Ainda segue acreditando no 4-3-3 à moda antiga, com dois pontas velozes e troca de passes constante, para manter a posse de bola.

Não que faltassem tentativas de fazer a Holanda jogar tomando mais cuidados defensivos. O próprio Espreme a Laranja já comentou a mudança, na Euro 2008 - e a sequência, com o trabalho excelente (e polêmico) de Bert van Marwijk. Ainda assim, sua demissão, após a Euro 2012, foi tratada como se a Holanda estivesse expurgando alguém que tentou sufocar suas características naturalmente ofensivas. E a chegada de Louis van Gaal visava trazer isso de volta.

Deu certo nas eliminatórias. Mas no último teste sério antes da Copa de 2014, quando já se sabia do grupo dificílimo no mundial, a Oranje enfrentou a França. E foi trucidada: com uma atuação pavorosa da defesa, desprotegida após a lesão de Kevin Strootman, a vitória dos Bleus por 2 a 0 ficou muito pequena para o tamanho da superioridade francesa. Com o definitivo rompimento do ligamento cruzado anterior do joelho direito, no domingo seguinte, num jogo da Roma, Strootman ficaria fora da Copa. Foi definitivo para Van Gaal, forçado a conter sua preferência por esquemas ofensivos. Ou ele deixava o 4-3-3 de lado, ou a Holanda "cumpriria as expectativas" na Copa: seria superado pelo entrosamento espanhol e pela intensidade chilena.

Van Gaal escolheu o 5-3-2, protegendo a defesa ao máximo. Ron Vlaar seria o líbero, com Bruno Martins Indi e Stefan de Vrij como "stoppers" - e ainda colocou Daryl Janmaat e Daley Blind nas laterais. Com o "muro erguido", ligações diretas para o ataque e Arjen Robben tendo vivido alguns dos melhores momentos de sua carreira (fora a "sorte" das boas atuações imprevistas de Vlaar, Blind e Memphis Depay), a Oranje alcançou um surpreendente e honroso terceiro lugar na Copa.

Ao assumir o comando da seleção após o mundial, Guus Hiddink até elogiou o trabalho de Van Gaal. Mas preferiu escalar o time no bom (menos) e velho (bem mais) 4-3-3. Desprotegeu de novo a defesa. Pior: sob seu comando, a equipe abusava da posse inútil de bola. Tinha a pelota por bem mais tempo nos jogos. Mas de nada adiantava, se raramente havia criação de jogadas e aceleração do ataque com a bola dominada.

Logo Hiddink foi demitido. Mas Danny Blind persistiu no erro. E nas duas partidas que praticamente "definiram" a eliminação holandesa nas eliminatórias da Euro 2016, alguns erros foram repetidos. Contra a Islândia, a insegurança da defesa e a posse de bola estéril; contra a Turquia, a desorganização da linha defensiva, o excessivo espaçamento entre os setores do campo e o individualismo do ataque.

Com a Holanda fora da Euro, muito se tem lido que o futebol holandês acabou. Ele não acabou, claro. Mas o Futebol Total de 1974? Pode nem estar morto, mas que está desatualizado, está. Voltar a defender é preciso.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

As razões do vexame (I): (in)decisão na federação

Hesitante e dúbio com relação a técnicos, Van Oostveen também é responsável pelo fracasso da Oranje (Bas Czerwinski/ANP)

Por mais que estivesse fazendo um trabalho razoável à frente da seleção holandesa, Louis van Gaal logo deixou claro: após a Copa de 2014, deixaria a Oranje, por desejar voltar ao futebol de clubes, devido ao fastio de comandar uma seleção, com tudo que isso acarreta (pressões de vários lados, trabalho espaçado demais com os atletas, impossibilidade de treinar constantemente etc.). A partir daí, a KNVB (Koninklijke Nederland Voetbalbond, a federação holandesa) iniciou a procura por um um novo técnico. E agora está claro: este processo, vindo desde o início de 2014, mal conduzido e hesitante, foi uma das principais razões pela ausência da seleção batava na Euro 2016.

Porque o técnico previsto para comandar a seleção holandesa após a Copa não era Danny Blind. A rigor, nem era Guus Hiddink. A princípio, Ronald Koeman era o nome. Tanto por seu histórico como jogador - líbero, titular absoluto da equipe entre 1983 e 1994, 78 jogos e 14 gols, capitão esporádico da Oranje, campeão europeu em 1988, duas Euros e duas Copas no currículo, carreira vitoriosa em clubes, principalmente em PSV e Barcelona... -, como pelo desejo em treinar a seleção. A tal ponto que, no meio de 2013, após uma conversa com Bert van Oostveen, diretor de futebol profissional da federação, Koeman renovou seu contrato por apenas uma temporada, ao contrário do que o clube pretendia. Tudo para ficar livre ao final do mundial, para assumir a Oranje.

Era isso. Até o final de 2013, quando Guus Hiddink deixou o Anzhi, da Rússia. Rumo à saída do futebol, supunha-se, até por suas palavras. Isso até escrever algumas colunas, ao diário "De Telegraaf", comentando que só uma coisa impediria o fim de sua carreira: comandar a seleção holandesa. Paralelamente, o agente de Guus, Cees van Nieuwenhuizen, confirmou: era só a federação se interessar e conversar. Van Oostveen se interessou. Conversou com Hiddink. Em janeiro de 2014, definiu-se. E em fevereiro, anunciou-se: Hiddink seria o técnico até a Euro 2016. Depois, se tornaria o diretor técnico da federação, cedendo o lugar a Danny Blind, já então auxiliar técnico.

Pior: não só Koeman fora deixado de lado sem mais nem menos, mas também foi procurado posteriormente para... ser auxiliar de Hiddink, como já fora na Copa de 1998. Mas naquele torneio, ele havia acabado de deixar os campos. No início de 2014, Koeman já era um técnico, com uma carreira desenvolvida. Era até desrespeitoso tentar fazê-lo de novo um auxiliar. E ele deixou implícita certa mágoa com a falta de clareza e consideração da federação (leia-se Van Oostveen): "Sou capaz de fazer as coisas sozinho. Todos ficariam felizes se Hiddink e Koeman estivessem juntos, mas isso não é uma opção para mim".

Terminado a Copa, Hiddink assumiu o lugar de Van Gaal, com Blind como auxiliar. O que soava como "exemplo de organização e de visão" ocorria apenas por causa do interesse de Hiddink, correspondido por Van Oostveen. Que, além de ter hesitado entre o escolhido e Ronald Koeman, adotou postura dúbia posteriormente. Explica-se: segundo a revista holandesa "Voetbal International",  o preferido do diretor da federação para treinar a Oranje era e sempre foi Danny Blind. A tal ponto dele ter sido escolhido auxiliar para que não aceitasse uma proposta do... Manchester United, que o convidou para acompanhar Louis van Gaal em Old Trafford. Blind reconheceu isso, em entrevista ao diário "Algemeen Dagblad": "Falou-se nisso, mas afastei logo a hipótese. Se você tem ambição, o que pode ser melhor do que treinar a seleção de seu país?". Van Oostveen dava a chance a ele, para depois da Euro.

Aí, foi a vez do trabalho de Hiddink ser minado pouco a pouco. Começou após a derrota por 2 a 0 para a Islândia, em outubro de 2014, quando o sinal de alerta foi aceso: Van Oostveen disse que se reuniria com o técnico para a "avaliação" e para um "plano de desenvolvimento". E Hiddink desmentiu tal plano: "Eu li isso de 'plano de desenvolvimento' aqui e ali, mas não faz parte da minha terminologia".

Aos poucos, não só Hiddink foi errando e fazendo crescer sua parcela de culpa na derrocada holandesa, por fatores como a insistência no 4-3-3 e a falta de detalhismo na preparação do time (a grande qualidade de Van Gaal em sua segunda passagem), mas Van Oostveen também fez pouco para ajudar o trabalho. Já após a vitória contra a Letônia, em junho, Hiddink pensava em antecipar a mudança para diretor técnico, deixando Blind como treinador. Até que veio a gota d'água: em 22 de junho, Van Oostveen contratou como novo técnico da seleção sub-21 Fred Grim. Colega de Danny Blind como jogador, no Ajax campeão dos anos 1990 (Grim era o reserva de Van der Sar no gol). Sem avisar a Hiddink.

Não deu outra: no fim de junho, Guus pediu demissão. E deixou a federação em definitivo, abandonando o plano de ser diretor técnico, desenvolver um plano tático para as seleções holandesas etc. Com uma equipe desorganizada e mal definida taticamente, Blind assumiu às pressas. Só teve tempo de indicar a volta de Marco van Basten à Oranje, desta vez como auxiliar. E nem assim as coisas deram certo, culminando no primeiro vexame: a ausência da Euro 2016.

Pior: Danny Blind e Van Oostveen não dão muitos sinais de reconhecimento do vexame. O "bobo" (apelido derivado de "bondsbonzen", "chefe da federação" - termo holandês equivalente a "cartola" no Brasil) comunicou que o técnico segue; e o próprio Danny relembrou: "Eu aceitei a proposta de auxiliar Hiddink e depois comandar a seleção. Foi o que fiz, e é o que farei". E, de fato, não há nada que indique mudança. Frank Rijkaard deixou a carreira de técnico; Frank de Boer já informou que não será técnico - e de qualquer forma, também está sendo questionado no Ajax; e Ronald Koeman, ainda magoado, anunciou: "Não serei técnico da seleção, nem agora, nem no ano que vem". E Danny Blind provavelmente terá de continuar um trabalho já irremediavelmente manchado. Por causa dos erros de Guus Hiddink. E por causa da hesitação - e pela ambiguidade - de Bert van Oostveen.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Não merecia

Após o vexame, nada a dizer. Só lamentos e promessas (Koen van Weel/ANP)
"Hup Holland!" Assim é um dos gritos mais conhecidos da torcida holandesa para incentivar sua seleção. Depois da rodada passada, com a dependência de uma vitória da Islândia contra a Turquia para chegar à repescagem das eliminatórias da Euro 2016, o grito foi alterado: "Hup Ijsland!". Lógico, um alento aos islandeses, para que se esforçassem no jogo de Konya. Mas, depois do final da história, impossível não pensar em como isso conotava também uma falta de confiança profunda na própria seleção. Desconfiança "justificada" pelo que se viu nesta terça: o 3 a 2 da República Tcheca, em plena Amsterdam Arena, que consumou o vexame temido. A ausência da Oranje de mais um torneio grande, 14 anos após a Copa de 2002.

Curiosamente, o início da partida até deu razões para otimismo. Afinal de contas, os primeiros cinco minutos mostraram um volume ofensivo promissor da equipe. Novamente aparecendo com destaque, El Ghazi tentou fazer as jogadas tradicionais pela direita, Memphis Depay também começava com algo pela esquerda; enfim, pelo menos motivação não faltaria. Aí... aí entrou a exemplificação do que um time calmo e bem treinado pode fazer. A Holanda tentou repetir o que fizera contra o Cazaquistão (4-3-3, convertendo-se em 4-1-4-1, com Blind jogando à frente da defesa). Só que a República Tcheca não era o Cazaquistão: jogando num 4-5-1, a equipe visitante conseguia manter linhas de meio-campo e defesa próximas o suficiente para que a defesa sempre ficasse povoada, minorando gradualmente a pressão holandesa.

E se tinha somente Tomas Necid como atacante "de ofício", a seleção tcheca aos poucos se aproveitou do entrosamento deficiente da defesa laranja para começar a trazer mais perigo, graças ao avanço organizado de quem podia apoiar. Já a linha de quatro defensores, sob pressão, já não mostrava tanta segurança como contra os cazaques. Além disso, Riedewald e Tete deixaram espaços pelas laterais. E foi pela direita que Pavel Kaderábek avançou livre para fazer o primeiro gol, dando o sinal do desastre final. Mais do que isso: foi após uma cobrança de lateral, pela esquerda, que Josef Sural entrou como quis na área holandesa, passou entre Jeffrey Bruma e Virgil van Dijk e chutou por baixo do goleiro Zoet. Sem que Jaïro Riedewald estivesse perto para evitar.

Era o golpe fatal. Não importava a entrada de Robin van Persie, novamente saindo da reserva, colocando o time num 4-4-2, com Daley Blind preenchendo a lacuna do substituído Riedewald na lateral esquerda, enquanto Van Persie e Huntelaar serviam de referências na frente. Nem importava a expulsão de Marek Suchy, no final do primeiro tempo. Porque o desânimo já tinha se apossado de jogadores e torcida, que sequer vaiou ao fim do primeiro tempo.

E se houvesse alguma dúvida, ainda, o acidental gol contra de Van Persie só dava ares mais desalentadoras ao drama holandês. Aí a tática foi mandada às favas: as entradas de Bas Dost e Jeremain Lens colocaram a Oranje num 3-3-4. Até que o esforço deu resultado, com os dois gols que diminuíram a vantagem tcheca. Ainda assim, o gol da Turquia tirou qualquer resquício de ilusão que um milagre pudesse acontecer. E, a bem da verdade, a Holanda nem merecia, pela campanha preguiçosa e desorganizada nas eliminatórias da Euro.

O pós-jogo foi o que se suspeitava. Dos jogadores, desolação: Sneijder lamentou e prometeu ("Nós sofremos os gols muito facilmente, após o 3 a 0 estava tudo acabado. Mas ainda estou bem e não penso em parar"). Daley Blind falou em união ("Naturalmente, estou triste e penso no técnico também como meu pai, mas o grupo está totalmente do lado dele"). Klaas-Jan Huntelaar foi mais realista ("Se você não se classifica após dez jogos, isso é uma questão de qualidade. Não ganhamos nenhum jogo contra as equipes classificadas").

A reação da torcida e da imprensa era de desânimo ou de raiva. A mídia foi lacônica: "Oranje perde Euro após novo revés", no "AD Sportwereld", caderno de esportes do diário "Algemeen Dagblad"; "Holanda empobrecida perde e está fora da Euro", noticiou o site da NOS, a emissora pública de tevê; "A desolada Holanda perde a Euro", informou a revista "Voetbal International"; "Holanda naufraga e está fora da Euro", no jornal "De Telegraaf", o maior do país. Na torcida, as cornetas sopraram justa e fortemente: chegou-se a dizer que Bruma e Van Dijk era "a pior zaga da história da seleção", no Twitter. Mas a repercussão mais doída veio não da Holanda, mas da Inglaterra. Mais precisamente, o ex-jogador Gary Lineker, hoje respeitado comentarista: "Good heavens, Holland have turned into Andorra" ("Meu deus, a Holanda se transformou em Andorra").

Enquanto isso, Danny Blind desconversava sobre erros: "Não vou dizer que as coisas mudarão, agora é hora de ver onde erramos. (...) A única coisa que devemos fazer é olhar para frente. Eu aceitei trabalhar junto de Hiddink e depois ocupar seu cargo. Aceitei antes, e seguirei agora". Dono das decisões e cada vez mais sob pressão, o diretor de futebol profissional da federação holandesa, aberta van Oostveen, também confirmou: "Sempre houve pressão sobre o diretor, e ela agora será mais forte do que nunca. Entendo muito bem a tristeza de todos. Mas nós continuaremos, Danny e eu. Vamos construir o projeto para a Copa de 2018".

Será necessário muito cuidado nesse projeto. Afinal, o da Euro deu espetacularmente errado. E se errar é humano, persistir no erro... a Confederação Brasileira de Futebol já mostrou o que acontece nesse caso.

sábado, 10 de outubro de 2015

Por um fio

A boa estreia de El Ghazi e os gols de Wijnaldum e Sneijder ajudaram a tensa Holanda (ANP/Pro Shots)
A seleção da Holanda já tinha sérios problemas com lesões, suspensões... enfim, tinha sérios problemas com desfalques para enfrentar o Cazaquistão, na primeira das duas partidas fundamentais pelas últimas rodadas das eliminatórias da Euro 2016. E por mais que não fosse personagem fundamental na equipe, Jasper Cillessen foi mais um acréscimo à lista, ao lesionar as costas no aquecimento imediatamente anterior ao jogo na Astana Arena, dando forçosamente lugar entre os titulares a Tim Krul. Mais um revés num jogo já cercado de tensão - por mais que fosse contra o último colocado do grupo A da qualificação.

E essa tensão perturbou visivelmente a seleção holandesa. Não que estivesse sendo sufocada pelos cazaques. Nem que o péssimo gramado da Astana Arena atrapalhasse demais. Era melhor em campo: no 4-3-3 inicial (que mais pareceu um 4-1-4-1 ao longo do jogo), a proximidade entre os jogadores era bem mais notória do que contra Islândia e Turquia. Além disso, sempre que possível, as jogadas de ataque eram aceleradas. Na defesa, embora a saída de bola tivesse sobressaltos, Daley Blind fazia muito bem o papel de proteção à zaga. Porém, o Cazaquistão teve mais posse de bola no início do jogo. Estava mais animado. E isso fazia com que tivesse mais volume de jogo no ataque, no 5-4-1, com bons inícios de Bauryzhan Islamkhan e Ilam Konysbaev. Além disso, a defesa compactada dos anfitriões revelavam que segue o problema holandês de não conseguir se sobressair contra defesas fechadas.

Por isso, mesmo que se vissem bons pontos (como a estreia agradavelmente segura de Kenny Tete e, principalmente, Anwar El Ghazi, que foi constante opção pela direita), a equipe parecia tensa em campo. Não fazia fluir sua superioridade técnica - clara, embora não fosse categórica. Era preciso aproveitar pelo menos uma jogada de ataque para abrir o placar e tranquilizar o jogo. A primeira foi perdida, em chance valiosa que Memphis Depay chutou para fora. A segunda deu certo, no rápido passe de El Ghazi para Georginio Wijnaldum (atuação satisfatória), que chutou rasteiro para abrir o placar. A comemoração de "Gini", com o abraço coletivo, mostrou a importância daquele gol.

Aí, o ânimo cazaque baixou definitivamente. E a Oranje pôs em prática sua superioridade tática. Na defesa, além do auxílio de Blind, Jeffrey Bruma e o estreante Virgil van Dijk cuidavam das coisas para não correrem riscos desnecessários; no meio-campo, Wijnaldum era quem mais atacava, além de El Ghazi sempre procurar jogo e ter espaço para suas tentativas. Quem pecava eram Memphis Depay, individualista em excesso; Wesley Sneijder, que não ia mal, mas não comandava o jogo como se espera; e Klaas-Jan Huntelaar, atuando mais taticamente do que aparecendo para finalizar.

Ainda assim, a Laranja retomou a maior posse de bola. E valeu-se de nova rápida jogada de ataque para fazer 2 a 0, com Huntelaar servindo de pivô para Sneijder concluir e praticamente encaminhar a vitória dos visitantes. Aí houve o problema: pouco a pouco, relaxada por se saber superior, a Holanda foi permitindo a evolução ofensiva dos cazaques, Tete avançava bem e até continha os ataques por seu setor, mas aos poucos os cruzamentos aumentaram sobre a área holandesa. Mais: em saída de gol, Krul caiu de mau jeito, torceu o joelho e teve de ser substituído por Jeroen Zoet. Enquanto isso, Ibrahim Afellay e Robin van Persie (fazendo seu 100º jogo pela seleção) entravam para servirem de referência no time.

Por fim, veio o gol de honra de Islambek Kuat. A vitória holandesa já estava garantida, o jogo já estava nos acréscimos (precisamente no quarto dos cinco minutos dados pelo árbitro francês Clément Turpin), mas o gol foi um último aviso de que a seleção precisa cuidar de sua defesa. Pior: Danny Blind já sabia que teria de fazer novas convocações, com a lesão de Krul e Tete como único lateral direito, e chamou Kenneth Vermeer e Gregory van der Wiel (já com a suspensão cumprida). O capitão Sneijder reconheceu que houve certa sorte ("Foi sorte o juiz ter apitado o final logo depois do 2 a 1") e alertou que sua presença contra a República Tcheca não é certa ("Se o trabalho de parto [da esposa Yolanthe] começar, eu deixo a delegação"). 

De todo modo, embora tenha vencido, sabe-se que a Oranje nada mais fez do que cumprir a obrigação de superar o lanterna Cazaquistão. E a República Tcheca, jogando com um time misto, foi superada por uma Turquia que vê seus destaques (Selçuk Inan, Hakan Çalhanoglu e, principalmente, Arda Turan) crescerem na hora certa. Agora, a única alternativa para o time laranja é vencer os tchecos, na Amsterdam Arena, e torcer pelos islandeses, que enfrentam os turcos, em Konya. Tornou-se ainda mais difícil. A seleção holandesa está por um fio. Para muita gente na torcida e na imprensa, nem adianta mais esperar que o vexame seja evitado.

Como em 2003: em desespero, Oranje aposta nos jovens

Promessa em 2003, Sneijder agora lidera jovens holandeses na última cartada por vaga na Euro (VI Images)
19 de novembro de 2003. Na repescagem das eliminatórias para a Euro 2004, jogando contra a Escócia por uma das últimas vagas no torneio continental, a seleção da Holanda chega para a partida decisiva em sérias dificuldades: perdeu o jogo de ida em Glasgow, por 1 a 0, e o técnico Dick Advocaat está sob uma torrente de críticas, que pedem por um jogo mais ofensivo.

Advocaat decide apostar alto: escala a seleção num 3-4-3, colocando pela primeira vez como titular um meio-campista promissor: Wesley Sneijder, 19 anos, em sua terceira partida na Laranja. O resultado? 6 a 0, com Sneijder como grande destaque: abriu o placar e deu quatro passes para outros gols. Ali o jovem mostrava: poderia marcar época na história da seleção holandesa.

O tempo passou. Hoje, 9 de outubro de 2015, Sneijder se estabeleceu há muito tempo como um dos melhores jogadores holandeses de futebol em todos os tempos. Tem 117 jogos pela Oranje, número só inferior aos 130 jogos de Edwin van der Sar. E se era a aposta em 2003, agora o meio-campista será um dos líderes de uma Oranje que teve de se renovar, à força, para as duas últimas partidas nas eliminatórias da Euro 2016.

Partidas que são duas “decisões”, contra Cazaquistão, neste sábado, e República Tcheca, na próxima terça. Atrás da Turquia no grupo A, a Holanda não pode mais tropeçar – e espera que os turcos falhem. Ou seis pontos mais um mau resultado dos turcos (contra os tchecos ou contra a Islândia) para ir à repescagem, ou o vexame da ausência na Euro será real.

Está certo que, originalmente, nem era a intenção de Danny Blind apostar tanto em garotos para conseguir o que a imprensa do país chama de “Houdini-act” – um milagre, uma mágica, algo digno de Houdini. Mas as circunstâncias forçaram-no a isso. A começar pela defesa. Van der Wiel e Martins Indi estão suspensos, e De Vrij lesionou o joelho. Resultado: Blind repetiu a aposta em Jaïro Riedewald, do Ajax; promoveu o retorno de Karim Rekik (agora está no Olympique de Marselha, mas poderia repetir dupla com Jeffrey Bruma, parceiro no PSV); deu nova chance a Virgil van Dijk, pedido há muito na Oranje e começando bem no Southampton; e chamou para a lateral direita Kenny Tete, 19 anos, do Ajax.

Na entrevista coletiva que deu na segunda-feira passada, Blind reconheceu as poucas opções defensivas, mas voltou a criticar Van der Wiel e Martins Indi, negando-se a chamá-los apenas para o jogo contra a República Tcheca: “Eles não foram convocados porque estão suspensos. Mas não se pode dizer que eles não falharam nas partidas anteriores. Principalmente Martins Indi, mas também Van der Wiel, que errou no pênalti [contra a Islândia]. E a diferença para os outros jogadores não é tão grande a ponto de eu convocá-los só para jogarem a segunda partida”.

Mas desgraça pouca era bobagem: Daryl Janmaat, o substituto de Van der Wiel e titular quase certo, chegou à concentração em Hoenderloo com problemas no joelho. Resultado: foi cortado na terça-feira. O técnico até informou que ligou para Van der Wiel e pediu “que ficasse alerta”, mas é altamente provável que Tete será jogado aos leões contra o Cazaquistão. Até que o lateral está motivado (“Jogar por meu país é um grande sonho. As condições estão difíceis, mas darei tudo o que puder se eu jogar”), mas é de se pensar o impacto que as ausências terão na já frágil defesa da Oranje.

E como uma praga, as ausências se espalharam por outros setores. No meio-campo, Davy Klaassen saiu do clássico entre Ajax e PSV com uma leve concussão. Mais um corte, com outro novato como substituto: o volante Riechedly Bazoer, 18 anos (faz 19 na próxima segunda), companheiro de Klaassen no Ajax. Pior: até Sneijder pode se ausentar. Sua esposa, Yolanthe, espera o nascimento do primeiro filho do casal para qualquer momento. E o camisa 10 já anunciou: caso o bebê venha durante a semana de jogos, larga a seleção para acompanhar o novo rebento.

No ataque, o novato nem chegou por uma convocação de última hora, mas por merecimento: decidido a jogar pela seleção holandesa adulta (não sem um “empurrão” da opinião alheia, é verdade), Anwar El Ghazi mereceu sua primeira convocação, como um dos melhores jogadores do Campeonato Holandês atual. O que não significa que as lesões deixaram em paz os atacantes. Outro destaque da Eredivisie, Luuk de Jong, lesionou o tornozelo há duas semanas e perdeu uma chamada quase certa.

Outro atacante cortado foi Quincy Promes, que poderia ser usado pela ponta esquerda, mas também se machucou defendendo o Dynamo Moscou. Seu substituto, por sinal, foi uma surpresa: bastou um começo relativamente bom pelo Feyenoord para Eljero Elia voltar à Oranje, após três anos de ausência. Elia, claro, comemorou: “Foi por isso que voltei ao futebol holandês”.Mas nem mesmo todas essas adversidades tiraram Danny Blind da mira das críticas. Por duas razões. A primeira, frequência demasiada de jogadores do Ajax na convocação (além de Tete, Riedewald, Bazoer e El Ghazi, Cillessen está na lista), o que talvez indique certa parcialidade do técnico, que atuou pelos Amsterdammers dentro e fora de campo. Além de ser inegável exagero, para um time cujas atuações têm sido medianas. Claro, Blind negou: “Acho que isso é besteira, eu não me importo com o time em que jogam”.

Outra razão para reclamações é a insistência do treinador no 4-3-3, considerado uma das razões para a derrota contra a Turquia, pela desorganização extrema da defesa e pelo excesso de espaço entre os setores do time. Blind foi definitivo: “Vamos jogar no 4-3-3. Se nos classificarmos para a Euro, aí se olha para as outras possibilidades dentro do elenco que permitam outro sistema. Mas ainda há equipes que jogam com três atacantes. São melhores do que nós, mas eu acho que somos melhores do que o Cazaquistão”.

Se era apenas uma promessa naquela repescagem em 2003, Sneijder agora é o veterano que ditará os rumos, junto de Van Persie. E suas declarações são otimistas: “Espero que tenhamos outro final feliz”.  De fato, deu certo há 12 anos. Assim como já deu certo depender de uma vitória da República Tcheca, na fase de grupos da Euro 2004 (fato mencionado no fim deste texto aqui).

Mas agora é outra história, com outro time, em circunstâncias mais difíceis. Além disso, o Cazaquistão trouxe sérias dificuldades ao ser enfrentado em Amsterdã (a derrota por 3 a 1 só veio após os cazaques ficarem com dez). Sem  contar o gramado artificial da Astana Arena, com que a Oranje está desacostumada. Se der certo, e a Turquia “colaborar”, a Holanda segue em busca da Euro. Caso contrário, pelo menos as novas caras já começarão a aparecer. Seja como for, a última cartada foi dada. A partir deste sábado, a sorte está lançada.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 9 de outubro de 2015)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Grandes jogadores holandeses de que você nunca ouviu falar: Coen Dillen

Dillen (camisa listrada) foi um dos primeiros e mais importantes ídolos da história do PSV (Gé van der Werff/fotoleren.nl)
Ah, o Campeonato Holandês... Um dos paraísos máximos para quem quer fazer gols. Jogadores acostumados à artilharia são tão frequentes na Eredivisie que torna-se bastante difícil separar atacantes que tornaram-se reconhecidos pela habilidade e capacidade em colocar a bola nas redes (Cruyff, Van Basten, Romário, Bergkamp, Van Nistelrooy, Suárez... lista grande) daqueles que só fizeram sucesso pela facilidade com que os gols surgem na liga holandesa (Peter Houtman, Wim Kieft, Afonso Alves, Bjorn Vleminckx...).

Em meio a esses dois extremos, pode surgir a pergunta: afinal, quem foi o maior goleador em uma só edição do Campeonato Holandês? O dono da marca teria completado 89 anos nesta segunda-feira, 5 de outubro: Coen Dillen, que marcou 43 gols justamente na primeira temporada do campeonato nacional (1956/57). Até hoje, não houve goleador com mais tentos numa só edição da Eredivisie.

E desde que nasceu, Coen teve seu destino ligado a Eindhoven: nasceu em 1926, em Strijp, distrito da cidade, quinto de onze filhos. Por aí já pode se prever qual foi o clube que abrigou o talento do atacante... mas não foi no PSV que a carreira começou. Foi em 1937, no VV Brabantia, também de Eindhoven. Só que a ascensão foi rápida: já em 1941, Dillen foi para o clube da Philips, onde seria um dos primeiros grandes ídolos de sua história. No entanto, sua primeira passagem pelos Boeren foi esquecível. E em 1944, já na fase final da Segunda Guerra Mundial, ele foi servir voluntariamente a Marinha holandesa, parando a carreira. Encerrados o conflito e o tempo de serviço, o atacante voltou ao Brabantia, em 1947.

Em 1949, mais preparado e experiente, Coen retornou ao PSV. Aí, foi para marcar seu nome na história dos Eindhovenaren: já em 1950, foi o grande destaque na conquista da Copa da Holanda. Na temporada seguinte, 1950/51, o sucesso seguiu no PSV, que conquistou o campeonato holandês, ainda num formato diferente (o clube alvirrubro precisou ganhar a liga regional, para depois conquistar o título nacional em nova liga, com os outros campeões regionais).

Em 1954, mais uma evolução na carreira de Dillen. Com o PSV, ganhou novamente o campeonato regional; e teve sua primeira chance na seleção holandesa, que entrava num regime mais profissional de atuação - como o próprio futebol do país, de resto. E já marcou em seu primeiro jogo pela Laranja, contra a Suíça, em 30 de maio daquele ano, pouco antes da Copa que os helvéticos sediaram (eles venceram o amistoso, aliás, por 4 a 1, de virada). Na segunda partida, Coen... também marcou: de pênalti, num amistoso contra a Bélgica (que ganhou, por 4 a 3). O atacante se recuperou da melhor maneira possível: no ano seguinte, em nova partida contra os rivais belgas, vitória da Oranje por 1 a 0. Gol dele.

Mas o grande salto, inegável, veio em 1956/57. Na primeira temporada em que o Campeonato Holandês teve dimensões nacionais, não tendo fases regionais, Dillen foi o artilheiro, com 43 gols. Repita-se: marca até hoje não igualada, 59 anos depois. Estava totalmente justificado o apelido que até hoje acompanha as lembranças do jogador: "Het kanon" ("O canhão"). Que também deixou boas marcas na seleção: em cinco jogos, quatro gols.

Em 1961, "Coentje" (outro apelido, com o nome no diminutivo) deixou o PSV, agora com seu nome firme nas grandes figuras: em 328 jogos oficiais, 287 gols, segunda maior marca da história do clube. Mais dois anos no Helmondia '55 - um dos clubes que daria origem ao Helmond Sport -, e o já veterano encerrou carreira, em 1963. Depois, ainda tentou uma carreira de treinador, no RKSV Nuenen, time amador. Mas ela não durou muito, e em 1966 Coen deixou o futebol definitivamente.

Desde então, viveu do sustento de uma tabacaria que manteve em Eindhoven. Morreu em 1990, após uma parada cardíaca, aos 63 anos. Mas a tabacaria seguiu até os dias de hoje, comandada pela viúva, na Frederiklaan, mesma rua do Philips Stadion. E foi justamente o PSV que reavivou a memória futebolística de Dillen. Não só com uma estátua, na parte leste do estádio, mas também com várias lembranças no museu do clube. Além disso, em 2000, foi criada a Fundação Coen Dillen, organizando torneios infantis amadores, comandada pelo filho de Coen, Rob. Em 2006, ainda foi lançada uma biografia.

E hoje já se sabe na Holanda: antes de todos os outros grandes artilheiros que a Eredivisie já teve, houve Coen Dillen. Que está acima de todos, de certa forma, pelo recorde ainda não batido.

Coen Dillen

Nascimento: 5 de outubro de 1926, em Strijp, Holanda
Morte: 24 de julho de 1990, em Goes, Holanda
Carreira: VV Brabantia (no infantil, 1937-1941; na fase adulta, 1947-1949), PSV (no infanto-juvenil, 1941-1944; na fase adulta, 1949-1961) e Helmondia '55 (1961-1963)
Seleção: 5 partidas, 4 gols

domingo, 4 de outubro de 2015

810 minuten: como foi a 8ª rodada da Eredivisie



Titular inesperado, o uruguaio Pereiro definiu a vitória categórica do PSV no clássico contra o Ajax (Pics United/psv.nl)

Heracles 2x0 Heerenveen

Na 7ª rodada, um tropeço contra o AZ (derrota por 3 a 1) enfraquecera um pouco a forte impressão que os Heraclieden vinham causando. Afinal de contas, tratava-se do segundo colocado do Campeonato Holandês. Mas... era bom evitar outro revés contra o Heerenveen, para que o embalo não fosse definitivamente encerrado. E o time de Almelo conseguiu. Valendo-se novamente das vantagens que tem no seu estádio - ambiente caloroso e costume maior ao gramado artificial -, a equipe foi mais eficiente no ataque. Enquanto o time da Frísia já chegou pressionado pelos dois jogos sem balançar as redes, e perdeu várias chances, o Heracles foi mais eficiente, com o belo chute de Iliass Bel Hassani que abriu o placar no primeiro tempo. E até poderia ter definido a vitória antes do gol de Wout Weghorst, já no final da partida. A grande surpresa do início de temporada segue em alta, com quatro vitórias nos quatro jogos em casa - somando-se à temporada passada, são seis triunfos em sequência, igualando recorde histórico do clube na Eredivisie (2006 e 2010).

NEC 4x1 ADO Den Haag

Há alguns casos em que um lance define o que será a partida, dali por diante. Foi o que ocorreu no estádio De Goffert, em Nijmegen, no primeiro jogo do sábado. Embora tivesse saído na frente graças a um gol com vinte segundos de jogo, o NEC sofrera o empate, e o ADO Den Haag se animava com uma vitória bastante desejada, para afugentar a crise. Estava tudo indefinido. Até os 18 minutos do segundo tempo, quando Navarone Foor alcançou uma bola que saía pela direita e cruzou para Christian Santos. O venezuelano definiu com uma bela bicicleta, para recolocar os anfitriões na frente. E ali se definiu a partida: animados, os Nijmegenaren partiram para fazer mais dois gols e sacramentar a goleada. Já o time de Haia teve de encarar sua sexta partida seguida sem vitória. O técnico Henk Fräser só não corre risco de demissão porque renovou o contrato por mais um ano, exatamente nesta semana. Todavia, seguem os boatos envolvendo o técnico chinês Gao Hongbo. Mas isso é outra história, que fica para outra vez.

Roda JC 1x1 Cambuur
Até mesmo o Twente, também em situação aflitiva, já conseguira a primeira vitória na temporada, na rodada passada (2 a 1 no Roda JC, justamente o adversário deste sábado). E nada do Cambuur, penúltimo colocado, conseguir um triunfo. Vinha dando certo neste sábado: em um escanteio, a bola foi desviada pelo lateral esquerdo Marvin Peersman, e sobrou para Bartholomew Ogbeche (quem mais poderia ser?) colocar nas redes. E a equipe auriazul segurava a pressão dos mandantes. Que conseguiram o empate em mais uma bonita jogada acrobática da rodada: um voleio de Tom van Hyfte, já aos 27 minutos do segundo tempo, decretou o empate no Parkstad Limburg Stadion. Enquanto o Roda retomou o caminho num início razoável de temporada (é o sétimo colocado), os Leeuwarders seguem à espera de uma vitória. Se serve de consolo: a atuação do sábado deu um pouco mais de esperança.

Willem II 0x1 Zwolle

Muito se tem falado do Heracles como a grande surpresa desta fase inicial da temporada holandesa. E isso é justo. Ainda assim, não há como deixar de fora o Zwolle, que se recusa a parar de surpreender. Mesmo num jogo truncado como o de sábado, fora de casa, a equipe segue paciente, sem fugir de seu velho 4-2-3-1, sem deixar a segurança de lado. Assim, tomando os cuidados necessários na marcação, é possível que os principais destaques ofensivos atuem. Caso do neozelandês Ryan Thomas, criador das principais jogadas de ataque dos Dedos Azuis na partida. Só que o 0 a 0 seguia no placar. Aí apareceu a sorte: aos 43 minutos do primeiro tempo, uma cobrança de falta de Ouasim Bouy desviou em Guus Joppen, e enganou o goleiro Kostas Lamprou, abrindo o placar para os visitantes. No segundo tempo, os Tricolores ainda tentaram atacar mais, porém lhes faltou criatividade. E os Zwollenaren saíram de Tilburg com mais três pontos, pela quinta vitória na temporada, e com a terceira posição da tabela. Já são 17 pontos. Nunca, em sua história na divisão de elite holandesa, o Zwolle tivera pontuação tão grande após oito rodadas. E o conto de fadas continua.

Excelsior 1x0 Utrecht

Willem II x Zwolle já fora um jogo bastante parado. Ainda assim, teve o charme trazido pela vitória dos visitantes, que representou um recorde positivo para o Zwolle, e a continuação de uma ótima campanha. Charme foi exatamente o que faltou no jogo em Roterdã, entre Excelsior e Utrecht: foi uma partida chata, sem muitos lances de perigo. O empate sem gols parecia o destino mais lógico do placar final, até que o meio-campista Jeff Stans sofresse um pênalti. Houve a oportunidade, já que o volante Willem Janssen, do Utrecht, confessou que tocou em Stans: "Não que fosse o caso de dizer que seriam dez pênaltis em dez jogadas iguais a essa, mas realmente houve o contato". E Stans aproveitou, conforme o próprio assumiu à FOX Sports holandesa após o jogo: "Eu senti um contato leve, e acho que [nessas situações] você precisa ser inteligente e cair". O próprio meio-campista bateu, aos 28 minutos da etapa final, e decidiu o jogo. Só que a vitória não significa que tudo anda bem no Excelsior. "Claro que temos muito a melhorar", reconheceu Stans. Mesmo com a derrota, os Utregs seguem numa segura décima posição. Mas também estão devendo, e muito, na temporada.

De Graafschap 1x2 Feyenoord

Mesmo atuando em casa, os Superboeren não dariam a menor dificuldade ao Stadionclub, que disputa a liderança da Eredivisie, certo? Errado. Por incrível que pareça, o lanterna do campeonato foi bem melhor durante o primeiro tempo, e mereceu a vantagem conquistada. Com boas atuações, principalmente dos atacantes Erik Quekel e Youssef El Jebli, a equipe de Doetinchem deu o que suar à defesa dos Rotterdammers. Mal postada, várias vezes ela deixou o goleiro Kenneth Vermeer em apuros. Numa dessas vezes, Quekel chutou, a bola passou por baixo do arqueiro, e o zagueiro Sven van Beek desviou-a involuntariamente para o gol, abrindo o placar no que foi o quarto gol contra de Van Beek com a camisa do Feyenoord. Animado, o De Graafschap teve mais chances, viu um gol do zagueiro Jan Lammers anulado (justamente: Vermeer fora obstruído), e poderia até ter uma vantagem maior. Não teve. E a maior experiência ajudou muito os visitantes na etapa complementar. Se no primeiro tempo as três boas chances foram impedidas pelo goleiro Hidde Jurjus, já no começo do segundo tempo veio o empate, em cabeceio de Michiel Kramer após cruzamento de Simon Gustafson, substituto do lateral direito Karsdorp. Com jogadas melhor trabalhadas, de pé em pé, o trio ofensivo do Feyenoord voltou a funcionar depois: passe de Kramer, chute de Elia, falha de Jurjus, 2 a 1. Vitória difícil, mas valiosa para os Feyenoorders, agora iguais em pontuação ao líder Ajax.

Ajax 1x2 PSV

O grande jogo da oitava rodada chegou a prometer muito: aos dez minutos do primeiro tempo, o placar já era 1 a 1. Tornado titular às pressas, após problemas particulares tirarem Maxime Lestienne do jogo, o uruguaio Gastón Pereiro fizera o primeiro gol dos Eindhovenaren com apenas sete minutos. Pego de surpresa graças aos espaços que a defesa oferecia, sofrendo seu primeiro gol em casa pela Eredivisie nesta temporada, o Ajax teve de correr atrás. Com a velocidade possibilitada por Davy Klaassen, Viktor Fischer e Amin Younes, coube ao alemão empatar já aos nove minutos (embora o zagueiro Joël Veltman tenha assumido depois falta em Joshua Brenet, no lance do gol). Previa-se um clássico bastante empolgante. Só que aí o ritmo caiu, e assim ficou no resto do primeiro tempo. No entanto, já estava clara a principal deficiência dos Ajacieden: o espaço no campo de defesa. Somente Riechedly Bazoer auxiliava mais a linha de quatro marcadores; e nesta, Mitchell Dijks tinha desempenho ruim na lateral esquerda, deixando espaços, e Veltman atuava nervosamente.

Phillip Cocu notou. Os jogadores do PSV também. E os Boeren voltaram ao segundo tempo bem melhores. Jogando ao contrário do estilo tradicional, ficaram com a posse de bola pela maior parte do tempo. E sabiam bem o que fazer com ela. Substituindo Luuk de Jong, ainda lesionado, Jürgen Locadia irritava a zaga do Ajax, com seu temperamento tradicionalmente forte. Mas seu papel tático foi mais importante: mantinha a posse de bola até a chegada de Pereiro, Luciano Narsingh e Davy Pröpper ao ataque. Com isso, o time de Eindhoven criava mais jogadas de ataque. Ao contrário do Ajax, que perdia vários contragolpes pela ausência de gente para acompanhar Fischer e Klaassen. De mais a mais, Jorrit Hendrix ajudava bastante o ainda convalescente Andrés Guardado: mesmo com ambos em campo, era o volante holandês que evitava as chegadas dos Amsterdammers à defesa. Aí também ajudou Jeffrey Bruma, com atuação segura. Mesmo que o Ajax tenha tido até uma bola na trave, em chute de Fischer, o PSV controlava as ações. Bastava aproveitar uma chance que a vitória estaria próxima. Ela foi aproveitada, novamente com Pereiro, no final do jogo, marcando o segundo gol pelo clube em sua primeira chance entre os titulares. E como na temporada passada, o atual dono da Eredivisieschaal saiu da Amsterdam Arena com o triunfo, provando que está firme na disputa do bicampeonato. Ao Ajax, restou ver suas falhas já conhecidas exploradas da pior maneira possível: por um rival, que lhe impôs a primeira derrota pela Eredivisie.

Vitesse 5x0 Groningen

Quando o inglês Dominic Solanke (outro emprestado pelo Chelsea) abriu o placar, após rebote do goleiro Sergio Padt, o jogo em Arnhem já poderia até ter acabado. Afinal de contas, a superioridade dos Arnhemmers estava clara desde que a bola começou a rolar, e dificilmente o apático Groningen conseguiria reverter a desvantagem, ainda que precisasse de recuperação após a segunda derrota na Liga Europa. O segundo tempo só ampliou o desnível entre as duas equipes: o time da província de Zeeland foi descuidado a ponto do segundo gol do Vites, de Valeri "Vako" Qazaishvili, ter saído após recuo mal feito do lateral direito Johan Kappelhof. E bastou um pouquinho de esforço para que os aurinegros chegassem à goleada - com direito ao primeiro gol do brasileiro Nathan pelo clube, o quarto do jogo. Na quinta vitória seguida em casa na temporada, o 5 a 0 do Vitesse ficou até barato.

AZ 3x1 Twente

Mesmo com o otimismo em alta, pela surpreendente vitória sobre o Athletic Bilbao na Liga Europa, a equipe de Alkmaar demorou para sacramentar sua superioridade contra os Tukkers. Até que, novamente, um atacante de finalização apareceu para se destacar na segunda vitória consecutiva dos Alkmaarders na Eredivisie. Se Muamer Tankovic foi o personagem principal  nos 3 a 1 sobre o Heracles, desta vez Vincent Janssen transformou em gols o maior volume de jogo dos anfitriões: já no segundo tempo, aos 15 e aos 25 minutos, fez 2 a 0. Como sempre, o armador Hakim Ziyech se destacou pelo Twente: fez o de honra dos visitantes num belo chute. Mas Guus Hupperts encarregou-se de fazer 3 a 1, manter o embalo que os AZ'ers ensaiam na temporada - e, claro, de deixar inalterada a situação difícil do Twente, antepenúltimo colocado.