quinta-feira, 31 de maio de 2018

Duas caras

Uma Holanda "bifacial" contra a Eslováquia. No primeiro tempo, lenta e fraca; no segundo, ofensiva e perigosa. Poderia até ter virado o jogo, mas ficou no empate (Maurice van Steen/VI Images) 
Quando terminou o primeiro tempo do amistoso entre Holanda e Eslováquia, na cidade de Trnava, nesta quinta-feira, o sinal de alerta estava aceso. Afinal de contas, se era prudente atuar com três zagueiros, no 5-3-2, contra os eslovacos, a Holanda apresentara todos os defeitos indesejáveis no futebol "reativo" - sem contrabalançar com as qualidades. E até por isso, perdia por 1 a 0. Pelo menos, consertou os problemas no intervalo, com as entradas. Conseguiu o empate, provando que nem tudo estava perdido. Talvez, até pudesse ter vencido. De todo modo, ficou a impressão de que, se há ajustes necessários, ainda podem ser feitos antes da Liga das Nações.

E como há ajustes! O gol precoce dos donos da casa em Trnava - aos oito minutos, com preciso cruzamento de Marek Hamsik para o cabeceio de Adam Nemec - expôs alguns deles. Primeiro, a excessiva liberdade que o meio-campista teve para pensar a jogada que faria. Depois, a falha ao deixar Daley Blind na marcação: sozinho contra o mais alto atacante eslovaco, não havia muita chance de vencer a disputa no ar pela bola.

Estava dado o cenário para a melhoria da Eslováquia. Sem pressionar o começo das jogadas dos anfitriões, por causa do excesso de lentidão no meio-campo, a Laranja abria possibilidades para que tentassem acertar o gol de Jeroen Zoet. Fosse em jogadas trabalhadas pelas pontas (como aos 20', num cruzamento que Hamsik terminou desviando para fora, de cabeça), fosse em chutes perigosos (como aos 27', quando Juraj Kucka acertou o travessão, num arremate de fora da área). 

Se não pressionava, obviamente a equipe holandesa também não desarmava. E se não desarmava, não havia como a bola chegar à dupla de ataque formada por Quincy Promes e Memphis Depay. Para piorar, nenhum dos laterais avançava com perigo - nem Daryl Janmaat na direita, nem Patrick van Aanholt na esquerda -, nem perturbava a posse de bola da Eslováquia. Só restava esperar por raras trocas de passes, como aconteceu aos 14', quando Kevin Strootman cruzou e Donny van de Beek completou num fraco voleio, facilmente pego pelo goleiro Martin Dubravka. Ou então, por uma bola parada - como aconteceu aos 37', na única chance da Oranje digna de nota, quando Memphis Depay cobrou falta fortemente, e Dubravka voou para espalmar.

A entrada de Vormer simbolizou a melhora holandesa no segundo tempo (ANP)
Claro, haveria mudanças, já que era um amistoso. A má atuação da Holanda até ali as tornava até obrigatórias - depois do jogo, Strootman até comentou à Veronica, emissora holandesa que exibiu o jogo na tevê: "No intervalo, Koeman poderia até ter trocado mais jogadores". Trocou só um: no lugar de Van de Beek, houve a estreia de Ruud Vormer. E o meio-campista do Club Brugge já ajudou: o meio-campo ficou mais forte e compacto. Os laterais também aumentaram a velocidade. As jogadas pelos lados se tornaram mais frequentes já no começo da etapa complementar - foram muitos escanteios. Os desarmes no meio-campo cresceram de frequência.

E a Holanda, enfim, conseguiu o que desejava desde o começo: passou a dominar a Eslováquia. Já poderia ter conseguido o empate aos 54', quando Memphis concluiu um contra-ataque chutando forte na área, para outra boa defesa de Dubravka. Finalmente, aos 60', o empate veio, num arremate de fora - bela tentativa de Quincy Promes. Mostrando velocidade, Vormer quase foi premiado com um gol em sua estreia: aos 65', livre na área, tocou na saída de Dubravka, mas Tomas Hubocan evitou a virada de placar desviando a bola na pequena área.

A partir de então, Koeman passou a experimentar mais na escalação, com as entradas de gente na defesa (Terence Kongolo), no meio-campo (Marten de Roon) e no ataque (Steven Berghuis e Wout Weghorst). As chances ficaram mais escassas, mas a ofensividade seguiu. E entre marchas e contramarchas, a Holanda minorou a impressão ruim que ficara dos 45 minutos iniciais. Em seu perfil pessoal no Twitter, Ronald Koeman reconheceu: "Primeiro tempo fraco. Pouca velocidade, pouca agressividade, ruins com a bola nos pés. No segundo tempo saiu como deve ser". Antes disso, à Veronica, também assumiu: "No intervalo, não atirei nada em ninguém, mas naturalmente estava muito decepcionado. Não podemos começar como fizemos: das cinco bolas que dominamos, quatro foram perdidas e viraram contra-ataques adversários".

Pelo menos, ainda dá para salvar. Foi o que disse Strootman: "Primeiro, temos de treinar bem até segunda. Daí, precisamos continuar". É esperar para ver se haverá progressos no amistoso bem mais difícil contra a Itália. Para que seja melhor, a Holanda não poderá ter as duas caras mostradas contra a Eslováquia. Só a "boa" vista no segundo tempo.

Amistoso
Eslováquia 1x1 Holanda
Data: 31 de maio de 2018
Local: Anton Malatinsky, em Trnava
Árbitro: Bartosz Frankowski (Polônia)
Gols: Adam Nemec, aos 8'; Quincy Promes, aos 60'

Holanda
Jeroen Zoet; Daryl Janmaat, Stefan de Vrij, Matthijs de Ligt, Daley Blind (Terence Kongolo) e Patrick van Aanholt (Eljero Elia); Donny van de Beek (Ruud Vormer), Davy Pröpper (Steven Berghuis) e Kevin Strootman (Marten de Roon); Quincy Promes (Wout Weghorst) e Memphis Depay Técnico: Ronald Koeman

Eslováquia
Martin Dubravka; Peter Pekarik, Tomas Hubocan (Ljubomir Sajka), Milan Skriniar e Mazan; Juraj Kucka (Erik Sabo), Stanislav Lobotka e Marek Hamsik (Ondrej Duda); Robert Mak (Erik Pacinda), Adam Nemec (Michal Duris) e Albert Rusnak (Jaroslav Mihalik). Técnico: Jan Kozak

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Últimos ajustes

Pröpper, Van Dijk, Aké, De Roon: a Holanda já tem novas caras sob Ronald Koeman. A hora é de ajustes finais rumo à Liga das Nações, nos últimos amistosos antes dela (ANP)
"Eu sempre disse que quero ter uma imagem muito bem definida [do time] após os quatro amistosos antes da Liga das Nações começar." Foi o que Ronald Koeman disse, há dez dias, na entrevista em que anunciou a convocação da Holanda para as datas FIFA desta semana. E é este o seu objetivo: deixar a Laranja pronta para o começo da disputa do torneio europeu de amistosos/qualificação - ainda mais tendo em vista os adversários que a esperam no grupo, França e Alemanha. Alguns passos foram dados em março, tanto na derrota para a Inglaterra quanto na vitória sobre Portugal. E os últimos ajustes serão feitos tanto nesta quinta, 31 de maio, contra a Eslováquia, em Trnava, quanto no esperado amistoso da próxima segunda: a "final da não-Copa do Mundo", contra a Itália, em Turim.

Uma definição, Koeman já tem: pelo menos por enquanto, a Laranja jogará com três zagueiros, no 5-3-2 que deu certo nos 3 a 0 sobre Portugal - e, principalmente, na Copa de 2014. O técnico reconheceu: "Isso ficou melhor definido para mim, após os amistosos de março". O que não impede o treinador de mudar a abordagem tática caso necessário: "De qualquer modo, escalarei entre três e cinco defensores, essa escalação pode mudar de acordo com o adversário". No entanto, a opção pela linha de cinco jogadores na defesa é o natural - até porque dois dos raros jogadores holandeses badalados neste momento são zagueiros, Matthijs de Ligt e Virgil van Dijk (ambos obviamente convocados).

Embora estes dois nomes sejam mais previsíveis, a convocação trouxe novidades entre os 25 membros dela. Algumas novidades nem são tão novas assim, mas conseguiram ritmo de jogo suficiente para enfim serem chamadas de novo - caso de Terence Kongolo, enfim recebendo mais chances após chegar ao Huddersfield Town, e Eljero Elia, que teve lá seu destaque na boa campanha do Basaksehir, terceiro colocado no Campeonato Turco. 

Já outras novidades realmente são inéditas. É o caso do meio-campista Ruud Vormer, 30 anos, convocado pela primeira vez após o sucessivo destaque no Club Brugge, recém-consagrado campeão belga. Claro, contribuiu para a chance que Vormer receberá o fato do treinador que o chamou já o conhecer há tempos. E Koeman relembrou: "Eu o conheço desde os tempos em que o treinei no Feyenoord. Continuei acompanhando, é assim com jogadores que comandei. Ele cresceu muito no clube atual, era o momento certo para chamá-lo".

Com a temporada europeia praticamente encerrada, os jogadores foram chegando sucessivamente, e Koeman já pôde trabalhar com o grupo completo há praticamente duas semanas - óbvias exceções, Van Dijk e Georginio Wijnaldum chegaram na segunda passada, após a derrota pelo Liverpool na final da Liga dos Campeões. De resto, o clima tem sido bom, com Elia até fazendo piadas após a volta à seleção: "Eu já tinha até marcado a minha viagem de férias". 

E nesta quarta, Koeman já antecipou: todas as novidades serão testadas contra Eslováquia e/ou Itália: "É claro que se você convoca algumas caras novas, você dará alguns minutos a eles - seja em um dos jogos, seja em ambos". Vormer, por exemplo, é um nome que será observado - até porque Wijnaldum deverá ser poupado contra os eslovacos, segundo o treinador deu a entender (o mesmo acontecerá com Van Dijk). No ataque, já experimentado contra a Inglaterra, Wout Weghorst será escalado num experimento com o 4-3-3, servindo de referência para Memphis Depay e Quincy Promes. Boa oportunidade para o atacante do AZ, agora única referência de ataque, após a saída definitiva e voluntária de Bas Dost.

A única dúvida de Koeman ainda é o gol. Assim como nas datas FIFA passadas, tanto Jeroen Zoet quanto Jasper Cillessen terão um jogo cada um. O goleiro do PSV foi figura de destaque na campanha do título, mas atua num campeonato menos exigente. Já o arqueiro do Barcelona está sem ritmo de jogo, mesmo que se comporte de modo cada vez mais seguro e que tenha ido bem contra Portugal. Em entrevistas, Cillessen comentou: até queria buscar um novo clube onde fosse titular, "mas o Barcelona não quer me liberar".

É a única incerteza. A Holanda já parece ter um estilo sob o comando de Ronald Koeman. E a única intenção dos amistosos desta semana é fortalecer este estilo.

domingo, 27 de maio de 2018

Os 30 anos da Tríplice Coroa do PSV: uma vingança involuntária

Este grupo do PSV começou a temporada desacreditado. O técnico Guus Hiddink, sem muita experiência prévia. Pois foram estes da foto os responsáveis por dar o impulso decisivo na história do clube de Eindhoven, com a Tríplice Coroa que ganharam (Foto: Paul Vreeker/Arquivo ANP)
Contra o ADO Den Haag, na penúltima rodada do Campeonato Holandês desta temporada 2017/18 - já conquistado -, o PSV jogou estreando seu novo uniforme de visitante: todo branco, com pequenos detalhes em azul. O motivo do modelo: foi vestindo um exatamente igual que o clube de Eindhoven conquistou a Copa dos Campeões, há 30 anos, contra o Benfica. Mais do que isso: com o título europeu, os Boeren conseguiam a Tríplice Coroa – campeões nacionais, no campeonato e na copa, e a conquista continental (ainda hoje, a Holanda é o único país europeu com dois clubes que conseguiram a Tríplice no futebol). Atuação histórica. E até impressionante, tendo em vista o que o PSV passou do começo da temporada 1987/88 até o glorioso fim naquele 25 de maio de 1988, no então Neckarstadion, em Stuttgart, local da final europeia.

Gullit sai. E nem o bicampeonato diminui a crise 

A rigor, o projeto de tornar o PSV um clube definitivamente forte estava estabelecido desde que Jacques Ruts assumiu a presidência, em 1983. Justo: mesmo tendo conquistado a Copa Uefa em 1977/78, e já com quatro títulos holandeses até aquele ano, os Boeren nem de longe eram conhecidos mundialmente, ou mesmo respeitados, como o Ajax ou o Feyenoord. Tratava-se de um clube relativamente respeitável, até tradicional, até grande, mas não chamava a atenção fora das fronteiras nacionais.

Ruts esclareceu o projeto, em declaração ao livro “PSV 1988: reconstructie van een gouden jaar” (“Reconstruindo um ano de ouro”), do jornalista Jeroen van den Berk, lançado há uma década: “Tínhamos três variantes que poderiam ser escolhidas, incluindo as projeções financeiras a partir delas. A primeira era: continuar do jeito que estávamos, o que significava que periodicamente venceríamos títulos nacionais, mas que em termos internacionais raramente nos destacaríamos. A segunda variável já era mais ambiciosa: num espaço de três anos, ganharmos a Eredivisie ou a Copa da Holanda uma vez, e chegarmos alguma vez às quartas de final da Copa dos Campeões. O terceiro cenário previa que o PSV se tornaria um clube de ponta na Europa, jogando regularmente semifinais ou finais continentais. Então, escolhemos a segunda opção. Não só esportivamente, mas também por causa do aspecto organizacional”.

A seu lado, Ruts tinha os diretores Kees Ploegsma e Harry van Raaij. Ainda escolheu um experiente nome, Hans Kraay, para ser diretor técnico do clube, auxiliando o treinador Jan Reker. Já em 1984, o PSV trouxera um jogador que seria pilar na ascensão que viria: o goleiro Hans van Breukelen, voltando do Nottingham Forest. Na metade de 1985, o clube ainda garantiu mais experiência. Na defesa, deu ao lateral direito belga Eric Gerets a chance de recuperar espaço no futebol de alto nível. Gerets caíra em desgraça após a suspensão de um ano, sofrida por se envolver em caso de suborno quando jogava pelo Standard Liège: precisou deixar o Milan, onde jogava, e recomeçava o caminho no MVV Maastricht, campeão da segunda divisão holandesa em 1984/85. No meio-campo, viria o enorme ganho técnico da chegada de Frank Arnesen: vindo do Anderlecht, o dinamarquês chegava a Eindhoven com a função de ser a referência que já fora no Ajax. Por último, e mais importante, o PSV deu o pontapé decisivo para tornar o clube da Philips respeitável na Holanda: tirou do Feyenoord Ruud Gullit, já então cobiçado Europa afora pelo talento que começava a mostrar no ataque.

O projeto começou bem: em 1985/86, o clube trouxe para Eindhoven o quinto título holandês de sua história, com Gullit como o grande destaque na campanha. A conquista serviu para ousadias maiores na janela de transferências rumo à temporada 1986/87: o PSV enfraqueceu bastante os dois colegas no Trio de Ferro. Do Feyenoord, chegou o zagueiro dinamarquês Ivan Nielsen, voluntarioso na marcação. Mas seriam do Ajax os dois grandes ganhos técnicos para aquele time que se formava: o meio-campista Gerald “Vaantje” Vanenburg e, principalmente, o zagueiro Ronald Koeman. Sem muito espaço em Amsterdã, Koeman acharia no novo clube o espaço para se desenvolver e se tornar um dos melhores zagueiros da Europa.

Gullit foi o protagonista no bicampeonato holandês do PSV, em 1986/87. Mas preferiu sair rumo ao estrelato no Milan - e a saída foi conturbada (Paul Vreeker/Arquivo ANP)
Mas o PSV nada teria a comemorar na temporada 1986/87, a despeito do bicampeonato holandês. Mesmo com esse título, a campanha foi perturbada pela grande polêmica da transferência de Ruud Gullit para o Milan. No começo, ainda em 1986, as sondagens eram mais discretas – como em 19 de novembro, quando o recém-chegado mecenas Silvio Berlusconi e o diretor esportivo Adriano Galliani conversaram com o atacante num quarto do Amstelhotel, em Amsterdã, horas depois do atacante ter atuado pela Holanda no 0 a 0 contra a Polônia, pelas Eliminatórias da Euro 1988.

Em janeiro de 1987, o interesse começou a ficar claro. O jornal La Gazzetta dello Sport revelou que Gullit fora visto em Milão, passando por exames comandados por Giovanni Battista Monti, médico do Milan, numa noite. Como não havia mais voos para Amsterdã do aeroporto de Linate perto da meia-noite, quando tudo terminou, Gullit embarcou rumo a Bruxelas, e da capital belga foi direto para Eindhoven, para não perder o treino no PSV. Ao chegar a De Herdgang, o centro de treinamentos do clube, a imprensa holandesa já ansiava por suas declarações. Que desconversaram: “Sim, estive em Milão. Por quê? Isso é da minha conta. Talvez pelo futebol, talvez para comprar uma jaqueta nova, talvez para cortar o cabelo: escolham a razão. Já fui acompanhado por outros clubes na minha vida”. Indagado sobre o encontro com Berlusconi e Galliani em novembro de 1986, o jogador negou: “Conversa mole, nunca vi Berlusconi, só em fotos”.

Porém, aos poucos Gullit foi assumindo seu desejo de jogar num centro maior. Começou falando: “Eu ficarei muito triste se tiver de jogar a próxima temporada na Holanda”. Depois, Kees Ploegsma e Harry van Raaij receberam o contato do Milan. Finalmente, na edição da revista Nieuwe Revu lançada em 11 de março de 1987, o destaque do PSV abriu o jogo, com a dolorosa declaração aos jornalistas Frits Barend e Henk van Dorp: “Eu quero sair, eu preciso sair, porque já sei que o PSV nunca alcançará o topo da Europa. Não tenho mais nada a procurar aqui como jogador, parei meu desenvolvimento. Eu quero jogar futebol de alto nível, e no Milan posso fazer isso”. Respondendo antecipadamente às críticas, o jogador desmentiu ser mercenário: “Não é só pelo dinheiro. Claro que é importante, mas vem em segundo lugar. Não vou para a Itália por causa do dinheiro, mas pela promoção esportiva”.

Mas a crise dentro do PSV foi aberta mesmo quando Gullit direcionou as palavras a Hans Kraay – então, além de diretor técnico, treinando a equipe naquela temporada 1986/87: “Eu já escrevi uma carta dizendo como deveríamos jogar, mas vou parar por aqui. Já joguei como atacante, como meia-direita, como meio-campo. O time fica inseguro, e isso me tira do sério”. Hans Kraay fez menção de suspender Gullit, na reta final da disputa do título holandês, mas o presidente Jacques Ruts proibiu a sanção. Desprestigiado, Kraay pediu demissão. Às pressas, foi promovido ao comando do time principal do PSV um auxiliar, que ocupara a mesma função no De Graafschap em que já fora jogador: Guus Hiddink, 39 anos.

Por fim, o PSV ainda tentou aumentar o valor do passe de Gullit – que, por sua vez, ameaçou entrar na Justiça Desportiva holandesa. No fim de março, o clube capitulou, e o Milan acertou a compra de Gullit, por 16,5 milhões de florins, a maior transferência da história do futebol holandês até então. Mas a cizânia já havia sido instalada no grupo – que até concordava com o teor das críticas de Gullit ao trabalho que Hans Kraay desenvolvera, mas discordava do tom personalista do jogador.

Paralelamente, um importante jogador daquela equipe sofria. Hans van Breukelen passava por sérios problemas psicológicos. As críticas de torcedores e jornalistas o perturbavam, o goleiro cometeu algumas falhas na campanha do PSV, a titularidade na seleção chegou até mesmo a ser ameaçada (o reserva Joop Hiele jogou algumas partidas em 1987). Van Breukelen se recompôs com auxílio do psicólogo Ted Troost, o PSV também, e o bicampeonato holandês foi garantido com duas rodadas de antecedência. Mas a saída traumática de Gullit fazia com que aquele título fosse comemorado mais com alívio do que com festa. Àquela altura, parecia irreal a promessa do capitão Eric Gerets, na festa da vitória, em frente à torcida em Eindhoven: “No ano que vem, voltaremos aqui com a taça da Copa Europeia!”.

Sob Hiddink, a força coletiva começa com tudo 

O triunvirato que comandava o clube (Jacques Rits-Kees Ploegsma-Harry van Raaij) hesitava em deixar a dura tarefa de pacificar o clube sob a responsabilidade de Guus Hiddink, ainda inexperiente. Pensou-se em Georg Kessler, treinador do AZ campeão em 1980/81. Pensou-se até em trazer Rinus Michels, para fazê-lo acumular o comando da seleção holandesa e do PSV. Mas por fim, Hiddink foi efetivado – e coube a ele escolher Hans Dorjee, então diretor esportivo do Vitesse, para ser seu auxiliar no banco. A dupla Hiddink-Dorjee, então, formou o time com uma meta na cabeça: a grande qualidade do grupo do PSV teria de ser a força coletiva. Não haveria espaço para gente com queixas, como Gullit tivera sobre o antecessor, nem para excesso de individualismos em campo.

Por isso, assim como o camisa 10 que fora marcar época no Milan, também saiu do clube o atacante René van der Gijp, amigo próximo de Gullit e mais afeito a dribles, que rumou para o Neuchâtel Xamax, na Suíça. Para lá também iria Frank Arnesen. Iria: o meio-campista dinamarquês já preparava os exames médicos para ter aprovada a contratação pelo clube suíço, quando recebeu um telefonema. Era do amigo e compatriota Soren Lerby, com quem saíra do Fremad Amager para abrir caminho no Ajax, na década anterior. Lerby trazia a notícia: estava deixando o Monaco para rumar ao PSV, e queria recompor a parceria. Arnesen aceitou, desfez o negócio quase certo com o Xamax, renovou por mais um ano com os Boeren e pôde ter o confrade Lerby ao lado.

A vitalidade de Lerby na marcação era fundamental para a ideia tática de Hiddink. Assim como ter uma referência no ataque. Para cumprir esse papel, voltou da Itália Wim Kieft, disposto a retornar ao país natal após as passagens por Pisa e Torino, para buscar o protagonismo técnico que tivera em seu fulgurante começo no Ajax, quando não só foi artilheiro da Eredivisie, mas também Chuteira de Ouro na Europa, em 1981/82. Para dar a velocidade e a habilidade no ataque, também foi contratado Hans Gillhaus, vindo do Den Bosch. E mesmo reclamando por ter de voltar do empréstimo ao Royal Antwerp – afinal, no clube belga era titular, coisa que nunca conseguira no PSV, onde começara em 1981 -, Berry van Aerle foi reintegrado ao clube, a pedidos de Hiddink.

Ainda houve maus resultados num torneio amistoso em Manchester, antes da temporada 1987/88 começar (num dos jogos desse torneio, o Atlético Mineiro até ganhou do PSV: 3 a 1, dois gols de Sérgio Araújo e um de Chiquinho). Mas os últimos amistosos antes do início da temporada, contra clubes belgas – empate em 1 a 1 com o Anderlecht, vitória de 2 a 1 contra o Mechelen -, indicaram alguns caminhos: Van Aerle iria para o meio-campo, cobrindo o espaço na zaga para que Ronald Koeman avançasse. Enquanto Gerets se recuperava de uma lesão, o veteraníssimo Willy van de Kerkhof, 36 anos, seria improvisado na lateral. Ivan Nielsen era puro esforço na zaga, também cuidando da marcação enquanto Koeman avançava. No meio-campo, tarefas bem divididas: Lerby desarmava, Arnesen cuidava da saída de bola, Vanenburg atacava - para ajudar Kieft e Gillhaus, a dupla de atacantes. A única discrição no time era do dinamarquês Jan Heintze, na lateral esquerda.

Assim o PSV começou a disputa do Campeonato Holandês. Com tudo: 6 a 1 no Den Bosch, 3 a 2 no Twente, 9 a 0 no Utrecht (nesta goleada, com um chute fortíssimo, Koeman marcava o primeiro dos 19 gols que faria naquela temporada), 4 a 2 no clássico contra o Ajax em casa... era o começo do melhor primeiro turno que já se viu na história do Campeonato Holandês: 17 jogos, 17 vitórias. Melhor presságio não havia para o PSV tentar cumprir a segunda parte do objetivo da diretoria: fazer papel digno numa competição europeia. No caso, na Copa dos Campeões.

O susto contra o Galatasaray ensina a lição

Até que o adversário da primeira fase do torneio europeu foi bem recebido: diante de outras possibilidades, o Galatasaray era um rival superável. Não deveria ser desprezado: seu destaque, o atacante Tanju Çolak, fora terceiro colocado na Chuteira de Ouro, em 1985/86 – sem contar o goleiro iugoslavo Zoran Simovic e o zagueiro Erhan Önal, capitão da seleção da Turquia naquela época. Mas os Boeren fizeram questão de impor respeito no Philips Stadion, em 16 de setembro de 1987, no jogo de ida: 3 a 0 no time de Mustafa Denizli (supervisionado pelo alemão Jupp Derwall). Gillhaus abriu o placar no começo do segundo tempo, com Koeman novamente impressionando e marcando 2 a 0 aos 30 minutos. No penúltimo minuto, um chute forte do volante reserva Adick Koot – substituto de Willy van de Kerkhof – fechou o placar. Seria um gol valioso.

 

Valioso porque o PSV viajou a Istambul mais relaxado, acreditando que a vantagem era inalcançável. Em depoimento ao livro publicado em 2008, Soren Lerby comentou o ambiente antes do jogo de volta: “Parecia uma quermesse. Pensávamos que nada iria nos acontecer, era como se fosse um dia de folga”. As distrações eram permitidas, porque se achava que nada tiraria do PSV o lugar nas oitavas de final da Copa dos Campeões.

Não tirou mesmo, mas passou muito perto. O ambiente previsivelmente fervilhante no Ali Sami Yen motivou os Leões, naquele 30 de setembro de 1987: Tanju Çolak fez 1 a 0 logo aos cinco minutos do primeiro tempo, e Nielsen cometeu gol contra aos 42. Com 2 a 0, o Galatasaray tinha toda a etapa complementar pela frente para buscar o gol que lhe renderia a prorrogação. Tentou, mas Guus Hiddink colocou Koot no lugar de Van de Kerkhof, aumentando a marcação no meio-campo, e o PSV se aguentou. Nielsen compensou o erro no 2 a 0 ao salvar uma bola de cabeça, em cima da linha, e os visitantes de Eindhoven seguraram a desvantagem que ainda rendeu vaga nas oitavas. Mas ficava a lição. No vestiário, Lerby comentou com Gillhaus: “Agora você sabe como é o futebol nas competições europeias”.

Contra o Rapid Viena, rara tranquilidade

Tudo seguia tranquilamente na Eredivisie, com vitórias e mais vitórias. Também começou sem problemas na Copa da Holanda, com fácil goleada no amador De Treffers (6 a 0), avançando à fase seguinte. Estava cada vez mais visível: o PSV, de fato, se fortalecia coletivamente. As apostas de Guus Hiddink se revelavam certeiras. Internamente, a união de várias personalidades fortes e experientes – Van Breukelen, Gerets, Koeman, Lerby – era fundamental, conforme Hiddink comentou no prefácio escrito para PSV 1988: reconstructie van een gouden jaar: “Houve muitos fatores para o sucesso, mas um dos mais importantes foi o de serem personalidades muito fortes. Todas se ensinavam muito, e isso os fazia trazer o melhor deles à tona. Todos os jogadores sabiam o que fazer, mas também sabiam o que não fazer. Era um coletivo no qual todos estavam conscientes de suas tarefas, defensiva e ofensivamente”.

Bom que fosse assim. Afinal, por mais que o adversário das oitavas de final também fosse de nível técnico semelhante – o Rapid Viena, da Áustria -, o sufoco no jogo de volta contra o Galatasaray deixava claro que os Boeren ainda não eram um time acima de qualquer suspeita. Além do mais, o time vienense trazia uma invencibilidade doméstica também respeitável: 33 jogos sem perder. Em 21 de outubro de 1987, o começo foi promissor para o time holandês: Van Aerle fez 1 a 0. Mas aos 25 minutos, Zlatko Kranjcar empatou para a equipe de Viena, de pênalti. E o alívio só veio no fim do jogo, aos 32 minutos do segundo tempo, com Gillhaus fazendo o gol da vitória.
 

Na volta, em 4 de novembro de 1987, a coisa foi mais tranquila. Já aos 14 minutos, Lerby fez 1 a 0, contando com a sorte – a bola cruzada por Koeman bateu no meio-campo e entrou. Depois, Van Breukelen teve de fazer apenas uma defesa. O PSV se preocupou mais em manter a vantagem, e foi até vaiado pela torcida no Philips Stadion. Mas no fim (39 minutos do segundo tempo), Gillhaus marcou o segundo gol e assegurou: pela primeira vez em dez anos, o PSV “superaria o inverno” e iria às fases decisivas de um torneio europeu. Nas quartas de final, o Bordeaux representava o obstáculo seguinte.

 

A ideia de ser campeão europeu ainda era tratada como piada. Para se ter uma ideia: durante a pausa de inverno, num evento, Van Breukelen encontrou outro holandês, Leo Beenhakker, treinador do Real Madrid, também quadrifinalista da Copa dos Campeões. Se o caminho do PSV fora tranquilo, o dos madridistas havia sido terrível: primeiro eliminaram o Napoli, que fazia história na Itália com a dupla Maradona-Careca; depois superaram o Porto, então dono da principal taça europeia; e já sabiam que teriam pela frente nas quartas de final o Bayern de Munique. O goleiro provocou: “Vocês eliminaram o Napoli, o Porto, eliminarão o Bayern... e aí cairão para o desconhecido PSV, de Eindhoven!”. “Don Leo” foi lacônico até na resposta: “Vai sonhando, Hans”.

Porém, um evento ocorrido em janeiro de 1988 fez com que a autoconfiança daquele grupo aumentasse a sério. Foi até inesperado: afinal de contas, a princípio, nenhum dos jogadores via muita graça ou mesmo sentido em jogar um torneio amistoso de futebol de salão, organizado pelo Bayern de Munique, em grama sintética. Só aceitaram a viagem porque a diretoria prezava o dinheiro a receber. Pois o PSV aproveitou muito bem a participação: 5 a 3 no 1860 Munique, 7 a 2 no Atlético Mineiro (sim, o Galo também era convidado do torneio!), 6 a 1 no Bayern, 5 a 0 na decisão contra o Nürnberg. Título ganho, na viagem de volta a Eindhoven, o mesmo Gerets que havia prometido o título europeu à torcida foi além, falando aos colegas: “Vamos ganhar tudo nesta temporada”.

Aumentam as dificuldades, aumentam os destaques

Para a segunda metade da temporada, algumas mudanças já se faziam necessárias. O ataque sofria com algumas lesões: Gillhaus sentia dores no joelho, e o norueguês Hallvar Thoresen, seu reserva imediato, também sofria com os problemas no mesmo local – problemas até mais graves, que fariam Thoresen perder espaço no banco, decidindo praticamente encerrar a carreira ao aceitar voltar à Noruega após aquela temporada, para jogar no Frigg Oslo. Para que o ataque tivesse opções, chegou às pressas Anton Janssen, vindo do NEC.

Também com lesões renitentes no joelho estava Frank Arnesen (no livro de 2008, Arnesen disse que jogava com dores havia pelo menos quatro anos). Como o reserva imediato Van de Kerkhof não era mais nenhum garoto, Guus Hiddink também agiu rapidamente: promoveu dos juniores Edward Linskens, de 19 anos. Para evitar as mesmas dores de cabeça vividas com Gullit, os destaques do grupo tiveram seus contratos renovados – assim como Hiddink e o auxiliar Dorjee, ambos ainda tendo sobre eles a sombra da possibilidade de contratar Rinus Michels, sonho que Jacques Rits teve por muito tempo.

Com as três competições cobrando seu preço, o PSV começou a tropeçar: no primeiro jogo pelo Campeonato Holandês em 1988, perdeu pontos pela primeira vez (2 a 2 com o Twente, na 18ª rodada, a primeira do returno). Mas se recompôs plenamente nas duas rodadas seguintes: 9 a 1 no Den Haag, e 1 a 0 no Ajax em Amsterdã, suportando a pressão da torcida em De Meer: em protestos contra a diretoria que causara a saída do técnico Johan Cruyff, os adeptos Ajacieden atiraram bombas, sinalizadores e até ovos na área defendida por Van Breukelen, atrasando o começo do jogo e o interrompendo depois.

 

Nas oitavas de final da Copa da Holanda, em 10 de fevereiro, a classificação só veio na prorrogação: 1 a 0 sobre o Den Bosch, com gol de Kieft. Mas todos sabiam: o jogo mais importante viria só em 2 de março, no Parc Lescure, contra o Bordeaux. Parecia um adversário tão acessível quanto haviam sido Galatasaray e Rapid Viena, mas o time francês tinha experiência continental muito maior nos anos anteriores (semifinalista da Copa dos Campeões em 1984/85, e semifinalista da Recopa em 1986/87), além de ter jogadores reconhecidos – para ficar em apenas um nome, Jean Tigana.

E o PSV começou aquela partida em dificuldades, de fato. Os girondinos começaram a partida bem mais ofensivos. Lesionado, Arnesen deu lugar a Gillhaus já no primeiro tempo. Aos 22 minutos, Gerets cometeu falta – e recebeu bronca de Lerby, já que bolas paradas eram um dos pontos fortes da equipe treinada por Aimé Jacquet. Dito e feito: José Touré cobrou com perfeição e fez 1 a 0. Parecia um duro golpe. Mas aos 41 minutos, também numa bola parada, o PSV consertou: em escanteio, a bola passou por Ivan Nielsen, mas não por Kieft, que completou na segunda trave para o empate. Aliviados, os Eindhovenaren controlaram o jogo no segundo tempo. Lerby foi unanimemente elogiado como melhor do jogo, se desdobrando no meio-campo para ajudar a defesa, enquanto Koeman comandava as ações. E o empate com gols fora de casa orgulhou não só a torcida, mas toda a Holanda. A revista “Voetbal International” deixava claro, na manchete sobre o jogo, na edição seguinte: “O PSV corresponde às expectativas – a Holanda tem de novo um clube de alto nível”.

 

No caminho para o jogo de volta, em 13 de março, enfim o PSV capitulou no Campeonato Holandês: sofreu sua primeira derrota, num clássico para o Feyenoord (2 a 1 em De Kuip, pela 26ª rodada). Mas a vantagem na liderança seguia segura. Curiosa e surpreendentemente, recebendo o Bordeaux no Philips Stadion, em 16 de março, os Eindhovenaren sofreram mais: preferiram se defender, contendo a previsível pressão dos alvimarinhos. Foram fundamentais as atuações de Van Breukelen e Adick Koot – colocado na zaga daquela vez. E o clube holandês segurou o 0 a 0 em casa, avançando às semifinais.

 

Estava iniciada a fase mais difícil do caminho do PSV rumo à Tríplice Coroa. Afinal, enfim o sorteio colocou os Boeren frente a frente com um rival dificílimo: justamente o Real Madrid treinado por Leo Beenhakker. Campeão da Copa da UEFA em 1985/86. Semifinalista da Copa dos Campeões na temporada anterior. Sem o título europeu havia 22 anos, embora já o tivesse ganho seis vezes. Cheio de destaques – José Antonio Camacho, Rafael Gordillo, Martín Vázquez, Michel, Emilio Butragueño, Hugo Sánchez... enfim, não faltavam razões para se acreditar que era areia demais para o caminhão de Eindhoven. Sem contar as partidas cada vez mais decisivas na Holanda, tanto no campeonato quanto na copa.

Começou no dia 6 de abril de 1988, uma quarta-feira, uma das semanas mais agradáveis da história do PSV. Cada vez mais respeitado no grupo pelo destemor incomum para um jogador de 19 anos, Edward Linskens recebeu tarefa respeitável: após conversar com Lerby e Koeman, Guus Hiddink decidiu escalá-lo para marcar Gordillo, no meio-campo, no jogo de ida das semifinais, num Santiago Bernabéu lotado. A pressão da torcida madridista era quase irrespirável. E a semifinal começou da pior maneira possível para os PSV’ers: logo aos cinco minutos, um toque errado de Arnesen foi interceptado, e a bola parou nos pés de Hugo Sánchez. O mexicano foi derrubado por Van Breukelen na área, o juiz George Courtney marcou pênalti, e “Hugol” fez o que sempre se esperava dele: bola num canto, Van Breukelen no outro, converteu para o 1 a 0 e comemorou com suas habituais cambalhotas.

Parecia o fim. Não foi. Porque, aos 19 minutos, justamente a novidade do PSV marcou um dos gols mais lembrados dos quase 105 anos de história da agremiação da Philips. Arnesen lançou em profundidade, Linskens se viu livre na área após falha da marcação e chutou. Fraco, mas o goleiro Buyo permitiu que a bola passasse por ele. 1 a 1, e o gol foi muito comemorado pelo jovem volante, que marcava em seu primeiro jogo numa competição continental – e começava ali a ostentar o status de “talismã” que sempre teria para a torcida, nos oito anos passados no PSV.

Começou ali também o crescimento dos visitantes em campo. Se Lerby recebeu os elogios nas quartas de final, estes foram para Koeman naquela semifinal em Madri: controlou a defesa, ousou avançar, não deixou Butragueño jogar, tirou uma bola em cima da linha, enfim, ali o zagueiro de 25 anos se consolidou como um dos melhores de sua posição na Europa – embora suspeito, o “Mundo Deportivo” disse que a atuação do camisa 4 do PSV fora “uma lição de futebol”. Van Breukelen não deixou por menos, com defesa milagrosa em cabeceio de Hugo Sánchez. E o time holandês, que parecia ter ali seu ponto final, saiu aplaudido tanto pelos torcedores quanto pela imprensa: o De Telegraaf falou “PSV formidável”, o Algemeen Dagblad optou por “PSV maduro”... enfim, nada ali fazia lembrar o time alquebrado de 1986/87. Era uma equipe pronta para ser campeã europeia.

 

Mas primeiro, havia que garantir o título holandês que estava encaminhado. E ele veio em 10 de abril de 1988, a quatro rodadas do fim do campeonato, com a vitória sobre o AZ (1 a 0), graças a um tardio gol de Kieft. A festa foi discreta para os jogadores, ainda com várias decisões pela frente, mas a torcida já se empolgava, gritando pelas ruas “We gaan naar Stuttgart” (“Nós vamos a Stuttgart”), preconizando a final europeia.

Mas havia ainda um drama à vista. Para descrevê-lo, é preciso voltar às quartas de final da Copa dos Campeões: depois dela, Koeman concedeu uma entrevista ao jornalista Henri van der Steen, para a revista Sport International. A conversa foi publicada com o título: “Die doodschop van Gillhaus tegen Tigana was klasse” (em holandês, “a entrada de Gillhaus sobre Tigana foi ótima”). Trocando em miúdos: o zagueiro elogiava uma falta do colega de time sobre o meio-campo do Bordeaux, na partida de ida – com o tornozelo lesionado, Tigana teve de começar no banco em Eindhoven. As críticas à opinião de Koeman foram notáveis, e o PSV chegou a multá-lo.

Mas o problema parecia pacificado. Até a Uefa chamar uma comissão do clube para uma reunião em Zurique. Lá, o comitê disciplinar informou: Koeman estava suspenso por três partidas, “por não seguir os princípios comportamentais de um desportista”. Ou seja, um dos grandes responsáveis pelo sucesso do PSV em campo não jogaria mais na Copa dos Campeões. Obviamente, o clube entrou com recurso contra a sanção da entidade. E a tensão aumentou para o jogo de volta das semifinais.

Além da disputa europeia, ainda havia uma Copa da Holanda a ser buscada. E o PSV superou o RBC Roosendaal com facilidade nas quartas de final – 2 a 0, em 13 de abril, com o próprio Koeman marcando um dos gols. Ainda em meio à incerteza sobre Koeman, horas antes do jogo de volta das semifinais, em 20 de abril, Guus Hiddink definiu com os outros líderes do grupo de jogadores: Willy van de Kerkhof, um desses líderes, seria o substituto na zaga. Justamente enquanto a delegação ia ao Philips Stadion, vinha o alívio: a pena inicial de Koeman caía para um jogo, após o julgamento do recurso do PSV. Ou seja: ele só ficaria ausente daquele jogo prestes a começar.

Ainda assim, a partida contra o Real Madrid foi extremamente tensa. Novamente, os Boeren optaram por um estilo reativo, buscando os contra-ataques. Tais oportunidades surgiram só no segundo tempo: Lerby acertou a trave com um chute, e Vanenburg quase marcou o gol da vitória. Porém, no último minuto, Van Breukelen é que salvou, com ótima defesa em bicicleta de Hugo Sánchez. Segundos depois, o juiz suíço Bruno Galler apitou o fim do jogo – para irritação dos madridistas, que pediam mais tempo de descontos. Não adiantava: com o 0 a 0, era o PSV que iria à final do principal torneio continental europeu.

 

O fim: duas decisões, dois títulos dramáticos, Tríplice Coroa garantida

 Naquela reta final de temporada, as tarefas do PSV eram tão sucintas quanto complicadas: ganhar a Copa da Holanda, encerrar a Eredivisie sem problemas, ganhar a Copa dos Campeões. Na KNVB Beker, o título veio com algum sofrimento. Na semifinal (26 de abril de 1988), contra o RKC Waalwijk, o PSV chegou a ficar com desvantagem de 2 a 0, mas virou para 3 a 2 e alcançou a decisão. Esta, por sua vez, também teve algum drama. Em 12 de maio de 1988, no campo neutro do estádio do Willem II, em Tilburg, o PSV saiu atrás do Roda JC (gol de Huub Smeets). Aí, Eric Gerets empatou, num chute cruzado, e os Boeren equilibraram mais a partida.

Só que o Roda JC voltou à frente, com Raymond Smeets – e mesmo tendo ficado com dez jogadores, já que Eugene Hanssen cometeu um pênalti e foi expulso, viu Koeman acertar a trave na cobrança. Parecia o fim do sonho de ter três conquistas. Mas como em tantas outras vezes naquela temporada, o time de Eindhoven buscou a reação: aos 40 minutos, desviando voleio de Koeman, Gerets fez 2 a 2. O jogo foi para a prorrogação, e nela Lerby decidiu: 3 a 2. A segunda taça estava garantida. Faltava a terceira. A mais cobiçada.

 

No entanto, a última rodada do Campeonato Holandês trouxe uma péssima notícia ao PSV: na goleada por 4 a 0 sobre o DS’79 (último colocado da Eredivisie), em 8 de maio, Frank Arnesen quebrou a fíbula e rompeu os ligamentos do tornozelo. Titular absoluto quando as dores no joelho permitiam, Arnesen perderia a final da Copa dos Campeões. Perderia a Euro 1988, último torneio que faria pela seleção da Dinamarca. Pior: seria aquele o ponto final da carreira do meio-campista. Só restou a Guus Hiddink escalar Linskens na lacuna deixada.

De mais a mais, o Benfica chegava a Stuttgart também com um desfalque, até mais sério: craque dos Encarnados, o meio-campista Diamantino também estava fora da final, com os ligamentos do joelho rompidos contra o Vitória de Guimarães, na última rodada do Campeonato Português. Ainda assim, havia preocupação sobre a dupla de ataque benfiquista, Rui Águas-Mats Magnusson. Assim como as Águias também pensavam no que poderiam fazer Wim Kieft (goleador da Eredivisie, com 29 gols) e Hans Gillhaus.

A foto posada do PSV que conquistou a Copa dos Campeões em Stuttgart, confirmando a Tríplice Coroa. Em pe: Heintze, Koeman, Nielsen, Lerby, Kieft e Van Breukelen. Agachados: Linskens, Van Aerle, Vanenburg, Gerets e Gillhaus (Bob Thomas/Getty Images)
Assim, aquela decisão em Stuttgart foi mais tensa do que boa. 120 minutos e poucas chances de gol – a mais concreta, de Vanenburg, já na prorrogação. Os destaques foram mais defensivos. No PSV, Koeman e Lerby; no Benfica, Mozer e Pacheco. A não ser pelos torcedores dos Boeren e dos Encarnados, talvez ninguém tenha achado emocionante aquela partida – exibida no Brasil, pela TV Globo. Ficava a decisão para os pênaltis. Ali, valeria muito a pena o presente que Van Breukelen recebera de Jan Reker, seu treinador no PSV: um caderno, compilando os cantos onde vários jogadores do futebol europeu cobravam seus pênaltis. Porém, os chutes benfiquistas foram excelentes – assim como os dos Boeren. 5 a 5. A série alternada seria necessária. Anton Janssen converteu o sexto chute. Aí, Veloso foi bater para o Benfica. E Van Breukelen afastou de vez os seus traumas: defendeu.

 

Era o título. A Tríplice Coroa. A coroação do projeto do trio Jacques Ruts-Kees Ploegsma-Harry van Raaij, que enfim tornava o PSV uma equipe grande na Europa. A consagração que faria o nome de Guus Hiddink despontar como um dos grandes treinadores de sua época. A confirmação de que aquela firme e calejada equipe precisava para ficar na história do futebol europeu. O início da festa que se ampliaria para alguns holandeses dela – Van Breukelen, Van Aerle, Koeman, Vanenburg, Kieft, todos membros da seleção campeã europeia dali a exatamente um mês. O início de um processo que se mantém, 30 anos depois, com o PSV já conhecido mundialmente, referência de um clube grande e organizado na Holanda, sem tantas crises internas como Ajax ou Feyenoord. E, involuntariamente, uma vingança involuntária àquelas duras palavras de Gullit: sim, o PSV poderia alcançar o topo da Europa.

Só não alcançou o topo do mundo porque o Nacional não deixou, na final do Mundial Interclubes. Mas essa é outra história...

A festa pelo último título da Tríplice Coroa: quem diria? (Peter Robinson/Empics/Getty Images)
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 25 de maio de 2018)

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Copa de 1978: caminho diferente para um fim igual

Em pé: Rep, Jongbloed, Haan, Brandts, Neeskens e Krol. Agachados: Jansen, Poortvliet, Willy van de Kerkhof, René van de Kerkhof e Rensenbrink. Após turbulências no caminho, esta Holanda poderia ter ganho a Copa de 1978. Poderia... (ANP Archief)
“A Laranja Mecânica encantou o mundo, na campanha dos vice-campeonatos mundiais, nas Copas de 1974 e 1978.” Frases como essa já foram escritas e lidas inúmeras e inúmeras vezes. De fato, com relação à Copa sediada na Alemanha, não há contestações em relação ao teor da opinião. Todavia, o Mundial ocorrido há 40 anos entra de lambuja sem poder. Porque, sim, a Holanda foi vice-campeã mundial em 1978. Com vários dos jogadores que haviam marcado época havia quatro anos. Mas fez um caminho totalmente diferente para chegar ao mesmo fim.

Nas eliminatórias, ainda Cruyff

Totalmente diferente porque, para começo de conversa, não haveria em 1978 o galvanizador da equipe que impressionara quem gostava de futebol. A rigor, desde 1974 Johan Cruyff já anunciava que aquela fora sua primeira e última Copa do Mundo. Para muitos, em razão de uma história para sempre presente no anedotário holandês de futebol: a reportagem publicada pelo diário alemão Bild, dias antes da decisão de 1974, dando conta de uma festa na piscina do Waldhotel Krautkrämer, em Hiltrup, concentração da Oranje naquele torneio, envolvendo jogadores (Cruyff entre eles) e prostitutas. No dia seguinte, Bild publicado, a esposa Danny Cruyff teria ligado ao marido e o feito prometer que nunca mais jogaria outro torneio. Uma das teorias, entre tantas ligadas à reportagem.

Também vigorou a teoria de que o “Nummer 14” não aceitaria ir à Argentina como protesto pelo regime militar que comandava o país-sede a partir de 1976. Ou então, que um prêmio menor da federação holandesa caso viesse o título mundial foi o estopim para a recusa. Não adiantou Cruyff revelar a razão real, em 2012 - um sequestro-relâmpago sofrido pela família, na própria residência de Barcelona, em setembro de 1977, que o fez preferir manter a segurança com Danny e os filhos Jordi, Chantal e Susila: sempre haverá quem faça boatos sobre o porquê de Cruyff não ter tido a sua segunda chance em 1978.

Pelo menos, o símbolo maior do futebol holandês esteve na campanha tranquila das Eliminatórias da Copa. Por sinal, tranquilidade necessária, após as turbulências da Euro 1976 (uma outra história, que fica para outra vez). No grupo 4 da qualificação europeia, seis jogos – contra Bélgica, Irlanda do Norte e Islândia -, cinco vitórias, um empate e liderança absoluta. A base era a mesma de 1974: lá estavam Arie Haan, Wim Jansen, Wim Rijsbergen, Ruud Krol, Wim Suurbier, Johan Neeskens, Willem van Hanegem, Robert Rensenbrink, os irmãos Willy e René van de Kerkhof, Johnny Rep... mais alguns destaques domésticos de então, como Jan Peters, Hugo Hovenkamp e Kees Kist, trio que fazia sucesso no AZ. Sem contar Ruud Geels, goleador como sempre no cenário interno - fora artilheiro da Eredivisie por quatro vezes seguidas, entre 1974/75 e 1977/78.

A única nota destoante na segura campanha holandesa rumo à Copa fora a briga já mencionada neste blog, que retirou definitivamente da seleção outra dupla de sucesso em seu clube: o goleiro Jan van Beveren e o atacante Willy van der Kuylen, símbolos do PSV que seria não só campeão holandês, mas também da Copa Uefa. De resto, até que um time cheio de talentos temperamentais havia sido bem conduzido pelo técnico Jan Zwartkruis, que chegara após a Euro, vindo da seleção de militares, e conseguia ajudar a seleção holandesa a manter um nível técnico elogiável.

Tudo isso mudou em 1978. Zwartkruis comandara a seleção meio interinamente, durante as Eliminatórias. E a federação holandesa decidiu que um técnico de pulso mais firme comandaria a Holanda na Copa. De fato, o nome escolhido inspirava respeito: o austríaco Ernst Happel, técnico do Feyenoord campeão europeu e mundial em 1969/70, que acumularia o comando da Laranja ao comando do Club Brugge. A Zwartkruis, caberia apenas auxiliá-lo. Happel não era lá técnico muito afeito a debates com os jogadores sobre os rumos a seguir – um dos lemas do treinador austríaco era “kein geloel, maar fussball”, em alemão mesmo (a tradução, em português coloquial: “sem mimimi, jogue bola”).

Começou a pagar o preço disso durante a preparação para o torneio, com o ataque perdendo opções. Sem espaço nas convocações, Ruud Geels ficou de fora da lista preliminar de 26 jogadores – assim como Kees Kist. Lesionado no AZ, Jan Peters também não foi à Copa. Johnny Rep ameaçava: ou era titular na frente, ou preferia deixar a seleção. No gol, havia certa indefinição: optar por Piet Schrijvers, reserva em 1974, melhor debaixo das traves, ou manter Jan Jongbloed, 37 anos, mais afeito ao jogo com os pés? Com todas essas dúvidas, a dupla Happel-Zwartkruis convocou os 22 nomes que viajaram à Argentina, numa mescla dos remanescentes do Mundial anterior com alguns nomes novos - alguns vindos do campeão PSV, como o zagueiro Ernie Brandts e o lateral direito Jan Poortvliet.

A foto oficial dos 22 que viajaram à Argentina para a Copa. Mas Van Hanegem (primeiro em pé, na fileira do meio) foi e voltou, dias antes da Copa (Arquivo ANP)
A decepção na primeira fase

Mas aí veio o pior: a pouco mais de duas semanas do início da Copa, Van Hanegem, dos melhores e mais experientes remanescentes de quatro anos antes, deixou a delegação holandesa. Pelo mesmo motivo da ameaça de Rep: Ernst Happel não lhe garantira um lugar entre os titulares. Jovem que poderia ser aposta, Hovenkamp se lesionou nos treinos e ficou inutilizado para a Copa. Ah, sim: para não perder o costume, por falta de maior pagamento, três jogadores exigiram jogar com as camisas da Adidas sem as famosas três listras, como Cruyff fez em 1974: os irmãos Van de Kerkhof, mais o atacante Dick Nanninga. Restou a Happel adiantar Arie Haan para o meio-campo, sua posição original. E apostar numa escalação conhecida para a estreia, contra o Irã, em Mendoza, no dia 3 de junho de 1978: os 11 jogadores que foram a campo haviam estado na Alemanha. A única exceção seria Nanninga, substituto de René van de Kerkhof no segundo tempo.

 

Se a estreia contra o Uruguai em 1974 mesmerizara o mundo, contra os iranianos o cenário foi diferente. Mesmo diante de uma equipe estreante em Copas, mesmo com remanescentes tecnicamente capazes, o time holandês decepcionou. Ganhou jogando por 3 a 0, sem a menor velocidade. Valeu para que um destaque despontasse: Rensenbrink, autor dos três gols, dois de pênalti. Tentando acelerar mais o time, Happel mudou do 4-3-3 para o 3-4-3 o esquema tático para o segundo jogo – contra o Peru, em Mendoza, no dia 7 de junho -, possibilitando a entrada de Poortvliet. Mas a Holanda fracassou: de novo, morosidade preocupante. Até houve algum trabalho ao goleiro Ramón Quiroga, mas o empate sem gols deu a mostra de como, pelo menos naquela fase, o Peru era um time respeitável: a equipe contou com os pilares Héctor Chumpitaz, César Cueto e Teófilo Cubillas a perturbar a defesa holandesa. A Laranja decepcionava. Ou, para usar a manchete da revista Veja na notícia sobre as expectativas frustradas com os holandeses, “o carrossel enguiçou”.



Com três pontos, liderando o grupo pelo melhor saldo de gols, a Holanda até estava em boas condições para se classificar, mas convinha não bobear contra a Escócia, em Mendoza, no dia 11 de junho. Pois a Oranje quase bobeou. O adversário começou melhor, já mandando uma bola na trave aos nove minutos – Bruce Rioch, de cabeça. Além disso, com dores abdominais, Neeskens teve de ser substituído, no minuto seguinte. Pelo menos, Rensenbrink fez história com a classe que tinha nas cobranças de pênalti, justificando porque tomara de Neeskens o posto de batedor oficial: fez 1 a 0 sobre os escoceses ainda na etapa inicial, marcando o milésimo gol da história das Copas.

A partir daí, quase nada mais deu certo para os holandeses. Com alguma velocidade e mais habilidade nas jogadas de ataque, a Escócia empatou com Kenny Dalglish. Já no segundo tempo, Archibald “Archie” Gemmill roubou a cena: virou o jogo, e ainda fez 3 a 1 com um belo gol, driblando vários defensores. Com o Peru superando o Irã e indo à primeira posição do grupo 4, a seleção do uniforme azul sonhava: ia a três pontos, e se fizesse 4 a 1, eliminaria a vice-campeã mundial no saldo de gols, que ficaria 1 a 0 a favor dos escoceses. Aí surgiu o talento: na forma de um chute forte de Johnny Rep, no ângulo esquerdo do goleiro Alan Rough, marcando o gol salvador. A Laranja perdera por 3 a 2, mas estava salva na Copa. Todavia, a manchete de um jornal holandês dizia tudo: “A Laranja avança a despeito de uma atuação de lixo”.



Ficava claro: algo teria de mudar. E mudou. A falta de paciência e ponderação de Ernst Happel – com jogadores e dirigentes - já irritava Wim Meuleman, presidente da federação holandesa. Observando tudo isso, o auxiliar Jan Zwartkruis. Que contou o que aconteceu, em sua biografia, lançada em 2008. Falecido em 2013, ele revelou na publicação: “Já haviam cochichos de que ‘talvez seria melhor se Zwartkruis fosse o técnico principal’. De minha parte, não era o caso, mas Happel sentia que isso poderia acontecer. E entendo por quê: eu tinha mais liberdade com os rapazes”.

Para Meuleman, a gota d’água veio após um encontro com Happel, no saguão do hotel em que a delegação estava hospedada. O presidente havia feito uma sugestão de escalação para o primeiro jogo da segunda fase – contra a Áustria, em Córdoba, a 14 de junho de 1978 -, contando com mais sugestões: do diretor de futebol Jacques Hogewoning, do segundo auxiliar Arie de Vroet, do chefe de delegação Herman Chouffoer. O treinador austríaco foi inflexível: “Você é o presidente e eu sou o técnico. Certo? Obrigado”.

O nervosismo era demais até para Happel, fumante inveterado. E partiu dele a decisão: um dia antes de enfrentar a seleção de seu país natal, após o treino, ele se aproximou de Zwartkruis – coisa que nunca fizera até então naquela Copa, segundo o auxiliar – e comunicou: “Amanhã, você faz a preleção. E também fica responsável pelas alterações”. Na prática, o jogo de poder na comissão técnica mudava ali: Zwartkruis passaria a ter tanta autoridade quanto (ou até mais do que) Happel.

Na segunda fase, a arrancada para a final

Se foi por pressão da KNVB sobre Happel ou se foi pela vontade própria do técnico, nunca se soube. Mas o fato é que a Holanda mudou da água para o vinho, em sua estreia num dos quadrangulares semifinais daquela Copa. Zwartkruis fez três mudanças na escalação: lesões de Neeskens, Suurbier e Rijsbergen levaram às entradas de Poortvliet, Brandts e do lateral Piet Wildschut. Além disso, Schrijvers substituía Jongbloed no gol. Tudo isso serviu para uma atuação muito mais animadora. Arie Haan, enfim, engrenou na armação das jogadas. Rensenbrink mostrou classe no ataque, enquanto a velocidade ficou com Willy van de Kerkhof, e a precisão na área, com Johnny Rep. Na defesa, Krol assumia a responsabilidade: se convertia num zagueiro altamente técnico, até mesmo se convertendo em "líbero" caso necessário, para virar um dos melhores defensores daquele torneio. Resultado: uma goleada por 5 a 1. A Laranja voltava a ser respeitada na Copa de 1978.

 

Melhor augúrio, impossível. Afinal, o jogo seguinte era justamente um reencontro com a Alemanha, algoz na final de 1974. Era uma equipe em reformulação, mediana, a alemã: acumulava o surgimento de Karl-Heinz Rummenigge à permanência de gente como Sepp Maier e Berti Vogts. No entanto, ainda se mostrava capaz de crescer em clássicos. Foi o que aconteceu: contra a vice-campeã mundial, a campeã abriu o placar logo aos três minutos, com Rüdiger Abramczik.

A Oranje sentiria o baque? Haan diria não: o meio-campista começou a mostrar a habilidade impressionante nos chutes de longe, empatando aos 27 minutos, num arremate que deixou Maier apenas olhando a bola entrar, no ângulo direito, encerrando o que até então era a maior invencibilidade de um goleiro na história das Copas (475 minutos). Pareceu até verdadeiro o que o camisa 9 comentou, à revista Voetbal International, na edição posterior àquele jogo: “Naquele chute foram quatro anos de ódio”.

O equilíbrio seguiu no segundo tempo. Dieter Müller recolocou os alemães na frente aos 25 minutos. Mas a Holanda mandou uma bola na trave, acelerou a troca de passes, não descansou até René van de Kerkhof empatar, aos 37 minutos. No fim de jogo, Nanninga ainda foi expulso. Mas o empate valeu para provar o espírito de luta holandês.

 

Quanto mais dificuldades encarava na segunda fase, mais a Holanda crescia. Sob o comando implícito de Zwartkruis, os destaques ofensivos melhoravam: Haan assumia de vez o destaque no meio-campo, Rensenbrink e Rep se convertiam nos goleadores de que a Holanda precisava, os irmãos Van de Kerkhof eram velozes, Neeskens seguia como o coadjuvante valioso que sempre foi naquela geração. Se havia alguma dúvida da capacidade, ela acabou na emocionante partida que levou a equipe laranja à sua segunda final seguida de Copa, contra a Itália, em 21 de junho, no Monumental de Núñez. Nada pior do que a jogada do primeiro gol da Azzurra, para fazer crer que a Holanda se renderia às decepções: ainda no primeiro tempo (19 minutos), numa falha de Ernie Brandts (pressionado pela marcação, o zagueiro “chutou” para o próprio gol), no azar de Schrijvers (o goleiro se chocou com Brandts, e o choque rendeu uma lesão que o fez ser substituído por Jongbloed, chegando assim à segunda final de Copa).

A Itália abriu o placar na decisão pela vaga na final. No mesmo lance, Schrijvers (deitado, à esquerda) se machucou. Mas a Holanda partiu dali para a decisão da Copa - e Brandts, autor do gol contra, fez a favor (ANP Archief)
Se no primeiro tempo Brandts ficou ameaçado de ser o vilão, na etapa final o zagueiro afastou tal perigo da melhor maneira possível: empatando o jogo. E empatando bonito: num chute forte, tirando logo a perna para evitar a chegada dos zagueiros italianos, mandando a bola no ângulo direito de Dino Zoff. O empate já tranquilizava a Laranja: pelo saldo de gols, ele já a garantia na decisão. Mas faltava um lance que simbolizasse como aquela equipe melhorara na reta final do Mundial. Este lance veio aos 32 minutos do segundo tempo: como contra a Alemanha, Haan avançou com a bola pelo meio. Também como contra a rival, o meio-campista arriscou o chute, até de mais longe. E a bola tomou o caminho das redes de Zoff, ainda batendo na trave, antes de sacramentar a virada, a vitória, a vaga holandesa na final, e se tornar um dos mais bonitos gols em chutes de fora na história da Copa. Só não foi o tento mais belo daquele torneio porque Nelinho faria o que faria, na decisão do 3º lugar.

 

A final: violência, uma pitada de técnica, e o "quase"

25 de junho de 1978. De novo, a Holanda tentaria seu primeiro título mundial – e de novo, contra a seleção anfitriã. Porém, desde o começo da preparação naquele dia, os holandeses tiveram a impressão de que seriam testados psicologicamente, diante de um país que parecia não aceitar outro resultado que não fosse o título mundial. Em primeiro lugar, o ônibus da delegação demorou a chegar ao Monumental de Núñez, preso pela torcida argentina que lotava as ruas. Nos vestiários, a preleção de Ernst Happel foi curta e grossa: “Meus senhores, [ganhem] dois pontos”.

Depois, pouco antes do começo do jogo, um fato muito lembrado pelos holandeses. Com a mão quebrada, René van de Kerkhof jogara com o local coberto de gesso durante toda a segunda fase – sem problema nenhum. Até a final da Copa: com os protestos do capitão argentino Daniel Passarella, o árbitro italiano Sergio Gonella obrigou Van de Kerkhof a cobrir o gesso. Aí, a irritação foi dos holandeses: Ernst Happel chegou até a ameaçar retirar o time de campo. Antes que o início da decisão atrasasse mais, o gesso foi coberto por ataduras, e enfim a partida começou.

E quando começou, pareceu dar razão ao que Ruud Krol disse, anos depois: “Foi o jogo mais duro da história das Copas”. Cada dividida simples era motivo para discussões – ou até para mais perigo: no intervalo, não faltaram manchas de sangue nas camisas laranjas, ou mesmo lábios inchados, ou até dois dentes perdidos por Neeskens, após uma cotovelada de Passarella. No que se viu de bola correndo, a Holanda até começou aproveitando mais o nervosismo argentino – Ubaldo Fillol fez milagre, espalmando chute de Rep à queima-roupa -, só que aos poucos a Albiceleste uniu talento e velocidade, para abrir o placar com Mario Kempes, já no final do primeiro tempo.

O ritmo do jogo foi parecido no segundo tempo. A Argentina pressionava, mas também buscava se impor fisicamente, fosse qual fosse o efeito. E se a Holanda buscava atacar mais, com a entrada de Dick Nanninga para fortalecer o jogo aéreo, também não fugia das divididas. Até uma linha de impedimento mal feita pelos argentinos, aos 36 minutos. René van de Kerkhof cruzou da direita, Nanninga entrou de cabeça e completou para a meta vazia – por mais que a câmera tenha focado a comemoração de Poortvliet após o gol, foi do atacante do Roda JC, falecido em 2015, o 1 a 1.

Foi o melhor momento da Holanda no jogo. A Argentina se abalara naquele final de jogo, temerosa de que pudesse perder a Copa em casa. E foi nos acréscimos que um lance fortuito se converteu, até hoje, como o maior símbolo do “quase” que persegue a Laranja nas Copas do Mundo - talvez só o gol perdido por Arjen Robben, no segundo tempo da final de 2010, chegue perto de simbolizar a mesma coisa.

Aos 45 minutos, já caminhando para os 46, um chute alto levou a bola para a área. Rensenbrink – “De Slangeman”, o homem-cobra, apelidado assim pela magreza e pela habilidade nos movimentos – chegou pela esquerda, indo dividir a bola com Fillol e um zagueiro. Aí, o camisa 12 laranja foi o primeiro a colocar o pé. Parecia uma jogada sem perigo. Tempos depois, o próprio atacante afirmou: “Aquilo não era uma chance propriamente dita. Foi até engraçado eu ter mandado a bola na trave”. Pois é: o pé de Rensenbrink mandou a esférica na trave direita de Fillol. Se tivesse entrado, seria praticamente o gol a levar a Holanda ao panteão dos campeões mundiais. Para o escritor inglês David Winner – autor do seminal Brilliant Orange (2000), livro a traçar relações entre o futebol e a cultura holandeses -, o gol que faria Rensenbrink virar um dos nomes mais conhecidos da história do país. Mas o que até hoje ecoa nos ouvidos de quem viu aquele jogo é o do narrador Theo Reitsma, da NOS, emissora pública holandesa: “Rensenbrink! Tegen de paal!” (“Rensenbrink! Na trave!”).

 

O gol da virada não veio. Imediatamente depois, Sergio Gonella apitou o final do tempo regulamentar. A Argentina pôde usar a pausa rumo à prorrogação para recobrar o ânimo e a calma perdidos momentaneamente após o empate holandês. Antes do fim da primeira parte do tempo extra, Kempes também encarou uma dividida, após driblar Jongbloed, mas conseguiu superá-la e acertou o que devia: o gol. A partir dali, a Holanda já sabia: a Copa estava perdida. O gol de Daniel Bertoni, sacramentando o primeiro título mundial argentino, só confirmou isso.

 

E uma Copa que poderia ter refletido uma admirável reação holandesa às adversidades – a saída precoce de Cruyff, a deserção inesperada de Van Hanegem, as atuações decepcionantes da primeira fase – resultou num vice-campeonato mundial pouco lembrado, 40 anos depois. Talvez até “comemorado” pelos holandeses, que pensam no que poderia acontecer em uma Argentina incendiária, caso não fosse ela a campeã mundial. Ficou apenas a memória do “futebol numa guerra suja”, como foi batizado um livro sobre a campanha holandesa naquela Copa. E talvez por isso, por esse anticlímax tão bem simbolizado por aquela bola de Rensenbrink na trave, a Copa de 1978 virou apêndice da de 1974. Mesmo que o final igual tenha sido alcançado de modo diferente.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 18 de maio de 2018)

sábado, 12 de maio de 2018

Melhor do que a Eredivisie

Mount (à esquerda) foi o destaque de uma das surpresas das repescagens: a fácil vitória do Vitesse (vitesse.nl)
Sabe-se que a temporada de futebol não acaba na Holanda com a 34ª e última rodada do Campeonato Holandês. Já nesta semana, estão acontecendo as duas repescagens. Uma em cima: pela vaga na segunda fase preliminar da Liga Europa, a última à disposição do país nas competições continentais, entre o quinto e o oitavo colocados da Eredivisie - a rigor, entre o quarto e o sétimo colocados, mas o Feyenoord, ocupante da quarta posição, já tinha seu lugar, campeão da Copa da Holanda que é. A outra é mais dramática, na qual Roda JC (antepenúltimo colocado) e Sparta Rotterdam (penúltimo) jogam a salvação contra outros seis times, vindos da segunda divisão. Pois bem: as duas começaram de modo surpreendente. Para muitos, até mais do que a temporada toda.

Buscando o lugar na Liga Europa, estão Utrecht, Vitesse, ADO Den Haag e Heerenveen. E as partidas que fizeram, na quarta recente, já esquentaram inesperadamente o clima que parecia morno. Vitesse e ADO Den Haag abriram a disputa, com o jogo de ida, em Haia. Mesmo terminando uma posição abaixo (7º lugar), o Den Haag parecia num crescimento mais promissor: com o atacante Bjorn Johnsen marcando muitos gols – foram dois do norueguês de ascendência americana nos 3 a 2 contra o Roda JC, na última rodada, ficando como vice-goleador da temporada –, Nasser El Khayati chamando a responsabilidade na criação das jogadas e uma zaga extremamente esforçada e fisicamente forte, o favoritismo leve pendia para os auriverdes, contra um Vitesse meio irregular, tentando se refazer em meio à reta final, até com troca de técnico (já com demissão anunciada, Henk Fräser deixou o time rodadas antes do fim da Eredivisie, e o auxiliar Edward Sturing assumiu).

Só que, mesmo numa montanha-russa de desempenho em campo, o Vites possui bons jogadores, também. O defeito no gol, com as falhas do veterano Remko Pasveer, foi minorado: o reserva Jeroen Houwen substituiu Pasveer nas oito rodadas finais e não decepcionou. No ataque, os gols são tarefa cumprida tanto por Tim Matavz quanto por Bryan Linssen. Finalmente, do meio-campo do time de Arnhem saiu o homem que definiu o jogo de ida. Emprestado pelo Chelsea, como se espera: Mason Mount. O armador inglês de 19 anos fez três gols, Matavz e Linssen ajudaram com um tento cada, o Vitesse abriu 4 a 0 já no primeiro tempo... e o 5 a 2 deixa o time aurinegro em excelentes condições para a volta, neste sábado, em seu GelreDome. 

Se o primeiro jogo para definir o finalista do play-off “de cima” surpreendeu pela facilidade, o segundo surpreendeu duplamente. Afinal, o Utrecht não é considerado só franco favorito contra o Heerenveen, mas também à própria vaga na Liga Europa (quando nada, porque decidiu a repescagem nas duas últimas temporadas – e ganhou a vaga, na passada). Pois bem: no primeiro tempo da ida, mais eficiente e sortudo, o Heerenveen fez 2 a 0, com um gol de falta contando com desvio (Yuki Kobayashi) e outro com erro dos Utregs na saída de bola (Reza “Gucci” Ghoochannejhad). Mais do que isso: fez 3 a 0 no início do segundo tempo (Daniel Hoegh).

Utrecht batido? Nada disso: o time visitante diminuiu para 3 a 1 logo após sofrer o terceiro gol, com Zakaria Labyad. Veio um revés até pior: a expulsão de Yassin Ayoub, exatamente um minuto depois do gol da esperança, de modo tolo (Ayoub fez falta, levou o primeiro amarelo, aplaudiu ironicamente o juiz Ed Janssen, e levou o segundo amarelo). Mas os Utregs cresceram... e empataram, com dez jogadores: Labyad fez de falta, e um arremate de Urby Emanuelson com desvio na zaga rendeu o 3 a 3. Aí, tentando manter um resultado que seria até admirável, o quinto colocado da temporada se fechou na defesa. Mas não adiantou: o Heerenveen fez 4 a 3 no final do jogo, com Denzel Dumfries. Seja como for, a partida de volta, neste sábado, em Utrecht, para definir o outro “finalista” pelo lugar na Liga Europa é altamente promissora.

O Dordrecht quebrou a banca nos play-offs pela vaga na Eredivisie: reverteu a grande vantagem do Cambuur (Pro Shots)
Se um mata-mata mais “normal” como o da parte superior da tabela já rendeu duas partidas empolgantes, o da definição de promovidos/mantidos/rebaixados tem fornecido momentos dignos das melhores finais de campeonato – como é comum na repescagem para tal fim, diga-se de passagem. Tome-se por exemplo a primeira fase, na qual Cambuur e Dordrecht fizeram uma das partidas. Na ida, fora de casa, o Cambuur pareceu encaminhar sua classificação à segunda fase, goleando os mandantes por 4 a 1. 

Como se não bastasse, no primeiro tempo da partida de volta, sábado passado, a equipe de Leeuwarden abriu o placar. O que aconteceu? Isso mesmo: o Dordrecht protagonizou uma emocionante reação. No segundo tempo, em 25 minutos, os “Cabeças de Cabra” viraram exatamente para 4 a 1, causando a necessidade de prorrogação, de disputa por pênaltis... e nela fizeram o impressionante: 5 a 3 nas cobranças, e classificação merecidamente comemorada.

As dificuldades do Dordrecht seguem na segunda fase: afinal, o time pega o Sparta Rotterdam, vindo da Eredivisie. E mesmo em casa, a equipe era superada até com facilidade pelo adversário de Roterdã, que fazia 1 a 0 e controlava o jogo... até o “golaço contra” de Stijn Spierings, dando o 1 a 1 de graça aos mandantes em Dordrecht. Pelo menos, o Sparta consertou as coisas, com o 2 a 1 que lhe devolveu vantagem para a volta, no que pode ser o jogo final da carreira do técnico Dick Advocaat, em caso de rebaixamento dos “Spartanen” (pelo menos, é o que o próprio promete).

Também mereceu destaque a alta movimentação das coisas em Telstar x De Graafschap. Há 40 anos sem jogar a Eredivisie, o Telstar fez 2 a 0 no primeiro tempo – e ainda ficou com um homem a mais. Novamente, outro jogo que parecia definido tomou o caminho inverso: em dois minutos da etapa final, entre os 27 e os 29 minutos, os visitantes da cidade de Doetinchem empataram. O Telstar ainda fez 3 a 2, mas já se anseia pelo que poderá vir do estádio De Vijverberg, no próximo domingo.

Assim como certamente será cercado de tensão o Roda JC x Almere City da volta, com o empate sem gols que se viu na cidade de Almere. E até mesmo o FC Emmen, que nunca jogou na elite, e viu o sonho de disputar uma das vagas aumentar com a goleada sobre o experiente NEC (4 a 0 num time que jogou a Eredivisie em 2016/17!), deve manter cautela. É o que também recomendou Edward Sturing para a repescagem pela Liga Europa, ao Vitesse que comanda: “O Cambuur também pensava que estava tudo definido”. Razões para essas precauções, não têm faltado.

E é por isso, até, que a “Nacompetitie” (nome que os holandeses dão às repescagens) tem empolgado. A ponto de haver quem brinque, mídias sociais afora, que ela está sendo melhor do que a própria Eredivisie. Ou quem sugira a adoção do mata-mata...

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 11 de maio de 2018)

terça-feira, 8 de maio de 2018

Play-offs pela Liga Europa: reação para quem?

Haller se despediu do Utrecht colocando o time na Liga Europa, via repescagem. E os Utregs estão lá de novo (Gerrit van Keulen/VI Images)
Como já se sabe, para seis clubes do Campeonato Holandês, a temporada ainda não acabou. Sparta Rotterdam e Roda JC começarão a disputar sua sobrevivência, na repescagem de acesso/manutenção/descenso. Mas o que ainda chamará alguma atenção no futebol do país são os play-offs que rendem a última vaga da Holanda num torneio continental: na segunda fase preliminar da Liga Europa, em 2018/19.

E curiosamente, de um modo ou de outro, a decisão envolvendo do quinto ao oitavo colocado (originalmente do quarto ao sétimo, mas o Feyenoord, quarto lugar, já está na Liga Europa) terá várias equipes tentando consolidar a recuperação que experimentam, na reta final da temporada. Há uma exceção - por sinal, justamente a equipe que venceu a repescagem continental em 2017/18. Mas ela pode ser vitimada, por essas reações. Elas serão descritas no miniguia a seguir.

Utrecht x Heerenveen

Jogo de ida: nesta quarta, às 15h45, em Heerenveen
Jogo de volta: sábado (15h45), em Utrecht

Ayoub está de saída para o Feyenoord. Mas pode se destacar, ajudando o Utrecht a ir à Liga Europa outra vez (Pieter Stam de Jonge/VI Images)
Utrecht (5º colocado na Eredivisie regular)

Quando Erik ten Hag tomou o caminho do Ajax, por vontade própria, em janeiro, durante a pausa de inverno, ficou a pergunta: faria diferença no bom caminho que o Utrecht fazia até aquele momento, em quarto lugar? A resposta? Não fez. Principalmente, por causa do ótimo início de returno feito sob o técnico promovido: Jean-Paul de Jong, auxiliar de Ten Hag (foram oito jogos de invencibilidade - quatro empates e quatro vitórias). A regularidade foi mantida - apenas três derrotas. Os destaques seguiram jogando bem, com Yassin Ayoub e Zakaria Labyad. Outros cresceram de produção, como Sander van de Streek e o "reserva habitual", Cyriel Dessers. E os Utregs voltaram a um cenário que conhecem: a repescagem pela Liga Europa. De novo, como favoritos a pegarem a vaga.

Numa temporada irregular, o Heerenveen pode consertar tudo. E os gols de Reza podem ajudar nisso (Ronald Bonestroo/VI Images)
Heerenveen (8º colocado na Eredivisie regular)

Eis que, por linhas tortas, o Heerenveen acabou escrevendo certo. Não faltaram irregularidades no desempenho técnico do time, na temporada. O trabalho de Jürgen Streppel no banco pareceu estagnado - a tal ponto que o treinador anunciou sua saída com o returno em andamento. Para piorar, as lesões que tiraram da temporada dois personagens importantes: Martin Odegaard e Stijn Schaars. Pelo menos, alguns jogadores se mantiveram bem, como Denzel Dumfries, na lateral direita, e Reza Ghoochannejhad, no ataque. E a queda brusca de desempenho do Zwolle permitiu que o Fean chegasse à repescagem, mesmo com duas derrotas nas duas rodadas finais. De novo, o adversário na "semifinal" será o Utrecht, como em 2017/18. De novo, o clube entra como azarão.

Vitesse x ADO Den Haag

Jogo de ida: nesta quarta, às 13h30, em Haia
Jogo de volta: sábado (12.05), às 13h30, em Arnhem

Linssen foi garantia de gols nos bons momentos do Vitesse. Pode ajudar a equipe a fechar bem temporada irregular (Ronald Bonestroo/VI Images)
Vitesse (6º colocado na temporada regular)

Outro time que terá nos play-offs a chance de dar um final honroso a uma temporada irregular. Afinal de contas, o Vitesse é o mesmo time que venceu por duas vezes o Ajax (2 a 1 em Amsterdã, 4 a 2 em Arnhem) e caiu para uma equipe amadora na Copa da Holanda. É o mesmo time que viu a saída antecipada do técnico - Henk Fräser não só já anunciara deixar o clube quando a temporada acabasse, como saiu antes mesmo do fim da Eredivisie - e viu boas atuações em campo, como as dos atacantes Bryan Linssen e Tim Matavz. O interino Edward Sturing ainda fez outras alterações na equipe, como efetivar Viacheslav Karavaev na lateral direita e Jeroen Houwen no gol, tornando a defesa mais segura. Deu para se manter na zona da repescagem. Será suficiente para a vaga?

Johnsen (à esquerda) marca os gols; El Khayati faz as jogadas; e o ADO Den Haag sonha vê-los brilhando na repescagem (Gerrit van Keulen/VI Images)
ADO Den Haag (7º colocado na temporada regular)

Eis, talvez, o caso mais notável de reação na Eredivisie. Não que o ADO Den Haag tenha patinado em posições inferiores e subido irresistivelmente: o time de Haia sempre frequentou a zona segura da tabela durante a temporada. No entanto, o único nome digno de destaque era Nasser El Khayati, criador das jogadas no meio-campo - junto a outros ídolos da torcida, como o goleiro Robert Zwinkels e o zagueiro Tom Beugelsdijk (este, mais pela fidelidade ao clube do que pelo nível técnico). Aos poucos, os atacantes melhoraram. Bjorn Johnsen, então, começou a marcar até se tornar vice-artilheiro da Eredivisie. E o Den Haag alcançou os play-offs, contando com a força individual para superar o Vitesse.