segunda-feira, 25 de junho de 2018

30 anos da Euro 1988 - parte 4: o golaço, o pênalti, a festa

Enfim, Holanda: Gullit levanta o troféu da Euro no Estádio Olímpico de Munique, em 25 de junho de 1988, e dá início à festa (VI Images/Getty Images)
No texto mais recente deste especial, falando sobre a semifinal da Eurocopa de 1988 e a vitória empolgante da Holanda sobre a Alemanha, a última frase foi: “Mas ainda faltava uma final”. Pelo esforço mental despendido em campo, os jogadores da Oranje pareciam esquecer disso. Felizmente, para eles, havia alguém que não permitiu que isso continuasse. O nome dele: Marinus Hendricus Jacobus Michels, vulgo Rinus Michels.

Duas histórias confirmam isso. A primeira ocorreu enquanto a equipe tomava café da manhã, no hotel em que estava, em 23 de junho, um dia após o 2 a 1 sobre os alemães. Van Breukelen chegou ao refeitório dizendo: “Bem, podemos ir para casa”. Van Basten respondeu, alerta: “Ainda tem a final”. Veio a tréplica do goleiro: “Nós já a jogamos. Foi maravilhoso vencer os manés. Se eu pudesse escolher entre vencer os alemães ou superar os russos na final, eu não teria a menor dúvida. Escolheria vencer a Alemanha”.

Van Basten discordou: “Eu não vejo a coisa assim. Quero finalmente acabar com essas histórias de que a equipe de 1974 seria muito mais forte. Pelo menos, mais forte do que a nossa. Essa é a chance de colocar as coisas no lugar. Eles só chegaram ao segundo lugar”. Era tudo o que Rinus Michels queria ouvir. Finalizando a discussão, o treinador arrematou: “Então, que tal nos lembrarmos de que a gente ainda pode vencer um torneio?”.

Após questionamentos até de Cruyff, seu principal pupilo, Rinus Michels tinha a consagração merecida (VI Images/Getty Images)

Outra história que revela como Michels apagou rapidamente a vitória contra a Alemanha de sua cabeça ocorreu no dia 24 de junho, véspera da final. Após aproveitarem o dia de folga, um grupo de jogadores, liderados por Ruud Gullit, bateu à porta do quarto de Rinus, que havia ficado no hotel. E entregou ao treinador um presente, comprado por Carel Akemann, supervisor dos jogadores na delegação: um relógio Cartier, comprado para o técnico a pedido dos próprios atletas. Michels olhou para o relógio. No verso, estava gravado: “Obrigado, do elenco da Euro ‘88”. 

Comovido, abriu o coração: “Eu o usarei. Trabalho há muito tempo no futebol, mas ganhar um presente desses de um elenco de jogadores realmente me emociona. Se vocês me permitem, eu ligarei para a minha esposa, agora”. Bonito. Mas, enquanto os jogadores se distanciavam, o comandante pediu atenção, e alertou: “Mas se vocês perderem amanhã, eu devolvo o relógio”. Mensagem compreendida. E Michels retirou-se para o quarto – não sem antes chorar ao telefone, junto da esposa Wil, ainda emocionado com o gesto dos atletas.

A foto posada daquela final de 25 de junho de 1988, no Estádio Olímpico de Munique. Em pé: Van Basten, Ronald Koeman, Rijkaard, Erwin Koeman, Gullit e Van Breukelen. Agachados: Van Tiggelen, Mühren, Van Aerle, Wouters e Vanenburg (VI Images/Getty Images)
O gol de Gullit acalma o início

No dia seguinte, 25 de junho, era ir para o gramado do Estádio Olímpico de Munique e jogar a final  contra a União Soviética, que pouco havia mudado em relação à primeira fase (a íntegra, aqui). E a Holanda pareceu tranquila, em campo. O ataque soviético era ativo e até mais perigoso em campo, com Sergei Gotsmanov, Oleg Protasov e Igor Belanov chegando à área, mas a defesa holandesa não sofria em campo, com boas atuações de Rijkaard e Van Tiggelen – este último, até melhor do que Rijkaard, até avançando ao meio-campo para ajudar Mühren e Wouters na marcação. Além da tranquilidade, a Oranje tinha um fator de sorte: principal zagueiro da equipe soviética, Oleg Kuznetsov estava suspenso, pelo cartão amarelo levado na vitória por 2 a 0 sobre a Itália, nas semifinais. 

Assim, o ataque mantinha o controle do jogo. E a ausência de Kuznetsov pode explicar o que se viu aos 33 minutos do primeiro tempo: Erwin Koeman cobrou escanteio da esquerda, alto demais. A bola foi rebatida, e Erwin Koeman cruzou novamente. Aí deu-se a sorte: orientados pelo atacante Sergei Aleinikov, os defensores fizeram a linha de impedimento. Só se esqueceram de combinar com Van Basten, que desviou de cabeça, e Gullit, que completou, também testando, para o gol de Dasaev. 1 a 0.

Aquele gol

A tranquilidade holandesa aumentou ainda mais. Embora a pressão soviética continuasse, a organização tática com que o time fora pensado por Rinus Michels facilitava a diminuição do perigo. E essa organização iniciou a jogada que simboliza aquela partida, aquela vitória, aquele título. Aqui, cabe uma pequena lembrança: antes da Euro, a Holanda disputou jogos-treino, durante a fase de preparação. Num deles, em 7 de junho de 1988, contra o Quick 1888, time amador de Nijmegen, mesmo com goleada da seleção por 8 a 1, o gol de honra do Quick foi marcado por Michel Dreis, com... um voleio improvável, que encobriu Hiele, goleiro reserva. É o gol abaixo.


Voltemos ao jogo: eram nove minutos do segundo tempo. A União Soviética pressionou, mas Van Tiggelen desarmou um jogador, próximo à área holandesa. E o lateral esquerdo progrediu com a bola até pouco depois do meio-campo, quando passou a Arnold Mühren. Da esquerda, o veterano volante, então, cruzou a bola, de primeira, para Van Basten, que vinha pelo lado oposto, correndo para a grande área. Ao lado de Carel Akemann, no banco de reservas, Rinus Michels lamentou: “O que ele está fazendo?!”.

Na foto mais ampla, Van Basten chuta, enquanto o zagueiro soviético se protege (Reprodução)
Na área, Van Basten chegava. Um zagueiro aproximou-se dele, mas ouviu Dasaev gritar: “Preste atenção em Gullit!”. E deixou o camisa 12 livre. Pouca chance de haver problemas, até porque o cruzamento de Mühren saíra alto demais, indo além da segunda trave, onde ele pensara em mandar a bola. E o atacante holandês, com quatro gols até então, teria de resolver a jogada daquele modo. Na base do “é tudo ou nada”, Van Basten chutou. Mais distante, testemunhando a jogada, Jan Wouters pensou: “Ele é louco”.

Já se sabe o que aconteceu: a bola encobriu Dasaev, que não esperava por aquela solução para a jogada. E balançou as redes. 2 a 0. Delírio na torcida holandesa, incredulidade em campo, provada pelo diálogo entre Wouters e Van Basten, durante a comemoração. “Como você fez isso?” “Eu não sei!” Mas fez, para surpresa de Theo Reitsma, narrador da televisão pública holandesa NOS, que só gritou no vídeo abaixo: "Schitterende doelpunt!" ("Belíssimo gol!"). Sorte da Holanda. Sorte de quem viu o que foi, seguramente, um dos gols mais bonitos da história do futebol até os dias de hoje. Até mesmo Dasaev se rendeu, 25 anos depois, falando à revista ELF Voetbal: "Foi um gol na sorte, mas só Van Basten poderia fazer um gol daqueles".


Van Breukelen prova seu valor

Só que o jogo não acabara. A pressão da União Soviética só aumentou: pouco depois do gol de Van Basten, Alexander Zavarov aproveitou falta cobrada para a área e chutou na trave. E aos 29 minutos daquela etapa final, após lançamento para a área mal rebatido, a bola foi para a linha de fundo. Gotsmanov foi pegá-la. Pouca chance de a jogada seguir. Mas Van Breukelen foi perseguir o camisa 18 soviético e derrubou-o. O árbitro francês Michel Vautrot não pestanejou: pênalti. Até duvidoso, mas mais “marcável” do que os vistos na semifinal.

Ali se veria a necessidade de Van Breukelen colocar em prática o que refletira nos últimos meses, em consultas com o psicólogo Ted Troost. Desde 1984 titular absoluto da Oranje, o goleiro passara a sofrer pressão em 1987: com o estilo de jogo ofensivo no Ajax treinado por Johan Cruyff, onde o titular Stanley Menzo era daquele tipo de goleiro mais afeito ao jogo com os pés, o pedido para que a seleção adotasse o mesmo esquema era sistemático. Da mídia, da torcida, de onde fosse.

Defender um pênalti durante a final exorcizou definitivamente os fantasmas que Van Breukelen ainda tinha (Bob Thomas/Getty Images)
Goleiro muito mais afeito ao trabalho típico da posição (isto é, defender bolas), Van Breukelen começou a sentir-se boicotado. Começou a falhar em algumas partidas. Nas partidas por seu clube, o PSV, entrava em campo e via faixas pedindo por Menzo, ou até Joop Hiele, na seleção. Perdia visivelmente a autoconfiança. Em uma partida das eliminatórias da Euro, até fora barrado por Michels, em detrimento de Hiele. Somente ao começar as consultas com o psicólogo, Van Breukelen retomou seu nível normal de atuações, aprendendo a impor mais em campo, a ser mais agressivo. 

O trabalho mental dava certo. A ponto de Van Breukelen já ter sido decisivo na final da Copa dos Campeões 1987/88, defendendo a cobrança de Antônio Veloso, zagueiro do Benfica, na série de chutes da marca do pênalti, garantindo o 6 a 5, após empate sem gols no tempo normal, e o primeiro título europeu do PSV. Mas a final da competição europeia de clubes fora em 25 de maio, exatamente um mês antes. E os detratores continuavam ácidos: dias depois de conquistar a Copa dos Campeões, Van Breukelen recebeu uma carta anônima. Algumas palavras dela: "Você é um babacão, Van Breukelen, eu me irritei muito com você e sua alegria exagerada após aquele pênalti pego na sorte. Aquela sua histeria significa, para mim, que logo você vai fraquejar de novo na Euro".

Agora eram Van Breukelen e Belanov, um em frente ao outro, na grande área do Estádio Olímpico de Munique. Belanov bateu no canto direito, forte. E o arqueiro rebateu com tanta força que a bola foi parar fora da área. Mas seu olhar imponente, e até furioso, após defender, deixava claro: a Eurocopa de 1988 tinha dono. O apito final de Michel Vautrot ratificou uma conquista merecida, de um time que foi se acertando durante a competição, que tinha vários atletas determinados, um craque que explodiu na hora mais apropriada (Van Basten), um gênio no banco.

Após a taça, os festejos dos holandeses no pódio já preconizavam o que se veria na Holanda (Popperfoto/Getty Images)

O êxtase na Holanda

Agora, era levantar a taça. E ser recebido na Holanda. A festa foi otimamente descrita por Johan Derksen, redator-chefe da revista Voetbal International: “A estrada de Munique até Amsterdã foi uma festa. Não tinha gente mostrando o dedo do meio na parte chamada Autobahn, mas só compatriotas comemorando. A solidariedade era incrivelmente grande. Muçulmanos e cristãos, torcedores do Ajax e do Feyenoord, socialistas e liberais; todos eles haviam sido campeões europeus. Rinus Michels, Jan Wouters, Hans van Breukelen e Marco van Basten eram heróis nacionais, agora”.

Se havia alguma dúvida da felicidade holandesa com o título da Euro 1988, ela acabou com o enlouquecido trajeto dos jogadores pelos canais de Amsterdã com a taça (Arquivo ANP)
Depois, a recepção pela rainha Beatrix, na casa real. A ensandecida torcida que seguiu os canais da capital, atravessados pelo elenco de barco. O discurso de Rinus Michels, que reconheceu: “O jogo contra a Alemanha foi a verdadeira final”. Tudo isso, tendo como trilha sonora de “Wij houden van Oranje” ("Nós amamos a Laranja"), canção de André Hazes, que frequentou as primeiras posições das paradas de sucesso na Holanda durante aqueles dias que emocionaram o país. E virou um clássico no futebol do país.Seu refrão: “Nederland, oh, Nederland/Jij bent de kampioen/Wij houden van Oranje/Om zijn daden em zijn doen” (Holanda, oh, Holanda/Você é a campeã/Nós amamos a Laranja/Por suas façanhas e seus feitos).


Os gols de Holanda 2x0 União Soviética, final da Euro 1988, na transmissão da TV Globo para o Brasil, com a narração de Galvão Bueno



Vídeo com a recepção da torcida aos jogadores campeões europeus, em Amsterdã, com passeio pelos canais com a taça

Logo após o apito final, Rinus Michels desejou: "Espero que possamos deixar para trás as memórias de 1974". Não, a Holanda não deixou. Foi somente um feito. Mas que até hoje emociona os holandeses. Que esperam por uma festa como a que viveram em 1988.

domingo, 24 de junho de 2018

30 anos da Euro 1988 - parte 3: o dia da glória chegou

A comemoração de Gullit (esquerda) e Rijkaard se justificava plenamente: a vitória contra a Alemanha, velha rival e carrasca, na semifinal da Euro 1988, marcou a história da seleção holandesa (Arquivo ANP)
Várias seleções têm uma vitória que as desafogam, em sua história. Um triunfo altamente importante para lhes provar que as derrotas não são definitivas, que as coisas podem melhorar, que nem sempre elas são os times humilhados e sem esperança que foram um dia. Para o Brasil, a vitória contra a Suécia, na final da Copa de 1958; para a França, provavelmente foram os 3 a 0 sobre o Brasil, na decisão do Mundial de 1998;  a decisão da Euro 2008 é o marco inicial da melhor fase da história da seleção da Espanha.

Pois bem: a Holanda já teve uma dessas vitórias. Precisamente, contra a Alemanha, na semifinal da Eurocopa, em 21 de junho de 1988 (a íntegra do jogo está no link). Um dia em que se libertou dos traumas, em que venceu um grande adversário, em que livrou-se das risadas de que sempre foi alvo – e de que voltaria a ser, depois. Mais do que isso: um dia em que venceu um adversário figadal, alguém que sempre a sobrepujara, o seu maior e mais cruel algoz. Até mesmo em campos geopolíticos, já que as tropas alemãs mataram cerca de 250 mil pessoas e dizimaram o país, numa ocupação de cinco anos, durante a Segunda Guerra Mundial. 

Só pela declaração do ex-jogador Willem van Hanegem à época, nota-se como a mágoa holandesa em relação à Alemanha era gigante, mais do que hoje em dia: “Eu os odeio. Eles mataram minha família. Meu pai, minha irmã, dois dos meus irmãos. Toda vez que eu enfrentava a Alemanha, ficava cheio de raiva”. Talvez por isso a Holanda tenha ficado longos minutos apenas tocando a bola, durante a final da Copa de 1974: não era para manter a posse, mas para impor certa humilhação aos algozes.

E talvez por isso a Holanda tenha sofrido tanto com a derrota em 1974. Batizada como “a mãe de todas as derrotas”, ela tornou-se uma espécie de marco negativo para os holandeses. Algo que representava para eles o que o 22 de novembro de 1963, dia do assassinato de John F. Kennedy, representa para os norte-americanos. Ou, para os brasileiros, o 31 de março de 1964. Ou o 25 de abril de 1984, quando a Emenda Dante de Oliveira ficou a 22 votos de ser aprovada, frustrando o pedido pelo retorno das eleições diretas para presidente. Ou até o 1º de maio de 1994 em que Ayrton Senna morreu. Enfim, cabe o clichê: aquele tipo de data em que todo mundo se lembra do que estava fazendo durante o fato.

E o revés que dera o segundo título mundial aos alemães insistia em doer, insistia em ficar latejando nos holandeses. A ponto dos próprios germânicos ficarem sem compreender a razão de tanta raiva, nos jogos entre as duas seleções desde a Copa de 1974. Por exemplo: durante a Euro 1980, no duelo que terminou em 3 a 2 para o Nationalelf, Huub Stevens, defensor holandês, brigou com o goleiro Harald Schumacher, enquanto René van de Kerkhof deu um soco no olho de Bernd Schuster. Tal sentimento gerou críticas de Karl-Heinz Rummenigge: “É uma pena e uma vergonha que eles usem o futebol como válvula de escape para o ódio em relação à Segunda Guerra Mundial”.

A formação que comoveu a torcida holandesa no Volksparkstadion de Stuttgart - e em todo o país - naquela semifinal de 21 de junho de 1988. Em pé: Van Basten, Ronald Koeman, Rijkaard, Van Tiggelen, Gullit e Van Breukelen. Agachados: Van Aerle, Mühren, Wouters, Vanenburg e Erwin Koeman (fanpictures.ru)
Mas só entrar com o coração na ponta da chuteira, só entrar com sede de vingança, não seria suficiente contra a Alemanha que disputava aquela Eurocopa. Até por jogar em casa, a equipe treinada por Franz Beckenbauer era a grande favorita ao título. E a base do time trazia boa parte do elenco que se sagraria tricampeão mundial em 1990: Lothar Matthäus coordenava as ações no meio-campo, Jürgen Klinsmann pedia passagem no ataque, Andreas Brehme comandava a defesa. Além deles, havia gente que não estaria na Copa do Mundo disputada dali a dois anos, mas fazia boa Eurocopa, como o zagueiro Matthias Herget e o meio-campista Wolfgang Rolff.

Nervosismo no começo

E a motivação até exagerada atrapalhou a Holanda, no primeiro tempo. A Oranje pressionou mais em chutes de fora da área, mas não conseguia se aproximar do gol alemão, defendido por Eike Immel. E a Alemanha até trazia perigo, ancorada nas boas atuações de Herget, que chegava de surpresa, como líbero que era, e Matthäus, chefe do meio-campo. No segundo tempo, a Oranje até cresceu em campo. Lesionado no fim da primeira etapa, Herget teve de dar lugar a Hans Pflügler, que não entrou bem, enfraquecendo o miolo de zaga. Além do mais, na esquerda, Gullit fazia o que queria de Uli Borowka. 

Ainda assim, faltava calma. O lance que mais exemplificou o estado de nervos do time holandês foi já na etapa final: a certa altura, Matthäus também ficou no gramado, alegando falta, próxima à área holandesa. O árbitro romeno Ioan Igna nada marcou, e o jogo seguiu. Enquanto o camisa 8 alemão seguia no gramado, Van Breukelen saiu da área e vociferou perto do adversário: “Eu quero que você se f***”. O goleiro, aliás, era o símbolo da tensão holandesa no jogo: gritava com o árbitro, peitava quem quer que fosse alemão e tentasse cavar alguma falta (levaria até amarelo, posteriormente).

É de se impressionar que Van Breukelen tenha apenas batido palmas, ironicamente, aos seis minutos do segundo tempo, quando Klinsmann caiu ao ser acossado por Rijkaard, e Ioan Igna deu a penalidade máxima. Matthäus, que não tinha muito a ver com a história, bateu no canto esquerdo. O goleiro acertou e quase defendeu, mas a Alemanha estava na frente.

A Oranje volta para o jogo

Pouco depois, derrubado por Berry van Aerle, Rudi Völler ficou caído no chão por mais tempo do que o esperado. Alguns adversários foram cobrá-lo, e Van Aerle puxou de leve o cabelo do atacante. Pronto: Völler quis discussão, ficou por mais tempo no chão, se contorcendo, e a confusão ocupou uns cinco minutos de jogo.

Aquilo foi o ponto de virada. A Holanda precisaria apresentar mais calma, se não quisesse cair mais uma vez para os alemães. Desde então, o time passou a usar mais passes em profundidade, embora não tivesse abdicado jamais de arriscar chutes de fora da área. Enfim, num lançamento, Van Basten recebeu, na entrada da área, pela direita. Por baixo, Köhler tentou tirar a bola pela linha de fundo, com um carrinho despretensioso, na bola. Van Basten caiu. E Ioan Igna (numa arbitragem ruim, diga-se de passagem) deu o pênalti, aos 29 minutos do segundo tempo. Ronald Koeman bateu e fez: 1 a 1. Dois pênaltis, dois gols, um empate, como naquela final de 1974.

  
Kohler tenta desarmar Van Basten, este cava o pênalti marcado... (Arquivo ANP)

... e Ronald Koeman bate para empatar a semifinal (Four Four Two)

Embora a partida não estivesse sendo boa tecnicamente, tinha a tensão indispensável aos grandes clássicos, aquele suspense que faz o ambiente irrespirável em campo e fora dele. Ao mesmo tempo em que a partida parecia se encaminhar para a prorrogação, a impressão era de que algo ainda poderia acontecer. E aconteceu.

No final, a revanche sonhada pela Holanda

44 minutos do segundo tempo. Uma jogada inofensiva começa no meio-campo. Ronald Koeman faz menção de passar a Gullit. Mas o camisa 10 vai para a esquerda, levando consigo a marcação de Borowka e Matthäus. O meio fica livre para Koeman lançar em profundidade. Jan Wouters recebe a bola, e quase imediatamente lança para Van Basten. Perseguido por Köhler, o atacante dá um toque sutil de carrinho. Suficiente para tirar a bola do alcance de Immel, que se estica todo para defendê-la. Inútil. 2 a 1.


Van Basten toca fraco... (Getty Images)


... mas já serve para Immel apenas ver a bola ir ao canto, no gol que fez a Holanda explodir (Four Four Two)
"Ja! Ja, Marco van Basten! 2-1! (...) Volksparkstadion is van Oranje!” ("Sim! Sim, Marco van Basten! 2 a 1! O Volksparkstadion é da Laranja!"), narrou Evert ten Napel, o locutor da NOS, a emissora holandesa de tevê que transmitia o jogo. Naquele momento, a audiência do jogo já batia nos 5,8 milhões de telespectadores, em território holandês. Enquanto Van Basten marcava o gol da virada, a audiência atingiu picos de 8,7 milhões de telespectadores na Holanda. Sem contar os 109 países para os quais a Eurocopa era transmitida - o que incluía o Brasil, com a transmissão pela TV Globo, com a narração de Luiz Alfredo e os comentários de Juca Kfouri. Após o gol, Luiz lembrou 1974: "Uma vingança gostosa de Rinus Michels!".

Após um final de jogo mais frenético, com a Alemanha tentando virar no abafa, Ioan Igna apitou o fim do jogo em Hamburgo. Explosão no banco de reservas, com Rinus Michels abraçado pelos auxiliares. Explosão na torcida, que fazia mais barulho do que a maioria alemã. Explosão entre os jogadores, que comemoravam como se já houvessem ganho a Eurocopa. Gullit inicia as festividades, abraçando o treinador e puxando um trem formado pelos que estiveram em campo. Van Breukelen falava: “Esperava por isso havia 14 anos. Antes do jogo, lembrei de mim mesmo, ao assistir à final de 1974, adolescente, e isso aumentou minha raiva. Estou feliz por dar este presente às antigas gerações, a quem viveu a guerra”.

Não importa que outras partidas posteriores tenham vindo, nem que a Alemanha tenha ganho em outras ocasiões, até mais importantes. O trauma de 1974 estava encerrado com a vitória em 1988. “Finalmente a vingança!”, estampou o diário De Telegraaf em sua capa, no dia seguinte. Era hora de comemorar. E a Holanda fez isso. Algumas vezes, baixando o nível: enquanto deixava o campo, Ronald Koeman usou a camisa alemã ganha em troca com Olaf Thon como se fosse um pedaço de papel higiênico, fingindo limpar as nádegas. Criticadíssimo pela falta de educação, Koeman desculpou-se rapidamente com o país e com Thon, e não ficaram mágoas.

A Holanda queria comemorar a virada sobre sua arquirrival. Mas Koeman passou um pouco dos limites (Arquivo ANP)

Mas ficou a alegria. Em todo o país, as pessoas saíram às ruas para provocar alemães, celebrar a vitória, buzinar. Sem exageros: a festa vista em Amsterdã foi considerada a maior desde a libertação do jugo nazista, em 1944. Até por ser outra espécie de libertação. O poema “21-6-88”, de Jules Deelder, exemplifica bem o que a vitória significou para a Holanda: “Oooooo! En wie vergeef/des doelman hand/zich strekte naar de bal/die één minuut/voor tijd/de Duitse doellijn kruiste/zij die vielen/rezen juichend/uit hun graf” (“Oooooo! E quem esquece/a mão do goleiro/que se esticou/para a bola/que um minuto antes do fim/a linha alemã cruzou/aqueles que caíram/das suas tumbas/se levantaram”). 

De fato, a mais inesquecível das vitórias holandesas. Mas ainda havia uma final.


(Os gols e a comemoração pós-jogo de Holanda 2x1 Alemanha, semifinal da Euro 1988, na transmissão da NOS, emissora pública holandesa de tevê, com a narração de Evert ten Napel)

sábado, 23 de junho de 2018

30 anos da Euro 1988 - parte 2: a sorte conspira a favor

Van Basten recebeu a chance de Rinus Michels, após a derrota na estreia. E saiu do banco para ser aclamado na Euro 1988 (Bongarts/Getty Images)
Escalada para a primeira fase da Euro 1988, a Holanda teria dificuldade considerável no grupo B. Embora o nível técnico dos favoritos não fosse tão grande quanto o que Alemanha e Itália tinham, no grupo A, havia times elogiáveis. O principal favorito a liderar a chave era a União Soviética. Em seu último grande momento no futebol, os soviéticos traziam uma equipe com jogadores já experientes das Copas de 1982 e 1986, como o goleiro Rinat Dasaev e o zagueiro Anatoli Demianenko. Juntos a eles, gente que vivia a melhor fase da carreira, como os atacantes Vassili Rats, destaque soviético na Copa de 1986, Igor Belanov, eleito o melhor jogador da Europa em 1986, e Alexei Mikhailichenko, que faria parte da equipe soviética medalha de ouro no torneio olímpico de futebol, nos Jogos de Seul, dali a alguns meses.

Embora com um time sem tantas novidades, a Inglaterra ainda sabia que Gary Lineker, Peter Beardsley e John Barnes tinham muito a contribuir, no ataque – e ainda havia Peter Shilton, já um estandarte do English Team, no gol. Finalmente, a Oranje teria a incógnita Irlanda como última adversária. Jogando a primeira grande competição de sua história, a seleção irlandesa era guiada pelo ideário do técnico inglês Jack Charlton, que pedia muita dedicação na defesa. Ou seja: embora Frank Stapleton, Tony Cascarino e John Aldridge dessem algum brilho ao ataque, o que impressionava no Eire era o esforço hercúleo na marcação, expresso em gente como o zagueiro Mick McCarthy e o volante Paul McGrath – na verdade, zagueiro adiantado.

E a Holanda? Já estava com a sua escalação definida, como se leu na primeira parte deste especial. Todavia, as opções de Rinus Michels desagradavam alguns personagens importantes. Um deles, claro, era Johan Cruyff: em sua coluna para o jornal espanhol El Periodico, o já então técnico do Barcelona elegeu a Laranja como sua favorita ao título da Euro: "Se o time jogar com três atacantes, garantirá o pânico em toda defesa adversária". Era um bom augúrio que continha crítica implícita: a opção de Michels por dois atacantes. Claro que o treinador holandês entendeu. E replicou duramente a opinião do principal jogador que treinou em campo: "Eu não faria isso com um colega de trabalho. Cruyff está sempre falando, em todos os canais (...). Ele diz que já somos campeões europeus. É muito fácil [falar isso] quando não se tem responsabilidade". Mas pelo sim, pelo não, o fato é que Michels ainda apostou num esquema com três atacantes para a estreia: além de Gullit e Bosman, John van't Schip começou jogando.

A Holanda que estreou na Euro 1988, contra a União Soviética, em Colônia, no dia 12 de junho. Em pé: Van Tiggelen, Rijkaard, Ronald Koeman, John Bosman, Gullit e Van Breukelen. Agachados: Wouters, Mühren, Vanenburg, Wouters e Van't Schip
A Oranje chegou para a estreia contra a União Soviética, no dia 12 de junho, em Colônia, com um certo temor (aqui, o jogo na íntegra).  No que daria aquele time meio desequilibrado taticamente, contra a equipe determinada e coesa de Valeri Lobanovsky? Deu numa partida dominada pelos de camisas laranjas. Mais impressionante: nenhum dos armadores destacou-se no ataque. Mais impressionante ainda: esse destaque não foi de Ruud Gullit. Foi da dupla de zaga. Avançando como elementos surpresas, Ronald Koeman e Rijkaard impressionaram. Ao mesmo tempo, a dedicação de Van Tiggelen, Van Aerle e Mühren impediu que a defesa ficasse absolutamente desguarnecida.

Aqui, faz-se necessário um parêntese: entre os dois “líberos” que a Holanda tinha, Rijkaard foi ainda mais impressionante. Marcou bem, saiu bem com a bola nos pés, trouxe perigo em chutes de fora da área, em trocas de passes... enfim, a atuação do camisa 17 foi classuda a ponto de impressionar o técnico argentino Cesar Luis Menotti, que estava em Colônia: “Eu nunca vi um líbero tão técnico na minha vida”. 

Rijkaard chegara àquela Euro em baixa: após sair do Ajax brigado com o técnico Johan Cruyff, no meio de 1987, fora contratado pelo Sporting-POR. Mas a transação se deu fora do prazo, e o volante/zagueiro não poderia atuar pelos Leões. O jeito foi repassá-lo ao Zaragoza-ESP, ainda em 1987. Mas ele não impressionara ali. Até aquela partida contra a União Soviética. No estádio, estava Arrigo Sacchi, técnico do Milan. Impressionado, ali Sacchi decidiu pedir a contratação de Rijkaard a Silvio Berlusconi, já então o mecenas milanista. E o resto é história.

Mas voltemos ao jogo: a Holanda estava bem, até que houve uma falha de marcação de Van Tiggelen, pela esquerda, aos sete minutos do segundo tempo. Ele somente cercou o meia Vagiz Khidiatullin, sem dar o bote. E o soviético pôde inverter o jogo para Rats, que entrava pela área, do outro lado. O atacante bateu, de voleio, e fez 1 a 0 para a URSS. Nem com toda a ajuda de Koeman e Rijkaard ao ataque, a Oranje conseguiu vazar a meta de Dasaev. Rinus Michels, então, decidiu usar a arma que tinha no banco: tirou Vanenburg, apagado, e colocou Van Basten. O camisa 12 tentou. A insistência ofensiva foi grande: Dasaev defendeu um chute de Koeman, um cabeceio de Gullit, contou com a sorte ao ver a bola vinda da cabeça do próprio colega Vagiz Khidiatullin bater no travessão. E a União Soviética segurou o 1 a 0, saindo na frente, no grupo A da Euro.


Claro, a boa atuação na estreia já deixara uma impressão de que era possível ir longe na Euro. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas realmente era preferível vencer a Inglaterra. Ela fora derrotada por 1 a 0 pela Irlanda, começara pessimamente, mas era bom não brincar com um time experiente como o inglês. Mais uma derrota e a Holanda estaria eliminada. Ao mesmo tempo, após reconhecer o peso da derrota ("Certamente foi um golpe duro", falou à emissora pública de tevê NOS), Rinus Michels reconheceu os erros próprios ao escalar o time no 4-3-3 tipicamente holandês: "Achei que alguns tiveram timidez demais, não jogaram livres".

Era necessário ter alguém que trouxesse mais técnica ao ataque. Era necessário ter alguém que trouxesse mais temor à zaga adversária. John Bosman não causara muito tormento entre os soviéticos, na estreia. Enfim: mesmo que ele não estivesse em perfeita forma, Van Basten tinha de iniciar a partida. Era preciso correr riscos. Rinus Michels decidiu corrê-los.

Rinus Michels voltou ao 4-4-2 que pensara para a Euro 1988. E a esperada estreia veio no segundo jogo pelo torneio, contra a Inglaterra, em Dusseldorf. Em pé: Van Basten, Rijkaard, Ronald Koeman, Erwin Koeman, Gullit e Van Breukelen. Agachados: Vanenburg, Wouters, Van Tiggelen, Van Aerle e Mühren (Professional Sport/Popperfoto/Getty Images)
Entrou quem faltava: Van Basten

Em Dusseldorf, no dia 15 de junho, Van Basten substituiu Bosman na escalação que começou o jogo contra o English Team (a íntegra aqui). E que início cheio de sustos. No primeiro deles, Van Breukelen saiu mal do gol e foi driblado por Lineker, que chutou na trave. E a bola voltou ao goleiro holandês. No segundo susto, Glenn Hoddle cobrou falta na mesma trave que Lineker acertara. A bola bateu no poste, rolou próxima à linha do gol e foi dominada pela defesa holandesa.

A sorte estava virando. Prova disso foi o que se viu aos 44 minutos do primeiro tempo: após cruzamento de Gullit, da esquerda, Van Basten dominou na área, deu um drible humilhante em Tony Adams e bateu na saída de Shilton para abrir o placar. Eis ali a prova de que o camisa 12 tinha a habilidade que John Bosman não possuía, por mais esforçado e dedicado ao time que fosse.

No segundo tempo, aos seis minutos, Bryan Robson empatou para o English Team. Só que, aos 26 minutos, Van Basten novamente apareceu livre, recebeu passe de Gullit na área e recolocou a Oranje na frente. E, aos 30, em jogada ensaiada (cobrança de escanteio, desviada na área para o complemento na segunda trave: lembram da Copa de 2010?), Van Basten emplacou o terceiro gol na partida. Definitivamente, com três gols em um jogo, o atacante mostrava a Michels que estava pronto para ser titular.


No meio do caminho tinha uma orelha: Kieft

Caminho encontrado, a Holanda ganhava cada vez mais confiança. Mas não estava garantida nas semifinais da Euro. Afinal, a Irlanda era uma incógnita cada vez mais perigosa: ganhara da Inglaterra, e arrancara um empate por 1 a 1 contra a União Soviética. Tinha três pontos, um a mais do que a Oranje. Novamente, era vencer ou vencer. Mesmo que o nível técnico da seleção de Rinus Michels fosse superior ao dos irlandeses (e houvesse sido ampliado com a explosão de Van Basten), o jogo em Gelsenkirchen, no dia 18 de junho, era mais um caso em que a Holanda teria de matar um leão para seguir no torneio - a íntegra, aqui.

A seleção da Holanda que sofreu, mas conseguiu chegar às semifinais contra a Irlanda - contando com a sorte no gol. Em pé: Van Tiggelen, Ronald Koeman, Rijkaard, Van Basten, Gullit e Van Breukelen. Agachados: Mühren, Van Aerle, Wouters, Vanenburg e Erwin Koeman (Getty Images)
Novamente, houve sustos no começo: nos primeiros minutos de jogo, McGrath mandou uma bola na trave, de cabeça. Depois, só a Oranje trouxe perigo. Mas, por mais que se esforçasse, a dedicação irlandesa na defesa vencia as tentativas de ataque. Hora de Rinus Michels agir: aos cinco minutos do segundo tempo, ele colocou Wim Kieft no lugar de Erwin Koeman. Ainda que a seleção estivesse agora armada num 4-3-3, a insistência resumia-se a cruzamentos para a área prontamente afastados de cabeça, ou a chutes de fora da área defendidos pelo goleiro Pat Bonner. A Holanda ia se cansando. A semifinal impensável chegava para consagrar a Irlanda. Mas tinha uma orelha no meio do caminho.

37 minutos do segundo tempo. Gullit cruza da direita, e Paul McGrath, zagueiro, tirou de cabeça. De primeira, Ronald Koeman arrisca o voleio. Pega fraco. A bola saltita, Kieft voa para cabecear e dá com a orelha na bola. O destino dela muda, e ela continua saltitando, até morrer no canto esquerdo de Bonner. O 1 a 0 esperado viera, para explosão de Rinus Michels, no banco. Após o jogo, Kieft se mostrou até incrédulo, para a revista Voetbal International: "O chute errado de Ronald Koeman teve tanto efeito que, quando eu desviei, a bola continuou girando sobre seu eixo. O goleiro também não esperava que ela chegaria até mim, e deu um passo para o lado".

Na transmissão da TV Globo para aquele jogo (era sábado de manhã, no horário de Brasília), o narrador Luiz Alfredo mencionou "o abraço e a alegria de Rinus Michels" e a "bola toda, toda, cheia de veneno (...) surpreendendo Pat Bonner". Raul Plassmann também citou o desvio em seus comentários. E sintetizou bem o que significava a vitória: "Premia um futebol de mais técnica, mas que teve muita dificuldade".


Enfim, com o destino e a habilidade conspirando a favor, a Holanda chegava à semifinal da Euro, aos trancos e barrancos. E enfrentaria a Alemanha, sua eterna arquirrival, sua algoz costumeira.

Seria um jogo à parte. E foi.

Com Van Basten, além de manter a mobilidade, o ataque holandês ganhou em técnica (lineupbuilder.com)


sexta-feira, 22 de junho de 2018

30 anos da Euro 1988 - parte 1: escrevendo certo por linhas tortas

Esta Holanda fez história na Euro 1988. Da esquerda para a direita, na primeira fileira: Monne de Wit (fisioterapeuta), Gerrit Steenhuizen (roupeiro), Nol de Ruiter (auxiliar técnico), Rinus Michels (técnico), Bert van Lingen (auxiliar técnico) e Guus de Haan (auxiliar técnico). Na segunda fileira: Ronald Koeman, John Bosman, Wim Kieft, Wilbert Suvrijn, Joop Hiele, Hans van Breukelen, Hendrie Krüzen, Frank Rijkaard, Sjaak Troost, Wim Koevermans e Ruud Gullit. Na terceira fileira: Marco van Basten, Adri van Tiggelen, Berry van Aerle, Jan Wouters, Aron Winter, Arnold Mühren, John van't Schip, Gerald Vanenburg e Erwin Koeman (Cor Mulder/Arquivo ANP)

Antes da Copa de 1974, a Holanda fazia parte de uma escala menor, quase ignorada no futebol europeu e mundial. Não era plenamente inexperiente em grandes cenários (já participara dos Mundiais de 1934 e 1938), mas também era um time inofensivo. Como se sabe, 1974 mudou o modo como a seleção holandesa é vista mundo afora. Só que aquela competição também iniciou o estereótipo trágico: a Holanda joga bonito e perde. Isso foi visto à exaustão. Nas Copas do Mundo, em 1990, 1998, 2010, 2014... nas Eurocopas de 1992, 2000, 2008, 2012... enfim, várias vezes esperava-se o “agora vai” que traria o título tantas vezes merecido. Mas o “agora vai” só foi uma vez: na Euro 1988. E nesta época atual, em que a Oranje anda distante do destaque internacional, longe de Euros e Copas do Mundo (e sem dar a impressão de que logo voltará), nada mais lógico do que lembrar essa vez em que a Oranje “foi”, há 30 anos. 

Além de ser o único título da história da seleção adulta, a Eurocopa de 1988 marcou a vida do país. Movimentou-o a ponto de provocar grandes comoções populares e levar músicas às paradas de sucesso. Mas o sentido mais importante da conquista foi mesmo o futebolístico. Afinal, ela uniu aquela que é considerada a segunda grande geração de jogadores da história do país. Transformou os destaques dessa geração em estrelas, na Holanda e fora dela. E foi o símbolo de como 1988 é o grande ano da história do futebol holandês: além da vitória da seleção, o PSV conquistou a Tríplice Coroa (Copa dos Campeões, Campeonato Holandês e Copa da Holanda), e o Ajax chegou à final da Recopa - perdeu para o Mechelen, da Bélgica, é verdade, mas o campeão tinha quatro holandeses em sua escalação, mais o técnico Aad de Mos.

Enfim, por todos esses motivos, a coluna fará um especial até a próxima segunda-feira, 25 de junho, data exata dos 30 anos do título. É uma versão revista e ampliada do especial já publicado na Trivela, em 2013, por ocasião dos 25 anos da conquista. Serão quatro textos mostrando como foi a trajetória na Euro 1988, quando a Holanda teve a certeza de que podia ganhar algum dia, que não estava condenada a ser a eterna perdedora. Hora de começar a viagem de volta.

Um começo com turbulências

Durante a década de 1980, a Holanda sofreu com uma palavra: entressafra. Não havia mais a sabedoria tática de Ruud Krol, o esforço de Johan Neeskens, a elegância de Robert Rensenbrink e acima de tudo, a genialidade de Johan Cruyff. Ao mesmo tempo, por mais que seu talento técnico fosse indiscutível, a geração que surgia desde o início daquela década ainda não se mostrara capaz de desabrochar em campo. Um bom exemplo disso é que a Chuteira de Ouro já até fora ganha por Wim Kieft (1981/82) e Marco van Basten (1985/86). 

Mas algo continuava interrompendo o caminho de volta a uma grande competição. O duro caminho até que a nova geração ganhasse experiência suficiente incluiu duas dolorosas experiências em eliminatórias. Na qualificação para a Euro 1984, a vaga para a Espanha foi perdida no número de gols pró, após a Roja golear Malta por 12 a 1, na última rodada do grupo 7. Nas eliminatórias para a Copa de 1986, a Oranje foi para a repescagem contra a Bélgica, rival histórica. E perdeu o lugar no Mundial, por um gol, que os Diabos Vermelhos marcaram fora de casa. Na ida, em 16 de novembro de 1985, a Bélgica fizera 1 a 0, beneficiada pela expulsão rápida do atacante Wim Kieft (aos quatro minutos de jogo!). Quatro dias depois, na volta, em Roterdã (claro, De Kuip), a Laranja vencia por 2 a 0, mas um gol do zagueiro belga Georges Grün, a cinco minutos do fim, deu aos visitantes o lugar na Copa.

Foi o sinal definitivo de que faltava ainda algo àquela geração de jogadores. Treinador na campanha das eliminatórias, Leo Beenhakker deixou o cargo criticando a falta de esforço daquela geração de jogadores. À revista Voetbal International, "Don Leo" fulminou: "No intervalo daquele jogo [na volta da repescagem], eles pareciam animadinhos. Ninguém estava cansado, sem fôlego [de tanto correr], nem tinha qualquer lesão.  Num gramado desses [a grama em De Kuip estava castigada pelo inverno]. Como você pode não ter nada num gramado desses? Isso foi o que me chateou: a falta de senso de realidade. Ninguém estava naquele clima de "ou vai ou racha".

O time do fracasso holandês na repescagem das Eliminatórias europeias da Copa de 1986. Em pé: Wijnstekers, Houtman, Gullit, Spelbos, Rijkaard e Van Breukelen. Agachados: De Wit, Van Tiggelen, Van der Korput, Tahamata e Valke (VI Images)
Para tornar a situação ainda mais confusa, havia discordâncias sobre os rumos táticos do futebol do país. Isso ficou claro num congresso, organizado pela federação holandesa em janeiro de 1986. Nele debateram Leo Beenhakker - que colocou parte da culpa do fracasso em seu antecessor, Kees Rijvers, que comandara a Laranja entre 1981 e 1984; Rinus Michels, diretor técnico da federação holandesa; e Johan Cruyff, já despontando como treinador no Ajax, oposto a Michels e Beenhakker quanto às ideias sobre futebol. Tanto que, num dos dias do congresso, após o debate, Cruyff se surpreendeu ao ler num jornal, no dia seguinte, que os técnicos de Ajax, PSV, Groningen e Utrecht estavam de acordo quanto ao futuro do futebol holandês. Cruyff chegou aos debates já furioso: "Li que estamos todos de acordo e levei um susto. Só estamos de acordo no fato de que não há uma maneira única de as coisas serem feitas. Somente nisso".

Se havia um consolo, ele estava no fato de que a Holanda já tinha uma geração em plena evolução. Na defesa, enfim Hans van Breukelen se consolidara como goleiro titular, enquanto Ronald Koeman e Frank Rijkaard começavam a formar uma zaga de muito respeito na Europa; no ataque, Marco van Basten começaria a viver os grandes momentos de sua carreira exatamente naquele momento, enquanto Ruud Gullit partia da frente para começar a aparecer em todas as partes do campo. Ou seja: era uma base com a qual dava para se fazer um trabalho promissor. E os que haviam decepcionado Leo Beenhakker nas eliminatórias da Copa - Simon Tahamata, Michel van de Korput, Peter Houtman - começaram a dar lugar a gente que vinha para ficar por alguns anos: Adri van Tiggelen, Erwin Koeman, Jan Wouters.

Antes das eliminatórias para a Eurocopa, em 1986, Rinus Michels recebeu a tarefa de acumular o cargo de diretor técnico da federação holandesa com o comando da Oranje. E os comandados de Michels tiveram seus percalços. O começo foi bom, com a vitória por 1 a 0 sobre a Hungria, em 15 de outubro de 1986. Mas o empate sem gols com a Polônia, em 19 de novembro, em casa, na segunda rodada, já trouxe problemas. Pelo menos, o terceiro jogo deu margem a algum alívio: em 21 de dezembro, 2 a 0 sobre o Chipre, o membro mais fraco do grupo. Só que, na quarta rodada, veio mais um empate em casa: 1 a 1 contra a Grécia, em Roterdã, em 25 de março de 1987. Eram resultados perigosos. A situação melhorou com duas vitórias por 2 a 0 (contra a Hungria, em casa, no dia 29 de abril; e contra a Polônia, fora, em 14 de outubro). A Holanda continuava na frente do grupo 5, e estava invicta, perto da vaga na Euro. Mas qualquer falha podia ser fatal. 

E essa falha veio em 28 de outubro de 1987, na penúltima rodada das eliminatórias, numa goleada por 8 a 0, contra o Chipre, em Roterdã: quando o placar estava em 1 a 0, um rapaz de 21 anos, presente nas arquibancadas do De Kuip, atirou uma laranja, que acertou a cabeça do goleiro cipriota, Andris Charitou. Este teve de deixar o campo, e os companheiros de time também o fizeram, alegando falta de condições para continuarem jogando em segurança.


Depois, houve o retorno, e o jogo seguiu até os 8 a 0. Mas a Uefa acompanhou o incidente e anulou a vitória. Drama à vista: com 10 pontos, um à frente da Grécia, a Oranje teria de passar por um duríssimo confronto direto contra os helênicos, em Rodes, na última rodada, para assegurar sua classificação. Aí entrou a influência de Jacques Hogewoning, presidente da KNVB, a federação holandesa. Ainda durante a partida, Hogewoning mandou Co Greep, especialista médico da federação, para verificar as condições de Charitou. E lá viu que o goleiro estava em boas condições – algo confirmado pelo médico da seleção cipriota.

A equipe da KNVB trouxe tal informação no julgamento da Uefa em relação ao incidente. E deu certo: uma pena que poderia ser de vitória por 3 a 0 “dada” ao adversário transformou-se na obrigação de jogar uma nova partida contra o Chipre, com portões fechados, além do pagamento de uma multa. Algo contornável. Tão contornável que a Holanda fez tranquilos 4 a 0 nos cipriotas, em Amsterdã, no De Meer, em 9 de dezembro de 1987, e garantiu a classificação para a Eurocopa. Na última rodada, ainda houve a vitória sobre os gregos, por 3 a 0, em 16 de dezembro. E só aí a preparação para a Eurocopa pôde começar.


A escolha dos jogadores

Na fase final da preparação, em três amistosos ocorridos já em 1988, os jogadores convocáveis já estavam praticamente definidos. Algumas presenças constantes nas eliminatórias da Euro foram perdendo espaço. Na zaga, Sonny Silooy e Ronald Spelbos ficariam fora da fase final do torneio continental; no ataque, René van der Gijp fracassou nos testes. Já outras novidades agradaram pelo esforço, e conseguiram ser premiados com a convocação. Foi o caso dos atacantes John van't Schip e John Bosman, dos zagueiros Wilbert Suvrijn e Wim Koevermans, do meio-campo Hendrie Krüzen.

O técnico Rinus Michels chegou a algumas conclusões, que levaram à formação do time titular. A primeira era óbvia: os jogadores que vinham sendo convocados eram inegavelmente talentosos, mas não tinham o nível de compreensão tática da geração de 1974. Sozinhos, não conseguiriam concretizar uma revolução tática, como se vira havia 14 anos. Logo, o esquema tático deveria ser mais básico, já em sua origem. E assim foi, com a Holanda escalada num 4-4-2.

A segunda conclusão: sabia-se que Michels era um técnico absurdamente rígido em suas convicções. Sendo assim, a convocação do grupo de 20 jogadores que viajou à Alemanha para a Euro obedecia unicamente a seus critérios. Stanley Menzo, do Ajax, era um goleiro mais afeito ao jogo com os pés, que tanto fazia parte do Futebol Total? Michels não queria saber: como o titular Hans van Breukelen tinha mais capacidades debaixo das traves, o reserva também teria de ser assim. Logo, Menzo ficou de fora, e Joop Hiele, do Feyenoord, foi convocado. Hiele até jogara uma partida nas eliminatórias (Van Breukelen foi poupado por problemas psicológicos), mas certamente seria o reserva: titular absoluto na temporada da Tríplice Coroa do PSV, Van Breukelen se recuperara.

A terceira e mais importante conclusão também tem algo de óbvio: como um dos ideólogos do Futebol Total, Michels exigia dedicação ao lado coletivo da equipe. Sempre. Se houvesse algum jogador altamente habilidoso, mas sem compromisso, certamente iria para o banco de reservas. Essa era a razão principal para o atacante Marco van Basten, talvez o grande jogador holandês daquela geração, ficar entre os suplentes, a princípio: Rinus Michels não gostava de Marco. Achava-o um jogador preciosista, uma vedete, que preferia o gol bonito e as luzes dos refletores à ajuda estóica para o time. Exatamente a grande virtude de John Bosman, atacante titular da equipe. Discreto, Bosman era jogador bem mais ao gosto de Michels.

O outro motivo para Van Basten não ser a grande estrela do time era a já presente propensão dele a lesões. No final de 1987, o tornozelo que o faria encerrar a carreira precocemente passou pela primeira cirurgia, forçando o atacante a ficar cinco meses sem jogar. Além disso, Van Basten sofreu uma microfratura num osso próximo ao olho, e precisou de algum repouso na concentração holandesa para a competição, em Noordwijk. O próprio reconheceu que precisaria mostrar talento aos poucos: “Eu estava machucado, no Milan. Precisava entrar em forma novamente, e foi lógico, da parte de Michels, pensar na base do ‘em time que está ganhando não se mexe’”.

E a escalação do time também foi sendo montada para privilegiar o esforço, pedindo o talento apenas quando ele fosse necessário. No miolo de zaga, Ronald Koeman e Rijkaard sabiam avançar com habilidade para o ataque – e Rijkaard poderia até ser improvisado como volante. Sendo assim, era quase obrigatório que os laterais fossem mais defensivos, como eram Berry van Aerle, na direita, e Adri van Tiggelen, na esquerda.

Também foi para evitar que o espírito ofensivo dos dois zagueiros vitimasse sempre o goleiro Van Breukelen que Michels escalou Jan Wouters e Arnold Mühren, dois volantes mais afeitos à marcação, no seu 4-4-2. O veterano Mühren, de 37 anos, ainda tinha a capacidade de ser bom nos lançamentos longos, podendo ajudar Erwin Koeman e Vanenburg, que ficaram na armação. 

E aí, no ataque, enquanto Bosman faria o serviço sujo de marcar a saída de bola adversária, haveria a grande estrela: Ruud Gullit. Eleito o melhor jogador do ano em 1987, pelas revistas France Football e World Soccer, Ruud era o capitão da Oranje. Além de exuberante tecnicamente, era o homem de confiança de Rinus Michels em campo. Gullit era o camisa 10, literalmente. Era a grande esperança, com Van Basten à meia-bomba.

Assim Rinus Michels decidiu a escalação holandesa que começaria a Euro: pela lesão ocular e por ser julgado pouco esforçado, Van Basten deu lugar a John Bosman na estreia (lineupbuilder.com)
Van Breukelen; Van Aerle, Koeman, Rijkaard e Van Tiggelen; Wouters, Mühren, Erwin Koeman e Vanenburg; Gullit e Bosman. Eis a escalação com que a Holanda voltaria a uma competição de grande fama. E alcançou o sucesso. Mas não sem dificuldades. Nem sem mudanças.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Um tempo para respirar

O blog vai parar um pouquinho. Mas ele tem tanta garra quanto Van der Sar. E vai continuar (European Press Agency)

Hoje a coluna do blog será diferente. Ao contrário de uma sexta-feira habitual, o blog não reproduzirá simplesmente o texto publicado na Trivela, porque ele será diferente. Nela, a coluna acabou, após quase dez anos: era uma "data redonda", um bom momento para fazer reavaliações - e dentro dessas, o faz-tudo do blog (também conhecido como eu) notou(ei) que o espaço no site já dera o que tinha de dar, que era hora de mudar, e que era melhor parar por cima, deixando saudades lá - como Edwin van der Sar, jogador holandês preferido deste que vos escreve. Este blog não acabou. E não acabará.

No entanto, certas coisas acontecem nas nossas vidas - por "coisas", entenda-se "necessidade de arranjar emprego". E elas merecem prioridade, até por serem mais importantes (ou alguém acha que se ganha dinheiro falando de um campeonato em queda livre na Europa?). Por isso, será necessária uma pausa no blog. Não se sabe de quanto tempo, mas o blog ficará em "banho-maria", por enquanto. Pode ser por um ano, ou por dois meses, mas parar é necessário. Até para ter mais condições financeiras de levar esta paixão paralela. O leitor há de perguntar: ora, então por quê não apela para uma "vaquinha" (ou para o nome moderno dela, o "crowdfunding")? Por que não convidar colaboradores para continuarem tocando o site neste momento de pausa? 

Aí entra a necessidade de se olhar realisticamente para as coisas. Este não é um site de um campeonato/país com popularidade perene no futebol, como é o Calciopedia sobre a Itália ou o PL Brasil sobre a Inglaterra, ou o Alemanha FC sobre a Alemanha. O futebol holandês só interessa em caso de boa fase da seleção (não é o caso atual), ou de algum clube (quase foi o caso, quando o Ajax foi finalista da Liga Europa, mas não durou). Logo, poucos se arriscariam a investir dinheiro num programa de financiamento coletivo para um site sobre futebol holandês, porque há coisas mais importantes em que gastar, no momento atual. Sobre os textos, se há uma razão da qual me orgulho, nos quase três anos regulares deste site, é dos elogios pela qualidade e profundidade do que se escreve aqui. Tenho todo o controle sobre isso: estudei holandês, comprei livros sobre o assunto, e seria difícil para mim perder o controle do nível. 

Por essas duas razões, vem a pausa momentânea. Mas há mais motivos. Motivos como o cansaço com as críticas clubísticas (sim, elas existiram, no Twitter). Como o cansaço com a má fase do futebol holandês - a decisão da pausa veio com a ausência na Copa de 2018, e só continuei com a descrição dos jogos da Eredivisie para terminar a temporada profissionalmente. Como o cansaço em ter de escrever sobre os nove jogos por rodada, angustiado pela obrigação - para ver que poucas pessoas leriam. Como a vontade de curtir os jogos do país batavo... apenas como um curtidor, sem obrigação nem fanatismo por um time em geral. Até porque, na Holanda, só torço pela seleção - e mesmo assim, sem deixar de torcer pelo Brasil. Não tenho clube na Holanda, por incrível que pareça: tenho camisetas do Ajax, do Feyenoord, do PSV, do AZ, e teria de quantos mais pudesse. Além do mais, quero mudar a plataforma do site (do Blogger para o Wordpress). E penso se vale a pena continuar com o Facebook.

Enfim, por tudo isso, o blog vai parar. Precisa de um tempo para respirar. Mas ele vai continuar. Até porque, neste junho, o título da Eurocopa completa 30 anos, que serão contemplados com um especial de vários textos - viram só como a pausa não vai demorar? Até porque, no Twitter, nada mudará: continuarei ativo nele. E tem mais: no fim, quando a situação melhorar, tenho certeza de que sentirei vontade de escrever aqui. Tenho certeza de que vou querer escrever os guias da temporada, analisar a seleção feminina prestes a ir à Copa, acompanhar a seleção masculina caso ela reaja...

Então, ficamos assim: a coluna na Trivela? Acabou. O perfil no Twitter? Seguirá muito ativo. O blog? Precisa de um tempo para respirar. Mas o Espreme a Laranja continuará. Estejam certos. 

We zullen nóóit opgeven - em holandês, "nunca desistiremos"!

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Pouco tempo, muito a resolver

O empate de Aké (15) foi bom. E melhor ainda será a Holanda ter rapidez para melhorar, após a atuação deficiente contra a Itália (AFP)
Quando a seleção da Holanda superou Portugal, fazendo 3 a 0 num amistoso em março, deu para pensar que a Laranja estava diante de um caminho promissor, na fase inicial sob o comando de Ronald Koeman. Não que as atuações nestas datas FIFA tenham mudado muita coisa: dá para a seleção batava reagir. No entanto, se havia alguma dúvida do quanto ainda há para melhorar, ela se acabou com a má atuação no 1 a 1 contra a Itália, em Turim. E o pior é que só haverá mais um teste, antes da estreia na Liga das Nações: o amistoso contra o Peru, em 6 de setembro.

De novo, o primeiro tempo demonstrou que o 5-3-2, embora seja um esquema que contemple melhor o nível técnico da Oranje, não significa impedir o adversário de atacar. Por mais que tenha sido (corretamente) anulado por impedimento, o gol que Andrea Belotti marcou logo aos três minutos de jogo já exibiu o espaço que Virgil van Dijk e Matthijs de Ligt deixavam no meio da área. Pelas laterais, Domenico Criscito deu o que trabalhar a Hans Hateboer, tão mal quanto Daryl Janmaat fora nos 45 minutos iniciais contra a Eslováquia, enquanto Simone Verdi, atacando pela direita, aproveitava os espaços que Tonny Vilhena deixava às suas costas.

Por sinal, se fora escalado na lateral tentando acelerar os avanços, Vilhena fracassou. Pela má atuação de quem poderia fazer algo - Memphis Depay, Ryan Babel, Georginio Wijnaldum, Ruud Vormer - e também por causa da rapidez italiana na recomposição defensiva, ficando num compactado 4-4-2, a Holanda tinha seríssimas dificuldades em criar jogadas de ataque. Aliás, até para chutar: só experimentou fazer o goleiro Mattia Perin trabalhar aos 37 minutos, num chute de longe de Memphis Depay. Antes disso, a Itália já tivera pelo menos duas ótimas chances de abrir o placar: com Belotti, aos 32', num chute à queima-roupa pego firmemente por Jasper Cillessen (por sinal, outra boa atuação do goleiro, que começa a despontar como titular da Oranje), e no minuto seguinte, com Verdi chutou por cima do gol, após desvio de Lorenzo Insigne. Depois, aos 42', Cillessen desviou arremate de Verdi para escanteio. E na cobrança deste, o cabeceio do camisa 20 foi tirado em cima da linha por Ruud Vormer. Era claro: mais veloz no ataque e firme na defesa, a Azzurra merecia marcar o primeiro gol. Até porque a Holanda era frouxa na marcação: ganhou apenas 30% das divididas.

Van Dijk voltou do descanso. E foi lento no gol italiano, de Zaza (Getty Images)
Também como na quinta passada, a situação melhorou para a Holanda no segundo tempo. Janmaat veio para a lateral direita, após Hateboer sair no intervalo com dores num dos dedos anelares, e trouxe mais agilidade. Foi dele o cruzamento desviado aos 52', forçando Perin a espalmar para escanteio. Três minutos depois, o mesmo Janmaat cruzou de novo, e a bola passou por Memphis Depay. Aos 60', a esférica saiu de Vormer, e Vilhena foi quem finalizou num bonito voleio, para fora. Àquela altura, as mudanças comuns em amistosos já haviam começado, mas a melhora holandesa era sensível. Só que os espaços nas laterais seguiam. Num deles, Federico Chiesa veio pela direita e cruzou para Simone Zaza abrir o placar, se antecipando a Van Dijk.

Pareceu o golpe definitivo no jogo. Porque as alterações que Koeman fez na seleção deixaram o time estranho. Poderia até parecer 4-3-3, mas Steven Berghuis, Wout Weghorst e Quincy Promes são e jogam como atacantes - assim, não raro se viam quatro avantes a tentar o gol, diante de uma defesa italiana que fechava bem o espaço aberto pela expulsão de Criscito, logo após Zaza fazer 1 a 0. Tanto que a Holanda só tivera mais três chances: a cobrança de falta de Memphis, após a expulsão, bem espalmada por Perin aos 68', o chute de longe de Vilhena aos 79', rente à trave esquerda, e o arremate colocado de Berghuis aos 81', também aparado com estilo pelo goleiro italiano.

No final, ainda veio o gol de empate, com Nathan Aké (bem melhor na lateral esquerda), aos 88'. Entretanto, o alívio não apagou a impressão: a Holanda ainda tem muito a resolver, se ainda quer desafiar dignamente França e Alemanha em seu grupo na Liga das Nações. E o tempo para isso é cada vez menor.

Amistoso
Itália 1x1 Holanda
Data: 4 de junho de 2018
Local: Allianz Stadium, em Turim
Árbitro: Vladislav Bezborodov (Rússia).
Gols: Simone Zaza, aos 67', e Nathan Aké, aos 88'

Itália: Mattia Perin; Davide Zappacosta (Mattia de Sciglio), Daniele Rugani, Alessio Romagnoli e Domenico Criscito; Bryan Cristante, Jorginho (Daniele Baselli) e Giacomo Bonaventura (Lorenzo Pellegrini); Simone Verdi (Federico Chiesa), Andrea Belotti (Simone Zaza) e Lorenzo Insigne (Leonardo Bonucci). Técnico: Roberto Mancini.

Holanda: Jasper Cillessen; Hans Hateboer (Daryl Janmaat), Matthijs de Ligt (Nathan Aké), Virgil van Dijk, Daley Blind (Wout Weghorst) e Tonny Vilhena; Georginio Wijnaldum, Marten de Roon (Quincy Promes) e Ruud Vormer (Steven Berghuis); Ryan Babel (Eljero Elia) e Memphis Depay. Técnico: Ronald Koeman.


sexta-feira, 1 de junho de 2018

Análise da temporada 2017/18


Num campeonato turbulento, o PSV se valeu de sua regularidade para conseguir mais um título holandês (Pim Ras Fotografie)
(Originalmente publicado na Trivela, em 1º de junho de 2018)

Por mais que demissões de técnicos sejam coisas cada vez mais frequentes no decorrer da temporada europeia, o Campeonato Holandês ainda mostra mais aposta na continuidade: o comum é ver técnicos só saindo entre uma temporada e outra. Até era para ser assim, nesta Eredivisie 2017/18 recém-encerrada. Todavia, por vários motivos, os demissionários decidiram antecipar suas demissões – e junto às saídas repentinas, tivemos sete técnicos que perderam seus empregos durante a temporada, o maior índice dos últimos anos. Foi uma mostra das várias turbulências por que passaram os clubes, no que talvez tenha sido o primeiro campeonato em que a Holanda se viu como um país desimportante no futebol, após algum tempo. 

Mesmo dentro de campo essa turbulência foi vista. O Ajax terminou a temporada cheio de pressão, mesmo sendo vice-campeão. O Feyenoord também deu várias razões para irritação da torcida, e só diminuiu as críticas na fase final da temporada. Mesmo a campanhas elogiáveis, como as de AZ e Utrecht, faltou algo. Na busca da repescagem pela Liga Europa, a disputa pelas vagas foi equilibrada – e quem ficou com o lugar foi o Vitesse, graças a uma evolução tardia. Na zona de rebaixamento, o Twente caiu diretamente, mas Roda JC e Sparta Rotterdam também acabaram perdendo a chance na repescagem, dando acesso a três novidades (o Fortuna Sittard, fora da elite desde 2000/01; o De Graafschap, de volta após dois anos; e o estreante Emmen).

Só o PSV escapou dessas turbulências. Talvez por isso, só ele mereceu o título que conquistou. É o que se verá, nesta análise final da coluna para a temporada 2017/18.

Lozano era a grande aposta do PSV antes da Eredivisie começar. Justificou cada centavo de euro gasto nele - e ainda teve o auxílio de Van Ginkel (Pro Shots)
PSV

Colocação final: Campeão, com 83 pontos
Time-base: Zoet; Arias, Schwaab, Isimat-Mirin e Brenet; Hendrix, Van Ginkel e Ramselaar (Pereiro); Bergwijn, Luuk de Jong e Lozano
Técnico: Phillip Cocu
Maior vitória: Utrecht 1x7 PSV (6ª rodada) 
Maior derrota: Willem II 5x0 PSV (27ª rodada)
Principais jogadores: Marco van Ginkel (meio-campo) e Hirving Lozano (atacante)
Artilheiro: Hirving Lozano (atacante), com 17 gols
Quem mais partidas jogou: Jorrit Hendrix (meio-campo), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo Feyenoord
Competição continental: Liga Europa (eliminado na terceira fase preliminar, pelo Osijek-CRO)

Assim como o Ajax, o PSV também começou a temporada sob pesadas críticas após um vexame – a queda para o Osijek, na Liga Europa. Mas ao contrário do rival de Amsterdã, tiveram foco. E se recompuseram para um turno fulgurante no Campeonato Holandês, que praticamente os encaminhou para o título: 17 jogos, 14 vitórias (e duas derrotas). No time, a eventual insegurança da dupla de zaga – Daniel Schwaab e Nicolas Isimat-Mirin – era compensada por vários fatores: a calma de Jeroen Zoet no gol, a firmeza de Jorrit Hendrix na marcação pelo meio, a velocidade de Santiago Arias na lateral direita, a regularidade conhecida de Marco van Ginkel no meio e no ataque, a aposta certeira na velocidade cheia de técnica que Hirving Lozano teve, a melhor fase da carreira de Jürgen Locadia... certo, havia falhas no estilo tático de Phillip Cocu, apostando nos contra-ataques. Às vezes, dava errado – como na derrota para o Ajax. Mas o PSV seguiu.

Na volta da pausa de inverno, a coisa seguiu a mesma. Se Locadia tomou o caminho do Brighton (onde já estava Davy Pröpper, que deixara os Eindhovenaren no começo da temporada), Luuk de Jong estava pronto para retomar o seu lugar no meio do ataque, afastando a pecha de “bode expiatório” do vexame do começo e marcando 12 gols. Coisa semelhante aconteceu com Gastón Pereiro: criticado pela falta de gana, ameaçado pelo bom surgimento do brasileiro Mauro Júnior, o uruguaio se recompôs no returno e voltou a ter importância. A segurança era tão grande que nem mesmo o forte solavanco dos 5 a 0 inesperados para o Willem II, na 27ª rodada, abalou o time ou deixou o título a perigo. A grande virada sobre o AZ, na 30ª rodada, foi a introdução perfeita para a apoteose: o título ganho exatamente em cima do Ajax. A prova de que o PSV soube se recompor dos erros para se recuperar e ganhar a Eredivisieschaal com domínio incontestável.

David Neres foi dos únicos a dominar alguma coisa, numa temporada em que os problemas saíram do controle do Ajax (ANP/Pro Shots)
Ajax

Colocação final: Vice-campeão, com 79 pontos
Time-base: Onana; Veltman, De Ligt, Wöber (Frenkie de Jong) e Tagliafico (Viergever); Ziyech, Schöne e Van de Beek; David Neres, Huntelaar e Justin Kluivert (Younes)
Técnico: Marcel Keizer (até a 17ª rodada), Michael Reiziger (interino, na 18ª rodada) e Erik ten Hag (a partir da 19ª rodada)
Maior vitória: NAC Breda 0x8 Ajax (12ª rodada)
Maior derrota: PSV 3x0 Ajax (31ª rodada)
Principais jogadores: Hakim Ziyech (meio-campista) e David Neres (atacante)
Artilheiro: David Neres (atacante), com 14 gols
Quem mais partidas jogou: Donny van de Beek (meio-campista) e Hakim Ziyech (meio-campista), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo Twente
Competição continental: Liga dos Campeões (eliminado na terceira fase preliminar, pelo Nice-FRA) e Liga Europa (eliminado nos play-offs preliminares, pelo Rosenborg-NOR)

A tragédia ocorrida com Abdelhak Nouri, ainda durante a pré-temporada na Áustria, já tornaria esta temporada dramática para o Ajax (não é exagero: mesmo no final dela, os jogadores eram unânimes em dizer como o trauma da ausência de “Appie” ainda os perturbava). A turbulenta saída de Peter Bosz não ajudava muito, colocando pressão sobre o sucessor Marcel Keizer. E se a eliminação na fase preliminar da Liga dos Campeões até era previsível, a queda inesperada nos play-offs para a Liga Europa, menos de cem dias após decidi-la, foi a prova final: os Ajacieden já começariam a temporada num clima nada agradável. E isso se confirmou durante o primeiro turno: por melhores que fossem as atuações, os problemas se avolumavam. A começar pela derrota para o Heracles Almelo, logo na primeira partida da Eredivisie. E isso porque, dos titulares, só haviam saído Davinson Sánchez, Davy Klaassen e Bertrand Traoré...

Os Ajacieden até figuraram na disputa do título. Alguns nomes causavam ótima impressão, como Matthijs de Ligt, Frenkie de Jong, Hakim Ziyech e David Neres. Mas a queda para o Twente na Copa da Holanda representou novo solavanco, com a sumária demissão não só de Marcel Keizer, mas do “conselheiro técnico” Dennis Bergkamp (perdedor na briga com a diretoria, com o diretor de futebol Marc Overmars ganhando). A aposta em Erik ten Hag, tirando o técnico do Utrecht, foi certa – mas feita do jeito errado, às pressas. A contratação de Nicolás Tagliafico, para a lateral esquerda, deu muito certo. E a evolução de Justin Kluivert foi impressionante no returno. No entanto, o PSV já estava quase inalcançável – e era melhor, como se provou no 3 a 0 do clássico que rendeu o título aos Boeren. Uma derrota inquestionável, que justificou por que o Ajax mereceu as críticas. E por que a temporada deve ser esquecida, apesar do vice-campeonato. O foco já é na reformulação, com Ten Hag e sem alguns destaques.

Alireza trazia a habilidade, Weghorst trazia a força física, e os dois trouxeram gols à excelente campanha do AZ (Pro Shots)
AZ 

Colocação final: 3º lugar, com 71 pontos
Time-base: Bizot; Svensson, Stijn Wuytens (Vlaar), Hatzidiakos e Ouwejan; Til, Midtsjo e Koopmeiners (Van Overeem); Alireza Jahanbakhsh, Weghorst e Mats Seuntjens
Técnico: John van den Brom
Maior vitória: AZ 6x0 Zwolle (34ª rodada) 
Maior derrota: AZ 0x4 Feyenoord (7ª rodada)
Principais jogadores: Alireza Jahanbakhsh (atacante) e Wout Weghorst (atacante) 
Artilheiro: Alireza Jahanbakhsh (atacante)
Quem mais partidas jogou: Marco Bizot (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: vice-campeão
Competição continental: nenhuma

Duas derrotas para o Ajax. Duas derrotas para o Feyenoord – uma delas, humilhante 4 a 0 sofrido em pleno AFAS Stadion de Alkmaar. Duas derrotas para o PSV – uma delas, na 30ª rodada, quase incrível: já no segundo tempo, o time fizera 2 a 0, mas tomou a virada para 3 a 2 entre os 29 e os 34 minutos. A rigor, foram estes os únicos resultados que impediram o AZ de se intrometer entre os grandes e sonhar com o título holandês. Capacidade técnica para disputar a liderança, não faltou aos Alkmaarders, que justificaram plenamente a razão de serem considerados a melhor equipe fora do Trio de Ferro.

Para começo de conversa, a defesa mostrou solidez invejável – a ponto do goleiro Marco Bizot já merecer convocações para a seleção holandesa, sob Ronald Koeman. A mesma coisa acontece com Guus Til, revelação que simboliza o ótimo nível técnico do meio-campo, com os três do setor (Til, Teun Koopmeiners e Fredrik Midtsjo) apresentando força para marcar e ajudar o ataque. Na frente, basta dizer que o AZ teve dois jogadores superando os 15 gols na temporada, se completando: a referência e a força física de Wout Weghorst (18 gols) com a velocidade e a habilidade de Alireza Jahanbakhsh, o goleador da temporada (21 gols). Bem em casa e fora dela – como visitante, só ficou abaixo do Ajax -, o AZ tinha tudo para ousar buscar a primeira posição. Nem mesmo a final da Copa da Holanda serviu de consolo: de novo, um grande se impôs (o Feyenoord). E o time de Alkmaar, embora excelente, poderia ter sido ainda melhor. Se não fossem os clássicos...

Só Berghuis teve razões para sorrir durante todo o ano no Feyenoord. A torcida só se alegrou no fim, pelo consolo do título da Copa da Holanda (ANP/Pro Shots)
Feyenoord 

Colocação final: 4º lugar, com 66 pontos
Time-base: Jones; Diks, Van Beek, Van der Heijden (Tapia/St. Juste) e Haps (Malacia); Toornstra (Van Persie), El Ahmadi e Vilhena; Berghuis, Jorgensen e Boëtius
Técnico: Giovanni van Bronckhorst
Maior vitória: Feyenoord 5x0 Excelsior (29ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 1x4 Ajax (9ª rodada)
Principal jogador: Steven Berghuis (atacante)
Artilheiro: Steven Berghuis (atacante), com 18 gols
Quem mais partidas jogou: Tonny Vilhena (meio-campista), com 33 partidas
Copa nacional: campeão
Competição continental: Liga dos Campeões (eliminado na fase de grupos)

Se o AZ foi bem, mas poderia ter sido melhor, o Feyenoord seguiu o caminho oposto: decepcionou, mas o final deixou a torcida até aliviada. No primeiro turno, alguns resultados assustaram no Campeonato Holandês, como a derrota para o NAC Breda, e a campanha na Liga dos Campeões não deixou a menor razão para esperança da torcida, sem nem mesmo render a vaga de consolação na Liga Europa. De quebra, as lesões sucessivas atrapalharam demais a defesa (Eric Botteghin, Jerry St. Juste, Sven van Beek, Jan-Arie van der Heijden). Alguns jogadores fundamentais no título de 2016/17 decepcionavam, como Brad Jones e Nicolai Jorgensen. E a pressão sobre Giovanni van Bronckhorst só aumentava.

Até a virada de ano, os únicos destaques eram Steven Berghuis e Jens Toornstra – que ganharam um tremendo nome para lhes ajudar, com Robin van Persie chegando para o returno. Não que as coisas tenham melhorado muito na Eredivisie (só para ficar num dado: jamais o Stadionclub perdera todos os jogos contra Ajax e PSV, como ocorreu neste campeonato), mas pelo menos as coisas melhoraram no fim, até com uma arrancada – sete vitórias nas sete últimas rodadas. De quebra, o título na Copa da Holanda serviu para acalmar de vez o tom das (justas) críticas. A ansiedade pelo futuro de Van Persie foi aliviada com o anúncio de sua renovação por mais um ano. Mas, mesmo com outro título e participação garantida em competições continentais, o Feyenoord sabe: precisa melhorar. Senão, a pressão retornará ainda mais forte.

Mesmo com a decepção de perder a vaga na Liga Europa, para a qual era favorito, o Utrecht teve a impressão de que a temporada valeu. E as atuações de Labyad (esquerda) e Ayoub ajudaram nisso (ANP/Pro Shots)
Utrecht 

Colocação final: 5º lugar, com 54 pontos
Time-base: Jensen; Troupée, Van der Maarel, Willem Janssen e Emanuelson; Strieder, Klaiber, Ayoub e Van de Streek; Labyad e Kerk (Dessers)
Técnico: Erik ten Hag (até a 18ª rodada) e Jean-Paul de Jong (a partir da 19ª rodada)
Maior vitória: Utrecht 5x1 Vitesse (27ª rodada)
Maior derrota: Utrecht 1x7 PSV (6ª rodada)
Principal jogador: Zakaria Labyad (atacante)
Artilheiro: Zakaria Labyad (atacante), com 15 gols
Quem mais partidas jogou: David Jensen (goleiro) e Sander van de Streek (meio-campo), ambos com 37 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo VVV-Venlo
Competição continental: Liga Europa (eliminado nos play-offs, pelo Zenit-RUS)

É possível dizer que o Utrecht respondeu positivamente à grande pergunta que ficou, após a primeira temporada e antes do returno: a regularidade seria mantida? Não que a participação no primeiro turno tivesse sido ruim. Ao contrário: o time estava tranquilo, na sexta posição, tivera participação honrosa nas fases preliminares da Liga Europa, reagira bem à saída de Sébastien Haller, não faltavam destaques (Yassin Ayoub, Urby Emanuelson, Sander van de Streek, Zakaria Labyad), o técnico Erik ten Hag tinha o trabalho muito bem estabelecido. Mas o Ajax, em meio à crise, fez a proposta a Ten Hag, ele se interessou e tomou o rumo de Amsterdã tão logo 2018 começou. Como seria? Pois foi tranquilo o returno dos Utregs. 

O auxiliar Jean-Paul de Jong foi prontamente promovido a treinador, manteve a linha de trabalho, os destaques continuaram jogando bem... A bem da verdade, o time até melhorou no início da segunda metade da temporada: encontrando o Ajax treinado pelo antigo comandante, segurou um empate por 0 a 0; conseguiu ficar oito jogos sem perder (quatro vitórias e quatro empates); viu o ataque antes dependente de Haller manter a produtividade com mais destaques; e retornou à tentativa de se classificar para a Liga Europa. Bobeou quando não podia: perdeu o jogo de ida da decisão contra o Vitesse nos últimos minutos, e decepcionou na volta em casa, deixando a vaga com os visitantes. Para piorar, Ayoub está rumando ao Feyenoord, e Labyad, ao Ajax. Uma pequena reformulação será necessária. Se serve de consolo, o Utrecht provou poder superá-la.

O Vitesse decepcionava. Parecia cair pelas tabelas. Mas o técnico antecipou a saída, o interino foi prático, os destaques cresceram no fim - com destaque para Mason Mount, na foto - e o resultado foi um lugar na Liga Europa (ANP)
Vitesse 

Colocação final: 6º lugar, com 49 pontos
Time-base: Houwen (Pasveer); Karavaev (Faye), Kashia, Miazga e Dabo (Büttner); Foor, Serero e Mount; Linssen, Matavz (Castaignos) e Bruns
Técnico: Henk Fräser (até a 30º rodada) e Edward Sturing
Maior vitória: Vitesse 7x0 Sparta Rotterdam (31ª rodada) 
Maior derrota: Utrecht 5x1 Vitesse (27ª rodada)
Principais jogadores: Mason Mount (meio-campista), Bryan Linssen (atacante) e Tim Matavz (atacante)
Artilheiro: Bryan Linssen (atacante), com 17 gols
Quem mais partidas jogou: Bryan Linssen (atacante), com 37 partidas
Copa nacional: eliminado pelo AVV Swift (quinta divisão), na primeira fase
Competição continental: Liga Europa (eliminado na fase de grupos)

A volúpia ofensiva do Zwolle, a regularidade do Utrecht, a força do AZ: todos esses pareciam times destinados à Liga Europa. E o Vitesse? Fazia uma temporada tranquilamente ruim. Tranquila, porque sempre manteve seu lugar na zona da repescagem para tentar a Liga Europa (zona da qual nunca saiu, em nenhuma das 34 rodadas). Ruim, porque nunca o Vites conseguia agradar à torcida por suas atuações. Pior: até cometia vexames – campeão da Copa da Holanda, foi eliminado logo na primeira fase, por um clube amador, o AVV Swift. E sequer mostrou resistência, na campanha na Liga Europa.
Decepcionava, porque alguns jogadores mostravam que o Vitesse tinha capacidade para mais: Mason Mount, Navarone Foor, Bryan Linssen, Tim Matavz... E assim, por algum tempo, o Vitesse seguia empurrando com a barriga suas atuações na temporada.

No entanto, alguns resultados do returno indicavam que algo acontecia, como as vitórias sobre Feyenoord e, principalmente, sobre Ajax (o clube de Arnhem foi o único a conseguir superar os Ajacieden no turno e no returno). Vendo que seu trabalho não dava resultado, o técnico Henk Fräser anunciou que sairia ao final da temporada – e decidiu antecipar a saída, a quatro rodadas do fim. Aí, entrou o auxiliar Edward Sturing. Algumas mudanças tranquilizaram a equipe, como a troca de goleiro, com Jeroen Houwen no lugar de Remko Pasveer. O reforço Vyacheslav Karavaev, enfim, deu mais segurança na lateral direita. Após punição por sua falta de foco, enfim Alexander Büttner reagiu e tomou a lateral esquerda. Os destaques assumiram sua responsabilidade, como o capitão Guram Kashia, Matavz, Linssen... e Mason Mount, o nome dos play-offs, que conduziu o Vitesse à vaga na Liga Europa. O russo Leonid Slutsky chega num ambiente inesperadamente calmo. Quem diria...

Se o ADO Den Haag conseguiu uma arrancada para ainda tentar lugar na Liga Europa, Johnsen foi o grande responsável por isso, ao marcar gols nas últimas rodadas (Pro Shots)
ADO Den Haag 

Colocação final: 7º lugar, com 47 pontos
Time-base: Zwinkels; Ebuehi, Beugelsdijk, Kanon e Meijers; Immers, El Khayati e Bakker; Becker, Johnsen e Hooi
Técnico: Alfons “Fons” Groenendijk
Maior vitória: ADO Den Haag 4x0 Zwolle (18ª rodada)
Maior derrota: ADO Den Haag 0x3 Utrecht (1ª rodada), ADO Den Haag 0x3 Groningen (14ª rodada), PSV 3x0 ADO Den Haag (17ª rodada) e ADO Den Haag 0x3 AZ (29ª rodada)
Principal jogador: Bjorn Johnsen (atacante)
Artilheiro: Bjorn Johnsen (atacante), com 19 gols
Quem mais partidas jogou: Danny Bakker (meio-campista) e Bjorn Johnsen (atacante), ambos com 36 partidas
Copa nacional: eliminado na primeira fase, pelo Feyenoord
Competição continental: nenhuma

É até engraçado: o Den Haag conseguiu encontrar certa regularidade em ser irregular, ao longo da temporada. Nunca deixou a zona de classificação para a repescagem rumo à Liga Europa – mas quase sempre ficou em 8º lugar, última posição que levava aos play-offs (em algumas rodadas com mau resultado, até caiu na tabela). Não era um time capaz de encantar, mas alguns jogadores mostraram bom desempenho. No gol, Robert Zwinkels liderou o grupo e fez algumas atuações espetaculares – como contra o Feyenoord, ainda no primeiro turno, e contra o Ajax, já na 25ª rodada, ajudando o time de Haia a segurar o empate sem gols em plena Johan Cruyff Arena.

Finalmente, o meio-campo ajudava, com a boa temporada de Nasser El Khayati. E no ataque, além dos confiáveis Erik Falkenburg e Sheraldo Becker, o fim da temporada trouxe a ascensão de Bjorn Johnsen. O norueguês de ascendência norte-americana já era titular, mas foi irresistível nas últimas rodadas, sendo o grande adversário de Alireza Jahanbakhsh na disputa da artilharia. Com seu destaque, o time auriverde superou Heerenveen e Zwolle na rodada final: de nono lugar, saltou para o sétimo, e garantiu lugar nos play-offs pela Liga Europa. Neles, a estratégia de apostar nos contra-ataques fracassou, diante de um Vitesse que também arrancou no final. Ainda assim, o saldo final da participação na Eredivisie foi muito positivo, diante de alguns momentos passados.

Kik Pierie retrata bem o que foi a temporada do Heerenveen: cansada, estagnada (Pro Shots)
Heerenveen 

Colocação final: 8º lugar, com 46 pontos
Time-base: Hansen; Dumfries, Hoegh, Pierie e Woudenberg; Kobayashi, Schaars (Van Amersfoort) e Thorsby; Odegaard (Rojas), Ghoochannejhad e Zeneli
Técnico: Jürgen Streppel
Maior vitória: Twente 0x4 Heerenveen (12ª rodada)
Maior derrota: Heerenveen 0x4 Vitesse (9ª rodada)
Principal jogador: Reza Ghoochannejhad (atacante)
Artilheiro: Reza Ghoochannejhad (atacante), com 9 gols
Quem mais partidas jogou: Daniel Hoegh (zagueiro), com 36 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Willem II
Competição continental: nenhuma

O Heerenveen até buscou um lugar na Liga Europa, via repescagem – logo, a temporada não foi totalmente perdida. Porém, só o fato de ter ganho a vaga nos play-offs por causa da queda do Zwolle (até porque, na última rodada da temporada regular, ambos foram derrotados) dá a ideia de como a temporada do time da Frísia foi apenas e tão somente correta, sem as ousadias de outros tempos. Um nome que provou esse marasmo em campo foi Reza Ghoochannejhad: se foi um dos principais goleadores da Eredivisie em 2016/17, o iraniano passou longe da movimentada disputa pela artilharia desta vez. 

No meio-campo, as atuações eram normais, sem impressionar nem para o bem, nem para o mal – o que acabava sendo “mal”. Houve quem evoluísse, como Denzel Dumfries (promissor lateral direito), Marco Rojas e Martin Odegaard (útil até a fratura no pé). De mais a mais, na repescagem pela Liga Europa, o Fean até fez o Utrecht sofrer antes de ser eliminado. Ainda assim, fracassou ao tentar afastar a impressão de que a temporada foi sem graça. O trabalho estagnado causou a saída do técnico Jürgen Streppel. Seu sucessor, Jan Olde Riekerink, terá a missão de reanimar o time, com as mudanças previsíveis.

Após primeiro turno esplendoroso, a queda do Zwolle foi célere no returno. A má consequência demorou, mas enfim puniu péssimo retrospecto nas últimas rodadas (Jasper Ruhe)
Zwolle 

Colocação final: 9º lugar, com 44 pontos
Time-base: Boer; Ehizibue, Marcellis, Sandler (Freire) e Van Polen; Saymak, Dekker e Thomas; Namli, Parzyszek e Mokhtar
Técnico: John van’t Schip
Maiores vitórias: Zwolle 2x0 Twente (2ª rodada), NAC Breda 0x2 Zwolle (9ª rodada), Zwolle 2x0 ADO Den Haag (10ª rodada) e Zwolle 2x0 Sparta Rotterdam (29ª rodada) 
Maior derrota: AZ 6x0 Zwolle (34ª rodada)
Principal jogador: Younes Namli (atacante)
Artilheiro: Mustafa Saymak (atacante), com 11 gols
Quem mais partidas jogou: Diederik Boer (goleiro) e Kingsley Ehizibue (meio-campo/atacante), ambos com 33 partidas
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo AZ
Competição continental: nenhuma

Diante do sofrimento incomum da temporada passada, pode ser considerada decepcionante uma temporada em que a salvação foi garantida sem problemas? Pode. Pelo menos no caso do Zwolle, pode. Diante do que os “Dedos Azuis” jogaram no primeiro turno, era possível esperar até a repetição dos desempenhos admiráveis de há alguns anos, com o título da Copa da Holanda e a consequente aparição em fases preliminares da Liga Europa. Empate contra o Feyenoord, derrota imerecida para o futuro campeão PSV, velocidade no ataque – a partir de vários destaques (Younes Namli, Youness Mokhtar, Mustafa Saymak): não faltavam razões para os Zwollenaren serem dos times mais agradáveis na Holanda.

Tudo isso desapareceu no returno. A primeira partida dele – goleada sofrida por 4 a 0 para o ADO Den Haag, na 18ª rodada – já era mostra disso. E o Zwolle foi ladeira abaixo, do quarto lugar que ocupava no final do turno: somente três vitórias nas 17 rodadas derradeiras, campanha só melhor que a do rebaixado Twente. A habilidade ofensiva já não conseguia esconder os buracos pelas laterais, convites aos ataques adversários. Só a pontuação conquistada na fase inicial mantinha a equipe ainda na zona dos play-offs para a Liga Europa. Até que veio o desastre final: três derrotas nas três últimas partidas, incluindo 6 a 0 sofrido para o AZ na última rodada, e a perda do lugar que o faria sonhar com os torneios continentais. O Zwolle é um clube pequeno, e a temporada não deixa de ser elogiável. Mas diante do que parecia ser, o final foi amargo demais.

O Heracles poderia até ter ido melhor na temporada. Mas Kuwas indica: há chances de melhora (ANP/Pro Shots)
Heracles Almelo

Colocação final: 10º lugar, com 42 pontos
Time-base: Castro; Droste, Pröpper, Dries Wuytens e Breukers (Hardeveld); Van Ooijen, Niemeijer e Jamiro; Kuwas, Gladon (Vermeij) e Peterson
Técnico: John Stegeman
Maior vitória: Sparta Rotterdam 2x5 Heracles Almelo (34ª rodada) 
Maior derrota: NAC Breda 6x1 Heracles Almelo (22ª rodada)
Principal jogador: Brandley Kuwas (atacante)
Artilheiros: Vincent Vermeij (atacante) e Reuven Niemeijer (meio-campista), ambos com 8 gols 
Quem mais partidas jogou: Bram Castro (goleiro) e Jamiro Monteiro (meio-campista), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo Feyenoord
Competição continental: nenhuma

Assim como o Heerenveen, o Heracles mostrou ser uma equipe estagnada na temporada. A impressão da primeira rodada – vencendo o Ajax pela primeira vez na Eredivisie desde 1965 – se dissipou rapidamente. Por mais talento que tenha mostrado, e por mais regular que a campanha tenha sido, os Heraclieden nunca deram a impressão de que poderiam ousar coisa melhor na temporada. Algo que até desapontava. Porque, se não era uma equipe de encher os olhos, pelo menos o time de Almelo tinha alguns talentos.

No meio-campo, tanto Jamiro quanto Reuven Niemeijer causaram boa impressão. E o ataque veloz perturbava os adversários, com os gols de Vincent Vermeij e o destaque de Brandley Kuwas, que só não deu mais passes para gol no campeonato do que Hakim Ziyech. Mas, se tal “tranquilidade” era admirável no Excelsior, que sofria com a ameaça do rebaixamento, o Heracles tinha time para fazer mais do que fez. Talvez a saída do técnico John Stegeman dê o chacoalhão de que o grupo necessite.

Diante do sofrimento de outras temporadas, até que o Excelsior teve algo a comemorar, com a manutenção tranquila na Eredivisie (Pro Shots)
Excelsior 

Colocação final: 11º lugar, com 40 pontos
Time-base: Kristinsson; Massop, Mattheij, De Wijs e Karami; Faik, Koolwijk e Messaoud (Fortes); Elbers, Van Duinen e Luigi Bruins
Técnico: Mitchell van der Gaag
Maior vitória: Twente 1x3 Excelsior (10ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 5x0 Excelsior (29ª rodada)
Principal jogador: Ryan Koolwijk (meio-campista)
Artilheiro: Mike van Duinen (atacante), com 8 gols
Quem mais partidas jogou: Jürgen Mattheij (zagueiro) e Hicham Faik (meio-campista), ambos com 33 partidas
Copa nacional: eliminado na primeira fase, pelo Heerenveen
Competição continental: nenhuma 

Por mais que tenha alcançado o 12º lugar na temporada passada, o Excelsior havia sofrido demais para garantir a manutenção na Eredivisie. Assim como nas duas temporadas anteriores – em ambas, ficara na 15ª posição, primeira acima da zona perigosa. Pois bem, parece que o clube de Roterdã aprendeu a lição. Fazia tempo que não se via uma temporada tão tranquila feita pelo time do bairro de Kralingen. Talvez o mérito tenha vindo da continuidade. 

Enfim, o técnico Mitchell van der Gaag teve um grupo que já conhecia, com jogadores que já haviam mostrado alguma capacidade – casos de Khalid Karami, Ryan Koolwijk e Mike van Duinen. Se houve pequena queda no returno, ela foi controlada. O péssimo desempenho em seu estádio (pior time em casa na Eredivisie) foi plenamente compensado como visitante: jogando fora, o Excelsior só não foi melhor do que o AZ e do que os três grandes. Assim, permaneceu no meio da tabela, sem correr riscos. Mas só a temporada 2018/19 revelará se a lição foi realmente aprendida, com um novo técnico.

Diante dos perigos por que o Groningen de Ritsu Doan passou, até que a temporada terminou calmamente. Mas equipe precisa de melhoras (Getty Images)
Groningen 

Colocação final: 12º lugar, com 38 pontos
Time-base: Padt; Zeefuik, Te Wierik, Memisevic e Warmerdam; Hrustic e Bacuna; Doan, Jesper Drost e Mahi; Van Weert
Técnico: Ernest Faber
Maiores vitórias: Groningen 4x0 Sparta Rotterdam (18ª rodada) e Groningen 4x0 Excelsior (33ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 3x0 Groningen (22ª rodada)
Principais jogadores: Sergio Padt (goleiro), Ritsu Doan (meio-campista) e Tom van Weert (atacante)
Artilheiro: Tom van Weert (atacante), com 12 gols
Quem mais partidas jogou: Sergio Padt (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na segunda fase, pelo Roda JC
Competição continental: nenhuma

Mais uma vez, o time do norte holandês deixou impressão ruim na temporada: a de que, se é um clube “mais ou menos” no país, está mais para “menos”. No primeiro turno, sofreu com a irregularidade de desempenho. Pior: viu alguns de seus destaques técnicos, como Mimoun Mahi e Oussama Idrissi, causarem transtornos indisciplinares – a ponto de Idrissi ter saído para o AZ no começo do ano, tão inviável estava sua permanência em Groningen. O único ponto indiscutível de destaque era o goleiro Sergio Padt, sempre garantindo segurança – depois, despontaram Ritsu Doan e Tom van Weert.

No returno, as coisas ficaram mais tranquilas, com a equipe se estabilizando numa região ainda segura da tabela. Mas o nível técnico seguiu desagradando demais a torcida – tanto que era comum ver muitos lugares vazios no estádio Noordlease, rodada após rodada. E algumas derrotas doeram – como para o Ajax, na 29ª rodada, quando o 2 a 1 veio no lance final do jogo. Pelo menos, àquela altura, o técnico Ernest Faber já antecipara que deixaria o clube tão logo a temporada terminasse. E a sequência das últimas rodadas (três empates, duas vitórias) permitiu um fim normal de temporada. Mas os adeptos esperam melhoras.

Destaque no começo da temporada; convalescente de um tumor nos testículos; voltou e continuou fazendo gols; há como não considerar Fran Sol um símbolo da temporada lutadora do Willem II? (Pro Shots)
Willem II 

Colocação final: 13º lugar, com 37 pontos
Time-base: Wellenreuther (Branderhorst); Heerkens (Lewis), Lachman, Van der Linden e Tsimikas; Chirivella, Ben Rienstra e Lieftink; Haye, Fran Sol e Croux
Técnico: Erwin van de Looi (até a 26ª rodada) e Reinier Robbemond
Maior vitória: Willem II 5x0 PSV (27ª rodada) 
Maior derrota: Feyenoord 5x0 Willem II (3ª rodada)
Principal jogador: Fran Sol (atacante)
Artilheiro: Fran Sol (atacante), com 16 gols
Quem mais partidas jogou: Konstantinos Tsimikas (lateral esquerdo) e Thom Haye (meio-campista), ambos com 33 partidas
Copa nacional: eliminado nas semifinais, pelo Feyenoord
Competição continental: nenhuma

Durante muito tempo, o Willem II viveu angustiado na temporada. Terminou o primeiro turno em situação dramática: só um ponto o fazia escapar da zona de repescagem/rebaixamento, e o desempenho em casa era muito ruim. Ainda assim, a equipe demonstrava capacidade de poder escapar, até pelo bom desempenho de alguns jogadores – por mais que o melhor deles, Fran Sol, se recuperasse de um tumor. Pois bem: as coisas seguiram turbulentas em Tilburg (tanto que a anunciada saída do técnico Erwin van de Looi foi antecipada), mas o objetivo foi alcançado. 

Sob o comando do interino Reinier Robbemond, Fran Sol voltou e continuou fazendo gols aos borbotões (disputou a artilharia até a última rodada da Eredivisie). Alguns outros jogadores ajudaram – como Konstantinos Tsimikas e Ben Rienstra. e os Tricolores conseguiram até uma inimaginável goleada sobre o futuro campeão PSV. De quebra, a campanha na Copa da Holanda não foi de se jogar fora, com a chegada às semifinais. Enfim, mesmo sofrendo, o Willem II conseguiu provar em campo que não era time para cair. Só tem a necessidade da reformulação para ficar mais tranquilo em 2018/19.

Já antes da melhora, o NAC Breda mostrava esforço. E foi isto que o levou a conseguir a permanência, antes de mais nada (ANP/Pro Shots)
NAC Breda 

Colocação final: 14º lugar, com 34 pontos (na frente pelo melhor saldo de gols)
Time-base: Bertrams (Birighitti); Sporkslede, Mets, Pablo Marí e Angeliño; Manu García e Verschueren; El Allouchi, Rai Vloet e Ambrose; Sadiq Umar
Técnico: Stijn Vreven
Maior vitória: NAC Breda 6x1 Heracles Almelo (22ª rodada) 
Maior derrota: NAC Breda 0x8 Ajax (12ª rodada)
Principal jogador: Angeliño (lateral esquerdo)
Artilheiro: Thierry Ambrose (atacante), com 10 gols
Quem mais partidas jogou: Angeliño (lateral esquerdo) e Manu García (meio-campista), que jogaram todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado na primeira fase, pelo Achilles ’29 (terceira divisão)
Competição continental: nenhuma

Por tudo que viveu na temporada, o NAC Breda merecia ter sofrido menos do que sofreu durante todo o Campeonato Holandês. Sempre transitou entre as posições derradeiras da tabela (terminou o turno em 16º lugar, primeira posição que iria à repescagem), foi vítima em goleadas típicas da Eredivisie – como o 8 a 0 do Ajax, na 12ª rodada -, mas a torcida sempre lotava o estádio Rat Verlegh para alegrar as chamadas “Avondjes NAC” (em holandês, as “noitinhas do NAC”). De mais a mais, claramente havia jogadores tecnicamente capazes de compensar falhas como a inconstância no gol – foram três arqueiros utilizados.

Se os clubes rebaixados foram prejudicados por quedas de produção justamente quando não podiam tê-las, os aurinegros de Breda se valeram do efeito oposto: nas 17 rodadas finais, viram os destaques crescerem (muitos, egressos da parceria com o Manchester City). Angeliño foi dos melhores laterais esquerdos do campeonato; no meio-campo, Manu García jogou bem; e o ataque contou com gols importantes tanto de Thierry Ambrose quanto de Sadiq Umar. Suficientes para resultados como a vitória sobre o Feyenoord, na 26ª rodada. Ou para os quatro triunfos nas nove últimas rodadas, que contrabalançaram as quatro derrotas no mesmo período – e que, somados aos tropeços dos concorrentes diretos, ajudaram o NAC Breda a realizar seu objetivo: conseguir ficar na Eredivisie, após a volta da segunda divisão. Agora, é ganhar sequência na elite.

Com grande mérito de Lennart Thy, o VVV-Venlo garantiu precocemente que ficaria na Eredivisie. Nem por isso precisava fazer o péssimo fim de temporada que fez (ANP/Pro Shots)
VVV-Venlo 

Colocação final: 15º lugar, com 34 pontos
Time-base: Unnerstall; Rutten, Röseler, Promes e Labylle; Post, Seuntjens e Leemans; Van Crooy, Thy e Hunte (Castelen)
Técnico: Maurice Steijn
Maior vitória: VVV-Venlo 3x0 Sparta Rotterdam (1ª rodada)
Maior derrota: VVV-Venlo 2x5 PSV (8ª rodada)
Principais jogadores: Lars Unnerstall (goleiro), Clint Leemans (atacante) e Lennart Thy (atacante)
Artilheiro: Clint Leemans (atacante), com 10 gols
Quem mais partidas jogou: Nils Röseler (zagueiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas oitavas de final, pelo PSV
Competição continental: nenhuma

Se NAC Breda e Willem II se valeram de pequenas arrancadas para conseguirem a salvação, o time aurinegro sofreu com a trajetória oposta. Nem era para sofrer tanto assim, no final da temporada. Afinal de contas, voltando como campeões da segunda divisão, os Venlonaren haviam feito um primeiro turno elogiável. E até seguiram regulares em boa parte do returno – com direito a vitória sobre o Feyenoord -, sonhando em alcançar a zona da repescagem pela Liga Europa.

De quebra, a contratação do experiente Romeo Castelen foi muito útil no ataque, para ajudar os já conhecidos Clint Leemans e, principalmente, Lennart Thy (este, além de se destacar em campo, recebeu elogios unânimes pelo auxílio a uma vítima de leucemia fora dele). No gol, Lars Unnerstall foi tão bem que mereceu a contratação pelo PSV. E o VVV garantiu a permanência na primeira divisão. Foi seu mal: tranquilo, desacelerou. E não só perdeu a chance de buscar os play-offs, como teve péssima sequência final: sete derrotas e um empate nas últimas oito rodadas. Já estava salvo. Mas não pode repetir este erro na próxima temporada – até porque alguns destaques já não vestirão mais preto e amarelo.

O Roda JC nem foi tão desesperado quanto em outras temporadas em que sofreu a ameaça do rebaixamento. Mas caiu assim mesmo (Pro Shots)
Roda JC 

Colocação final: 16ª lugar, com 30 pontos – rebaixado na repescagem
Time-base: Jurjus; Kum, Banggaard, Auassar e Vansteenkiste; Ndenge e Gnjatic; Rosheuvel, Gustafson e Avdijaj; Schahin
Técnico: Robert Molenaar
Maior vitória: VVV-Venlo 1x4 Roda JC (33ª rodada)
Maior derrota: Feyenoord 5x1 Roda JC (18ª rodada)
Principal jogador: Simon Gustafson (meio-campista)
Artilheiro: Dani Schahin (atacante) e Simon Gustafson (meio-campista), com 10 gols
Quem mais partidas jogou: Hidde Jurjus (goleiro), que jogou todas as 34 partidas
Copa nacional: eliminado nas quartas de final, pelo Willem II
Competição continental: nenhuma

Curioso: o Roda JC até fugiu dos defeitos costumeiros nas temporadas passadas. Certo, foi mal como de costume na primeira metade da temporada, com a penúltima posição. Mas nem por isso a diretoria dos Koempels apelou para a tradicional “bacia” de reforços na janela de transferências de inverno. Talvez nem tivesse condição para tanto, já que o mecenas Aleksei Korotaev amarga a detenção. Mas talvez nem tivesse razão: havia nomes em quem a torcida pudesse confiar, como Hidde Jurjus, Chris Kum, Simon Gustafson e Dani Schahin.

Todavia, o segundo turno começou muito mal. Após superar o Excelsior na 20ª rodada, o Roda JC só foi vencer na 28ª rodada – com uma sequência de quatro derrotas no meio. Mas aí, o time de Kerkrade obteve a sequência que o salvou para a repescagem: três vitórias sobre adversários acima na tabela (NAC Breda, Vitesse e Zwolle), mais um empate com o PSV e uma goleada no VVV-Venlo. Porém, já no primeiro jogo buscando a manutenção na Eredivisie, um arriscado empate sem gols fora de casa, contra o Almere City. Pior: assim como o Sparta Rotterdam, a derrota e o consequente rebaixamento veio em casa, com falha de um destaque - Jurjus rebateu mal a bola num dos gols do Almere. E de tanto perigar nas temporadas recentes, enfim o Roda caiu. Mesmo sem cometer os mesmos erros.

O Sparta teve azar, mas também faltou talento. E na repescagem, veio o rebaixamento merecido (Carla Vos)
Sparta Rotterdam 

Colocação final: 17º lugar, com 27 pontos – rebaixado na repescagem
Time-base: Huth (Kortsmit); Holst, Fischer, Chabot e Floranus; Duarte, Mühren e Sanusi (Spierings); Brogno (Verhaar), Friday e Spierings (Ahannach)
Técnicos: Alex Pastoor (até a 17ª rodada) 
Maior vitória: Roda JC 0x2 Sparta Rotterdam (27ª rodada) 
Maior derrota: Feyenoord 7x0 Sparta Rotterdam (17ª rodada) e Vitesse 7x0 Sparta Rotterdam (31ª rodada)
Principal jogador: Robert Mühren (atacante)
Artilheiro: Robert Mühren (atacante), com 7 gols
Quem mais partidas jogou: Ryan Sanusi (meio-campista), com 33 partidas
Copa nacional: eliminado na primeira fase, pelo RKC Waalwijk (segunda divisão)
Competição continental: nenhuma

Durante boa parte da temporada, a impressão foi de que o Sparta repetiria o mesmo roteiro de 2016/17: lutaria arduamente contra a queda, mas por fim conseguiria se safar. Motivos para pensar assim, não faltavam. Afinal, mesmo que as atuações fossem ruins (como esquecer o 7 a 0 sofrido para o rival citadino Feyenoord, na 17ª rodada?!), dava para se encontrar alguns jogadores que conseguissem ajudar. Como Loris Brogno ou Robert Mühren, já conhecidos. Como Roy Kortsmit, que vinha sendo um dos melhores goleiros da Eredivisie antes de se lesionar. Mas o cenário era desesperador para a pior equipe das primeiras 17 rodadas.

Para o segundo turno, era de se esperar que Dick Advocaat, de passado no Sparta e experiência inquestionável, conseguisse melhorar uma equipe que até ganhou nomes úteis – como Fred Friday e Dabney dos Santos, emprestados pelo AZ. Os Kasteelheren tentaram, dramaticamente. Até ofereceram dificuldades contra PSV e Ajax. E conseguiram, afinal, deixar o Twente para trás, ganhando a sobrevida na repescagem. Nela, porém, mostraram um defeito incomum na temporada regular: apatia. Somada à falta de técnica, bastou para já terem dificuldades ao superar o Dordrecht, na segunda fase. Finalmente, a vantagem ganha no jogo de ida da decisão da vaga, contra o Emmen, foi humilhantemente jogada fora na volta, diante da própria torcida: derrota por 3 a 1. E rebaixamento. Esforço não faltou – faltou foi talento. E tenacidade na hora decisiva.

Não faltou esforço ao jovem time do Twente. Mas os problemas eram demais. E enfim, anos de crise resultaram no rebaixamento (Pro Shots)
Twente 

Colocação final: 18º colocado, com 24 pontos – rebaixado diretamente
Time-base: Drommel (Brondeel); Ter Avest (Van der Lely), Lam, Thesker, Bijen e Cuevas; Maher, Holla e Fredrik Jensen; Boere (Slagveer) e Assaidi 
Técnicos: René Hake (até a 8ª rodada), Gertjan Verbeek (da 11ª à 28ª rodada) e Marino Pusic (interino, entre a 9ª e a 10º rodada e a partir da 29ª rodada)
Maior vitória: Twente 4x0 Utrecht (5ª rodada)
Maior derrota: Vitesse 5x0 Twente (33ª rodada)
Principal jogador: Oussama Assaidi (atacante)
Artilheiro: Oussama Assaidi (6 gols)
Quem mais partidas jogou: Peet Bijen (zagueiro), com 32 partidas
Copa nacional: eliminado na semifinal, pelo AZ 
Competição continental: nenhuma

Estava demorando, mas, enfim, a dura realidade que o Twente vive há alguns anos foi vista dentro de campo. Nas primeiras rodadas, até que os Tukkers se esforçaram para mostrar que, novamente, ficariam na elite da Holanda. Por mais que o grupo de jogadores tivesse perdido nomes importantes (Enes Ünal é um bom exemplo), havia uma base jovem da temporada passada, já conhecida do técnico René Hake. Foi justamente o primeiro a pagar o preço, sendo demitido já na 8ª rodada. Pode ter sido este o primeiro passo rumo à queda: mesmo que o nível técnico já fosse irregular, dava para melhorar.

Apoiadora do esforço dos jogadores e de Hake, a torcida passou a entrar em rota de colisão com a diretoria. Gertjan Verbeek chegou, e a emenda ficou pior do que o soneto: a fragilidade defensiva seguiu no Twente, por mais que o esforço do time fosse inquestionável (merecem destaque defensores como Stefan Thesker e Peet Bijen, além de Fredrik Jensen, no meio). Para atacar, ainda chegaram nomes como Adam Maher, para ajudar Luciano Slagveer e Oussama Assaidi. Não adiantou: o Twente foi o pior time do returno. É até sintomático que sua pior derrota na temporada tenha justamente sido os 5 a 0 para o Vitesse, confirmando o que poderia ter vindo antes: o rebaixamento. Triste.