domingo, 31 de julho de 2022

A Holanda nas Copas masculinas: 1974 - Apenas o (re)começo

A Holanda voltou às Copas do Mundo em 1974, de um jeito que ninguém mais esqueceu. Mas esta foto é do sofrido jogo da classificação nas eliminatórias, contra a Bélgica. Em pé: Hulshoff, Schrijvers, Mansveld, Suurbier, Neeskens e Krol. Agachados: Haan, Cruyff, Gerrie Mühren, Rep e Rensenbrink (Peter Robinson/Empics/Getty Images)

Quase tudo já foi dito e escrito sobre a campanha da seleção da Holanda na Copa de 1974. Inclusive que quase tudo já foi dito e escrito sobre a campanha da seleção da Holanda na Copa de 1974. Sendo assim, é muito difícil fazer um texto curto sobre a icônica participação da Laranja naquele Mundial - o retorno dela, vale lembrar, após 36 anos de ausência - sem citar coisas já sabidas de cor e salteado por todo mundo que conheça um pouco de história do futebol. Então, o melhor caminho é falar, principalmente, do que pouco se sabe. Do caminho que a Oranje fez antes de marcar época, num dos momentos mais marcantes da história das Copas. Mais precisamente, do que ela fez nas eliminatórias para chegar à Alemanha.

Já havia alguma expectativa pela Europa sobre o que aquela geração de jogadores poderia fazer com a camisa laranja. Afinal de contas, após as profundas mudanças por que o futebol dos Países Baixos haviam passado desde a já longínqua aparição na Copa de 1938 - Karel Lotsy já era um personagem antigo, o profissionalismo havia chegado ao esporte no país em 1954, dois anos depois surgira a Eredivisie -, os jogadores que começaram a aparecer desde os anos 1960 estavam em franca ascensão na seleção. Aos mais experientes - Wim Suurbier (1945-2020), Willem van Hanegem, Piet Keizer (1943-2017), Johan Cruyff (1947-2016) -, já se somavam nomes mais novos, como Johan Neeskens e Johnny Rep. Por clubes, todos brilhavam: é quase desnecessário lembrar que vinham da Holanda os quatro primeiros campeões europeus da década de 1970 - Feyenoord em 1969/70, Ajax nas três edições seguintes (1970/71, 1971/72 e 1972/73). 

Mas... e na seleção? A capacidade daquela geração seria colocada à prova nas eliminatórias, iniciadas em 1972, no grupo 3 da qualificação europeia, enfrentando Noruega, Islândia e Bélgica. Comandada desde 1970 pelo tcheco Frantisek Fadrhonc (1914-1981), a Laranja iria tentar a vaga na Copa com alguns nomes que não chegariam a ela. O goleiro Jan van Beveren (1948-2011), do PSV; os zagueiros Barry Hulshoff (1946-2020), do Ajax, e Aad Mansveld (1944-1991), do ADO Den Haag - então, FC Den Haag; e o atacante Theo Pahlplatz, do Twente. Bastou o primeiro jogo daquelas eliminatórias para que a Holanda mostrasse seu valor: no dia 1º de novembro de 1972, em De Kuip (Roterdã), 9 a 0 na Noruega. Simplesmente a maior goleada que a seleção masculina holandesa conseguira até então, nos 67 anos de história que tinha até ali - e o recorde duraria até 2011.

O tcheco Frantisek Fadrhonc conduziu a seleção da Holanda por todo o tortuoso caminho nas eliminatórias - e seguiria na Copa de 1974, mas subjugado a Rinus Michels (Arquivo/Fotocollectie Anefo)

Contudo, se havia alguma adversária capaz de fazer frente naquele grupo da qualificação, era a vizinha Bélgica, o rival mais conhecido, velha conhecida de eliminatórias (disputara vaga em 1934 e em 1938). Em matéria de Copas, inclusive, a tradição dos Diabos Vermelhos era bem maior àquela altura - para citar só um motivo, porque os belgas haviam jogado o Mundial de 1970. E boa parte da geração deles ainda estava firme e forte na seleção, tendo o goleiro Christian Piot, o meio-campo Wilfried van Moer e os atacantes Paul van Himst e Raoul Lambert como destaques. Além do mais, se os neerlandeses ainda começavam a campanha nas eliminatórias, os principais adversários já tinham três jogos e três vitórias - duas contra a Islândia, uma contra a Bélgica. Em suma: Holanda e Bélgica fariam jogos muito equilibrados. E começariam a provar isso em 19 de novembro de 1972: no estádio Bosuil, em Antuérpia, a Laranja foi visitante numa partida igual. Em atuações e no resultado: 0 a 0.



1972 passou, 1973 chegou, e a Holanda teve dois amistosos para respirar - uma derrota para a Áustria (1 a 0 em Viena, em 28 de março), uma vitória contra a Espanha (3 a 2 no Estádio Olímpico de Amsterdã, em 2 de maio de 1973). Justamente nesses amistosos, Frantisek Fadrhonc começou a dar chance a muitos jogadores que vinham barbarizando no antológico Ajax - o meio-campo Arie Haan e os citados Neeskens e Rep tiveram suas primeiras partidas pela Laranja justamente nesses amistosos. Mas se sabia: o que importava eram as eliminatórias da Copa. E a Holanda, embora merecesse respeito, apenas cumpria o esperado, sem impressionar. Foi assim nas duas vitórias contra a Islândia - duas goleadas, diante da seleção mais fraca do grupo 3 das eliminatórias europeias: 5 a 0 em Amsterdã, em 22 de agosto de 1973; 8 a 1 em Deventer (sim, a Islândia sequer tinha estádio capaz de receber jogos oficiais, e foi "mandante" numa cidade dos Países Baixos), uma semana depois.

O sinal de alerta ficou mais intenso para a Holanda no penúltimo jogo daquelas eliminatórias: fora de casa, em Oslo, contra a Noruega, em 12 de setembro de 1973. Com somente cinco titulares escalados que estariam na Copa (Krol, Jansen, Van Hanegem, René van de Kerkhof e Cruyff - Haan substituiu Van Hanegem aos 81'), a Laranja até saiu na frente: Cruyff fez 1 a 0 já aos sete minutos da etapa inicial. Todavia, os visitantes levaram a maior parte dos 90 minutos em ritmo lento demais, apenas administrando a vantagem. Quase tiveram o pior dos castigos: aos 77', o atacante Harry Hestad ganhou disputa de bola com o goleiro Van Beveren, e empatou o jogo em Oslo. Ali a Holanda poderia perder pontos que a tirariam da Copa de 1974. Mas não os perdeu: a três minutos do fim, Cruyff ajeitou, e o zagueiro Hulshoff invadiu a área e chutou para o 2 a 1 salvador. 


Um amistoso para recuperar fôlego no meio do caminho (1 a 1 contra a Polônia - outra seleção que faria sucesso na Copa de 1974 -, em Roterdã, em 10 de outubro de 1973), e um mês e oito dias depois, chegou o momento. Estádio Olímpico de Amsterdã, 18 de novembro de 1973, um domingo. Empatadas em pontos (9) no grupo 3 das eliminatórias, Holanda e Bélgica fariam a "final" pela vaga na Copa, na última rodada. A Laranja só se aliviava por ter saldo maior de gols do que os Diabos Vermelhos - +22 a +12 -, mas convinha não abusar da sorte: afinal, uma vitória dos visitantes, e seriam eles os classificados, sem nem repescagem para dar uma "segunda chance".

O tempo foi passando em Amsterdã. O 0 a 0 seguia no placar, enervando o time; enervando Frantisek Fadrhonc, no banco; enervando toda a torcida que lotava o Estádio Olímpico. Até que, justamente no último minuto, uma falta foi marcada, na esquerda. Cobrada para a área, a defesa holandesa fez a linha de impedimento. Mas à direita da grande área, o belga Jan Verheyen estava a postos - e completou para o gol. Bola na rede. 1 a 0. Poderia ser o gol da Bélgica na Copa de 1974, o gol que frustraria o Reino dos Países Baixos, com aquela geração esplendorosa de jogadores. Mas não foi: o juiz búlgaro Pavel Kazakov anulou o gol, alegando impedimento de Verheyen. Acréscimos dramáticos depois, a partida acabou 0 a 0. Alegria no Estádio Olímpico de Amsterdã: ambas as seleções ficaram com dez pontos, mas pelo maior saldo de gols, a Holanda voltava a uma Copa do Mundo, após 36 anos. Por trás do que a Oranje faria no Mundial, porém, ficou uma dúvida até hoje esquecida: Verheyen estava mesmo impedido?


Mesmo classificada, todavia, a Holanda sabia: era preciso que algo mudasse, para que sua seleção tivesse alguma chance de boa campanha na Copa. Mesmo respeitado pelo grupo, mesmo com histórico no futebol holandês, Frantisek Fadrhonc não atraía a menor confiança sobre suas capacidades para treinar a seleção. Em março de 1974, então, a federação decidiu: Fadrhonc seguiria na comissão técnica, mas seria "rebaixado" a supervisor técnico, apenas auxiliando o novo nome que chegaria. Novo nome que, na verdade, era um velho conhecido de vários daqueles jogadores: desde 1971 treinando o Barcelona, Marinus Hendricus Jacobus Michels, o Rinus Michels (1928-2005), viria para acumular o comando barcelonista ao da seleção.

E Michels decidiu mudar boa parte do que se via no time. Mas eram apostas, e ninguém saberia se elas teriam êxito. Pelo visto no amistoso contra a Áustria, estreia de Michels no comando (1 a 1, 27 de março de 1974, em De Kuip), não teriam. Ironia das ironias, um jornal estampou na manchete pós-jogo: "A Laranja não é uma unidade". A goleada contra a Argentina, já na reta final de preparação (4 a 1 em Amsterdã, em 26 de maio de 1974), amenizou o clima, mas as dúvidas só cresciam: apostar em Jan Jongbloed, que era goleiro mais seguro com os pés do que com as mãos e não jogava na seleção desde 1962, como titular? Apostar em Arie Haan, um meio-campo, recuado para a zaga? Apostar em Wim Rijsbergen, jovem zagueiro que só estreou pela seleção no último amistoso antes da Copa - 0 a 0 contra a Romênia, em De Kuip, em 5 de junho de 1974? Apostar que a inteligência tática de boa parte dos titulares saberia entender o "Futebol Total" que só os do Ajax conheciam melhor?

Rinus Michels apostou. Deu muito mais certo do que a própria Holanda poderia imaginar. 

Na estreia avassaladora contra o Uruguai, quando Pedro Rocha, meio-campista da Celeste, afirmou que a partida foi uma das poucas vezes em que, mesmo adulto, ele quis gritar por socorro da mãe; nos 4 a 0 antológicos sobre a Argentina, já na segunda fase; nos 2 a 0 sobre o Brasil, que levaram a Holanda à final, quando um começo difícil foi superado para a vitória no segundo tempo; e até na derrota para a Alemanha, na final, a maior dor que o futebol holandês já sentiu.

E o texto termina aqui, neste (re)começo da história do Reino dos Países Baixos numa Copa do Mundo. Já prometendo um especial, como se deve, em 2024, quando aqueles sete jogos que abalaram o mundo do futebol completarão 50 anos.

Porque um texto só, como este, não dá conta de dizer o tamanho do terremoto que a Holanda de 1974 provocou no futebol mundial.

Estes 22 convocados para a Copa de 1974 merecem um texto só para eles (ANP Archive)

Os convocados da Holanda para a Copa de 1974

Goleiros
8-Jan Jongbloed (FC Amsterdam) - 7 jogos, 3 gols sofridos
18-Piet Schrijvers (Twente) - não jogou
21-Eddy Treijtel (Feyenoord) - não jogou

Defensores
20-Wim Suurbier (Ajax) - 7 jogos
12-Ruud Krol (Ajax) - 7 jogos, 1 gol, 1 gol contra
17-Wim Rijsbergen (Feyenoord) - 7 jogos
5-Rinus Israël (Feyenoord) - 3 jogos
4-Cornelius "Kees" van Ierssel (Twente) - não jogou
19-Pleun Strik (PSV) - não jogou
22-Harry Vos (Feyenoord) - não jogou

Meio-campistas
14-Johan Cruyff (Barcelona-ESP) - 7 jogos, 3 gols
13-Johan Neeskens (Ajax) - 7 jogos, 5 gols
2-Arie Haan (Ajax) - 7 jogos
3-Wim van Hanegem (Feyenoord) - 7 jogos
6-Wim Jansen (Feyenoord) -7 jogos
7-Theo de Jong (Feyenoord) - 3 jogos, 1 gol
10-René van de Kerkhof (PSV) - 1 jogo
11-Willy van de Kerkhof (PSV) - não jogou

Atacantes
15-Robert Rensenbrink (Anderlecht-BEL) - 6 jogos, 1 gol
16-Johnny Rep (Ajax) - 7 jogos, 4 gols
9-Piet Keizer (Ajax) - 1 jogo
1-Ruud Geels (Club Brugge-BEL) - não jogou

Técnico: Rinus Michels

sábado, 30 de julho de 2022

A Holanda nas Copas masculinas: 1938 - Queda previsível

Se houvera expectativa frustrada antes de 1934, a Holanda já entrou na Copa de 1938 achando que não duraria muito. Embora tenha se esforçado bastante, de fato caiu para a Tchecoslováquia. E dali mergulhou no ostracismo (Arquivo)

De certa forma, a situação da seleção da Holanda não se alterou muito entre a Copa de 1934, primeira participação da Laranja num Mundial, e 1938, quando ela estaria de novo numa edição do torneio. Na federação dos Países Baixos, o presidente podia ser ainda Dirk van Prooije (1881-1942), que comandou a KNVB entre 1930 e 1942, mas o diretor Karel Lotsy continuava tendo tanta ou mais autoridade na entidade (até demais, costumeiramente). Se a situação não mudou fora de campo, teve uma leve alteração nele - para pior. Com azar logo no começo daquela Copa, sem causar a expectativa levemente positiva que atraíra quatro anos antes, a Holanda também foi eliminada rapidamente.

Houve um outro fator a prejudicar a seleção dos Países Baixos: o apego excessivo de Karel Lotsy ao amadorismo, regime que o futebol do país ainda seguia. Se algum dos jogadores da Laranja - ou mesmo atuando em qualquer clube do futebol neerlandês - se interessasse em ganhar dinheiro ao praticar a modalidade, seria prontamente barrado da equipe nacional pelo diretor de seleções. Foi o que aconteceu com um dos principais destaques holandeses para a Copa de 1934: o atacante "Beb" Bakhuys. Em 1937, Bakhuys aceitou a proposta do Metz, da França - país que já adotara o profissionalismo no esporte. Bastou: aquele também foi o último ano em que jogou pela seleção holandesa. Tudo pela proibição imposta por Lotsy sobre profissionais na Holanda.

A não ser pelo afastamento de Bakhuys, porém, o cenário na seleção mudara pouco. A começar pelo técnico: muito próximo a Karel Lotsy, o inglês Robert "Bob" Glendenning (1888-1940) seguia treinando a Holanda - aliás, comandando a equipe desde 1923, tal proximidade com a federação faria de Glendenning o técnico que mais treinou a Laranja em todos os tempos: 87 partidas, recorde que dura até hoje, quase cem anos depois. No campo, os destaques liderados por Glendenning eram muito semelhantes aos da Copa de 1934: Wim van Anderiesen e Puck van Heel no meio-campo, cuja experiência se somava à juventude ainda mantida por "Leen" Vente e "Kick" Smit no ataque - que possuiria ainda duas novidades.

Bob Glendenning foi um técnico marcante nos primeiros tempos da seleção da Holanda. De certa forma, continua sendo, por seu recorde que ainda vige (Arquivo Nacional)

Nas eliminatórias, o caminho da Holanda ficaria mais fácil do que se supunha. A princípio, haveria um triangular regional com Bélgica e Luxemburgo: três nações disputando uma vaga. Poderia ser dramático, mas com a desistência de vários países da América do Sul em tentar jogar a Copa, uma vaga adicional que "sobrou" dos sul-americanos foi destinada ao grupo 9 da qualificação europeia, que teria o triangular do Benelux. Desde aquela época, Holanda e Bélgica já tinham seleções francamente superiores a Luxemburgo. E com três seleções para (agora) duas vagas, era fácil imaginar quais equipes iriam à Copa. No caso da Holanda, bastou vencer Luxemburgo (4 a 0 em De Kuip/Roterdã, em 28 de novembro de 1937) para garantir lugar no Mundial. Em 3 de abril de 1938, apenas cumprindo tabela, um empate (1 a 1) com a Bélgica, também assegurada entre as 16 seleções classificadas.

Como preparação antes da viagem à França, um amistoso com derrota (3 a 1 para a Escócia, em Amsterdã, no dia 21 de maio de 1938). E daquela vez, a expectativa já baixa da torcida em sua seleção ficou ainda mais abalada pelo mau destino no sorteio. Numa Copa outra vez disputada com "mata-mata" desde o começo, caberia à Holanda enfrentar a Tchecoslováquia, vice-campeã mundial em 1934, com uma brilhante e experiente geração de jogadores: o goleiro Frantisek Planicka, o zagueiro Ferdinand "Fernando" Daucik, o meia Vlastimil Kopecky, o atacante Oldrich Nejedly. 

Não deu outra: a queda previsível aconteceu no Estádio Municipal de Le Havre, em 5 de junho de 1938. Se serve de consolo, a Holanda (que tinha o mais jovem - Bertus de Harder, 18 anos - e o mais velho - Wim Anderiesen, 34 anos - jogadores daquela Copa) se esforçou demais. Conteve os tchecos durante todo o tempo normal, conseguindo alcançar a prorrogação. Porém, já na reta final dos 90 minutos, o meia "Freek" van der Veen torceu o tornozelo, e precisou sair do jogo. Com dez em campo, numa época em que ainda não havia substituições no futebol, a Laranja sucumbiu na prorrogação: Josef Kostalek fez aos 96', Nejedly marcou aos 102', Josef Zeman completou aos 104', Tchecoslováquia 3 a 0, classificada para as quartas de final - nas quais seria eliminada pelo Brasil.

Pelo menos, aquele mês de junho terminou com um momento curioso na história da seleção da Holanda: um amistoso não-oficial, em 26 de junho. Explique-se: a região onde atualmente se localiza a Indonésia era colonizada na época pelo Reino dos Países Baixos - tratavam-se das Índias Holandesas Orientais (onde, aliás, havia nascido o citado "Beb" Bakhuys), que... também haviam jogado a Copa de 1938 - e também tinham sido eliminadas logo na estreia, goleadas pela Hungria (6 a 0). Porém, pelo território ser considerado "parte do reino", o amistoso com a seleção índica não entrou nas estatísticas oficiais. E o 9 a 2 da Holanda na sua colônia distante virou apenas uma memória distante.

Como virariam memórias distantes as próprias participações da Holanda nas Copas de 1934 e 1938. No ano seguinte, começaria a Segunda Guerra Mundial. Os Países Baixos sofreriam barbaramente, em muitos casos. Em outros, haveria colaboração com o Eixo nazifascista (a começar pela relação - contestada aqui e ali - de Karel Lotsy, o todo-poderoso presidente da federação, com os nazistas). De todo modo, o caráter amador que persistiu por muito tempo retardou bastante o desenvolvimento da Holanda. Craques como os atacantes Faas Wilkes e Abe Lenstra nunca passariam nem perto de uma Copa do Mundo. E o Reino dos Países Baixos era, para todos os efeitos, uma nação de segundo/terceiro escalão no futebol masculino.

Até a sua volta a uma Copa do Mundo, 36 anos depois. Quase uma "reestreia". Que seria antológica.

Os convocados da Holanda para a Copa de 1938

Goleiros
Adri van Male (Feyenoord) - 1 jogo
Niek Michel (VSV Velsen) - não jogou

Zagueiros
Mauk Weber (ADO Den Haag) - 1 jogo
Bertus Caldenhove (DWS Amsterdam) - 1 jogo
Dick Been (Ajax) - não jogou
Hendrikus Plenter (Be Quick 1887) - não jogou

Meio-campistas
Wim Anderiesen (Ajax) - 1 jogo
Puck van Heel (Feyenoord) - 1 jogo
Bas Paauwe (Feyenoord) - 1 jogo
Frans Hogenbirk (Be Quick 1887) - não jogou
René Pijpers (RFC Roermond) - não jogou

Atacantes
Frank Wels (Unitas) - 1 jogo
Leen Vente (Feyenoord) - 1 jogo
Kick Smit (HFC Haarlem) - 1 jogo
Bertus de Harder (VUC Den Haag) - 1 jogo
Frans "Freek" van der Veen (Heracles Almelo) - 1 jogo
Arie de Winter (HFC Haarlem) - não jogou
Daaf Drok (RFC Rotterdam) - não jogou
Klaas Ooms (DWB) - não jogou
Piet de Boer (KFC) - não jogou
Piet Punt (DFC Dordrecht) - não jogou
Henk van Spaandonck (Neptunus) - não jogou

Técnico: Bob Glendenning


sexta-feira, 29 de julho de 2022

A Holanda nas Copas masculinas: 1934 - Eles foram a Roma

Mesmo com um futebol ainda amador, a seleção da Holanda estreou em Copas do Mundo atraindo relativo otimismo em 1934. A derrota frustrou tudo (Arquivo)

Muitos jovens. Alguns bons jogadores - boa parte deles, talvez, os grandes craques da era em que o futebol da Holanda (Países Baixos) ainda era amador, e tinha uma seleção de terceiro escalão. Havia até uma música de incentivo para os 22 convocados da primeira participação da seleção masculina holandesa numa Copa do Mundo. Só não havia um nível técnico muito alto. Por isso, e pela rapidez do regulamento, a aparição da Holanda foi muito fugaz, em sua primeira Copa. Talvez até por isso, esta série histórica do Espreme a Laranja tenha alguma utilidade: para lembrar que, mesmo com desempenhos esquecíveis, a Laranja apareceu em Mundiais, sim senhor, antes de "recomeçar sua história" em 1974. E se ela estava na segunda Copa do Mundo da história, deve parte considerável disso ao principal diretor da federação dos Países Baixos. 

Karel Lotsy (1893-1959) começou a colaborar com a KNVB durante os Jogos Olímpicos de 1924, em Paris. Com seu ímpeto para comandar - que, comumente, resvalava no autoritarismo -, Lotsy logo se tornou um braço-direito de Carl Hirschmann (1877-1951), antológico dirigente da entidade, um dos fundadores da FIFA. Por volta de 1927, Lotsy já tinha se tornado um "diretor sem cargo", tomando conta de tudo que se relacionasse com a seleção holandesa. No ano seguinte, foi integrante fundamental para a organização dos Jogos Olimpícos de 1928, em Amsterdã - nos quais a Holanda teve a medalha de bronze no futebol. Em setembro de 1930, Karel virou de direito o que já era de fato: diretor na federação de futebol. E finalmente, em 1931, com Carl Hirschmann precisando abandonar suas funções na federação (para socorrer suas empresas, ainda sofrendo com a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929), Lotsy se converteu num comandante quase sem limites de poder na KNVB.

Polêmico e autoritário, Karel Lotsy deu algum senso de organização à seleção masculina da Holanda, no começo da década de 1930 (Arquivo)

Se seu autoritarismo se traduzia em atitudes exageradamente críticas e exigentes com a seleção da Holanda, que vivia então em péssima fase (estava sem vencer amistosos fora de casa havia seis anos, por exemplo), se negar o direito de disputar a Copa de 1930 havia pego mal para uma nação que ajudara a fundar a FIFA, Karel Lotsy tinha tudo para usar a Laranja como um meio de fortalecer seu poder no esporte dos Países Baixos. E fez isso. Tendo em mente chegar à Copa de 1934, ele criou uma seleção permanente já em seu primeiro ano dirigindo o futebol na entidade. Tal grupo fazia períodos e mais períodos de treinos, além dos amistosos. E sair desse grupo, para o diretor, equivalia a uma traição imperdoável à nação, que contava com a seleção - ponto de vista previsível, numa época em que os populismos nacionalistas começavam a pulular pela Europa. Como o nazismo, na Alemanha - regime com o qual há até hoje acusações de colaboração por parte de... Karel Lotsy.

Fosse como fosse, de fato, no começo da década de 1930 a seleção da Holanda ganhou novo impulso. Venceu amistosos contra Dinamarca (2 a 0) e França (4 a 3), ambos fora de casa. Mesmo contra seleções europeias que eram mais fortes, como a Áustria, tinha desempenhos honrosos - diante do "Wunderteam" em que Matthias Sindelar brilhava em campo, a derrota foi "só" 1 a 0, em 1933. Além do mais, todos esses amistosos abriam caminho para alguns dos principais craques holandeses pré-1974, como o atacante Leendert "Leen" Vente (1911-1989), que estreou justamente contra a Áustria. No começo de 1934, o ano da Copa do Mundo, um amistoso contra a velha rival Bélgica, em 11 de março. E uma goleada: 9 a 3 - cinco gols de Leen Vente, dois de outra estrela que subia na Holanda: o atacante Elisa Hendrik "Beb" Bakhuys (1909-1982), de volta ao país após passagem a trabalho pelas Índias Holandesas Orientais - hoje, Indonésia, onde Bakhuys nasceu. Naquele 9 a 3, fazia sua primeira partida pela Laranja mais um atacante de destaque: Johannes "Kick" Smit (1911-1974).

E o otimismo da Holanda em sua seleção cresceu de vez em sua participação nas eliminatórias da Copa de 1934: num grupo com Bélgica e Irlanda (então chamada Estado Livre Irlandês), a Laranja venceu as duas partidas, graças a duas viradas. No primeiro jogo, em 8 de abril de 1934, no Estádio Olímpico de Amsterdã, saiu na frente da Irlanda, tomou a virada, mas partiu para uma goleada - 5 a 2. E fora de casa, contra a velha adversária Bélgica, em 29 de abril de 1934, também tomou 1 a 0, mas também virou para o triunfo (4 a 2) que a levou à primeira participação numa Copa. 

"Beb" Bakhuys voltou das Índias Holandesas Orientais para ser um dos primeiros destaques da seleção da Holanda, ao lado de Kick Smit e Leen Vente (Arquivo)

"Beb" Bakhuys marcara quatro gols nas eliminatórias - e se tornava a principal promessa de uma boa campanha holandesa. Com Kick Smit e Leen Vente também se destacando na frente, mais a relativa experiência dos meio-campistas Puck van Heel e Wim Anderiesen, a esperança aumentava ainda mais. E ela se embalava por uma música: "Wij gaan naar Rome" ("Nós vamos a Roma"), evocando a Itália, país-sede daquele Mundial.

We gaan naar Rome, we gaan naar Rome ("Nós vamos a Roma, nós vamos a Roma")
Bep Bakhuys doelpunt daar voor twee ("E Beb Bakhuys fará dois gols")
We gaan naar Rome, we gaan naar Rome ("Nós vamos a Roma, nós vamos a Roma")
En Vente neemt z'n kanjers mee ("E Vente está levando seu brilho")


Porém, o autoritarismo de Karel Lotsy desgastou a equipe antes mesmo dela ir a Roma. Tudo a partir de uma polêmica sobre o goleiro titular. Nas eliminatórias, Adri van Male e Gerrit Keizer jogaram uma partida cada um; no amistoso contra a França, último pré-Copa, Gerrit Keizer tomou cinco gols (França 5 a 4, em 10 de maio de 1934). E Lotsy, em uma coluna que mantinha numa revista, decidiu exortar o veterano Gejus van der Meulen, 30 anos, já dedicado à medicina - sempre bom lembrar que o futebol na Holanda ainda era amador. Van der Meulen sucumbiu à pressão, se integrando à delegação de convocados para a Copa. Esperando por Van Male como titular, o grupo se aborreceu com a imposição de Karel Lotsy. Aborreceu-se ainda mais ao saber que Van der Meulen tivera a permissão de levar a esposa para a viagem à Itália. 

Fosse como fosse, a seleção da Holanda chegava à Copa de 1934 com algum otimismo. Num torneio com regulamento diferente das Copas atuais (era mata-mata desde o começo, sem fase de grupos, em partida única), a Suíça coubera como adversária da Laranja - adversária respeitável, mas não era a forte Itália, país-sede, nem Tchecoslováquia ou Espanha, duas das melhores seleções europeias da época. Entretanto, os suíços tinham dois destaques: os atacantes Léopold Kielholz e André Abegglen. Já haviam vencido os neerlandeses num amistoso, no ano anterior (2 a 0). E tanto Kielholz quanto Abegglen marcariam gols - um do primeiro, dois do segundo - no 3 a 2 em San Siro, partida em que a Holanda mal estreou e já foi eliminada da Copa. Kick Smit e Leen Vente ainda diminuíram, mas ficou no placar mesmo a derrota e a queda, na primeira partida dos Países Baixos em Copas, em 27 de maio de 1934.

A Holanda foi mesmo a Roma. Mas voltou rápido. Até demais, para um time que atraiu certas expectativas.

Os convocados da Holanda para a Copa de 1934

Goleiros
Gejus van der Meulen (HFC) - 1 jogo
Adri van Male (Feyenoord) - não jogou
Leo Halle (Go Ahead Eagles) - não jogou

Zagueiros
Mauk Weber (ADO Den Haag) - 1 jogo
Sjef van Run (PSV) - 1 jogo
Jan van Diepenbeek (Ajax) - não jogou

Meio-campistas
Wim Anderiesen (Ajax) - 1 jogo
Henk Pellikaan (Longa Tilburg) - 1 jogo
Puck van Heel (Feyenoord) - 1 jogo
Toon Oprinsen (NOAD Breda) - não jogou
Bas Paauwe (Feyenoord) - não jogou*

Atacantes
Frank Wels (Unitas) - 1 jogo
Beb Bakhuys (ZAC) - 1 jogo
Leen Vente (Neptunus) - 1 jogo, 1 gol
Kick Smit (HFC Haarlem) - 1 jogo, 1 gol
Joop van Nellen (DHC) - 1 jogo
Jan Graafland (HBS) - não jogou
Wim Langendaal (Xerxes) - não jogou
Kees Mijnders (DFC Dordrecht) - não jogou
Jaap Mol (KFC) - não jogou
Arend Schoemaker (Quick) - não jogou
Hermanus "Manus" Vrauwdeunt (Feyenoord) - não jogou*

Técnico: Bob Glendenning

*Embora relacionados oficialmente entre os convocados, Paauwe e Vrauwdeunt ficaram de sobreaviso na Holanda (Países Baixos). Só 20 jogadores embarcaram à Itália para a Copa do Mundo

domingo, 24 de julho de 2022

Holanda na Euro feminina 2022: a análise sobre quem jogou

Já se previa uma participação problemática da Holanda na Euro feminina. Pelos problemas já existentes ou pelos que vieram no decorrer da competição, isso se confirmou. Se serve de consolo, pelo menos a eliminação foi digna (Marc Atkins/Getty Images)


O texto do guia deste blog para a participação da seleção feminina da Holanda (Países Baixos) na Eurocopa que ainda corre já indicava, antes mesmo da bola rolar: havia a forte impressão de que a fase que impulsionou as Leoas Laranjas a serem uma das melhores equipes nacionais do futebol feminino mundial havia acabado. Não só pelos questionamentos sobre o trabalho de Mark Parsons no treinamento da equipe - alguns corretos, outros exagerados -, mas pela má fase enfrentada por várias das jogadoras que formaram a base vitoriosa, com ápice entre 2017 e 2019. 

Sob esse ponto de vista, a participação da equipe holandesa foi exatamente a que se esperava. Trata-se de um time digno, com nomes talentosos, que não faz feio. Mas que perdeu terreno para outras seleções europeias, no equilíbrio cada vez maior que vive o futebol feminino da atualidade. E que tinha, de fato, nas quartas de final o seu teto de desempenho. Passar delas seria uma surpresa elogiável. Logo, a eliminação para a França era previsível. E de modo geral, as neerlandesas não têm nada de que se envergonhar. Não passaram vexame. De mais a mais, houve pontos positivos.

As preocupações são de outra ordem. Começando com o crescimento das desconfianças sobre a capacidade de Mark Parsons para conduzir a transição por que a seleção dos Países Baixos passa, atualmente - e que terá outro capítulo importante no dia 6 de setembro, em uma espécie de "decisão" contra a Islândia, na última rodada das eliminatórias europeias da Copa de 2023. E se completando pela dificuldade cada vez maior de certos nomes, habitualmente titulares, em manterem alto desempenho em campo com o passar do tempo. Tudo isso se viu, mais ou menos, no que foi visto nos quatro jogos feitos na Inglaterra.

Assim como se viu que a Holanda, apesar dos pesares, tem condições de retomar um bom desempenho em campo. Mais do que isso: tem nomes plenamente prontos para assumirem destaque nessa transição, ganhando cada vez mais oportunidades na seleção. A Euro só ressaltou que a hora dessas mudanças está tardando. E passando. Isso ficará bem claro na abordagem de cada uma das jogadoras que atuaram no torneio continental de seleções.

Van Domselaar entrou na Euro apenas como uma reserva promissora no gol da Holanda. Saiu dela como, talvez, a melhor da competição (Andrew Kearns/Camera Sport/Getty Images)

Goleiras

16 - Daphne van Domselaar (4 jogos, 5 gols sofridos)Mesmo com a Holanda eliminada, é possível dizer que Van Domselaar protagonizou uma história de "Cinderela" nesta Euro. Sim, ela já vinha de atuações notáveis no Twente bicampeão holandês de mulheres. Mas até o torneio começar, era só uma reserva. Se alguém dissesse a ela, aos 17 anos, quando torcia pela seleção no estádio De Grolsch Veste, na final da Euro 2017, que ela seria uma impressionante titular na Euro seguinte, talvez recebesse uma risada incrédula como resposta. Foi exatamente o que aconteceu. Entrando com grande pressão aos 21 minutos da estreia contra a Suécia, após a lesão de Van Veenendaal, a goleira poderia se queimar em definitivo, no caso de falhas. Desde aquele momento, provou exatamente o contrário: que vivia fase mais confiável até do que a titular. Foram várias qualidades, mostradas principalmente no jogo da eliminação: agilidade debaixo das traves, imponência nas saídas de gol, segurança na postura, defesas salvadoras (como esquecer as duas intervenções contra a Suíça, logo após sofrer o empate?!). Van Domselaar ganhou, independentemente da derrota. São muitos os que pedem sua permanência entre as titulares da Holanda. E quando se leem comentários de suas colegas sobre "o futuro da geração ser promissor", é quase automático vir à cabeça a imagem da goleira concentrada em campo e sorridente fora dele. Com todo o merecimento: Van Domselaar entrou na Euro como coadjuvante. Sai como o grande destaque holandês na Euro.

1 - Sari van Veenendaal (1 jogo): Está certo que, desde antes da Euro, a titular habitual e capitã da Holanda já andava distante da forma que a fez ser eleita a melhor do mundo segundo a FIFA, em 2019, com atuações algo hesitantes no PSV. Mas Van Veenendaal não merecia o abrupto fim que teve em sua participação no torneio continental. Mesmo em má fase técnica, sempre teve coragem e ascendência sobre a defesa. Sempre arriscou. Numa dessas vezes, logo na estreia contra a Suécia, foi buscar uma bola aérea... e teve azar: chocou-se com duas colegas de time, Lynn Wilms e Stefanie van der Gragt, e levou a pior, com o ombro seriamente atingido. Tentou seguir mais alguns minutos, mas teve mesmo de ser substituída por Van Domselaar. Saiu do campo para o corte, já durante a Euro, com a excessiva gravidade da lesão. E enquanto a substituta é uma das jogadoras mais badaladas da competição, Van Veenendaal amarga um questionamento maior do que nunca sobre sua posição como goleira titular da Holanda. Compreensível, pelo que já (não) vinha mostrando. Injusto, por não se saber o que poderia ser de Van Veenendaal como goleira na Euro. Faz parte do futebol...

(1 - Jacintha Weimar: integrada à delegação após o corte de Van Veenendaal, não jogou)


Laterais


5 - Lynn Wilms (4 jogos): A lateral direita viveu momentos mais e menos temerários na Euro. Nos mais temerários, deu razão a quem temia sua fragilidade defensiva: ou demorava para voltar, ou ficava desprotegida demais pela falta de ajuda de quem jogava mais à frente. Foi o que aconteceu, principalmente, no primeiro tempo contra a França, quando Delphine Cascarino foi francamente superior na disputa direta. Nos menos temerários, Wilms mostrou alguma coragem para avançar com a bola nos pés, e errou menos do que nomes mais experientes na seleção. No todo, segue sem ser absoluta na lateral direita, mas não fez muito feio. Até pela falta de concorrência à altura, deverá manter a titularidade. O que não quer dizer que não precise melhorar.

18 - Kerstin Casparij (3 jogos): Diante de tanta insegurança defensiva como a da seleção feminina da Holanda, Casparij foi uma das jogadoras mais acionadas para tentar ajudar. Conseguiu fazer isso ao vir do banco, contra Portugal e Suíça, valendo pela sua versatilidade: poderia tanto ajudar na lateral esquerda (como contra Portugal, quando substituiu Olislagers e diminuiu os problemas que a Holanda tinha por ali) como no miolo de zaga (como contra a Suíça, quando entrou no lugar de Aniek Nouwen). Já valeu para começar jogando contra a França. Porém, Casparij desperdiçou sua grande chance: foi outra a ceder excessivos espaços a quem deveria marcar - no caso, Kadidiatou Diani, que teve campo livre na direita para ser um dos destaques das quartas de final. Enfim, a lateral poderia ter ido melhor. Mas a possibilidade de ajudar a Holanda em mais posições - talvez até como uma meio-campista mais marcadora - a mantém como nome previsível para as próximas convocações.

19 - Marisa Olislagers (2 jogos): Chega a ser curioso como uma jogadora pôde ter aparições tão distintas, em apenas duas participações. Na estreia contra a Suécia, Olislagers veio do banco para a lateral esquerda, tentando melhorar um setor que fora a principal fonte de problemas para a Holanda no primeiro tempo. Conseguiu: recuada, a meio-campista foi mais combativa, conteve melhor Kosovare Asllani, ajudou a equipe a se estabilizar no jogo. E com a preferência manifesta de Dominique Janssen por jogar como zagueira, mais a lesão de Aniek Nouwen, foi escalada desde o começo contra Portugal, na lateral esquerda. Poderia ser a catapulta definitiva para se tornar titular de vez. Deu errado: Olislagers foi vítima constante da habilidade de Andréia Silva, a jogada do gol de empate português foi feita em seu setor, a fragilidade holandesa na esquerda só foi estancada com a entrada de Casparij. A jogadora da camisa 19 não entraria mais em campo na Euro. Poderia ter despontado como candidata à titularidade mais constante; ficou onde já estava, como opção.

20 - Dominique Janssen (4 jogos): Janssen chegou à Euro compreendendo: embora já tivesse até se chateado por querer jogar na zaga, seguiria atuando sem problemas na lateral esquerda holandesa. Contudo, escalada assim na estreia contra a Suécia, a camisa 20 enfrentou sérias dificuldades: lenta, fracassou ao tentar conter Asllani nos avanços. Por coincidência, a lesão de Nouwen abriu espaço para que Janssen jogasse onde preferia. E... as dificuldades continuaram. Contra Portugal, a zagueira cometeu o pênalti que rendeu o primeiro gol luso, e mostrou dificuldade no posicionamento nas bolas aéreas. Continuou em maus lençóis contra a Suíça, mesmo podendo ir de novo para a zaga após Nouwen ser substituída. E finalmente, nas quartas de final, Janssen falhou no posicionamento, foi lenta... e cometeu o pênalti sobre Diani, que abriu o caminho para o 1 a 0 francês da eliminação. Mesmo jogando todos os 390 minutos de bola rolando para a Holanda na Euro, a defensora perdeu boa parte do crédito para poder jogar onde vai melhor, por sua insegurança em campo.

Zagueiras

2 - Aniek Nouwen (3 jogos): habitualmente, a defensora do Chelsea era quem mais causava temores sobre suas falhas na Euro. Temores justificados, pelo menos na partida de estreia da Holanda: Nouwen tomou um drible por baixo das pernas de Asllani, e deixou seu espaço totalmente livre para Jonna Andersson entrar e fazer 1 a 0 para a Suécia. Pouco depois, todavia, veio o lance que minorou a pressão sofrida por ela: a lesão no tornozelo que o tirou do jogo - e ameaçou tirá-la da Euro. Nouwen escapou do corte, jogou contra a Suíça... e passou pela Euro relativamente ilesa, só entrando no segundo tempo da prorrogação contra a França, quando o dano já estava feito. É possível dizer sobre Nouwen: as coisas poderiam ter sido bem piores para ela nesta Euro. Sai dela como entrou, para o bem e para o mal.

3 - Stefanie van der Gragt (4 jogos, 1 gol): Van der Gragt era contestada faz tempo, como toda a defesa da Holanda o é. E seu desempenho nos quatro jogos pela Euro não impressionou. Então, ela jogou mal? Longe disso. Pode não ser o caso de dizer que a zagueira experiente brilhou, mas seu esforço na competição foi acima de qualquer suspeita. Para começo de conversa, além de Janssen e Spitse, Van der Gragt foi uma das únicas jogadoras a ter atuado em todos os minutos das Leoas Laranjas na Euro. E resistiu a muita coisa. Até fisicamente. Na estreia contra a Suécia, aguentou o triplo choque aéreo com Van Veenendaal e Wilms, sentiu dores, foi atendida... e continuou. O seu momento de alegria na Euro, marcando o segundo gol contra Portugal, foi eclipsado por ser atingida no rosto justamente quando cabeceava a bola para as redes: sequer pôde comemorar. Participou de outro gol na Euro, cabeceando para o primeiro gol neerlandês contra a Suíça - mas o gol foi (corretamente) creditado como contra, para Anna-Maria Crnogorcevic. Finalmente, contra a França, se não marcou gols na acepção da palavra, Van der Gragt deu a prova definitiva de sua dedicação, evitando dois tentos certeiros das adversárias logo no primeiro tempo, bloqueando a bola em cima da linha. Enfim, entre as veteranas da Holanda, a zagueira é quem mais sai de cabeça erguida. O que lhe falta em segurança, às vezes, sobra em entrega. Merece até mais respeito de quem a critica.


Meio-campistas

6 - Jill Roord (4 jogos, 1 gol): Roord poderia ter sido o grande destaque da Holanda nesta Euro. Pelo menos na estreia, justificou isso: junto a Miedema, a meio-campista foi a grande responsável pela reação e pelo empate contra a Suécia - não só pelo gol, mas por armar as jogadas com perigo. Ganhou certa ascendência, ao provar em campo o que já indicava: que era bem mais capacitada jogando como "camisa 10" do que na ponta-direita do ataque. Da estreia até o final da participação holandesa na Euro, Roord caiu um pouco, é verdade: foi inferior no resto da fase de grupos, contra Portugal e Suíça. E até virou alvo de críticas, após entrevista ao diário De Volkskrant na qual opinava sobre Mark Parsons, dando a impressão (meio distorcida pela mídia) de que desdenhava do técnico da seleção ("Ele gosta de falar com a gente nos detalhes, e isso desinteressa a metade de nós. Eu acho interessante [o que ele fala], mas às vezes fico rindo, pensando 'por que é que ele quer saber isso?'"). Porém, a verdade é que Roord mostrou valor técnico para ser titular absoluta na seleção. Tanto que, se a deixou inicialmente no banco contra a França, Mark Parsons trouxe a camisa 6 de volta ao time já no intervalo, após tamanho domínio francês no meio. Poucas provas de utilidade a uma equipe poderiam ser mais claras. No rescaldo, Roord sai ganhando. Pouco, mas sai.

8 - Sherida Spitse (4 jogos): Cada vez mais, Spitse coloca o time dos Países Baixos numa espécie de dilema. Por um lado, sua experiência é indispensável: a meio-campista de 32 anos foi uma das três únicas holandesas a jogar todos os 390 minutos de partida na Euro. Por outro, está cada vez mais claro que sua capacidade de aguentar a intensidade atual de jogo está prejudicada. Diante de seleções velozes e até mais fortes fisicamente, Spitse sofreu demais, quase sempre ficando para trás nos desarmes, na marcação, em tudo. Não à toa, costumeiramente teve de apelar para faltas. Por quê, então, não foi substituída? Porque a meia ainda tem suas utilidades. A começar pelas bolas paradas: deve-se lembrar que foi de dois escanteios seus que a Holanda abriu 2 a 0 contra Portugal, e mesmo contra a França, suas cobranças de tiros de canto foram fontes dos raríssimos ataques holandeses. Isto é: o final de Spitse na seleção feminina se aproxima cada vez mais - até por algumas concorrentes de talento -, mas... ela ainda está aí. Enquanto puder trazer valor técnico ao time, ficará. E Spitse (ainda) pode.

10 - Daniëlle van de Donk (4 jogos, 1 gol): Ficava até injusto exigir que Van de Donk, voltando de uma séria lesão num tendão do tornozelo, mostrasse plena forma na Euro. Ainda assim, a jogadora ofensiva pareceu sofrer com a incerteza sobre seu posicionamento em campo. Ora era escalada como meio-campista centralizada, para criar jogadas de ataque, ora ia para a ponta esquerda. E poucas vezes tinha a bola para render: precisava dar o primeiro combate ao meio-campo adversário. Assim, Van de Donk ficou aquém do que poderia ter sido. Mas esporadicamente, mostrou lampejos de que ainda pode ser importante na seleção holandesa. O mais brilhante deles, obviamente, o belíssimo gol da vitória contra Portugal. Enfim, "Daantje" foi mais uma a naufragar dentro da seleção. Mas merece escapar de críticas mais amargas. Foi mal em campo, mas nem tanto assim.

12 - Victoria Pelova (4 jogos, 1 gol): A participação da meio-campista veio numa ascensão que parecia promissora. Na estreia contra a Suécia, a camisa 12 substituiu Van de Donk, dando ao ataque o dinamismo que Miedema e Roord já não conseguiam mais dar. Contra Portugal, novamente vinda do banco, Pelova ajudou até mais recuada, substituindo Damaris Egurrola na reta final, diante de uma seleção de Portugal que prometeu (e nem cumpriu tanto) pressionar em busca do empate. Mas foi contra a Suíça que a meio-campista viveu seu ápice na Euro: entrando no lugar de Roord, aos 64', teve papel fundamental na criação de jogada, acelerou um ataque que estava sofrível na partida em Sheffield, participou dos dois gols de Romée Leuchter, e fez o seu. Bastou para que Pelova merecesse a escalação como titular contra a França, nas quartas de final, substituindo Lieke Martens. De longe, era a maior oportunidade que ela tivera para mostrar seu valor na seleção, até então. Não deu certo: tanto pela inatividade do ataque holandês na partida em Rotherham, quanto pela postura tímida de Pelova com a bola nos pés, na ponta esquerda em que jogou. O que não quer necessariamente dizer que a ponta-de-lança sai em baixa da Euro. Sua titularidade nunca pareceu tão perto. Parece questão de aproveitar melhor as chances que não aproveitou. Ainda.

14 - Jackie Groenen (3 jogos): É verdade que as críticas sobre o desempenho de Groenen na Euro devem ser muito cuidadosas e ponderadas: trata-se, afinal, de uma jogadora que sofreu com a COVID-19 no meio da refrega. Além do mais, jogando contra a Suécia, a meio-campista teve atuação promissora: se sofreu no primeiro tempo, a camisa 14 exibiu a conhecida capacidade nos desarmes durante a etapa final, e até ajudou com técnica no ataque - foi ela, com um estiloso giro, quem iniciou a jogada do gol de empate no 1 a 1. Veio o teste positivo, e depois dele, embora rapidamente recuperada, ela sofreu. Não só ficou mais concentrada na marcação, no meio-campo, como chegava atrasada nas jogadas, na maioria das vezes. A má atuação contra a França deixou isso claro: irreconhecível, Groenen cometeu várias faltas, e fracassou ao tentar evitar que a defesa sofresse. Ao fim e ao cabo, por um fator externo dos mais sérios, a má fase que a jogadora vive em clubes chegou à seleção. É esperar que Groenen recupere sua forma para a sequência do trabalho. Precisará.

21 - Damaris Egurrola (3 jogos, 1 gol): No seu primeiro grande torneio com a seleção que escolheu para defender, Damaris seguiu mais no banco do que em campo. Mas do pouco que jogou, já deu impressão bastante promissora. Basta lembrar de sua atuação contra Portugal, ainda mais nos primeiros minutos de jogo: abriu o placar de cabeça, foi segura no meio-campo, com lançamentos longos e firmeza na marcação. Depois, jogou pouco: apenas segundos contra a Suíça, e os cinco minutos finais da prorrogação contra a França. O que a fez escapar de críticas, que foram diretamente a Mark Parsons, exatamente por (ainda) não apostar tanto em Damaris. Que jogou pouco, mas já mereceu elogios nesta Euro. Nem tanto pelo que fez, mas pelo que indicou que pode fazer.

Atacantes

7 - Lineth Beerensteyn (4 jogos): Embora sempre atuando, embora até titular algumas vezes, Beerensteyn decepcionou pela seleção, como poucas vezes até agora. Primeiramente, sucumbiu às fragilidades ofensivas que a Holanda teve na Euro: raramente teve a bola para jogar. Além disso, quando teve chances, a atacante fracassou ao tentar ser a referência do ataque. Principalmente quando Miedema precisou se ausentar, isolada pela COVID. Beerensteyn começou titular contra Portugal e Suíça, mas nunca conseguiu ser figura decisiva nessas partidas - por exemplo, apareceu mais pelo pênalti revogado pelo VAR, contra a Suíça, do que pelo que tenha jogado. Com a lesão que causou o corte de Lieke Martens e a preferência de Mark Parsons por deixar Jill Roord no banco a princípio, Beerensteyn começou jogando novamente contra a França. E novamente teve papel ofensivo quase nulo, num ataque já quase nulo por natureza. Foi a primeira vítima, sendo substituída por Roord logo no intervalo do tempo normal. E diante da ascensão das atacantes novatas, ela escorregou na "fila de espera" do ataque holandês. Se quiser continuar sendo a reserva preferencial do ataque, precisará melhorar daqui por diante. Um bom começo na Juventus, clube a que está chegando, pode ajudar.

9 - Vivianne Miedema (2 jogos): "O meu torneio foi uma porcaria", lamentou a principal jogadora da seleção, em entrevista à ESPN dos Países Baixos, logo após a eliminação para a França. Não é para tanto: mais uma vitimada pela COVID-19 dentro da delegação neerlandesa, a atacante demorou mais a se recuperar. Quando voltou, contra a França, de fato, o desgaste cobrou seu preço: lenta e imprecisa na única finalização que teve, no segundo tempo dos 90 minutos, "Viv" esteve visivelmente abaixo do que todos sabem que ela pode atuar. E ainda assim, mesmo num cenário decepcionante, Miedema manteve em alta sua imagem. Basta lembrar: em plena forma, contra a Suécia, a atacante foi considerada a grande responsável pela reação que levou ao empate no segundo tempo, criando a jogada do gol, se movimentando, mantendo a posse de bola, criando jogadas, sendo uma tremenda ameaça para as suecas. Fora de campo, cada vez mais, Miedema reafirmou o papel de liderança que começou a praticar no grupo: tanto nas críticas, ao condenar encontros indiscriminados da delegação pós-jogo (que, afinal, facilitaram as infecções pelo coronavírus), passando por ganhar a braçadeira de capitã com o corte de Van Veenendaal, quanto nos exemplos. O maior deles: mesmo claramente fora do seu melhor, Miedema suportou os 120 minutos de jogo contra a França, sem substituições. Trata-se de um caso raro: um destaque que decepcionou na Euro, mas manteve cada quinhão do respeito e da imagem que tem para o futebol feminino da Holanda - talvez, para o futebol feminino mundial.

Lieke Martens já vinha sendo muito criticada - e sofrendo com lesões - antes mesmo da Euro começar. Pois as críticas aumentaram, com as péssimas atuações (Joris Verwijst/BSR Agency/Getty Images)

11 - Lieke Martens (3 jogos): Se Miedema conseguiu manter a imagem que tem com torcida e imprensa, com Lieke Martens a paciência acabou nesta Euro. É até duro, mas correto: a atacante foi considerada o grande símbolo da participação relativa e previsivelmente decepcionante da Holanda na Euro. Primeiro, já chegou à competição baleada, pelas lesões que a perturbam nos últimos anos. Quando as partidas começaram, Martens repetiu a via-crúcis das últimas aparições pela seleção: lenta, previsível, facilmente marcada pelas adversárias, quase sempre insistindo nas jogadas pelo meio ao invés de seguir pelas pontas. Confrontada com as críticas crescentes, respondia que "aqui não é o Barcelona", mas era justo lembrar: só se esperava tanto dela porque é uma jogadora que já mostrou talento repetidas vezes. E desta vez, Lieke só teve um lampejo de importância técnica no passe para Van de Donk fazer o gol do 3 a 2 contra Portugal. Para piorar, a lesão no pé, que forçou seu corte da Euro logo após a fase de grupos. Algo absolutamente involuntário, mas que "combinou" tortuosamente com a participação digna de ser esquecida que Martens teve no torneio continental. Dos destaques que impulsionaram a Holanda no futebol feminino mundial, nenhuma outra precisa se reabilitar tanto dentro de campo quanto ela.

13 - Renate Jansen: não jogou

17 - Romée Leuchter (2 jogos, 2 gols): Tal qual Damaris Egurrola, Leuchter jogou pouco mas impressionou muito bem nesta Euro. De última opção para o ataque, atrás de nomes mais experientes como Renate Jansen e Lineth Beerensteyn, Leuchter entrou no time em um momento tenso: o jogo contra a Suíça, empatado em 1 a 1, com a Holanda até em maior perigo de tomar o gol (que poderia ser o da eliminação). Pois a jovem apareceu no meio da área, mostrou força física e a capacidade de finalização conhecida da Eredivisie feminina. Marcou dois gols, para aliviar a seleção e afastar o medo do vexame. E a partir dali, Leuchter virou o símbolo da nova geração promissora, entre as jogadoras de linha. Teve apenas os 15 minutos finais da prorrogação contra a França, numa tentativa de "abafa" em busca do empate. Mas ficou claro: ela voltará nas próximas convocações. E se continuar marcando gols pelo Ajax, certamente estará mais perto de ser a opção preferencial caso Miedema não possa jogar. A jovem atacante foi outra a sair ganhando da Euro.

22 - Esmee Brugts (3 jogos): Brugts é até mais jovem do que Leuchter (apenas 18 anos), mas teve antes a oportunidade de estrear na Euro. Diante da inapetência e da má fase física de Lieke Martens, Brugts também passou boa impressão a partir dos sete minutos em que jogou contra Portugal: manteve a posse de bola, soube esfriar o jogo, deu até algum trabalho às defensoras portuguesas. Contra a Suíça, consolidou a boa impressão no 4 a 1: junto a Leuchter e Pelova, formou o trio de novatas que conduziu a Holanda ao alívio da vitória e da classificação. E mesmo jogando somente 48 minutos contra a França (os 18 últimos do tempo normal, mais os 30 da prorrogação), Brugts já ganhou razões para poder sonhar com mais chances na seleção feminina da Holanda, daqui por diante. Com porte físico longilíneo, velocidade e boa manutenção da posse de bola, tem tudo para virar uma opção cada vez mais válida de jogadas pelas pontas.

Mark Parsons (técnico)

O treinador anglo-americano chegava à Euro tendo uma chance para conseguir mitigar a sombra intensa que o trabalho de Sarina Wiegman tinha sobre o seu - tão intensa que o fazia sofrer críticas até pesadas demais. Ou então, a Euro poderia ser a confirmação de que o trabalho de Parsons tem inconstâncias demais para uma seleção que pretende se manter entre as melhores do futebol feminino no mundo. Aconteceu a segunda hipótese. Por mais que o treinador manifeste o desejo de ver um time intenso em campo, o que se viu nos quatro jogos da Euro foi exatamente o inverso: uma equipe lenta, com sofrimento crônico na recomposição defensiva, quase sempre cedendo espaços para o contragolpe adversário. Além do mais, se Parsons é um comandante leal, sempre elogiando e incentivando as jogadoras - até publicamente -, acaba tendo no "excesso de lealdade" exatamente um dos motivos mais frequentes de críticas: demorou para tirar do time nomes experientes sem bom rendimento, como Van de Donk ou Martens, e para dar chances reais à nova geração, personificada principalmente em Van Domselaar (que conseguiu jogar por um golpe do destino). As desconfianças venceram - ainda mais depois de alfinetadas recebidas na imprensa. Mark Parsons evoca na seleção feminina as lembranças que Frank de Boer teve na seleção masculina: um técnico questionado desde o começo, às vezes até exageradamente... mas que não se ajuda, com opções erradas. Pode ficar pior, se a Holanda precisar disputar a repescagem nas eliminatórias da Copa de 2023...

sábado, 23 de julho de 2022

De onde menos se espera... nada

A Holanda se segurou contra a França, se esforçou, teve pontos positivos... mas não escapou da derrota e da eliminação que eram esperadas para ela na Euro (Jonathan Moscrop/Getty Images) 

Aparício Torelly (1895-1971), apelidado "Barão de Itararé", foi um pioneiro brasileiro na análise política - com bom humor. Algumas de suas frases são notáveis e engraçadas ironias. Uma das melhores: "De onde menos se espera... aí é que não sai nada mesmo". Descreve perfeitamente o comportamento da seleção feminina da Holanda (Países Baixos) nas quartas de final da Euro feminina, contra a França. As francesas eram as favoritas, a maioria reconhecia. Temeu-se até um vexame das Leoas Laranjas, para alguns. E a Holanda, mesmo se esforçando, mesmo se segurando na defesa - quase inacreditavelmente, até -, mesmo tendo a confirmação de que Daphne van Domselaar é uma valiosa alternativa para o gol... foi pior mesmo do que as Azuis. Teve a esperada derrota - por pouco, só 1 a 0, mas teve. E está fora da Euro.

Aliás, pelo que se viu no primeiro tempo, houve risco não só da esperada derrota, mas de vexame. A escalação de Mark Parsons teve uma aposta: Victoria Pelova na direita do ataque, Daniëlle van de Donk como a "criadora de jogadoras" no meio-campo, Jill Roord no banco. Aposta errada, pelo que se viu nos primeiros 45 minutos. A Holanda teve apenas uma chance relativamente digna de nota (um chute de Sherida Spitse, aos 9', que foi para fora após desvio em Charlotte Bilbaut). De resto, o ataque laranja foi quase inativo. Por causa do meio-campo, de atuação terrível no tempo inicial. Spitse, Jackie Groenen, Van de Donk: não só falharam na marcação do bom meio-campo francês como, lentas, permitiram várias inversões de jogo e avanços da França pelos lados. Resultado: tudo estourou na defesa holandesa, como sempre tinha sido nesta Euro. Começando pelas laterais, com falhas de Lynn Wilms, na direita (mais), e Kerstin Casparij, na esquerda (menos).

As chances da equipe gaulesa, então, se avolumaram. Um chute de Kadidiatou Diani, aos 15'; outro arremate, de Delphine Cascarino, aos 22', uma tentativa de Sandie Toletti, no minuto seguinte. Por quê, então, o primeiro tempo terminou ainda em 0 a 0? Porque dois nomes da defesa da Holanda foram soberanos. Stefanie van der Gragt mostrou que, mesmo contestada, é a mais esforçada das zagueiras holandesas: salvou duas bolas em cima da linha (complemento de Melvine Malard, aos 37', e de Grace Geyoro, aos 41'). E Daphne van Domselaar, de certa forma, se confirmou como a melhor goleira da Euro, até agora. Várias defesas - dez ao todo, a maior quantidade de uma goleira nesta Euro até agora -, coroadas por uma sequência impressionante de duas intervenções, aos 17', evitando um gol contra de Dominique Janssen e se recuperando rápido para pegar o rebote de Bilbaut. Tudo isso, com agilidade e elasticidade como havia tempos a Holanda não via em suas goleiras.

A Holanda caiu, Van Domselaar subiu: a bola do pênalti da vitória francesa foi a única em que a goleira das Leoas Laranjas fracassou, em atuação valorosa (Marcio Machado/Eurasia Sports Images/Getty Images)

Se Van Domselaar era o grande destaque, ao mesmo tempo em que isso indicava seu mérito, mostrava como a Holanda precisava melhorar no segundo tempo. Melhorou. A entrada de Roord, no lugar de Lineth Beerensteyn, estabilizou mais o meio-campo, ao colocar tanto ela quanto Van de Donk nas suas posições preferenciais. E a equipe holandesa viveu alguns momentos de perspectiva de reação: um chute de Pelova bloqueado por Griedge Mbock Bathi aos 47', uma chance de Miedema aos 56' (voleio por cima), um cabeceio de Van der Gragt aos 59'... mas logo a França cresceu no ataque, novamente. A entrada de Selma Bacha trouxe mais velocidade - e mais perigo à Holanda. Aí, Van Domselaar também reapareceu. Defesa em dois chutes próximos (Bacha aos 65', Grace Geyoro aos 90' + 2), imponência... e tudo culminou na impressionante espalmada em cabeceio de Wendie Renard, no lance final do tempo normal.

Ao mesmo tempo em que continuava inferior à França, atacando mais esporadicamente, era justo reconhecer que a Holanda melhorara. Se Spitse seguia sem velocidade, melhorara nos desarmes - assim como Groenen. Casparij estava um pouco mais segura na lateral esquerda, até avançando de vez em quando. E Esmee Brugts, vinda para o jogo no fim do tempo normal, tentava algo (como num chute, aos 97'). Todavia, bastou um lance de desorganização defensiva, num avanço da França, para vir, enfim, o gol que as Azuis tanto buscaram. Janssen cometeu pênalti, derrubando Diani na área. A falta clara passou em branco a princípio, mas o VAR alertou a árbitra Ivana Martincic. O pênalti foi marcado. E Éve Perisset bateu para o 1 a 0, na única bola que Van Domselaar não pôde defender (embora tivesse acertado o canto).

Mais desgastada do que a França - que tinha mais alterações a fazer -, a Holanda tentou atacar mais na garra do que na capacidade. Como sempre foi nesta Euro, de certa forma. Mas isso não era suficiente para evitar a eliminação, embora ela tenha se dado de uma maneira digna. Sobrou esforço, Vivianne Miedema mereceu elogios por sua dedicação (jogar 120 minutos, vinda de COVID...), Van Domselaar foi a grande revelação do gol na Euro... mas a Holanda está fora da Euro. Poucos esperavam coisa diferente. E ela tentou, mas não conseguiu fugir de sua expectativa.

Euro feminina 2022 - quartas de final
França 1x0 Holanda
Data: 23 de julho de 2022
Local: New York Stadium (Rotherham)
Juíza: Ivana Martincic (Sérvia)
Gol: Éve Perisset, aos 102'

França
Pauline Peyraud-Magnin; Éve Perisset (Marion Torrent, aos 106'), Griedge Mbock-Bathy, Wendie Renard e Sakina Karchaoui; Sandie Toletti (Ella Palis, aos 106'), Charlotte Bilbaut e Grace Geyoro (Clara Matéo, aos 87'); Kadidiatou Diani (Ouleymata Sarr, aos 106'), Melvine Malard (Selma Bacha, aos 62') e Delphine Cascarino. Técnica: Corinne Diacre

Holanda
Daphne van Domselaar; Lynn Wilms (Damaris Egurrola, aos 115'), Stefanie van der Gragt, Dominique Janssen e Kerstin Casparij (Aniek Nouwen, aos 106'); Jackie Groenen, Daniëlle van de Donk (Esmee Brugts, aos 72') e Sherida Spitse (Romée Leuchter, aos 106'); Lineth Beerensteyn (Jill Roord, aos 46'), Vivianne Miedema e Victoria Pelova. Técnico: Mark Parsons

domingo, 17 de julho de 2022

São emoções demais

 
Se a Holanda novamente demonstrou inseguranças na Euro feminina, as novatas afastaram o temor da eliminação - com Leuchter (foto) simbolizando isso (Andrew Kearns/Camera Sport/Getty Images)


"Nunca vivi tantas emoções num só torneio", refletiu Jackie Groenen, em entrevista publicada pelo diário Algemeen Dagblad neste domingo. De fato, até agora, a participação da seleção feminina da Holanda (Países Baixos) nesta Euro tem sido uma montanha-russa. Com várias turbulências. E a partida contra a Suíça, encerrando a fase de grupos, foi extremamente exemplar sobre isso. Com as crônicas falhas defensivas - e os erros no ataque -, as Leoas Laranjas chegaram a bordejar perigosamente o que seria uma eliminação vexatória. Mas a entrada de algumas jogadoras mais novas vicejou a equipe. Que deslanchou na reta final, conseguindo por fim avançar às quartas de final, mas sem diminuir nem um pouco a impressão pessimista que existe em relação à ela.

Impressão que se fortaleceu desde que o primeiro tempo começou em Sheffield. No começo, a Suíça teve mais a bola, pressionando uma defesa holandesa frágil no miolo de zaga e lenta nas laterais. E até criou chances de gol - como aos 13', num chute de Sandy Mäendly que fez a goleira Daphne van Domselaar trabalhar. De quebra, num ataque neutralizado pela boa postura defensiva da Suíça, só Lineth Beerensteyn tinha alguma velocidade para tentar o gol. Mas a titular, no lugar da ainda ausente Vivianne Miedema, perdia suas chances - como aos 19', quando chutou fraco após dois dribles. 

Até mesmo quando acertava, num avanço aos 21', Beerensteyn perdia o prêmio final: ao cair na disputa com a goleira Gaëlle Thalmann, o pênalti foi inicialmente marcado, mas o VAR anulou compreensivelmente a decisão inicial - afinal, Thalmann sequer havia tocado em Beerensteyn antes da queda. Começava aí uma sequência de defesas que fez a arqueira helvética despontar como uma das melhores jogadoras da partida. Aos 24', num cruzamento de Lieke Martens; aos 27', num chute de Jackie Groenen, em jogada ensaiada após falta de Sherida Spitse; aos 34', num cabeceio de Martens. Porém, no geral, a Holanda se mostrava sem muita velocidade na frente: tanto Martens quanto Daniëlle van de Donk, ambas nas pontas do ataque, quase sempre traziam a bola para o meio, antes de finalizarem. E quase sempre, a Suíça bloqueava tais tentativas. Sem contar a fragilidade defensiva...

A Suíça fez o gol de empate - e em determinados momentos, por muito pouco não superou irremediavelmente a Holanda (Alex Lifesey/UEFA/Getty Images)

Tudo isso poderia ter melhorado no segundo tempo, quando Stefanie van der Gragt mostrou novamente sua qualidade no jogo aéreo - e contou com sorte: após cabecear a bola cruzada por Spitse, viu Ana-Maria Crnogorcevic tentar afastar, mas cometer o gol contra do 1 a 0 holandês. Que nada: no primeiro contra-ataque em que Lynn Wilms cedeu espaço, novamente, veio o cruzamento de Ramona Bachmann para Géraldine Reuteler empatar, só quatro minutos depois. Pior: aos 56', Bachmann fez outra jogada, e Coumba Sow só não virou o jogo por duas defesas que, definitivamente, consolidaram a ótima aparição de Van Domselaar como goleira holandesa nesta Euro. Por mais que a Holanda tivesse chances - um cabeceio de Roord, aos 62' -, a Suíça estava mais perto da vitória, diante de uma adversária lenta. Tinha chances - algumas, até despretensiosas, como um voleio de Crnogorcevic, aos 68', espalmado por Van Domselaar. Mudanças eram necessárias.

Elas vieram. Se a alteração de Jill Roord para a entrada de Victoria Pelova foi controversa, mesmo com Pelova tendo novamente boa atuação, as vindas de Esmee Brugts e, principalmente, Romée Leuchter se revelaram decisivas. Já era conhecida a capacidade de Brugts, trazendo mais velocidade e até mais força física do que uma Martens, outra vez e infelizmente, decepcionante. Mas Leuchter, segunda maior goleadora do Campeonato Holandês da temporada passada, se mostrou uma ótima referência na área. Começou a mostrar isso num chute (impedido) aos 78', com ótima defesa de Thalmann. E se transformou na estrela da vitória, ao fazer o 2 a 1, aos 84', num cabeceio em que aproveitou falha da goleira suíça. De quebra, iniciou uma arrancada ofensiva da Holanda na reta final. Brugts chutou na trave, aos 85'; Pelova, que já tivera chance aos 82', marcou o terceiro gol aos 89', com validação retardada alguns minutos pelo VAR (havia suspeita de desvio de Van der Gragt para a impedida Pelova, mas depois se viu que havia sido uma suíça); e finalmente, Leuchter fez o quarto gol. Apenas o seu segundo pela equipe neerlandesa de mulheres. Poucas ocasiões poderiam ser mais importantes.

Em tese, a goleada poderia motivar definitivamente a Holanda. Mas a realidade mantém os defeitos em alta - algo que pode ser altamente prejudicial contra a França, adversária das quartas de final, no sábado, como reconheceu Van de Donk, ao lamentar perder o primeiro lugar do grupo C ("A verdade é que estou desapontada", citou à ESPN do país). Enquanto a Suécia goleou Portugal (5 a 0) e é a primeira colocada, a defesa holandesa segue frágil no miolo de zaga e lenta nas laterais. O meio-campo, também desgastado, já não consegue impedir as chegadas adversárias. E o ataque concentra demais as jogadas pelo meio. Tudo isso torna os jogos da Holanda emocionantes, para o bem e para o mal. E a expectativa é de que o encontro com a França seguirá tendo muitas emoções. Até demais.

Euro feminina 2022 - fase de grupos - Grupo C
Suíça 1x4 Holanda
Data: 13 de julho de 2022
Local: Bramall Lane (Sheffield)
Juíza: Iuliana Demetrescu (Romênia)
Gol: Ana-Maria Crnogorcevic (contra), aos 49', Géraldine Reuteler, aos 53', Romée Leuchter, aos 84' e aos 90' + 5, e Victoria Pelova, aos 89'

Suíça
Gaëlle Thalmann; Noelle Maritz, Viola Calligaris, Luana Bühler (Rahel Kiwic, aos 57') e Eseosa Aigbogun (Julia Stierli, aos 58'); Lia Wältl (Sandrine Mauron, aos 83') e Sandy Mäendly (Svenja Fölmli, aos 58'); Ana-Maria Crnogorcevic, Coumba Sow (Riola Xhemaili, aos 72') e Géraldine Reuteler; Ramona Bachmann. Técnico: Nils Nielsen

Holanda
Daphne van Domselaar; Lynn Wilms, Stefanie van der Gragt, Aniek Nouwen (Kerstin Casparij, aos 64') e Dominique Janssen; Jackie Groenen, Jill Roord (Victoria Pelova, aos 64') e Sherida Spitse; Daniëlle van de Donk (Damaris Egurrola Wienke, aos 90' + 6), Lineth Beerensteyn (Romée Leuchter, aos 74') e Lieke Martens (Esmee Brugts, aos 74'). Técnico: Mark Parsons