sexta-feira, 30 de junho de 2017

Azar, incompetência e brigas: a ausência da Holanda na Copa de 2002


A equipe escalada na derrota para a Irlanda, em Dublin, que praticamente sacramentou a queda holandesa nas eliminatórias para a Copa de 2002. Em pé: Van der Sar, Kluivert, Stam, Van Nistelrooy, Hofland e Van Bommel. Agachados: Numan, Melchiot, Overmars, Zenden e Cocu (Pics United)

Hoje, você sabe, é dia 30 de junho. Há exatos 15 anos, por volta das 10h20 de Brasília, quem lê este texto, se já fosse nascido(a) e tivesse ciência das coisas, provavelmente via Cafu subindo no pedestal onde estava a taça da Copa do Mundo, para fazer a bonita homenagem a Regina, sua companheira (até hoje, aliás), antes de erguer o troféu e coroar o quinto título mundial do Brasil – inesperado por muitos antes da Copa, inquestionável depois dela.

Pois bem: era justamente naquela final, no Estádio Nacional de Yokohama, que Louis van Gaal tinha em mente estar, junto do grupo de jogadores da seleção holandesa, quem sabe comemorando o primeiro título mundial da Laranja. Pela vontade de concretizar este gigante desejo pessoal, Van Gaal aceitou o cargo de técnico da equipe, em 2000. Entretanto, em 30 de novembro de 2001, num salão na sede da federação holandesa de futebol, em Zeist, a quimera terminava melancolicamente, com a entrevista coletiva em que anunciou sua saída do cargo. 

A decepção do treinador era tanta que, no evento, viu-se uma cena que não fora vista até então – e não seria vista depois, publicamente: Louis van Gaal, um dos comportamentos mais altivos e sérios do futebol mundial, com os olhos marejados. Era o capítulo final de um período conturbado na história da seleção holandesa, que até hoje deixa a dúvida em quem acompanha futebol mais proximamente: por que a Holanda ficou fora da Copa de 2002?! 

De fato, parece difícil entender. Afinal de contas, a Laranja tinha sido semifinalista na Copa de 1998 e na Euro 2000. Certo, não haveria mais Dennis Bergkamp: a aversão a viagens de avião (e os 31 anos) fizeram o atacante decidir deixar a seleção holandesa. Mas estava lá a maioria da geração surgida no meio dos anos 1990: Edwin van der Sar, Michael Reiziger, os irmãos Frank e Ronald de Boer, Edgar Davids, Clarence Seedorf e Patrick Kluivert. Os coadjuvantes também seguiam: Phillip Cocu, Boudewijn Zenden, Giovanni van Bronckhorst. E novatos como Mark van Bommel e Wilfred Bouma apareciam. 

Enfim: com algum exagero, era possível até considerar a seleção batava como a segunda melhor equipe nacional da Europa na época, talvez só abaixo da França, campeã europeia e mundial. Porém, alguns fatores foram enfraquecendo a Holanda, no decorrer daquele ciclo de eliminatórias para a Copa de 2002: azar ao pegar um grupo relativamente forte, incompetência para conseguir os resultados, atuações irregulares, brigas internas... 

Talvez o primeiro desses fatores tenha ocorrido até antes da chegada de Van Gaal: a eliminação na Euro 2000. Para um time que ainda tinha Dennis Bergkamp, fora vários dos supracitados, jogava o torneio continental em casa e era considerado um dos grandes favoritos, a eliminação foi pesadamente traumática: nas semifinais, numa Amsterdam Arena toda alaranjada, para a Itália – empate em 0 a 0 nos 120 minutos, 3 a 1 Azzurra nos pênaltis, cinco (!) cobranças perdidas (duas nos 90 minutos, três na série de chutes da marca fatal). Frank Rijkaard, que vivia na Oranje sua primeira experiência como treinador, prometera o título europeu – e demitiu-se logo após aquela semifinal perdida, em meio a lágrimas. 

Livre para o cargo, semanas após deixar o Barcelona, Van Gaal foi escolhido como substituto de Rijkaard, em julho de 2000, tão logo a Euro acabou. Parecia o casamento perfeito: vindo de marcante passagem (para o bem e para o mal) pelos Blaugranas, o treinador reencontraria vários dos jogadores com que formou o inesquecível time do Ajax campeão europeu em 1994/95. E reconhecido então como um técnico de ponta na Europa – por mais complicado que fosse seu temperamento -, Louis apresentou-se com motivação admirável. Assinou contrato por seis anos, e seu objetivo era tão simples quanto grande, conforme o treinador apregoou na entrevista de apresentação: “Eu quero ser campeão do mundo. Eu tentarei ser campeão do mundo”. Se conseguisse, provavelmente se uniria a Rinus Michels como o grande técnico holandês da história.

Porém, o revés na Euro não foi aceito facilmente pelos atletas, como reconheceu Frank de Boer, capitão da Oranje na época, ao documentário De bittere tranen van Louis van Gaal (“As lágrimas amargas de Louis van Gaal”, sobre a ausência em 2002, lançado pela emissora pública NOS em 2014): “Particularmente, eu fiquei traumatizado com os dois pênaltis que perdi no jogo, ainda mais por eles terem nos feito perder a chance de sermos campeões europeus. E dali a um mês e meio, já teríamos partidas importantes pelas eliminatórias para a Copa”. E o grupo 2, no qual a Holanda estava na qualificação europeia para o Mundial, não era tão fácil assim. 

Primeiro, porque havia Portugal: a “Geração de Ouro” campeã mundial sub-20 em 1991 (Figo, Rui Costa, João Pinto, Vitor Baía, Abel Xavier etc.) chegava ao seu auge na seleção principal – também fora semifinalista na Euro 2000 -, e seus personagens também viviam o apogeu técnico (vale lembrar: Figo foi o melhor jogador do mundo em 2001, para a Fifa). Depois, porque aos poucos ficou comprovado: a Irlanda vivia um dos raros momentos em que poderia perturbar pesadamente os dois favoritos do grupo. Não só o Exército Verde tinha veteranos capazes de conduzir os novatos (Steve Staunton, Jason McAteer, Niall Quinn – e, nas eliminatórias, Roy Keane), mas os próprios novatos exibiam certa técnica, incomum na seleção irlandesa. Claro, aqui se fala de Robbie Keane e Damien Duff, que começaram a despontar exatamente naquelas eliminatórias. 

Pegar um adversário forte (os lusos) e outro mais fraco, mas que começava a crescer (o Eire), eram desafios para os quais a Holanda não estava preparada, como Frank de Boer reconheceu no documentário: “Não estávamos mentalmente prontos para dois jogos importantes”. E o sinal amarelo já poderia ter sido aceso na primeira partida holandesa pelas eliminatórias da Copa, em 2 de setembro de 2000, na Amsterdam Arena: a Irlanda chegou a ter 2 a 0 de vantagem, com Robbie Keane e Jason McAteer marcando, e foi francamente superior. Só no final a Holanda despertou: com gols do reserva Jeffrey Talan e de Van Bronckhorst, conseguiu ainda garantir um ponto no 2 a 2. Mas já era um tropeço. E ficaria pior. 

Golear o Chipre (0 a 4, em Nicósia) não era mais do que a obrigação, antes do primeiro duelo decisivo contra os portugueses, em casa. Neste primeiro teste, em 10 de outubro de 2000, em Roterdã, a Laranja foi reprovada: com um time trazendo alguns jogadores improvisados (Cocu junto a Frank de Boer na zaga; Bouma no ataque), a lentidão e o desentrosamento foram um convite a Portugal. E a seleção das Quinas atendeu a ele: jogou bem e fez 2 a 0 em pleno De Kuip, com gols de Sérgio Conceição e Pauleta. Empate com os irlandeses, derrota para os portugueses... a vaga na Copa, que parecia certa antes do início das eliminatórias, já começava a não ficar tão perto da Laranja, com quatro pontos. Portugal já abria sete pontos no grupo; a Irlanda, cinco.


As coisas pioravam, dentro e fora de campo. Dentro, a Holanda tinha dificuldades: venceu um amistoso contra a Espanha (2 a 1, em 15 de novembro de 2000) somente virando no segundo tempo, e apenas empatou com a Turquia no primeiro amistoso de 2001 (0 a 0, em 28 de março, na Amsterdam Arena). Fora, Van Gaal encarava cada vez mais problemas: os garotos que ajudara a desenvolver no Ajax tinham se convertido em jogadores experientes, atuando em grandes clubes europeus – Van der Sar e Davids, na Juventus; os De Boer, Reiziger e Kluivert, no Barcelona; Seedorf, na Internazionale -, e não aceitavam muito a obsessão do técnico por controle. Nem os métodos de alguns integrantes da comissão técnica. Frank de Boer, por exemplo, confessou a oposição do grupo ao preparador físico Raymond Verheijen: “Ele não deixava claro que era quem mandava ali. Não é assim que o futebol funciona”. Pior ainda: não caiu bem entre o grupo a iniciativa de que um segurança, Bertus Holkema, acompanhasse a delegação nos hotéis, em jogos fora de casa. Iniciativa de Van Gaal.

De quebra, a primeira metade de 2001 viu os protagonistas laranjas apresentarem queda de produção. Van der Sar enfrentava má fase na Juventus; na Inter, as coisas também não andavam muito melhores para Seedorf; e a armada holandesa do Barcelona, embora não estivesse propriamente ruim, também não fazia nada notável. Dava para superar facilmente os adversários menos votados do grupo 2 – por exemplo, em 24 de março de 2001, no quarto jogo holandês pelas eliminatórias, 5 a 0 tranquilíssimos sobre Andorra. Mas contra os concorrentes diretos, Portugal e Irlanda, a máquina estava rateando. E algumas novidades que o técnico trazia para a seleção não emplacavam. Claro, havia quem desse certo: foi em 2001 que Ruud van Nistelrooy e Mark van Bommel começaram a se firmar na Oranje, por exemplo. Mas caíram no esquecimento nomes como Victor Sikora, Jeffrey Talan, Patrick Paauwe, Kevin Hofland... e havia também gente que nunca trouxe confiança suficiente (caso de Paul Bosvelt), ou que nunca foi pela seleção o que era em clubes (caso de Pierre van Hooijdonk, que vivia então grande fase no Feyenoord).

Em 28 de março, na primeira oportunidade que a Laranja teve para apagar a crise crescente e se recolocar no caminho da Copa, um erro até hoje criticado por imprensa e torcida holandesas pôs tudo a perder. Pegando Portugal fora de casa, no Estádio das Antas, a equipe dos Países Baixos fazia seu melhor jogo em muito tempo. Abrira 2 a 0, com Kluivert e Jimmy Hasselbaink, e controlava a partida, até a metade final do segundo tempo. Aí Van Gaal cometeu um erro praticamente fatal: investiu no ataque em suas alterações, colocando Roy Makaay e Van Hooijdonk, nos respectivos lugares de Zenden e Hasselbaink. As alterações abriram o time, e foram a isca que chamou Portugal para uma pressão irrespirável nos minutos finais de jogo. Pressão que deu resultado. Aos 39 minutos da etapa final, em chute rasteiro na área, Pauleta diminuiu. Claro, o ambiente no Estádio das Antas fervilhou. E explodiu de vez nos acréscimos, aos 46: Frank de Boer cometeu pênalti em Rui Costa, Figo cobrou e empatou. Uma vitória que seria vital transformou-se num empate lamentável, talvez o primeiro marco do fracasso holandês naquelas eliminatórias. Até porque portugueses e irlandeses, ambos liderando o grupo com 11 pontos, abriam três de vantagem na tabela.


Seguiu-se outra goleada contra um adversário fraco (4 a 0 no Chipre, em 25 de abril). Mas a crise continuava. E como desgraça pouca era bobagem, Van Gaal ainda viu dois dos titulares absolutos serem pegos pelo exame antidoping: em maio de 2001, Davids e Frank de Boer foram flagrados pelo uso de nandrolona – este, num jogo pela Copa Uefa, defendendo o Barcelona; aquele, jogando o Campeonato Italiano pela Juventus. Foram suspensos. Duas baixas nada recomendáveis, num momento em que a Holanda simplesmente não podia mais perder pontos nas eliminatórias.

Em junho, veio o que poderia ser a reação decisiva. No confronto direto, Portugal e Irlanda empataram (1 a 1, em Dublin). Caminho aberto, que a Holanda aproveitou. A duríssimas penas, é verdade: em 2 de junho, contra a Estônia, a equipe chegou a perder por 2 a 1, até os 38 minutos do segundo tempo. Aí veio o alívio momentâneo: Van Nistelrooy empatou, Kluivert virou para 3 a 2, e novamente Van Nistelrooy firmou o 4 a 2 que colocou a equipe no segundo lugar da tabela, com 14 pontos, um atrás dos surpreendentes irlandeses – e dois à frente de Portugal. De quebra, em 15 de junho, vitória sobre a Inglaterra, em Wembley, num amistoso: 2 a 0. Eram bons presságios, antes da segunda chance de salvar tudo: o jogo contra a Irlanda, em Dublin. Em datas de folga para a Holanda, Portugal goleara o Chipre, indo a 15 pontos, e o Eire abrira quatro pontos de vantagem ao superar a Estônia. Um tropeço era proibido, levando-se em conta que a vitória de Portugal sobre Andorra, sempre inofensiva, era quase uma certeza.

Naquele 1º de setembro de 2001, no Lansdowne Road, em Dublin, foram simbolizados todos os erros que a Holanda cometeu nas eliminatórias. Um time irregular, vivendo altos e baixos no gramado. Um time ineficaz: Kluivert e Zenden perderam grandes chances no primeiro tempo, enquanto Van Nistelrooy ficou com o gol vazio após passar pelo goleiro Shay Given e também desperdiçou a oportunidade, já no segundo tempo. Um time desorganizado: mesmo com um a mais (o zagueiro irlandês Gary Kelly recebera o segundo cartão amarelo, sendo expulso aos 13 minutos do segundo tempo), não conseguia aproveitar o maior espaço em campo. Com alguma técnica e dedicação tática implacável, a Irlanda ganhou o prêmio pela aplicação. Um prêmio que até hoje dói nos holandeses: aos 23 minutos da etapa final, Richard Dunne cruzou, Duff fez o corta-luz, e McAteer ficou livre para chutar forte, no ângulo oposto ao de Van der Sar, fazendo o 1 a 0 final da Irlanda.


Desesperado no banco, Van Gaal pedia que o time fosse à frente, com o auxiliar técnico Ruud Krol a lhe ajudar. Nas arquibancadas, Edgar Davids apenas via o jogo, quieto. Partida encerrada, a goleada de Portugal sobre Andorra (7 a 1) deixava assim a tabela: Irlanda com 21 pontos, Portugal com 18, Holanda com 14. Sem mais jogos diretos – e com vitórias previsíveis dos três sobre os adversários mais fracos -, aquela derrota em Dublin dizia: a Holanda não estaria na Copa de 2002. Talvez nem merecesse, já que o time escalado naquele jogo (Van der Sar; Melchiot, Hofland, Stam e Numan (Van Hooijdonk); Van Bommel, Kluivert e Cocu; Zenden (Hasselbaink), Van Nistelrooy e Overmars (Van Bronckhorst)) não tinha ninguém em ótima fase, embora fosse cheio de jogadores conhecidos. Em melhor fase, talvez houvesse superado Portugal ou Irlanda. Mas já não mostrava o nível visto na Copa de 1998 e na Euro 2000. Trocando em miúdos: a Holanda estava decadente.

As vitórias sobre Estônia (5 a 0, em 5 de setembro, no Philips Stadion de Eindhoven) e Andorra (4 a 0, em 6 de outubro, em Arnhem) foram apenas notas de pé de página naquela campanha melancólica - Portugal e Irlanda venceram seus jogos restantes, foram a 24 pontos e ficaram quatro pontos à frente. Pelo saldo de gols, os Tugas ficaram com a ponta e a vaga direta na Copa; a Irlanda venceria o Irã na repescagem intercontinental.

Em 10 de novembro de 2001, mais um amistoso com resultado apagado da Holanda: 1 a 1 contra a Dinamarca, em Copenhague. Fora do campo, a imprensa dinamarquesa criou mais uma dor de cabeça: reportagens contaram que Kira Eggers, atriz pornô do país, havia entrado no hotel da delegação holandesa, e passara a noite com Kluivert, Frank de Boer e Edgar Davids. Nada foi confirmado, e o segurança Bertus Holkema foi enfático no documentário: “Só vi Kluivert e o agente dele com algumas mulheres, num dos quartos, todos tomando café”. Mas a calúnia já fizera seu estrago. Perguntado sobre por que a federação não revelara a verdade na época, Holkema desconversou: “Pergunte à KNVB”. Depois daquela partida, depois de tudo o que vira, Louis van Gaal pensou se valia a pena continuar.

A resposta veio naquela entrevista coletiva do começo deste texto, em 30 de novembro de 2001: não, não valia. No concorrido evento – duas emissoras holandesas exibiram-no ao vivo, na íntegra -, Van Gaal começou lamentando: “Para mim, hoje é um dia muito triste. Há um ano e meio, eu estava muito feliz, dizendo que era uma honra ser técnico da seleção, e trazendo uma ambição: ser campeão mundial. É horrível e arrasador não ter alcançado isso. A federação holandesa tem como ambição sempre colocar a Holanda entre as oito melhores seleções de uma Copa. E nós falhamos nesse objetivo. Quando digo ‘nós’, me incluo nisso. E não me refiro à KNVB, à torcida ou aos patrocinadores: fomos ‘nós’, os jogadores e a comissão técnica”.

Os olhos marejados de Van Gaal, na coletiva em que anunciou sua demissão: o sonho virara pesadelo (Reprodução/NOS)
A partir de então, pôde dar vazão aos que considerou culpados pelo fracasso de seu trabalho. Primeiro, a imprensa: em um relatório feito, citou que o trabalho dos jornalistas fora “duplamente péssimo”. No documentário da NOS em 2014, vieram as justas réplicas. De Willem Vissers, do diário De Volkskrant, ouviu-se: “Se o time estivesse jogando bem, falaríamos. Mas não estava. As atuações eram irregulares”. Correto. Assim como foi correta a opinião de Valentijn Driessen, hoje editor-chefe do caderno de esportes do diário De Telegraaf: “Não fomos nós que perdemos de Portugal em casa, nem fomos nós que perdemos para a Irlanda”.

Depois, Van Gaal culpou os jogadores. Suas palavras são um bom exemplo do modus operandi que o fez tão famoso quanto irascível: “Para continuar, o importante seria a via de mão dupla entre jogadores e comissão técnica. Não perguntei a eles se queriam que eu continuasse, como saiu na imprensa, porque não faço esse tipo de pergunta. Perguntei sobre a visão que tinham em relação ao trabalho. E daí tomei minha decisão: [porque] eles tinham uma visão diferente da minha. No trabalho como técnico da seleção, minha função era mostrar aos jogadores que deveriam ter orgulho de jogarem por seu país, e mostrar isso à torcida. Mostrar esse sentimento de união, entre eles e entre time e torcida – ainda mais nos jogos em casa. Mas também alertei que esse sentimento tinha de vir deles”.

Van Gaal aprofundou: “Se não há vontade, o resultado pode até vir a curto prazo, mas jamais seguirá a longo prazo. E há jogadores que não conseguem ter 10%  dessa vontade. Por essa razão, eu seria como um professor de escola, como o ‘estraga-prazeres’, o cruel. E isso de ‘professor’ que falo a vocês, falei a eles por várias vezes. Mas eu seria ‘cruel’ apenas no aspecto futebolístico. No modo de ser, isso tem de partir do jogador”.

Por outro lado, Frank de Boer também foi preciso ao justificar, no documentário de 2014, o racha entre Van Gaal e os atletas: “Van Gaal é um técnico muito melhor do que Guus Hiddink. Não vejo, por exemplo, qualquer interferência tática fundamental de Hiddink no time que jogou a Copa de 1998. Porém, se é tecnicamente excepcional, Van Gaal precisava aprender um pouco mais com Hiddink sobre como conduzir um elenco”.

O azar de pegar um grupo mais forte do que se supunha nas eliminatórias. A incompetência para aproveitar as chances de obter bons resultados. A decadência técnica do grupo. E a discordância entre o técnico e alguns jogadores fundamentais, quanto ao comportamento. Se a ausência da Holanda na Copa de 2002 parece surpreendente, fica plenamente justificada ao serem vistos os detalhes da campanha nas eliminatórias.

Se serve de consolo, naquele mesmo 2001 do fracasso na seleção principal, Van Gaal treinou a seleção holandesa que disputou o Mundial Sub-20, na Argentina. E a Jong Oranje tinha gente como Maarten Stekelenburg, John Heitinga e Arjen Robben. Além do mais, na partida final da campanha nas eliminatórias europeias, contra Andorra, fez sua estreia na seleção adulta um jovem meio-campista que despontava no Ajax. Seu nome: Rafael van der Vaart. Seria com esta geração a reação da Holanda.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 30 de junho de 2017)

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Análise da Eredivisie 2016/17 (II - a parte de cima)

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 23 de junho de 2017)

Após uma semana relativamente movimentada, o futebol holandês enfim entrou no clima de férias. Fora a esperada promoção de Marcel Keizer ao comando do time principal do Ajax (promoção que dá a impressão de recomeço, assim como era com Peter Bosz) e a promissora contratação do PSV (após disputa com outros grandes europeus, os Boeren levaram o cobiçado mexicano Hirving Lozano, presente no grupo convocado para a Copa das Confederações), o que ocorreu ficou mais no campo das especulações do que na realidade. Mesmo o plano ambicioso do Feyenoord ainda é só um plano: até há interesse em Robin van Persie, mas o fato do eventual ganho ser mais técnico (o atacante não tem a mesma liderança que Dirk Kuyt esbanjava para o elenco) faz a diretoria ponderar muito antes de gastar – além disso, RvP ainda tem mais um ano de contrato com o Fenerbahçe, que certamente quererá algum dinheiro para liberar o goleador máximo da história da seleção holandesa.

Assim, é mais útil continuar lembrando do impressionante fim de temporada do Ajax, da festa que o Vitesse pôde fazer, da boa surpresa que o Utrecht foi e, acima de tudo, da redenção do Feyenoord, que enfim terminou o seu calvário. É hora de terminar a análise da temporada 2016/17 do Campeonato Holandês.

O calvário terminou: após matar um leão por rodada, enfim o Feyenoord voltou a ser o maior da Holanda (Imago Sportfotodienst GmbH/VI Images)
Feyenoord

Colocação final: Campeão, com 82 pontos 
Técnico: Giovanni van Bronckhorst
Maior vitória: Feyenoord 8x0 Go Ahead Eagles (29ª rodada)
Maior derrota: Excelsior 3x0 Feyenoord (33ª rodada)
Principais jogadores: Nicolai Jorgensen (atacante), Eric Botteghin (zagueiro) e Karim El Ahmadi (meio-campista)
Artilheiro: Nicolai Jorgensen (21 gols)
Quem mais partidas jogou: Eric Botteghin (zagueiro) e Jens Toornstra (meio-campista), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo Vitesse
Competição continental: Liga Europa (eliminado na fase de grupos)
Conceito da temporada: ótimo

5 a 0 no Groningen, na primeira rodada. “Ah, o Feyenoord sempre começa bem, depois cai.” As vitórias se avolumavam no primeiro turno, fora e dentro de casa. “E num clássico, será que o clube vai resistir?” Pois o Stadionclub foi a Eindhoven, superou a pressão do PSV e conseguiu uma vitória marcante por 1 a 0, provando: este ano não seria igual àqueles que passaram. Bem, na verdade, a equipe de Roterdã precisaria fazer isso ao longo de todas as 34 rodadas que disputaria, para enfim contentar sua torcida. Para enfim poder gritar que era um grande holandês, um clube campeão. Até poderia ter ido melhor na Liga Europa (começou vencendo o Manchester United, mas caiu melancolicamente na fase de grupos), mas... no fundo, não importava. A torcida, os jogadores, o técnico Giovanni van Bronckhorst: todos tinham um foco supremo.

Vieram os primeiros tropeços: empate para o Heerenveen, derrota para o Go Ahead Eagles (logo para o lanterna!). Bastou: “Ah, agora vai cair, o Ajax está melhorando, o Feyenoord não vai aguentar”. Mesmo que o clube não tenha perdido a primeira posição por nenhuma rodada. Mesmo que Dirk Kuyt, titular no começo e reserva constante no resto da temporada, tenha contido suas queixas para manter a liderança inquestionável que tinha para o resto do grupo de jogadores. Mesmo que Brad Jones, goleiro contratado às pressas após a lesão de Kenneth Vermeer, estivesse sendo garantia de segurança. Mesmo que Eric Botteghin transbordasse firmeza no miolo de zaga. Mesmo que Karim El Ahmadi e Tonny Vilhena fizessem uma dupla quase perfeita no meio-campo. Mesmo que Jens Toornstra e Steven Berghuis evoluíssem no ataque. Mesmo que Eljero Elia conseguisse atuações para reagir na carreira. Mesmo que Nicolai Jorgensen tenha sido contratação certeira: o mais constante jogador da equipe, goleador e, muito provavelmente, o melhor jogador do campeonato.

No returno, os solavancos foram mais fortes. Como esquecer aquela derrota para o Sparta, na 25ª rodada, quando um gol sofrido aos 40 segundos de jogo não foi igualado em 90 minutos? E a derrota no Klassieker em Amsterdã, para o Ajax – de novo, sem conseguir superar a nêmesis? E o susto no 2 a 2 com o Zwolle – perdendo por 2 a 0 em vinte minutos no primeiro tempo, precisando correr atrás do empate? E o susto supremo: perder o primeiro “jogo do título”, para o Excelsior, na 33ª rodada, ficando apenas um ponto à frente de um Ajax que subia? Como fazer tudo isso? O Feyenoord respondeu ganhando os jogos que precisava ganhar, contra os pequenos. Fazendo de De Kuip uma fortaleza ainda mais temível do que já é. Contando com a crença fortalecida de sua torcida. Contando com a variedade de destaques – se Jorgensen não jogasse bem, Toornstra jogava; se os dois decepcionassem, Berghuis aparecia; se os três negassem fogo, Vilhena crescia na hora difícil etc.

E a resposta final veio contra o Heracles. Com Dirk Kuyt marcando três gols e provando o tamanho de sua importância para o Feyenoord, no glorioso ato final de sua carreira. Finalmente, era o fim dos “ah, mas...”. Ninguém tinha mais direito de duvidar do Feyenoord: clube que sofreu, sim. Mas que ganhou na hora certa. Foi regular como havia muito tempo não era. E que, por isso, deu a Het Legioen uma alegria de que ela já tinha se esquecido – afinal, havia 18 anos ela não a tinha. Uma alegria da qual nunca mais se esquecerá.

A eficiência de Dolberg para finalizar, a impetuosidade de Justin Kluivert, a liderança de Davy Klaassen: o Ajax cresceu e empolgou na temporada (Gerrit van Keulen/VI Images)
Ajax

Colocação final: Vice-campeão, com 81 pontos
Técnico: Peter Bosz
Maior vitória: Ajax 5x0 NEC (13ª rodada)
Maior derrota: Ajax 1x2 Willem II (3ª rodada)
Principais jogadores: Davy Klaassen (meio-campista), Hakim Ziyech (meio-campista) e Kasper Dolberg (atacante)
Artilheiro: Kasper Dolberg (16 gols)
Quem mais partidas jogou: Davy Klaassen (meio-campista), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo Cambuur
Competição continental: Liga Europa (vice-campeão)
Conceito da temporada: ótimo

Uma vitória difícil sobre o Sparta Rotterdam, na primeira rodada. Um empate preocupante contra o Roda JC, em casa, na segunda. Finalmente, uma derrota vexatória para o Willem II – certo, foi apenas por 2 a 1, mas a não ser quando se perde para um outro integrante do trio de grandes holandeses, ver o Ajax perdendo na Amsterdam Arena pela Eredivisie é sempre algo que bordeja o vexaminoso. Para piorar, a humilhação imposta pelo Rostov na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões doeu demais. De quebra, dois destaques do time deixavam Amsterdã: Jasper Cillessen e Arkadiusz Milik. A pergunta era uma só: havia esperança para o Ajax?

Também alvo de alguma desconfiança (afinal, nunca foi técnico de ponta, embora tivesse feito bom trabalho no Vitesse), Peter Bosz começou a trabalhar. O Ajax se arriscou no mercado, como havia muito não fazia, gastando na necessária e pedida compra de Hakim Ziyech para o meio-campo. Lentamente, as coisas foram se acertando: Kasper Dolberg começou a marcar gols aqui e ali, o papel tático de Bertrand Traoré era valioso, Amin Younes fazia a melhor temporada de sua carreira, Davy Klaassen e Ziyech se equilibraram bem na armação das jogadas, Davinson Sánchez tinha recomposição impressionante na defesa, André Onana surpreendia no gol (fazendo o emprestado Tim Krul ter de procurar outro time), Bosz ia achando o grupo com que preferia trabalhar (incluindo o afastamento de gente que não lhe agradou e saiu, como Anwar El Ghazi ou Riechedly Bazoer)... e o Ajax foi crescendo, com campanhas elogiáveis na Eredivisie e na Liga Europa.

E no returno, a “lagarta” Ajacied transformou-se em “borboleta” (que metáfora!). A juventude chegou, com a promoção lenta e constante de Justin Kluivert, a segurança invejável de Matthijs de Ligt, o desembarque fulgurante de David Neres. Na Eredivisie, só restava o esforço para buscar um Feyenoord disposto a não decepcionar sua torcida – e o Ajax se esforçava (tanto que foi o melhor time do returno). E na Liga Europa, entre as atuações exuberantes e ofensivas na Amsterdam Arena e os temores defensivos fora de casa, o clube da estação Bijlmer Arena avançou, avançou... e chegou onde nenhum clube holandês esperava chegar na atualidade: na final de um torneio continental – mesmo que este fosse a Liga Europa, bem mais acessível. Aí, o Manchester United “cortou as asas” da equipe, com autoridade. E não deu para superar o Feyenoord na liga. Ainda assim, não faltavam razões para um gigantesco aplauso ao Ajax, como havia muito o clube não merecia. Se o vice-campeonato de 2015/16 foi um completo anticlímax, os vices desta temporada foram honrosos, muito honrosos.

Zoet (subindo) e Moreno (vendo, à direita) até se destacaram, mas temporada do PSV foi discreta demais (Gerrit van Keulen/VI Images)
PSV

Colocação final: 3º lugar, com 76 pontos 
Técnico: Phillip Cocu
Maior vitória: PSV 5x0 Willem II (30ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 2x1 PSV (24ª rodada)
Principais jogadores: Jeroen Zoet (goleiro), Héctor Moreno (zagueiro) e Davy Pröpper (meio-campista)
Artilheiro: Gastón Pereiro (10 gols)
Quem mais partidas jogou: Davy Pröpper (meio-campista), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Sparta Rotterdam 
Competição continental: Liga dos Campeões (eliminado na fase de grupos)
Conceito da temporada: regular

O Feyenoord emocionou e enlouqueceu sua torcida ao longo das 34 rodadas do Campeonato Holandês. O Ajax foi embalando aos poucos, até protagonizar outra empolgante história na temporada. E o PSV? Ficou na dele. O que não significa boa coisa. Os Boeren fizeram uma temporada absolutamente sem graça. Até tiveram um bom returno – foram o segundo melhor time -, mas nunca chegaram a empolgar a torcida. Talvez porque deram claros sinais da necessidade de reformulação. Sinais já exibidos com a melancólica participação na fase de grupos da Liga dos Campeões. Ou com o estilo de jogo “manjado”, facilmente marcado pelos adversários.

Claro, houve razões para destaque aqui e ali. Após algumas atuações temerárias no começo da temporada, Jeroen Zoet voltou a impor respeito no gol. Héctor Moreno deixou de lado a imagem de “violento” que tinha: foi o esteio da zaga em todo o campeonato, e fez por merecer a transferência que conseguiu. E... ficou nisso. Se houve, em meio-campo e ataque, algum jogador que mereceu destaque no PSV, este foi Marco van Ginkel: de novo chegando para o returno, de novo emprestado pelo Chelsea, de novo o ponta-de-lança mostrou ótimo desempenho. Fez sete gols (terceiro na artilharia dos Eindhovenaren na Eredivisie, em seis meses). Mas ficou só nele.

De resto, Andrés Guardado, Davy Pröpper, Luuk de Jong, Gastón Pereiro, Jürgen Locadia (este até tem como se defender: perdeu boa parte do campeonato, por lesão)... nenhum deles exibiu capacidade e regularidade para impulsionar a equipe na temporada. A torcida percebeu, e não gostou muito do marasmo visto. Embora não seja caso para demissão (alguns torcedores pediram-na), Phillip Cocu tem muito trabalho a fazer nesta pré-temporada que está por começar. Para sua sorte, a nova geração já começou a aparecer no PSV: Sam Lammers, Ramon-Pascal Lundqvist, Dante Rigo, Steven Bergwijn. É destes que deverá partir a mudança necessária no comportamento do time de Eindhoven em campo.

Haller deixou o Utrecht merecendo os aplausos e simbolizando uma temporada respeitável (Maurice van Steen/VI Images)
Utrecht

Colocação final: 4º lugar, com 62 pontos
Técnico: Erik ten Hag 
Maiores vitórias: Utrecht 3x0 Go Ahead Eagles (9ª rodada), NEC 0x3 Utrecht (27ª rodada) e Utrecht 3x0 Twente (30ª rodada)
Maior derrota: Utrecht 1x5 Groningen (6ª rodada)
Principal jogador: Sébastien Haller (atacante)
Artilheiro: Sébastien Haller (15 gols)
Quem mais partidas jogou: Ramon Leeuwin (lateral direito), Willem Janssen (zagueiro/volante), Yassin Ayoub (meio-campista) e Sébastien Haller (atacante), todos com 36 partidas - 32 pela temporada regular, 4 pelos play-offs de vaga na Liga Europa
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo Cambuur
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: bom

Ah, se não fossem os clubes grandes... quem sabe assim, o Utrecht receberia o valor que merecia, pela temporada que fez. De novo, os Utregs mostraram um estilo técnico e ofensivo em suas partidas – com mais variedade tática do que a média do futebol holandês. Parte graças ao talento do técnico Erik ten Hag, dos nomes mais promissores do cargo no país. E a maior parte, seguramente, graças ao equilibrado grupo de jogadores, com titulares e reservas mostrando o mesmo nível. O gol foi prova disso: Robbin Ruiter teve séria concussão cerebral no final do turno, e o dinamarquês David Jensen teve de entrar. Agradou tanto que não só continuará titular, com a virtual saída de Ruiter, mas também foi convocado pela primeira vez para a seleção de seu país.

No meio-campo, Willem Janssen teve tripla utilidade: enfim livre das lesões, o capitão do time mostrava capacidade na zaga e no meio-campo. Na frente, a dupla Yassin Ayoub e Nacer Barazite criava boas jogadas – e até chegava para finalizar. Mas nem seria necessário, diante de uma equipe que tinha duas opções confiáveis (Gyrano Kerk e Richairo Zivkovic – este, enfim jogando bem após chamar mais atenção pelas indisciplinas cometidas no Ajax) e... Sébastien Haller. O francês conseguiu a merecida e desejada transferência (Eintracht Frankfurt), deixando antes seu nome na história do clube: não só foi o goleador da equipe nas três temporadas passadas, mas tornou-se o jogador estrangeiro a mais ter marcado gols na trajetória do Utrecht. 

Superar o trio de ferro era querer demais, mas o Utrecht merecia até uma vaga direta na Liga Europa, tal a qualidade que demonstrou. Tinha a chance de fazer justiça nos play-offs – justamente a fase em que fraquejara em 2015/16. E fez: com algum drama, superou o AZ e garantiu vaga na Liga Europa. Hora de mostrar num palco mais prestigioso o que pode fazer. O Utrecht tem totais condições de fazê-lo.

Van Wolfswinkel voltou ao Vitesse para reerguer sua carreira. Não fez só isso: foi o destaque do primeiro título da história do clube (Broer van den Boom/VI Images)
Vitesse

Colocação final: 5º lugar, com 51 pontos
Técnico: Henk Fräser
Maior vitória: Vitesse 5x0 Sparta Rotterdam (26ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 3x1 Vitesse (17ª rodada) e Zwolle 3x1 Vitesse (25ª rodada)
Principais jogadores: Lewis Baker (meio-campista) e Ricky van Wolfswinkel (atacante)
Artilheiro: Ricky van Wolfswinkel (20 gols)
Quem mais partidas jogou: Guram Kashia (zagueiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: Campeão
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: bom

Se clubes como AZ e Heerenveen fraquejaram nas horas decisivas da temporada, o Vitesse fez o inverso: cresceu no momento que precisava crescer. Mostra disso foram as atuações da própria equipe no returno. Se o time de Arnhem ainda se baseava mais na força coletiva durante as primeiras 17 rodadas (faz parte do jeito do técnico Henk Fräser), os destaques começaram a aparecer na reta final. E foram fundamentais para uma temporada, de certa forma, inesquecível do Vites. Tudo começou na defesa, com o goleiro Eloy Room mantendo sua elasticidade habitual, e com Guram Kashia consolidando seu papel como ídolo da torcida, no miolo de zaga.

No meio-campo, as tarefas ficaram melhor divididas: Marvelous Nakamba mostrou força física para marcar, enquanto Lewis Baker ganhou espaço para despontar como mais um promissor jogador inglês: trouxe perigo nas cobranças de falta, criou jogadas, enfim, virou o cérebro que o Vitesse desejava após a saída de Valeri “Vako” Qazaishvili. No ataque, enfim, Milot Rashica foi um coadjuvante útil para a grande estrela: Ricky van Wolfswinkel, o bom filho que à casa tornou, para reabilitar a carreira. Não só conseguiu isso, mas levou a reboque o time – simbolizando isso com a vice-artilharia na Eredivisie e, acima de tudo, pelos dois gols marcados na final da Copa da Holanda, sendo o rosto do primeiro título da história de 125 anos do Vitesse. De quebra, mais uma boa campanha na liga. O que mais a torcida aurinegra poderia querer?

O AZ de Weghorst tentou, tentou... mas morreu na praia várias vezes, durante a temporada (Ronald Bonestroo/VI Images)
AZ

Colocação final: 6º lugar, com 49 pontos
Técnico: John van den Brom
Maior vitória: AZ 5x1 Heracles Almelo (13ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 5x2 AZ (26ª rodada)
Principais jogadores: Derrick Luckassen (zagueiro/volante) e Wout Weghorst (atacante)
Artilheiro: Wout Weghorst (17 gols)
Quem mais partidas jogou: Derrick Luckassen, com 35 partidas - 31 pela temporada regular, 4 pelos play-offs de vaga na Liga Europa
Copa nacional: Vice-campeão
Competição continental: Liga Europa (eliminado na segunda fase) 
Conceito da temporada: regular

Quase. Uma das palavras mais conhecidas do futebol holandês pode descrever bem a campanha que o AZ fez na Eredivisie. Quase foi o “melhor do resto” no campeonato (ficou boa parte do tempo na quinta posição, seguindo o Utrecht a par e passo). Quase pôde prescindir dos play-offs (afinal, chegou à final da Copa do Holanda). Quase sonhou em fazer uma boa campanha na Liga Europa (superar a fase de grupos já foi uma grande coisa). Quase tinha um time bem equilibrado, unindo gente experiente (Ron Vlaar e, no returno, Tim Krul) a novidades das mais promissoras que o futebol holandês tem (Ridgeciano Haps, Wout Weghorst e, principalmente, Derrick Luckassen). Mas na hora de conseguir provar todo o potencial que tem dentro da Holanda, o time de Alkmaar sempre fracassou na temporada.  

Às vezes, fracassou até vergonhosamente – certo que cair na Liga Europa para o Lyon era previsível, mas os Alkmaarders não tinham um time frágil a ponto de tomar 4 a 1 em casa e 7 a 1 fora. De resto, ao longo do returno a equipe foi caindo em relação ao Utrecht – terminou em sexto, longínquos nove pontos atrás. Os veteranos decepcionaram: Vlaar lesionou-se de novo, e Krul teve momentos de irregularidade. Na Copa da Holanda, um time mais experiente não foi páreo para um Vitesse mais decisivo nos momentos finais do jogo. Finalmente, nos play-offs pelo lugar na Liga Europa, os símbolos decisivos do “quase”. Nos dois jogos contra o Groningen, um talento eclodiu – Calvin Stengs, meio-campo de 18 anos, autor de dois gols. E na decisão da vaga, contra o Utrecht, a mostra foi mais forte: o jogo de ida teve um 3 a 0 exuberante, com Weghorst e Stengs despontando. Mas na volta... o Utrecht devolveu o 3 a 0, e levou a vaga para o torneio continental, nos pênaltis. E o AZ deixou a incômoda impressão de que, apesar da temporada até elogiável, poderia ter feito bem melhor.

Enes Ünal (centro) simbolizou o acerto do Twente: o jovem time fez campanha honrosa (Peter Lous/VI Images)
Twente

Colocação final: 7º lugar, com 45 pontos
Técnico: René Hake
Maior vitória: Twente 4x1 ADO Den Haag (6ª rodada)
Maiores derrotas: Ajax 3x0 Twente (26ª rodada) e Utrecht 3x0 Twente (30ª rodada)
Principal jogador: Enes Ünal (atacante)
Artilheiro: Enes Ünal (18 gols)
Quem mais partidas jogou: Nick Marsman (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na primeira fase, pelo Utrecht
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: bom

Na pausa de inverno, ainda era possível duvidar, acreditar que algo iria desandar no returno. Não desandou. Então, é possível repetir a pergunta para o Twente: quem diria?! Para um clube que ficara na primeira divisão holandesa do jeito que ficara – pela porta dos fundos, recebendo perdão da federação após as dívidas -, cumprir com louvor a tarefa de fazer um campeonato seguro foi um bálsamo, diante da situação financeira que o clube viveu (e ainda vive, de certa forma). Aliás, só o fato de terminar na zona dos play-offs pela Liga Europa – que só não disputou pela punição de três anos sem competições continentais, imposta pela KNVB – já dá a noção de como a temporada dos Tukkers foi elogiável. E foi elogiável, principalmente, por dois fatores. 

O primeiro, a regularidade: raramente o time de Enschede teve solavancos, na tabela (foi 7º no turno, e 9º no returno) e em seus desempenhos (foi o sétimo colocado nos jogos em casa, e o oitavo nas partidas fora). Tal feito deveu-se ao outro fator justificador da boa campanha: as atuações dos destaques. Sem muitas mudanças no esquema tático, alguns jogadores cresceram de produção, como Joachim Andersen, seguro na defesa, Kamohelo Mokotjo, veloz na marcação, e, principalmente, Enes Ünal, que justificou o empréstimo do Manchester City com seus 18 gols, tornando-se dos melhores atacantes da temporada (e também merecendo a contratação do Villarreal). Após muito tempo, a torcida do Twente voltou a ter algum motivo de relativo orgulho. Algo que parecia inimaginável.

Sergio Padt foi garantia de segurança no Groningen (Ronald Bonestroo/VI Images)
Groningen

Colocação final: 8º lugar, com 43 pontos (na frente pelo melhor saldo de gols)
Técnico: Ernest Faber
Maiores vitórias: Utrecht 1x5 Groningen (6ª rodada) e Groningen 5x1 Zwolle (31ª rodada)
Maior derrota: Groningen 0x5 Feyenoord
Principais jogadores: Sergio Padt (goleiro) e Mimoun Mahi (atacante)
Artilheiro: Mimoun Mahi (17 gols)
Quem mais partidas jogou: Sergio Padt (goleiro), que jogou todas as 36 partidas - 34 da temporada regular e duas dos play-offs de vaga na Liga Europa
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Utrecht
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

À primeira vista, pode parecer que o Groningen protagonizou mais uma daquelas temporadas que passam despercebidas no futebol holandês. Não brilhou como o Utrecht, não decepcionou como AZ e Heerenveen: teve regularidade. Porém, talvez essa regularidade seja justamente o ponto mais positivo da temporada da equipe do norte holandês. Após momentos turbulentos em 2015/16, fazia falta um time que desse o mínimo de confiança à torcida. E os Groningers conseguiram isso.

Principalmente por causa da maior solidez da equipe. Simbolizada em dois nomes: Sergio Padt, um dos melhores goleiros da Eredivisie, com porte físico imponente e força nas saídas de gol, ganhando respeito que foi premiado com a convocação para a seleção holandesa, nas datas FIFA mais recentes. E Mimoun Mahi, que trouxe mais velocidade ao ataque, transformando-a em gols. Sem contar os coadjuvantes de valor: Simon Tibbling, Brian Linssen, Ruben Jenssen, Oussama Idrissi. Ainda não foi suficiente para fazer frente ao AZ nos play-offs pela Liga Europa. Mas foi, para fazer a torcida crer que o Groningen pode melhorar em 2017/18.

O Heerenveen de Sam Larsson foi até bem na temporada. Mas poderia ter ido melhor (Maurice van Steen/VI Images)
Heerenveen

Colocação final: 9º lugar, com 43 pontos
Técnico: Jurgen Streppel
Maiores vitórias: Roda JC 0x3 Heerenveen (6ª rodada), ADO Den Haag 0x3 Heerenveen (7ª rodada), Groningen 0x3 Heerenveen (9ª rodada) e Heerenveen 3x0 Roda JC (24ª rodada)
Maior derrota: Ajax 5x1 Heerenveen (31ª rodada)
Principais jogadores: Sam Larsson (atacante) e Reza Ghoochannejhad (atacante)
Artilheiro: Reza Ghoochannejhad (20 gols)
Quem mais partidas jogou: Erwin Mulder (goleiro), que jogou todas as 36 partidas - 34 da temporada regular e duas dos play-offs de vaga na Liga Europa
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo AZ
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

É possível dividir a temporada que o Heerenveen fez em duas, a partir de um momento. Que, aliás, nem foi numa partida da equipe da Frísia. Foi precisamente em Holanda 1x1 Bélgica, amistoso da Laranja em novembro do ano passado, quando Stijn Schaars, volante que era o destaque da grande campanha que o Fean fazia até então (e até por isso voltava à Oranje), deixou o jogo com uma lesão muscular na coxa. Ela se revelou mais grave do que parecia. E a partir do returno, a equipe da camiseta alviazul com folhas vermelhas de lírio desabou. Basta dizer: foi a penúltima colocada, tomando-se o desempenho nas últimas 17 rodadas, só melhor do que o rebaixado Go Ahead Eagles.

Foram onze derrotas, com duas vezes ocorrendo sequências de três reveses. O que fez a equipe despencar, tendo dificuldades até de garantir lugar nos play-offs por vaga na Liga Europa. Curiosamente, alguns jogadores seguiam tendo bom desempenho técnico, como os destaques Ghoochannejhad e Larsson, além do goleiro Erwin Mulder. Foi o que segurou a equipe na região desejada da tabela (também graças à presença de AZ e Vitesse nela, é verdade). Todavia, com uma equipe sem a segurança defensiva do turno, havia muito o respeito pela campanha fora perdido. E nos play-offs pela Liga Europa, não ocorreu nada mais do que o esperado: derrotas para o Utrecht. Certo, o Heerenveen terminou a temporada com total segurança. Mas diante do que prometia...

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Análise da Eredivisie 2016/17 (I - a parte de baixo)

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 17 de junho de 2017)

Depois de todo o gigantismo da festa do Feyenoord (mais do que justo, aliás); depois do anúncio surpreendente, embora compreensível, do fim da carreira de Dirk Kuyt, o herói do dia da libertação do Stadionclub, enfim campeão holandês após 18 anos; depois da carruagem do Ajax virar abóbora na final da Liga Europa; depois da seleção holandesa ganhar esperanças mínimas de alcançar a repescagem nas eliminatórias para a Copa de 2018 (mesmo que para isso tenha o gigantesco desafio de vencer a França em pleno Stade de France, em agosto); enfim, só depois de um trepidante mês de maio, é possível que a coluna faça sua tradicional retrospectiva da temporada do Campeonato Holandês.

De certa forma, uma retrospectiva entristecida, com a impressão de que, após se ver como centro das atenções (como havia muito não era), o futebol holandês já voltou à rotina de ser apenas entreposto para outros mercados. Mercados valiosos, como o inglês, que deu a Davy Klaassen a chance de que ele precisava para despontar de vez no Everton, e o alemão, que abriu para Peter Bosz a chance de se converter num técnico de ponta caso aproveite a chance de ouro no Borussia Dortmund. Mercados periféricos, como o turco, que abriu uma possibilidade de mais dinheiro a Eljero Elia graças à transferência para o ascendente Basaksehir, e o suíço, no qual o Basel (garantido na fase de grupos da Liga dos Campeões) foi tentação grande demais para Ricky van Wolfswinkel ficar no Vitesse.

Enfim, enquanto vai voltando à vida comum, o futebol holandês ainda se reavalia. Coisa que a coluna também faz, com o início desta análise de temporada.


Armenteros foi despontando, e transformou-se em garantia de gols no Heracles (Harry Broeze/Heracles.nl)
Heracles Almelo
Colocação final: 10º lugar, com 43 pontos
Técnico: John Stegeman
Maiores vitórias: Heracles Almelo 4x0 Excelsior (23ª rodada) e Heracles Almelo 4x0 ADO Den Haag (33ª rodada)
Maior derrota: AZ 5x1 Heracles Almelo (14ª rodada)
Principal jogador: Samuel Armenteros (atacante)
Artilheiro: Samuel Armenteros (19 gols)
Quem mais partidas jogou: Bram Castro (goleiro) e Joey Pelupessy (meio-campista), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo Sparta Rotterdam
Competição continental: Liga Europa (terceira fase preliminar, eliminado pelo Arouca-POR)
Conceito da temporada: regular

Quando o returno começou, o Heracles Almelo ainda sonhava em repetir o ótimo desempenho da temporada passada: alcançar os play-offs por vaga na Liga Europa e, quem sabe, disputar de novo uma competição continental, como fizera pela primeira vez na temporada passada. Porém, três derrotas nas três rodadas iniciais do returno praticamente acabaram com tal sonho: o equilíbrio na disputa dos lugares do play-off não permitia esse tipo de tropeço. O que não quer dizer que o time de Almelo fraquejou definitivamente. Entre vitórias e derrotas (só um empate no returno), alguns jogadores mantiveram boas atuações.

Um bom exemplo foi o meio-campista Thomas Bruns, que jogando bem conseguiu uma transferência para o Vitesse. Mas o principal deles, sem dúvida alguma, foi Samuel Armenteros. Mesmo com a concorrência na disputa da artilharia do campeonato, o atacante sueco - descendente de cubanos - impressionou tanto com seus 19 gols que ganhou a primeira convocação para a seleção de seu país (e já marcou gol!). Assim, graças aos gols de Armenteros e ao entrosamento vindo da temporada passada, o Heracles conseguiu uma manutenção segura e honrosa na primeira divisão. Não surpreendeu positivamente como em 2015/16, mas não passou perigo algum. Para o nível de exigência da torcida, já serve.

O ADO Den Haag esforçou-se no returno, e conseguiu a salvação até mais rapidamente do que se esperava (Ronald Bonestroo/VI Images)
ADO Den Haag 
Colocação final: 11º lugar, com 38 pontos
Técnico: Zeljko Petrovic (até a 21ª rodada) e Alfons “Fons” Groenendijk
Maior vitória: ADO Den Haag 4x1 Roda JC (28ª rodada) e ADO Den Haag 4x1 Excelsior (34ª rodada)
Maior derrota: AZ 4x0 ADO Den Haag (27ª rodada) e Heracles Almelo 4x0 ADO Den Haag (33ª rodada)
Principal jogador: Édouard Duplan (meio-campista/atacante)
Artilheiro: Mike Havenaar (9 gols) 
Quem mais partidas jogou: Édouard Duplan (atacante), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo Feyenoord
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: ruim/regular

Na metade da temporada, o ADO Den Haag já dava a incômoda e perigosa impressão de que os problemas internos entre o chinês Hui Wang, mecenas do clube, e o Conselho Deliberativo começariam a respingar dentro de campo. O perigo de entrar na zona das três últimas posições era cada vez mais real. E pareceu inescapável, com o horrível desempenho do início do returno: quatro derrotas nas quatro primeiras partidas. Já a perigo antes, o técnico Zeljko Petrovic foi a vítima: perdeu o cargo. Alfons “Fons” Groenendijk chegou com a responsabilidade tremenda de reabilitar um elenco que podia se manter na primeira divisão, mas não vinha demonstrando velocidade em campo – e nem muita vontade. Pois bem: conseguiu, começando com a escolha de uma base mais fixa para a equipe. 

Aos poucos, o ataque voltou a se estabilizar, com o trio formado por Sheraldo Becker, Mike Havenaar e Édouard Duplan. Jogadores que eram coadjuvantes cresceram de produção, como o meio-campista Nasser El Khayati. E a recompensa pela reação consistente veio no fim da temporada: uma ótima sequência de cinco partidas sem derrotas num momento decisivo (quatro vitórias e uma derrota, entre a 28ª e a 32ª rodadas), coroada com o 1 a 0 sobre o Sparta, fora de casa, que garantiu a salvação, até mais precocemente do que o esperado em Haia. Respirando aliviado, agora caberá ao Den Haag tentar apagar o incêndio que vai e volta do lado de fora do campo.

Hasselbaink se apresentou na hora necessária. E foi fundamental na salvação do Excelsior (Den Breejen Fotografie/VI Images)
Excelsior 
Colocação final: 12º lugar, com 37 pontos
Técnico: Mitchell van der Gaag
Maior vitória: Excelsior 4x1 Heerenveen (26ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 4x1 Excelsior (6ª rodada) e ADO Den Haag 4x1 Excelsior (34ª rodada)
Principal jogador: Nigel Hasselbaink (atacante)
Artilheiro: Nigel Hasselbaink (10 gols)
Quem mais partidas jogou: Khalid Karami (lateral esquerdo), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Feyenoord
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

O time do bairro de Kralingen, em Roterdã, foi outro caso de reação que veio quando menos se esperava. Já tendo passado sete jogos sem vitória no primeiro turno, voltou da pausa de inverno e viu a situação ficar pior ainda: foram mais oito partidas sem conseguir os três pontos. Certo, havia jogadores com alguma técnica (o lateral esquerdo Khalid Karami, o meio-campista Luigi Bruins, os atacantes Mike van Duinen e Nigel Hasselbaink), o zagueiro Jürgen Mattheij impunha algum respeito... mas de nada adiantaria, se o Excelsior fosse passar outra temporada suando para não cair, com repescagem e tudo o mais.

Até que o clube melhorou. E para sua sorte, esse ligeiro crescimento veio na fase final da temporada, com resultados até surpreendentes. Primeiro, o empate contra o Ajax, em casa. Depois, uma sequência de quatro vitórias, entre a 30ª e a 33ª rodadas, para assegurar outra permanência inesperadamente fácil na primeira divisão. Três dessas vitórias merecem destaque: o 3 a 2 fora de casa contra o Sparta, o 1 a 0 contra o NEC (o resultado que sacramentou a salvação) e, claro, o impressionante 3 a 0 no virtual campeão Feyenoord. Serviu para entronizar um herói: o atacante Nigel Hasselbaink, sobrinho DAQUELE Hasselbaink. E para fazer a torcida se aliviar antes do que quase toda a Holanda esperava.


Lamprou deixou a má fase para trás: em sua última temporada no Willem II, garantiu segurança (VI Images)

Willem II
Colocação final: 13º lugar, com 36 pontos
Técnico: Erwin van de Looi
Maiores vitórias: Vitesse 0x2 Willem II (22ª rodada), Excelsior 0x2 Willem II (24ª rodada), Willem II 2x0 Zwolle (26ª rodada) e Willem II 2x0 Go Ahead Eagles (31ª rodada) 
Maior derrota: PSV 5x0 Willem II (30ª rodada)
Principais jogadores: Fran Sol (atacante) e Kostas Lamprou (goleiro)
Artilheiro: Fran Sol (10 gols)
Quem mais partidas jogou: Kostas Lamprou (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na 1ª fase, pelo Ajax
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: regular

Durante boa parte do campeonato, o Willem II trabalhou numa situação limítrofe. Dependendo dos resultados das rodadas, podia tanto aspirar a um lugar na repescagem valendo vaga para a Liga Europa como temer um escorregão decisivo para a luta contra a repescagem de acesso/descenso. E durante a maior parte do returno, os Tricolores esperavam que a primeira opção se concretizasse. Talento para isso, havia. No gol, Kostas Lamprou superou as inseguranças do ano passado e foi dos melhores goleiros do campeonato; no meio-campo, Erik Falkenburg repetia as boas temporadas que vem fazendo; no ataque, mesmo se alternando entre banco e campo, o espanhol Fran Sol comprovava o acerto de sua contratação.

A esperança aumentou entre a 24ª e a 27ª rodadas, com o time indo à 9ª posição (que valia lugar nos play-offs, com AZ e Vitesse, finalistas da copa, na mesma região, abrindo vaga). Porém, se clubes como ADO Den Haag e Excelsior reagiram na fase final da temporada, os Tilburgers fizeram o caminho inverso: foram seis derrotas nas últimas sete rodadas. E o sonho do torneio continental virou um alarmante 13º lugar. Certo, foi uma temporada até mais segura do que a do Zwolle, por exemplo. Mas ficou o alerta: o Willem II precisará ser mais regular se quiser estabilizar-se no meio da tabela. Time para isso, tem.

Com suas atuações, Menig (de costas) ajudou o Zwolle a se salvar - e Ron Jans a se despedir condignamente do clube (Henry Dijkman Fotografie/VI Images)
Zwolle
Colocação final: 14º lugar, com 35 pontos
Técnico: Ron Jans
Maiores vitórias: Zwolle 3x1 Go Ahead Eagles (11ª rodada), Zwolle 3x1 Vitesse (25ª rodada) e Go Ahead Eagles 1x3 Zwolle (27ª rodada) 
Maior derrota: Groningen 5x1 Zwolle (31ª rodada)
Principal jogador: Queensy Menig (atacante)
Artilheiro: Queensy Menig (9 gols)
Quem mais partidas jogou: Mickey van der Hart (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo Utrecht
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: ruim

Em antepenúltimo lugar, ao final do primeiro turno?! Este não era o Zwolle que se notabilizou nas últimas temporadas por ser um pequeno desafiante de graúdos. A decepção deixava claro que algo precisava ser feito nas 17 rodadas finais. Mudar o esquema de jogo. Contratar jogadores. Quem sabe, no limite, até demissões. Mas o rebaixamento seria indigno de um clube com um dos melhores trabalhos da Holanda para tentar se estabilizar na primeira divisão. E os Zwollenaren fizeram algo: estabilizaram o esquema tático no velho 4-2-3-1 que tão certo deu nos três anos recentes. Não se pode dizer que o êxito foi total: afinal, já no princípio do returno o técnico Ron Jans anunciou que deixaria o clube onde foi tão feliz, com títulos de copa e supercopa nacionais, antes impensáveis para um pequeno clube holandês. 

Ainda assim, aos poucos os jogadores se estabilizaram. Isolado na frente, Nicolai Brock-Madsen começou a fazer gols e se tornou a referência de que o time precisava. Queensy Menig cresceu muito em termos técnicos, virando destaque. Na lateral esquerda, o futebol de Django Warmerdam também despontou – a ponto de garantir a ele uma transferência para o Groningen, no fim da temporada. Algumas boas partidas vieram, como o empate com o Feyenoord. E a duras penas (foi o penúltimo colocado nos jogos em casa!), o Zwolle se manteve na primeira divisão, possibilitando o melhor fim possível para uma temporada difícil: permanência, torcida tranquilizada, Ron Jans saindo com todas as homenagens etc. Caberá ao ex-jogador John van’t Schip comandar a próxima fase do projeto – e a contratações úteis, como o retornado goleiro Diederik Boer, ajudarem os “Dedos Azuis” a passarem menos sustos em 2017/18.

Numa temporada nervosa, Pusic foi o único a dar calma ao Sparta: destaque na manutenção (Pieter Stam de Jonge/VI Images)
Sparta Rotterdam
Colocação final: 15º lugar, com 34 pontos (na frente pelo melhor saldo de gols) 
Técnico: Alex Pastoor
Maior vitória: Zwolle 0x3 Sparta Rotterdam (2ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 6x1 Sparta Rotterdam 1 (15ª rodada)
Principais jogadores: Michel Breuer (zagueiro) e Martin Pusic (atacante)
Artilheiro: Martin Pusic (6 gols)
Quem mais partidas jogou: Roy Kortsmit (goleiro), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado nas semifinais, pelo Vitesse
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: ruim

É possível um time que fez campanha ruim terminar a temporada ainda sorrindo? Bem, no caso do Sparta, é um sorriso meio sem graça, mas... é possível. Até porque, bem ou mal, é um dos únicos times da Eredivisie que poderá bater no peito e dizer que derrotou o campeão Feyenoord (1 a 0, na 25ª rodada). Mesmo assim, seguiu no returno a irregularidade vista na primeira metade da temporada. Se há pontos positivos, eles foram vistos na defesa: a linha de quatro nomes (Denzel Dumfries, Michel Breuer, Sherel Floranus e Rick van Drongelen) foi ganhando algum entrosamento, na temporada. E o goleiro Roy Kortsmit fez algumas partidas muito boas.

Porém, nada disso evitava más sequências de resultados. Inclusive, com derrotas entre a 28ª e a 32ª rodadas, acreditou-se que os Kasteelheren é que iriam para a repescagem contra a queda. Seria necessário um esforço final. Aí apareceram aquele que, talvez, foi o destaque do time alvirrubro no returno. Vindo em janeiro, o atacante austríaco Martin Pusic fizera três gols no campeonato. Nas duas últimas partidas, decisivas para o Sparta, Pusic deixou mais três na rede: o gol da vitória sobre o Twente (1 a 0 fora de casa), e mais dois na vitória salvadora sobre o Go Ahead Eagles (3 a 1), que manteve o time de Roterdã diretamente na Eredivisie. Pelo menos, um tempo foi ganho para que os Spartanen se recomponham.

No returno, o NEC foi caindo, caindo, caindo... e caiu (Broer van den Boom Fotografie/VI Images)
NEC
Colocação final: 16ª colocação, com 34 pontos – rebaixado via repescagem
Técnicos: Peter Hyballa (até a 32ª rodada) e Ron de Groot
Maior vitória: NEC 3x0 ADO Den Haag (16ª rodada)
Maior derrota: Ajax 5x0 NEC (13ª rodada)
Principal jogador: Mohamed Rayhi (atacante)
Artilheiro: Jay-Roy Grot (5 gols)
Quem mais partidas jogou: Joris Delle (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na primeira fase, pelo ADO Den Haag
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: péssimo

Na análise de intertemporada, já se apontava uma certa irregularidade do time de Nijmegen. Ainda assim, notava-se que havia paciência da torcida com o trabalho do técnico alemão Peter Hyballa – e era justo reconhecer o talento técnico (principalmente no meio-campo, com Ferdi Kadioglu, Mohamed Rayhi e Kévin Mayi). Porém, como nem só de ataque se faz uma equipe de futebol, o NEC continuou tropeçando. Pior: a partir da 20ª rodada, os tropeços ficaram cada vez mais regulares. Basta dizer: da 20ª à 32ª rodada, com exceção do 3 a 1 sobre o Heracles Almelo (25ª rodada), os Nijmegenaren só conheceram derrotas. Nem ao menos um empate para aliviar a situação.

Os momentos mais dramáticos vieram no 2 a 1 para o Vitesse – justo no “Dérbi da Géldria” (província holandesa onde estão Arnhem e Nijmegen, as cidades dos dois clubes) – e no vexatório 5 a 1 para o Ajax, em casa, na 30ª rodada. Curiosamente, mesmo com tantas derrotas, foi somente após esta que a equipe entrou na zona de repescagem/rebaixamento, de onde não saiu mais. A paciência com Peter Hyballa acabou, e veio sua demissão. Na repescagem, sob Ron de Groot, o melancólico fim das chances de permanência, com as derrotas para o NAC Breda e a queda. Que deu início à crise interna, com saída de vários diretores. Talvez porque o NEC não esperasse o rebaixamento que veio. Punição dura, mas justa, para a brusca queda no returno.

Van Leer: um dos únicos pontos de destaque em mais uma temporada ruim do Roda JC (Peter Lous/VI Images)
Roda JC
Colocação final: 17º lugar, com 33 pontos – manteve-se na Eredivisie via repescagem
Técnico: Yannis Anastasiou (até os play-offs de acesso/descenso) e Huub Stevens
Maior vitória: Roda JC 4x0 Excelsior (20ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 5x0 Roda JC (7ª rodada)
Principal jogador: Benjamin van Leer (goleiro) e Mikhail Rosheuvel (atacante)
Artilheiro: Abdul Ajagun (5 gols)
Quem mais partidas jogou: Benjamin van Leer (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na primeira fase, pelo PSV
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: péssimo

Pois é: de novo, o Roda JC não tomou jeito. Entrando na história do mecenas helvético-russo Aleksandr Korotaev (que terminou a temporada preso nos Emirados Árabes), os Koempels passaram o returno todo brigando contra o rebaixamento. Das 17 rodadas do returno, passou apenas cinco fora das três últimas posições. Pior: ia pessimamente nos jogos fora de casa, sendo o penúltimo colocado do campeonato atuando fora de seus domínios. Havia gente que tentava ajudar, como o meio-campista Abdul Ajagun, o atacante Mikhail Rosheuvel – e, principalmente nas rodadas finais da temporada, o goleiro Benjamin van Leer (contra o AZ, fora de casa, na 30ª rodada, Van Leer chegou a defender um pênalti, mantendo o empate em 1 a 1). 

Vitórias contra Sparta Rotterdam e Willem II até deram esperança da salvação direta, mas duas derrotas, contra Utrecht e Vitesse (esta, na última rodada), impuseram a disputa da repescagem contra a queda. Nela, o técnico Yannis Anastasiou já não estaria: antecipou sua saída já confirmada para o Kortrijk, da Bélgica. Huub Stevens, contratado para ser diretor técnico a partir de 2017/18, aceitou quebrar o galho nas quatro partidas decisivas. Contra o Helmond Sport, Gyliano van Velzen salvou: marcou o gol do empate por 1 a 1 no jogo de volta, garantindo a vantagem do 1 a 0 feito na ida. E na decisão da permanência, contra o MVV Maastricht, um 0 a 0 a duras penas na ida, e a vitória salvadora, por 1 a 0. Pois é: de novo, o Roda JC ficou. Só espera que tenha aprendido a lição, após outra temporada suando.

Pobre Go Ahead Eagles: um time até esforçado, mas irremediavelmente destinado a cair novamente (Jeroen Putmans/VI Images)
Go Ahead Eagles
Colocação final: 18º colocado, com 23 pontos - rebaixado
Técnico: Hans de Koning (até a 23ª rodada) e Robert Maaskant
Maior vitória: Go Ahead Eagles 3x0 Excelsior (8ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 8x0 Go Ahead Eagles (27ª rodada)
Principal jogador: Jarchinio Antonia (atacante)
Artilheiro: Sam Hendriks (atacante), com 8 gols
Quem mais partidas jogou: Theo Zwarthoed (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Jodan Boys
Competição continental: nenhuma
Conceito da temporada: ruim

“Mas como? Se o Go Ahead Eagles foi o último colocado – e como tal, o único rebaixado diretamente à segunda divisão -, como ele pode ter feito uma temporada apenas ruim?!”, perguntará o leitor. Simples: porque o time de Deventer fez o que era esperado. Já subira na temporada passada sabendo que o objetivo principal nesta era tentar escapar da volta imediata à Eerste Divisie. E tentaria fazê-lo com uma diferença quase extrema de arrecadação em relação ao resto dos times da Eredivisie - segundo o Transfermarkt, o valor de mercado do GAE é quase 6 milhões de euros menor que o do Roda JC, para se ter uma ideia. E o Kowet tentou, é muito justo reconhecer. 

Quando nada, porque foi o primeiro time da Eredivisie a ter imposto uma derrota ao futuro campeão Feyenoord, na 12ª rodada. Sem contar que Jarchinio Antonia e Sam Hendriks até mostravam velocidade e um pouco de talento. Porém, no returno ficou claro que as chances de sobrevivência da equipe aurirrubra na primeira divisão eram irrisórias. Duas vitórias em sequência, contra ADO Den Haag e NEC até deram um resto de esperança. Que acabou com a rotina de derrotas – inclusos aí tanto um inapelável 8 a 0 do Feyenoord quanto um dramático 3 a 2 do Groningen, no último minuto. E o Go Ahead Eagles caiu, previsivelmente (pior equipe do campeonato, em casa e fora dela). Se serve de consolo, caiu lutando com as armas que tinha.