segunda-feira, 31 de maio de 2021

Segunda divisão - análise: justiça seja feita

O Cambuur liderava a segunda divisão em 2019/20, quando a pandemia interrompeu o futebol. Teve de se reanimar, e fez justiça com as próprias mãos: campeão e promovido à Eredivisie de modo inquestionável (Pro Shots)

Poucos clubes lamentaram tanto a interrupção do futebol na Europa, durante a temporada 2019/20, quanto Cambuur e De Graafschap. Tiveram razões para isso: quando a segunda divisão da Holanda foi interrompida, após 29 rodadas (faltando dez para o final), o time de Leeuwarden liderava, os Superboeren vinham em segundo lugar, e ambos estavam muito bem encaminhados para retornarem à primeira divisão. Tiveram de engolir o adiamento, deixarem de lado os recursos contra a federação... e esperarem pela Eerste Divisie 2020/21. Ela chegou. E mostrou a justiça sendo feita, para contentamento do Cambuur - e descontentamento do De Graafschap.

No caso do Cambuur, após a frustração com o recurso na Justiça dos Países Baixos contra a federação, restou apostar na continuidade: Henk de Jong continuou sendo o técnico no clube auriazul, o atacante Robert Mühren seguiu como grande destaque do time, continuou a aposta numa base que mesclasse experiência em clubes médios/pequenos da Eredivisie (Doke Schmidt, Calvin MacIntosch, Issa Kallon... todos eles já atuaram na primeira divisão) com certos privilégios aos destaques (no ataque, por exemplo, Kallon e Jarchinio Antonia vinham pelas pontas, criando as jogadas para Mühren finalizar). Deu muito certo. Já no primeiro período, entre a 1ª e a 9ª rodadas, o Cambuur foi o melhor time, garantindo desde então um lugar na repescagem de acesso/descenso. 

Mas nem isso seria necessário: a equipe mostrou melhorar à medida que a segunda divisão transcorria. Foi também a melhor do segundo período (entre 10ª e 19ª rodadas). A partir da 20ª rodada, engatilhou sequência invicta de nove jogos, com sete vitórias, e o título virou questão de tempo. A comemoração começou na 34ª rodada, com goleada em casa no Helmond Sport (4 a 1), e foi confirmada com os 4 a 2 no time B do AZ, fora de casa. De quebra, nem o relaxamento pós-título trouxe tropeços: foram mais quatro vitórias e um empate. Com 92 pontos, quinze à frente do vice-campeão, o Cambuur ostenta um título inquestionável, voltando à elite do futebol da Holanda após cinco anos. Personificado em Robert Mühren: goleador da temporada, sendo simplesmente o segundo nome com mais bolas na rede numa só temporada da Eerste Divisie - 38 gols, em 38 jogos. Só não mostrará isso na Eredivisie: Mühren ficará na segunda divisão, contratado que foi pelo Volendam.

Alicerçado na excelente defesa (destaque para o goleiro Gorter, de verde), o Go Ahead Eagles embalou, surpreendeu o De Graafschap e conseguiu o melhor prêmio: o acesso (Pro Shots)

Se o Cambuur nadou de braçada durante praticamente toda a temporada da segunda divisão, o De Graafschap pareceu por muito tempo destinado a completar a história que fora interrompida em 2019/20. Desde a oitava rodada, o time de Doetinchem se alternou entre a segunda e a terceira posições (ocupando a quarta, na 14ª e na 18ª rodadas). Mesmo em meio a uma equilibrada disputa com o Almere City - e quem mais quisesse entrar no meio, como ensaiaram NAC Breda, NEC, Volendam... -, os Superboeren se amparavam na experiência do zagueiro Ted van de Pavert e nos gols da dupla Daryl van Mieghem-Ralf Seuntjens para serem o melhor clube do terceiro período, entre a 20ª e a 28ª rodadas, e chegarem à reta final na vice-liderança.

Mas o Go Ahead Eagles veio. Devagar e sempre. Após começo estacionado no meio da tabela, a equipe aurirrubra de Deventer entrou nos eixos. Nem tanto pelo desempenho ofensivo, mas sim por dois nomes de destaque na defesa: o zagueiro Sam Beukema (já contratado pelo AZ) e o goleiro Jay Gorter. Eles simbolizaram uma façanha do Kowet: 25 jogos sem gols sofridos, recorde histórico na segunda divisão neerlandesa. Uma derrota justamente para o De Graafschap - 1 a 0, na 33ª rodada - pareceu acabar com o sonho da volta à primeira divisão. Que nada: nas cinco rodadas seguintes, o adversário de Doetinchem emperrou - quatro empates e uma derrota. 

O Go Ahead Eagles empilhou cinco vitórias. E terá razões para se lembrar da última rodada. Cumpriu sua parte na busca do acesso, vencendo o Excelsior fora de casa (1 a 0). Mas teve de esperar pelo resultado de De Graafschap x Helmond Sport, iniciado no mesmo horário, interrompido pela chuva aos 38 minutos do primeiro tempo. O jogo voltou, o De Graafschap foi incompetente para fazer gols, os jogadores do Go Ahead Eagles acompanharam o segundo tempo sentados no gramado em Roterdã... e o 0 a 0 completou o êxtase do Kowet: vice-campeão pelo melhor saldo de gols (ambos tiveram 77 pontos), retornado à Eredivisie. De certa forma, justiça também, premiando a solidez da equipe treinada por Kees van Wonderen. Pior para o De Graafschap, já eliminado na primeira fase da repescagem de acesso/descenso, perdendo de virada para o Roda JC (3 a 2).

O NEC foi bastante inconstante na temporada regular da Eerste Divisie. Sem problemas: na hora necessária, usou da eficiência para voltar à Eredivisie via repescagem (Pro Shots)

Aliás, "injustiça" mesmo, só se viu na repescagem: mesmo inconstante por toda a temporada, sétimo colocado após as 38 rodadas regulares, o NEC apostou no chamado "cateNECcio": proteção à defesa e eficiência nos contra-ataques puxados por Jonathan Okita. Foi assim que superou o Almere City, goleando na primeira fase dos play-offs (4 a 0); que sobrepujou facilmente o Roda JC (3 a 0); e, finalmente, foi assim que entristeceu o NAC Breda - fora de casa, o NEC teve Okita fazendo 2 a 1 no último minuto, para garantir a volta à Eredivisie, após quatro anos.

Injustiça? Melhor seria dizer competência. De todos os três promovidos.

domingo, 30 de maio de 2021

Eredivisie feminina - análise: quem tem medo dos lobos maus?

O Twente seguiu devagar e sempre, contra os badalados PSV e Ajax. Riu por último, campeão da Eredivisie feminina (Pro Shots)


Era uma vez três "porquinhos" - ou melhor, dois lobos maus e um porquinho. Todos estavam muito ansiosos antes do Campeonato Holandês feminino começar nesta temporada 2020/21. O lobo mau vindo de Amsterdã se chamava Ajax, e estava bem ansioso para comprovar sua força, com a vinda de a zagueira Stefanie van der Gragt (titular da seleção feminina) para se juntar a um time bem entrosado, com Victoria Pelova, Nikita Tromp e Marjolijn van den Bighelaar como destaques. Já o lobo mau de Eindhoven, chamado PSV, foi ainda mais feroz em sua apresentação: de uma só vez, repatriou Mandy van de Berg e Sari van Veenendaal, a melhor goleira do mundo em 2019, para se afirmar como o favorito à conquista da Vrouwen Eredivisie - até porque teria nomes como a promissora Esmee Brugts e o destaque Joëlle Smits. O porquinho Twente foi bem mais modesto, manteve seus destaques, só ousou numa vinda... mas foi quem saiu sorrindo no fim da fábula, campeão holandês entre as mulheres.

Um fim surpreendente, porque quando o campeonato começou, os lobos maus pareciam soprar forte para derrubar a casa sólida do Twente, Aliás, o Ajax fez isso na primeira rodada, vencendo os Tukkers na primeira das 14 rodadas da temporada regular (3 a 1, em setembro do ano passado). O PSV ainda foi fragilizado por um surto de infecções pelo coronavírus, que o impediu de estrear na data prevista, mas já começou vencendo o Heerenveen (2 a 1) - e quando enfim pôde jogar a primeira rodada, fez 5 a 1 no VV Alkmaar. O Twente começou capengando (além da derrota para o Ajax na estreia, ficou no 1 a 1 com o Zwolle), e só venceu duas vezes nas cinco primeiras rodadas.

Porém, aos poucos a temporada regular foi correndo. Nela, o PSV foi apresentando um problema preocupante: a equipe de Eindhoven mostrava a força esperada contra os adversários mais frágeis. Só que alguns nomes de destaque, como Van Veenendaal, falhavam com frequência acima do desejável. E contra os adversários a sério na disputa do título, o time de mulheres dos Boeren fraquejava quase sempre. Foi assim na vitória que fez o Twente bradar que estava a sério na Vrouwen Eredivisie: o 3 a 2 da sétima rodada. Na partida seguinte, mais um jogo para o porquinho mostrar que não era qualquer lobo mau que destruiria sua morada: 2 a 1 no Ajax.

Àquela altura, já era possível notar as qualidades que o Twente possuía. Mesmo com poucas contratações, os destaques da equipe treinada por Tommy Stroot eram muito confiáveis. Daphne van Domselaar no gol, Lynn Wilms na lateral direita, Sisca Folkertsma no meio-campo, Anna-Lena Stolze e Fenna Kalma na frente: todas elas sempre tinham um nível de atuação razoável. Mas o grande símbolo da regularidade da equipe de Enschede era uma boa e velha conhecida: a capitã Renate Jansen. Pode não ser brilhante tecnicamente, pode não ser a atacante mais falada da Holanda, mas bem ou mal, sempre faz seus gols, sempre se sacrifica pela equipe, e tem certa experiência. Talvez por isso, Renate é figura certa nas convocações da seleção feminina da Holanda (Países Baixos).

A capitã Renate Jansen (no centro) simbolizou a constância do Twente rumo ao título (Pro Shots)

A reta final da temporada regular indicou que o leme virava no campeonato. Nas rodadas finais, PSV e Ajax tropeçavam entre si e entre outros. Basta lembrar o 1 a 1 do Ajax com o Heerenveen, na 11ª rodada, a derrota do mesmo Ajax para o Zwolle na rodada seguinte - 1 a 0 - e o empate do PSV com o ADO Den Haag na 13ª e penúltima rodada. Os lobos maus ficavam mais fracos, de tanto soprar sem derrubar a casinha do Twente. Que devagar e sempre, com esmero, somava pontos para terminar as 14 rodadas como líder do Campeonato Holandês, concluindo a campanha com 2 a 1 no PSV, trazendo belíssimo gol de Fenna Kalma. Eram 32 pontos do "porquinho", contra 31 dos "lobos maus".

Àquela altura, o lupino de Amsterdã já recobrara suas forças com outra contratação recebida com pompa e circunstância: Sherida Spitse, mais uma neerlandesa retornada ao país natal pela saudade familiar. Mas se a questão era ter força, o Twente deu uma cartada tão discreta quanto certeira: trazer Kika van Es - menos falada, reserva atual na seleção da Holanda, mas voltando da Inglaterra (Everton) para ser absoluta na lateral esquerda dos Tukkers. E o PSV, ora vejam, contava com a velha conhecida Joëlle Smits para se destacar em meio a tantas contratações - Smits já se credenciava como a goleadora da Vrouwen Eredivisie.

E no quadrangular pelo título, com seis rodadas, coube ao lobo mau de Eindhoven e ao porquinho de Enschede tirarem de vez o Ajax do páreo. Na primeira rodada, o PSV fez 3 a 1 nos Ajacieden; o Twente os despachou de vez na 3ª rodada (2 a 1, fora de casa) e na 4ª também (Twente 1 a 0, em casa). Só restou a Spitse, vinda para liderar o Ajax em campo, lamentar, à ESPN holandesa: "Eu não voltei para isso". Mas na quinta e penúltima rodada do quadrangular, o licantropo Amsterdammer feriu o lobo de Eindhoven, fazendo 3 a 2. 

Faltava um tijolo para o porquinho prático de Enschede conseguir concluir sua bonita casa com o título. Mas ele estava difícil de ser conseguido: o ADO Den Haag segurava as pontas, com o 0 a 0 fora de casa. No entanto, como em toda fábula infantil, o final foi feliz: a quatro minutos do fim, o esforço do Twente foi premiado com o gol de Stolze. O gol da vitória. O gol do título. O gol que dava o melhor fim possível à passagem de Lynn Wilms, de saída para o Wolfsburg.

A fábula da Vrouwen Eredivisie podia terminar com o porquinho Twente, feliz, zombando dos lobos maus PSV (vice-campeão) e Ajax (3º colocado). Nem ligou para a derrota ao PSV nesta última rodada. Já podia cantar alegre: "Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau...".

quarta-feira, 26 de maio de 2021

De volta. Para o futuro ou para o passado?

O trabalho da Holanda rumo à Euro já começou. Com opções novas entre os 26 convocados. E opções antigas que poderão ser vistas no estilo de jogo (Pro Shots)

A pandemia de COVID-19 evitou que isso acontecesse em 2020. Ela ainda está aí, mas já permite certas coisas. Por exemplo, a realização de uma Euro. Então, chegou a hora: após seis anos que viraram sete, a seleção masculina da Holanda está de volta a uma grande competição. Os preparativos já começaram nesta semana, com os treinamentos envolvendo 14 jogadores, no centro da federação, na cidade de Zeist. E a Laranja começará a disputar o torneio continental sob dúvidas que eram inesperadas no cenário pré-pandemia. Para tentar responder essas dúvidas, os sinais dados indicam tanto para o futuro quanto para o passado.

No que se refere ao futuro, o técnico Frank de Boer deu uma piscadela para a nova geração de jogadores - também envolvida com coisa importante: o mata-mata da Euro sub-21, começando na próxima segunda, com duelo contra a forte seleção da França, pelas quartas de final. Alguns nomes da Laranja Jovem foram incluídos na lista preliminar, mas se esperava o corte de alguns deles, em detrimento de veteranos frequentes nas convocações desde Ronald Koeman, como Ryan Babel. Que nada: Babel já ficou fora da lista preliminar, e não só Teun Koopmeiners (já com alguns minutos pela seleção adulta) estará na Euro, como estão na lista dos 26 convocados Cody Gakpo e Jurriën Timber, nomes que nunca haviam passado perto da Laranja principal. Nunca. Nem mesmo haviam sido convocados. Talvez tenha ocorrido pela versatilidade, como De Boer explicou na entrevista coletiva: "Jurriën [Timber] foi muito bem na temporada, mostrou versatilidade".

Entretanto, alguns sinais indicam que a Holanda terá opções usadas no passado para tentar ter vida longa na Euro. Por exemplo, os sinais fortes de que Frank de Boer pode até escalar a Laranja no 5-3-2, para proteger mais a defesa - a mesma coisa que Louis van Gaal fez na Copa de 2014, tendo êxito com o elogiável 3º lugar naquele torneio. Até lógico, se pensando na falta que Virgil van Dijk previsivelmente fará na seleção. Até elogiável, quando se pensa que um dos bons momentos dos neerlandeses com Frank de Boer foi o 1 a 1 contra a Itália, na Liga das Nações, em Bérgamo, também com cinco homens na defesa. Mas surpreendente, quando se pensa que De Boer é um técnico que prefere a manutenção da posse de bola.

Claro, há nomes que permitem pensar numa boa campanha: Frenkie de Jong, Georginio Wijnaldum, Memphis Depay. Nada que faça frente aos grandes favoritos, talvez seja insuficiente para chegar às semifinais (como deseja a federação - Frank de Boer fala até em "buscar o título"), mas a Holanda está de volta. Para o futuro, que pode ser feliz, ou para o passado turbulento nos últimos anos, como se desconfia? Respostas a serem dadas a partir do dia 13 de junho, domingo, quando a bola rolará contra a Ucrânia, na Johan Cruyff Arena.

Os 26 convocados da Holanda (clique nos nomes e saiba mais sobre eles)

Goleiros


Laterais
Zagueiros

Meio-campistas

Atacantes



Os 26 holandeses na Euro: Stekelenburg

Stekelenburg estaria sendo apenas um reserva experiente no Ajax, em condições normais. As surpresas do destino lhe deram a chance de jogar, mostrar capacidade e ir à Euro (Pro Shots/onsoranje.nl)

Ficha técnica
Nome: Maarten Stekelenburg
Posição: Goleiro
Data e local de nascimento: 22 de setembro de 1982, em Haarlem
Clubes na carreira: Ajax (2002 a 2011 e desde 2020), Roma-ITA (2011 a 2013), Fulham-ING (2013 a 2016), Monaco-FRA (2014 a 2015, por empréstimo), Southampton-ING (2015 a 2016, por empréstimo) e Everton-ING (2016 a 2020)  
Desempenho na seleção: 56 jogos, desde 2004 (44 gols sofridos)
Torneios pela seleção: Copa de 2006 (não jogou), Euro 2008 (1 jogo, nenhum gol sofrido), Copa de 2010 (7 jogos, 6 gols sofridos), Euro 2012 (3 jogos, 5 gols sofridos)

Há um ano, Maarten Stekelenburg parecia no crepúsculo de sua carreira, voltando ao Ajax para um fim coberto de respeito e homenagens onde sua trajetória começou. Há um ano, também, o arqueiro surdo de um ouvido parecia coisa do passado, em termos de seleção. Pois é: sua convocação para a Euro é mais um sinal de como as coisas mudam no futebol. Em uma reviravolta notável, "Steek" teve chance de voltar a ter uma sequência de jogos no Ajax. Aproveitou, e teve o caminho reaberto na Laranja. A reação (até inesperada) está coroada com a convocação, para ser o mais velho jogador da história da seleção neerlandesa na Euro, aos 38 anos - fará 39 em setembro.

Dono de um diploma profissionalizante como cozinheiro, o nativo de Haarlem começou a trajetória em dois clubes amadores: primeiro, o Zandvoort '75, depois o VV Schoten. Inclusive, nem era goleiro: acabou engrenando na posição ao ser experimentado nela, com sucesso, durante uma partida em que o titular faltara. E já foi jogando debaixo das traves que Stekelenburg chamou a atenção de olheiros do Ajax, aos 13 anos de idade. Simultaneamente, recebeu proposta do Haarlem, clube da cidade natal, já extinto. Mas preferiu rumar para o clube de Amsterdã.

Mais alguns anos, e Stekelenburg também começou o caminho nas seleções holandesas de base, a partir do ano 2000, quando ganhou a primeira chance na equipe sub-18 da Laranja. No ano seguinte, o goleiro já foi convocado para o Mundial Sub-20, com Louis van Gaal como técnico neerlandês e futuros colegas de seleção adulta na equipe, como John Heitinga e Arjen Robben. Stekelenburg ficou na reserva, mas já sinalizara: vinha com tudo para começar a carreira. Sinal mais fortalecido na temporada 2001/02, quando o time B do Ajax foi semifinalista da Copa da Holanda - com ele como titular do gol.

E a partir da temporada 2002/03, Stekelenburg entrou na disputa tripla que se via então no gol do Ajax, com o romeno Bogdan Lobont e o croata Joey Didulica. Mas tanto o titular quanto o reserva se lesionaram, e o jovem já apareceu numa ou noutra partida: foi titular na conquista da Supercopa da Holanda, e teve nove partidas pela Eredivisie, mais três pela Liga dos Campeões. O goleiro ainda ficou mais na reserva de Lobont em 2003/04, mas recebeu a chance definitiva na temporada seguinte: o técnico Ronald Koeman anunciou que seria Stekelenburg o titular do Ajax em 2004/05. De quebra, mereceu também sua primeira atuação pela seleção principal da Holanda: substituiu Van der Sar e jogou o segundo tempo de um amistoso contra Liechtenstein (3 a 0, em 3 de setembro de 2004).

Stekelenburg foi promissor no Ajax desde o início. Mas só a partir de 2005 se tornou titular inquestionável nos Amsterdammers (Stuart Franklin/Getty Images)

Houve ainda uma lesão, que tirou Stekelenburg da reta final daquela temporada 2004/05. Porém, em 2005/06, restabelecido, enfim ele se tornou o titular absoluto do Ajax, tanto no Campeonato Holandês quanto na Liga dos Campeões. Celebrou o primeiro título como titular do Ajax: a Copa da Holanda. E por fim, o primeiro grande torneio pela seleção holandesa: Stekelenburg foi um dos três goleiros convocados por Marco van Basten para a Copa de 2006. Aos 23-quase-24 anos, era a "aposta para o futuro".

Dali por diante, seguindo como titular inquestionável do Ajax, Stekelenburg foi ganhando uma relativa sequência no gol da Holanda: com Van der Sar já se preparando para o adeus à Laranja, jogou mais partidas nela do que o titular durante 2007 (sete, contra quatro do habitual camisa 1 holandês). Novamente, foi convocado para um grande torneio, a Euro 2008 - e nela, até atuou em uma partida, contra a Romênia, na fase de grupos. 

Após aquela Euro, Van der Sar deixou a seleção. Outro reserva habitual até então, o também veterano Henk Timmer parou de ser convocado. O caminho parecia aberto para Stekelenburg estabelecer na seleção uma trajetória tão longa quanto a que estabelecia no Ajax. 2009 colocou dúvidas sobre isso: falhando tanto pela Holanda quanto pelos Ajacieden, o arqueiro chegou a passar uns meses no banco de reservas. Com Edwin van der Sar ainda brilhando no Manchester United, não faltava quem pedisse que ele fosse "desaposentado" e defendesse a Holanda na Copa de 2010.

Mas o técnico Martin Jol chegou ao Ajax e fez de Stekelenburg novamente titular da equipe. Em fevereiro de 2010, o próprio Van der Sar pediu fim aos rumores de que voltaria à seleção, sendo claro: Stekelenburg deveria ser o titular da Holanda, na Copa que se aproximava. Foi o que aconteceu. E o camisa 1 da Laranja na África do Sul apagou as dúvidas quando mais se precisava: justamente na Copa. Fez defesas importantes já contra a Eslováquia, nas oitavas de final. E sua defesa num chute de Kaká, durante um excelente primeiro tempo do Brasil nas quartas de final, ficou historicamente fundamental: ajudou a manter a Holanda no jogo, antes da virada no segundo tempo. Novamente a Laranja caiu na final, mas Stekelenburg voltou da Copa com o melhor presente possível: ganhara o respeito de quem acompanhara futebol no país. Ninguém mais pedia a volta de Van der Sar à seleção. De quebra, ainda houvera um título com o Ajax, em 2009/10: outra Copa da Holanda.

Poucos lances são tão lembrados na campanha da Holanda pela Copa de 2010 quanto a defesa de Stekelenburg num chute de Kaká, no primeiro tempo contra o Brasil (Getty Images)

Na melhor fase da carreira, Stekelenburg concluiu a fase no Ajax com mais um título holandês - mesmo com uma fratura no dedo polegar, na reta final da temporada 2010/11. E enfim, após boatos de transferências aqui e ali, veio a aposta de um clube num centro mais competitivo: em julho de 2011, o goleiro tomava o caminho da Roma. Além do mais, continuava inquestionável na seleção, na fase madura da carreira, a caminho dos 30 anos.

Ocorreu de novo: quando tudo estava bem, a má fase perturbou Stekelenburg. Na seleção, embora sem comprometer, fez parte do vexame da Euro 2012. Na Roma, ainda em 2011, semanas após a chegada, foi atingido na cabeça pelo pé de Lúcio, durante um jogo contra a Internazionale, e desmaiou em campo - ainda assim, foi titular na maior parte da temporada de estreia, 2011/12. Já em 2012/13, titular romanista, o holandês falhou demais, a ponto de perder a posição para o uruguaio Mauro Goicochea. Ainda voltou a ter alguma sequência sob o comando de Aurelio Andreazzoli, mas seu espaço na Roma se diminuía mais e mais - bem como na seleção, onde já cedia a titularidade para vários concorrentes. 

Um forte golpe acidental na cabeça assustou e atrapalhou. Mas não foi só por ele que Stekelenburg decaiu na Roma (AFP)

Já em janeiro de 2013, houve negociações com o Fulham, fracassadas no último dia da janela de transferências. Mas em junho de 2013, tudo certo: Stekelenburg tomou o caminho do time inglês, para lá tentar recuperar alguma sequência de jogos. No começo, até deu certo: o técnico Felix Magath fez dele o titular dos Cottagers. Porém, durante a temporada 2013/14, duas lesões no ombro abriram caminho para o reserva Gavin Stockdale se estabilizar no gol do Fulham. Quando Stekelenburg voltou, já era tarde: teria de se contentar com o banco de reservas. Passou longe de ser lembrado na convocação da Copa de 2014.

Àquela altura, Stekelenburg já começava a ser lembrado menos como um goleiro digno da titularidade, e mais como um reserva experiente, sempre pronto para eventualidades. Já assim foi emprestado ao Monaco francês, na temporada 2014/15, sendo opção ao titular Danijel Subasic, e só atuando nas partidas da Copa da França. E também no empréstimo ao Southampton, onde passaria a temporada 2015/16 secundando o titular Fraser Forster, a pedido do técnico Ronald Koeman. 

Stekelenburg até reagiu no Everton. Mas àquela altura, já era mais um coadjuvante experiente do que um protagonista, a despeito de rápida volta à seleção holandesa (AFP)

Só aí se viu uma leve reação na carreira. Na primeira metade daquela temporada, Forster lesionou o ombro - Stekelenburg teve a chance, e foi bem. Forster retomou o posto, mas o nome do holandês voltara à baila. Ronald Koeman tomou o caminho do Everton após 2015/16, aproveitou que o contrato do goleiro compatriota com o Fulham se encerrava, e o levou para Goodison Park. E no começo do Campeonato Inglês, Stekelenburg pareceu recuperar a melhor forma, sendo titular do Everton. Chegou a pegar um pênalti de Sergio Agüero, contra o Manchester City (1 a 1, outubro, 8ª rodada). De quebra, num período em que Jasper Cillessen já era reserva no Barcelona e Tim Krul pelejava no banco do Ajax, o já veterano "Stekel" até voltou à seleção: jogou quatro partidas por ela, em outubro e novembro, no início da campanha fracassada nas eliminatórias da Copa de 2018.

A reação durou pouco. Logo o espanhol Joel Robles tomou a titularidade no gol do Everton. Depois, Jordan Pickford chegou para ser o nome absoluto na meta dos Toffees. Stekelenburg? Sempre na reserva. Assim ficou até 2020, já durante a pandemia. O contrato com o Everton se encerrava, e ele sinalizou que desejava voltar à Holanda. Dias depois, em junho, a surpresa: uma rápida negociação, e o retorno ao Ajax em que a história começara.

A volta ao Ajax parecia ser o começo de um digno fim. Foi um recomeço para Stekelenburg (Yannick Verhoeven/BSR Agency/Getty Images)

Como dizia o parágrafo deste longo texto, parecia o retorno para um fim de carreira respeitado. O destino transformou em recomeço: em janeiro deste 2021, o titular André Onana levou a suspensão de um ano, pelo uso de furosemida, substância proibida pela UEFA. Stekelenburg virava titular do Ajax, de uma hora para outra. Pelo menos, sua experiência o deixava mais do que preparado para a tarefa. Ele terminou como goleiro campeão holandês - e de quebra, ainda pegou até um pênalti, no clássico contra o Feyenoord, pela 32ª rodada.

As atuações seguras pelo Ajax bastaram para que um velho conhecido, Frank de Boer, o trouxesse de volta à seleção holandesa, cinco anos depois. E a experiência dos quase 40 anos, duas Euros e duas Copas longínquas depois, valem a Stekelenburg o retorno a um grande torneio pela Holanda. Por enquanto, como reserva de Tim Krul. Mas vai que...

(Laurens Lindhout/Soccrates/Getty Images)


Os 26 holandeses na Euro: Frank de Boer, o técnico

Não adianta: Frank de Boer segue sob forte desconfiança no comando da Holanda. Só uma campanha muito boa na Euro eliminará as dúvidas. E olhe lá (Pro Shots/onsoranje.nl)

Ficha técnica
Nome: Franciscus "Frank" de Boer
Data e local de nascimento: 15 de maio de 1970, em Hoorn
Carreira como treinador: Ajax (2006 a 2010, categorias de base), Seleção holandesa (2008 a 2010, como auxiliar técnico), Ajax (2010 a 2016), Internazionale-ITA (2016), Crystal Palace-ING (2017), Atlanta United-EUA (2019 a 2020) e seleção holandesa (desde 2020)

Comissão técnica: Dwight Lodeweges, Maarten Stekelenburg e Ruud van Nistelrooy (auxiliares técnicos) e Patrick Lodewijks (treinador de goleiros)

Após sete anos - valendo por seis, na verdade - longe de uma grande competição, a seleção masculina da Holanda volta sob pressão. Alguns jogadores, como Memphis Depay, têm o que provar pela Laranja. Entretanto, ninguém recebe olhares tão desconfiados (alguns olhares, até de reprovação, mesmo) quanto Frank de Boer. E há motivos para essa impressão negativa: após um começo promissor no Ajax, o ex-zagueiro somente teve trabalhos que "carbonizaram" seu filme. Mesmo sua escolha como sucessor de Ronald Koeman se deu mais por falta de opção do que por preferência.  Caberá a De Boer provar que aprendeu certas lições - e isso só será feito em caso de campanha elogiável dos neerlandeses na Euro.

Como jogador, há pouco a dizer sobre De Boer que não seja elogioso - e o próprio Espreme a Laranja fez isso no ano passado, quando Frank e o irmão gêmeo Ronald fizeram 50 anos de idade. Um dos zagueiros mais técnicos que o futebol holandês já teve, um dos símbolos de uma fase na história do Ajax, muito bem no Barcelona, três Euros e duas Copas pela Laranja (todas como titular absoluto), terceiro jogador com mais partidas pela seleção (112, entre 1990 e 2004): enfim, Frank de Boer seguramente entra em qualquer lista importante de jogadores neerlandeses ao longo dos tempos.

Mas Frank decidiu colocar esse histórico à prova logo que passou para o banco de reservas, dando vazão a uma tendência que já se via nele enquanto jogador ("Eu nunca me interessei em saber como joga o adversário; Frank sim", já disse o colega e amigo pessoal Edwin van der Sar). Primeiro, tendo história grande no Ajax, nada foi mais natural que começar pelos times de base dos Amsterdammers, em 2006, logo após encerrar a carreira. Mas a aptidão para treinar já recebeu a grande chance em 2008: enquanto fazia os cursos da UEFA, De Boer foi escolhido para ser um dos auxiliares de Bert van Marwijk na seleção holandesa principal, ao lado de outro companheiro de geração, Phillip Cocu. O bom trabalho feito na Oranje entre 2008 e 2010, coroado com o vice-campeonato mundial, rendeu até elogios periféricos à atenção que Frank de Boer apresentava aos adversários, no trabalho junto a Van Marwijk. 

O estágio auxiliando Bert van Marwijk na Holanda vice-campeã na Copa de 2010 já foi uma boa escola para Frank de Boer (Pro Shots)

Crescia a impressão de que ele tinha capacidade para assumir tarefas maiores - tanto que, após a Copa de 2010, ele deixou a comissão técnica da seleção. De modo meio apressado, a chance esperada chegou no fim daquele ano. Em meio a profundas mudanças internas que respingavam no campo, a diretoria do Ajax buscava devolver ao clube um pouco de suas origens, do estilo que o fez famoso no futebol. Poucos poderiam oferecer isso como Frank de Boer: em dezembro daquele ano, ele foi escolhido interinamente para substituir o demitido Martin Jol. Sua primeira partida: contra o Milan, na despedida da fase de grupos da Liga dos Campeões 2010/11, com o Ajax já eliminado. Deu certo: 2 a 0 Ajax, em pleno San Siro. Poucos dias depois, o interino era efetivado.

E ao longo do quatro anos seguintes, Frank foi o comandante de um Ajax que voltou a falar grosso no futebol holandês, como tetracampeão nacional. Notabilizou-se primeiro pelas qualidades: a abertura aos jovens jogadores (de Toby Alderweireld a Davy Klaassen, de Viktor Fischer a Lesly de Sa, nomes célebres ou esquecidos se tornaram titulares com ele),  um estilo ofensivo nos jogos em casa, até mesmo pelas arrancadas que renderam alguns títulos - na conquista da Eredivisie 2010/11, após sete anos de jejum, o Ajax venceu nas sete rodadas derradeiras; em 2011/12, a reação foi ainda mais notável - treze vitórias nos últimos 13 jogos pela liga.

Frank de Boer foi peça-chave para o Ajax voltar a ser dominante no futebol holandês (Getty Images)

Porém, havia problemas aqui e ali. Se era leão no futebol dos Países Baixos, o Ajax não passava de um gatinho nos torneios europeus. Pela Liga dos Campeões, só esteve perto da classificação às oitavas de final em 2011/12 e 2013/14. Se o estilo de manutenção da posse de bola com troca de passes servia para a Eredivisie, era lento demais nas grandes competições - e o Ajax sofreu algumas eliminações vexatórias naqueles anos (basta citar as quedas na Liga Europa: Red Bull Salzburg-AUT em2013/14, Dnipro-UCR em 2014/15). Além do mais, alguns jogadores se queixavam da falta de consideração de Frank ao escanteá-los no trabalho: caso do dinamarquês Nicolai Boilesen, que foi progressivamente encostado dentro do grupo ao ter um pedido de saída do Ajax negado.

Em 2015/16, já havia sinais de fadiga no trabalho de Frank no Ajax. A gota d'água foi a histórica perda do título na última rodada da Eredivisie daquela temporada, quando bastava vencer um De Graafschap praticamente rebaixado, mas os Ajacieden não passaram de um empate, entregando o título ao PSV. Depois Frank diria que se demitiria mesmo com o título, mas aquele revés tornou sua permanência impossível em Amsterdã. Era hora de buscar outros . E em maio de 2016, ele deixou a "casa".

Frank de Boer já vinha com o trabalho estagnado no Ajax - e a dramática perda da Eredivisie 2016/17, na última rodada, foi o que faltava para a demissão (Pim Ras Fotografie)

Cogitado por alguns outros clubes (falou-se muito em Tottenham, naquela época), De Boer foi escolhido em junho como o nome para comandar a Internazionale. Ali o holandês de Hoorn notou: muito pior do que ter um trabalho bom até certo ponto, como ocorrera no Ajax, era tomar decisões erradas, nas horas erradas. Se a Inter vivia um período de entressafras e inconstâncias, com turbulências internas em meio à troca de donos, Frank dificiultou ainda mais sua vida ao insistir num estilo ofensivo. Pior: foi impaciente e crítico além da conta mesmo com nomes que mereciam alguma repreensão, como o brasileiro Gabigol (anos depois, ainda alfinetado por ele como "Gabi-não-gol"). Enquanto a Inter buscava um estilo, vinham os tropeços: última colocação em seu grupo na Liga Europa 2016/17, sequências de derrotas no Campeonato Italiano... após enfileirar cinco reveses seguidos, foi demais para Frank de Boer: demitido, após 85 dias, deixando o time de Milão na 12ª posição do Calcio.

O holandês já saiu chamuscado da Itália. Mas tudo bem, ainda era algo perdoável, e ele próprio assumiu "precisar de um tempo", em seu perfil no Twitter. Decidiu deixar o período sabático pouco antes da temporada 2017/18: em junho de 2017, aceitou suceder Sam Allardyce para comandar o Crystal Palace, na Inglaterra. Talvez tivesse sido melhor continuar na reciclagem. Se o trabalho na Internazionale fora desastroso, no Palace Frank de Boer teve momentos ainda piores. Insistindo na ofensividade e na posse de bola, num clube pequeno do Campeonato Inglês, se esforçando para se manter acima da zona de rebaixamento... não podia dar certo. Não deu: nas primeiras quatro rodadas da Premier League na temporada, quatro derrotas, sem que o clube marcasse nenhum gol, algo que não ocorria desde 1924. Só uma vitória, pela Copa da Liga Inglesa, contra o Ipswich Town, na segunda fase.

A demissão do Crystal Palace veio ainda mais cedo: após 77 dias, em setembro de 2017, Frank de Boer estava fora. Pior: daquela vez, o técnico saiu criticando a resistência dos jogadores ao seu estilo - e também à falta de mobilização da diretoria, que só contratou dois jogadores pedidos por ele. Mas uma crítica mereceu resposta especial: se o holandês criticou o tratamento duro dado por José Mourinho a Marcus Rashford no Manchester United, dizendo que "só a vitória importava para Mourinho", o português jogou sal na ferida do péssimo trabalho do neerlandês na Inglaterra: "Eu li algo de Frank de Boer, o pior técnico da história da Premier League. Ele disse que não era bom para Rashford ter um técnico como eu, porque a vitória é a coisa mais importante para mim. Se ele fossse treinado por Frank, só teria perdido, porque o time de Frank só perdeu". Chegava a ser humilhante.

Na Internazionale, o trabalho já fora péssimo. No Crystal Palace, a demissão não foi suficiente - Frank de Boer foi humilhado pelas críticas (AP)

Tão humilhante que, aí sim, De Boer aumentou o período sabático. Ficou mais concentrado na participação em debates da televisão holandesa, aqui e ali. E só em dezembro de 2018, mais de um ano após a demissão do Crystal Palace, De Boer reativou a carreira. E foi mais modesto nas ambições: rumou para os Estados Unidos, sendo o segundo técnico da história do Atlanta United. Pelo menos por algum tempo, deu certo. Contando com a experiência de nomes como o goleiro Brad Guzan, mais dois confiáveis atacantes em Ezequiel Barco e Gonzalo "Pity" Martínez, De Boer viu o Atlanta United se sagrar campeão da MLS Open Cup, em agosto de 2019. Na Major League Soccer, o resultado também mereceu algum elogio: o vice-campeonato na Conferência Leste, perdendo a decisão para o Toronto FC.

No Atlanta United, uma leve reação (Imago/One Football)

Pelo menos, era um recomeço. A pandemia interrompeu tudo. E quando o futebol pôde voltar nos Estados Unidos, com o torneio amistoso  "MLS Is Back", três derrotas seguidas encurtaram a permanência de Frank no Atlanta United. Era mais uma demissão, em julho de 2020. Pelo menos, indiretamente, ela deixou De Boer livre para uma chance que se abriu. Com Ronald Koeman preferindo deixar a seleção holandesa rumo ao Barcelona, no mês seguinte, a federação holandesa se viu perdida. Precisava de um nome que não alterasse as bases sólidas do trabalho sob Koeman. Mas nomes como Louis van Gaal e  Frank Rijkaard tinham encerrado a carreira; Erik ten Hag e Peter Bosz estavam então em contrato com seus clubes; Henk ten Cate, até bem visto entre os jogadores da Laranja, era mal visto pela federação, sendo considerado defasado; e trazer um nome estrangeiro seria medida dura demais para um país que se orgulha do jeito como vê o futebol.

Frank de Boer era o único holandês à disposição. E foi mais por isso do que pela qualidade de seus trabalhos que o ex-zagueiro, de tantas histórias vestindo laranja, foi anunciado como técnico, em 23 de setembro, num contrato até o fim da Copa de 2022. Começou mal: pela primeira vez em 116 anos de história, a Holanda ficou sem vitória nos quatro primeiros jogos de um técnico (uma derrota e três empates). 

Frank de Boer tenta levar como técnico a história elogiável que teve como zagueiro da seleção holandesa (BSR Agency) 

Depois de um modo ou de outro, a Laranja teve algumas boas atuações. Mesmo com o começo preocupante nas eliminatórias da Copa de 2022, já voltou ao páreo. Ainda assim, Frank de Boer segue com a espada sobre sua cabeça. Seu trabalho segue sem atrair confiança.  Se o título europeu por acaso vier, ele, sim, poderá dizer que foi quase "contra tudo e contra todos"

Os 26 holandeses na Euro: Krul

A presença na Euro 2020 é a prova da reação de Tim Krul na carreira (Pro Shots/onsoranje.nl)

Ficha técnica
Nome: Timothy "Tim" Michael Krul
Posição: Goleiro
Data e local de nascimento: 3 de abril de 1988, em Haia
Clubes na carreira: Newcastle-ING (2006 a 2017), Falkirk-ESC (2007 a 2008, por empréstimo), Carlisle United-ING (2008 a 2009, por empréstimo), Ajax (2016 a 2017, por empréstimo), AZ (2017, por empréstimo), Brighton-ING (2017 a 2018) e Norwich City-ING (desde 2018)
Desempenho na seleção: 14 jogos, desde 2011 (14 gols sofridos)
Torneios pela seleção: Euro 2012 (não jogou), Copa de 2014 (1 jogo, nenhum gol sofrido) e Liga das Nações (2020/21)

Goiânia, 4 de junho de 2011. Tudo bem, era apenas um amistoso. Mas um jogo entre as seleções de Brasil e Holanda sempre chama alguma atenção, ainda mais com as lembranças do jogo entre ambas, na Copa de 2010. E se houve algum jogador que chamou a atenção naquele 0 a 0 no Serra Dourada, foi um jovem goleiro que fazia então sua primeira partida pela Laranja - e fez algumas ótimas defesas, principalmente no começo do segundo tempo. Dez anos depois, muito se passou na carreira daquele goleiro. Até mais coisas ruins do que boas. Mas ele conseguiu se manter no radar da seleção. E as circunstâncias provavelmente farão de Tim Krul o camisa 1 neerlandês na Euro.

A carreira adulta de Krul, aliás, nem começou nos Países Baixos. O goleiro de 1,93m até começou nas categorias de base do ADO Den Haag, após se iniciar no futebol num clube amador, o HVV Ras (sem contar experiências no handebol, na juventude). Entretanto, já em 2005, ao disputar a Euro sub-17, Krul chamou a atenção do Newcastle. Bastou: antes mesmo de chegar perto do grupo principal do Den Haag, o jovem de 17 anos foi contratado pelo clube inglês, em julho daquele 2005. Outra prova do quão promissor Krul era foi ser titular na boa campanha da Holanda no Mundial sub-17, terceira colocada no torneio jogado no Peru.

Enfim incluído no grupo principal do Newcastle, a partir de 2006, Krul foi ganhando experiência aqui e ali. Chegou até a jogar uma partida da Copa da UEFA 2006/07 (contra o Palermo italiano - vitória dos Magpies fora de casa, 1 a 0), mas começou a ser emprestado a vários clubes britânicos, como o Falkirk escocês e o Carlisle United inglês, para seguir ganhando ritmo. Nas seleções de base holandesas, o goleiro foi incluído na equipe sub-21 campeã europeia em 2007 - ainda reserva de Boy Waterman, já era um nome para o futuro.

Krul já estava no Newcastle desde as categorias de base. Quando teve a chance no time de cima, não largou mais (Alex Lifesey/Getty Images)

Enfim, a hora de Krul aparecer para valer no Newcastle chegou na temporada 2009/10: durante um jogo contra o West Bromwich Albion, o titular Steve Harper se machucou, o holandês entrou... e deixou boa impressão. Bastou: a partir de 2010/11, ele assumiu o posto titular entre as traves do clube de St. James' Park. Não o largaria nos cinco anos seguintes. E as atuações seguras no Newcastle, mostrando reflexos e porte físico respeitáveis para um goleiro, valeram para que chegassem, enfim, as chances na seleção holandesa. Nem tanto na sub-21: nas eliminatórias da Euro da categoria em 2011, uma falha de Krul acabou sendo decisiva para que a Holanda fosse eliminada pela Ucrânia na repescagem das eliminatórias, ficando de fora (3 a 1 na ida, 2 a 0 na volta). Mas a ascensão vivida pelo guarda-metas na Laranja principal compensou tudo: como escrito acima, Krul estreou na "miniturnê" sul-americana neerlandesa em 2011, justamente no amistoso contra o Brasil - ainda jogaria contra o Uruguai. Deixou boa impressão. Que já serviu para que ele fosse um dos três goleiros holandeses na Euro 2012 - mais como uma aposta para o futuro, abaixo do então titular Stekelenburg e de Michel Vorm na hierarquia.

Houve o vexame holandês naquela Euro, chegou Louis van Gaal para treinar a Oranje, e Krul perdeu um pouco de espaço: entre 2012 e 2013, só três jogos pela seleção. Ainda assim, o goleiro seguiu se destacando no Newcastle, então presença certa na Premier League. Por isso, continuou no radar das convocações de Van Gaal. E na roda-viva de camisas 1 que a Laranja viveu até a Copa de 2014, Krul acabou sendo um dos felizardos convocados para o Mundial no Brasil. A princípio, ficaria no banco de reservas, sem poder desafiar o titular Jasper Cillessen. A princípio... Porque, antes das quartas de final da Copa, contra a Costa Rica, Van Gaal e Frans Hoek, o treinador de goleiros daquela comissão técnica, informaram Krul: caso aquela partida fosse para os pênaltis, ele seria o escolhido para tentar pegar as cobranças. Só os três sabiam daquilo, e Krul achou que não seria necessário. 

Krul era reserva na seleção da Holanda. Bastou entrar e ser decisivo nas quartas de final da Copa de 2014 para impressionar muita gente (Jamie McDonald/Getty Images)

Pois foi: após 120 minutos, ele protagonizou uma das alterações mais polêmicas da história das Copas, substituindo Cillessen (que saiu irritado, por não saber do combinado). Pelo menos, tudo deu certo para a Holanda: Krul provocou constantemente os batedores costarriquenhos, pegou as cobranças de Bryan Ruiz e Michael Umaña, a Laranja foi às semifinais, e seu nome ficou marcado. A ponto de torná-lo, para muitos, um goleiro bem melhor do que Cillessen, algo que não era tão verdadeiro assim. Tanto que muitos estranharam o fato dele não ter entrado para outra decisão por pênaltis, contra a Argentina, nas semifinais - Van Gaal preferiu gastar a terceira alteração tirando o cansado Robin van Persie e colocando Klaas-Jan Huntelaar. O caminho parecia aberto para Krul ser titular da Laranja, mais cedo ou mais tarde. Até porque, no Newcastle, sua posição era absoluta.

Tudo isso mudou em 2015, num lance de azar. Por sinal, justamente pela seleção holandesa: em 10 de outubro, na penúltima rodada das eliminatórias da Euro 2016, Krul teve uma chance contra o Cazaquistão, por lesão de Cillessen no aquecimento. Pois nos minutos finais da vitória da Laranja (3 a 1), o goleiro subiu para pegar um cruzamento, caiu mal no chão e torceu o joelho. Teve de ser substituído nos acréscimos. E o diagnóstico foi cruel: rompimento do ligamento cruzado anterior. Era fim de temporada. Ali seu espaço se diminuiria. No clube e na seleção.

Enquanto Krul se recuperava da lesão, o irlandês Rob Elliot já tomara a vaga de titular no Newcastle. Na seleção, Cillessen seguia como a escolha primordial, e Jeroen Zoet tomara dele a posição de reserva imediato. Krul teria de recomeçar. Teria uma excelente chance para isso: no meio de 2016, já de volta aos treinos mas sem espaço no Newcastle, foi emprestado pelo clube inglês ao Ajax, para substituir justamente... Cillessen, a caminho do Barcelona. Tão logo terminasse a recuperação, poderia ser o titular Ajacied. Aí o destino atrapalhou novamente Krul: entre a saída de Cillessen e sua chegada, o técnico Peter Bosz decidiu dar chances a um jovem camaronês, André Onana. Pois Onana se encaixou tão bem na equipe de Amsterdã que relegou Krul à reserva. Jogar só no time B do Ajax não era bem o que pretendia com o empréstimo. Assim, logo em janeiro de 2017, o goleiro foi emprestado de novo, para outro clube holandês: o AZ.

Após a grave lesão no joelho que atrapalhou sua carreira, Krul recuperou algum ritmo de jogo no empréstimo ao AZ (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)

Ali, sim, Krul teve algum espaço: foi o titular da equipe de Alkmaar durante toda a metade final da temporada 2016/17. E até agradou. Ainda assim, o AZ não tinha condições de adquiri-lo em definitivo. O arqueiro voltou ao Newcastle, onde não seria utilizado. A solução foi deixar o clube inglês, após onze anos por lá: o Brighton foi seu destino, em busca do tempo perdido em campo. Porém, nem no clube das gaivotas sua situação melhorou: na disputa de posição, quem venceu foi o australiano Mat Ryan, e Krul só fez cinco partidas na temporada 2017/18. Seu lugar também não era no Brighton: após uma temporada, ele deixou o clube, rumo ao Norwich City, da segunda divisão. A seleção holandesa, toda a badalação de 2014, tudo isso parecia passado: o último jogo de Krul na Laranja tinha sido o da lesão, em 2015.

Mas no Norwich City, enfim, a reação que o goleiro buscava ganhou o embalo. De certa forma, simbolizou o crescimento dos Canários: foi titular absoluto na campanha do acesso à Premier League, em 2018/19. Seguiu titular na participação do Norwich City na Premier League, em 2019/20. Mesmo encerrada com rebaixamento, Krul demonstrara de volta a agilidade, os reflexos, a imposição no gol. Paralelamente, na seleção, Jeroen Zoet (reserva de Cillessen até então) vivia má fase, antes mesmo da pandemia. Bastou para que Frank de Boer assumisse a Laranja dando a Krul o retorno tão esperado: na sua primeira convocação, Krul era um dos chamados. E já retornou jogando: após cinco anos, reestreou pela seleção, na derrota para o México, num amistoso em outubro passado.

Só a chegada ao Norwich City fez Krul recuperar o ritmo de antigamente (Julian Finney/Getty Images)

De lá para cá, Krul seguiu com ritmo de jogo no Norwich City. Pela seleção, as várias lesões de Cillessen lhe abriram oportunidades inesperadas: jogou contra Bósnia e Polônia, nas últimas rodadas da Liga das Nações, em 2020. Nas eliminatórias da Copa de 2022, outro problema muscular do titular abriu caminho para que ele defendesse o gol neerlandês nas três primeiras partidas da campanha. Krul foi criticado por falhas na derrota para a Turquia, é verdade. Mas compensou nos clubes, sendo um dos nomes certos na escalação do Norwich City novamente promovido à Premier League.

Nem adiantaria muito: a princípio, Jasper Cillessen seria o titular da Holanda na Euro. No entanto, havia um teste positivo para o coronavírus no meio do caminho. Com o corte de Cillessen, Krul entrou na mira. Pelo menos, parece recuperar o momento bom que viveu antes da Copa de 2014. E se for necessário, deixou claro, com suas atuações em campo: tem firmeza e experiência para assumir o posto debaixo das traves. A firmeza, já tinha. A experiência veio com os traumas de 2014 até aqui.

(Pablo Morano/BSR Agency/Getty Images)


Os 26 holandeses na Euro: Gakpo

 
Gakpo veio bem durante a temporada, no PSV. Mas ainda parecia jogador para o futuro da seleção adulta. O futuro virou presente com sua ótima atuação na Euro sub-21 (Pro Shots/onsoranje.nl)


Ficha técnica
Nome: Cody Mathès Gakpo
Posição: Atacante
Data e local de nascimento: 7 de maio de 1999, em Eindhoven
Clubes na carreira: PSV (desde 2018)
Desempenho na seleção: nenhum jogo
Torneios pela seleção: nenhum

Cody Gakpo é mais um caso daqueles novatos que estão sendo levados a uma grande competição mais pelo que poderão fazer no futuro do que pelo que fazem atualmente. Tanto que sequer fez partidas pela seleção principal. Mas o embalo vivido pelo atacante do PSV em 2021 tornou os pedidos por sua convocação mais fortes. Não só pelo que fez no time de Eindhoven, mas também (e até principalmente) pelo feito na fase de grupos da Euro sub-21: numa Holanda que tinha bons atacantes, Gakpo foi o melhor de todos, marcando gols que ajudaram a Laranja Jovem a escapar da eliminação precoce. O prêmio vem agora, com a aposta para a Euro principal.

Nascido em Eindhoven, nem é de se impressionar tanto que o filho de pai togolês e mãe holandesa tenha ido diretamente para o PSV desde que quis ser futebolista mais a sério. Já aos oito anos de idade, Gakpo começou nos infantis do clube da Philips. E lá fez toda a sua formação nos campos, até a temporada 2016/17, quando começou a entrar na reta final rumo à fase adulta da carreira. Pelo time sub-19 do PSV, Gakpo participou de boa campanha na Liga Jovem da UEFA, quando o clube chegou às oitavas de final. Na equipe B dos Boeren, o atacante estreou em novembro de 2016, contra o Helmond Sport, pela rodada da segunda divisão holandesa. E também fez sua primeira partida numa seleção masculina de base nos Países Baixos - no caso, a sub-18.

Passo a passo, Gakpo consolidou sua participação no time B do PSV durante a temporada 2017/18. Na campanha do Jong PSV pela segunda divisão, já foram mais jogos (13) e, enfim, gols (7). O atacante também já estava com seu estilo de atuação melhor definido: alto, Gakpo começava a se notabilizar pela ponta esquerda, com bons dribles e boas finalizações. De quebra, ainda teve uma participação na campanha do título do PSV pelo Campeonato Holandês, ainda que minúscula - entrou para os acréscimos na vitória por 3 a 1 sobre o Feyenoord, na 25ª rodada da Eredivisie, em 25 de fevereiro de 2018. Finalmente, o salto nas seleções inferiores dos Países Baixos foi grande: só em 2018, foram três jogos pela equipe neerlandesa sub-19, e mais cinco pela seleção sub-20.

Finalmente, a temporada 2018/19 foi de transição para Gakpo entre o time B e a equipe principal do PSV. No Jong PSV, já era personagem principal: 11 jogos e 10 gols na segunda divisão. Desempenho tão promissor bastou para Mark van Bommel, então treinador da equipe de cima. Nela, o jovem ainda começou predominantemente no banco entrando no decorrer dos jogos. Mas já teve participação em praticamente metade da temporada (16 jogos), e fez o seu primeiro gol pelo PSV, nos 5 a 0 contra o Fortuna Sittard, pela 20ª rodada. Além do mais, Gakpo deu seu último passo antes do topo em seleções da Holanda: começou a atuar pela equipe sub-21, nas eliminatórias para a Euro da categoria, neste 2021.

Gakpo vinha ganhando espaço paulatinamente no PSV. Em 2020/21, se fez titular absoluto (Pro Shots)

E em 2019/20, Gakpo conseguiu se consolidar como titular do PSV. Mesmo numa temporada turbulenta dos Eindhovenaren, apareceu constantemente nos campos (25 jogos, pelo Campeonato Holandês; cinco jogos, pela fase de grupos da Liga Europa) e até marcou mais gols (foram sete, pela Eredivisie). Já valia para se consolidar como opção a Steven Bergwijn, que se foi para o Tottenham no decorrer daquela temporada. Sem contar as aparições na seleção sub-21: com seis gols em três jogos das eliminatórias da Euro jovem, Gakpo foi nome de certa importância na classificação da Holanda, ainda que na reserva de Myron Boadu.

O atacante só não se firmou pelo PSV em 2019/20 porque a pandemia interrompeu o futebol, justo na reta final da temporada. Além do mais, tão logo as partidas puderam ser retomadas na Europa (logo, na Holanda), Gakpo foi um dos vitimados por um surto de infecções pelo novo coronavírus dentro do grupo do PSV. Porém, tão logo se recuperou, aparentemente pôde manter a forma física, e cresceu de importância no PSV à medida que a temporada foi chegando à reta final, cada vez mais ocupando a titularidade - e tendo algumas excelentes atuações, como nos 2 a 0 contra o VVV-Venlo, pela 29ª rodada.

Porém, nenhum feito dentro de campo foi tão fundamental para Gakpo fazer seu nome crescer como um selecionável quanto a participação na fase de grupos da Euro sub-21, na Hungria. Como até previsível, o atacante começou o torneio na reserva de Boadu. Entrou durante o 1 a 1 contra a Romênia, pela estreia da Laranja Jovem. Com mais movimentação e maior força física do que Boadu, Gakpo tomou a titularidade no segundo jogo pela Euro, contra a Alemanha. Porém, com a Jong Oranje sob risco alto de eliminação, só no terceiro jogo Gakpo apareceu de vez: se a Holanda goleou a Hungria por 6 a 1 e respirou aliviada, com a liderança no grupo A e a classificação às quartas de final, o atacante foi o principal responsável, ao marcar dois gols e dar passe para outro.

Gakpo seria jogador para a seleção sub-21 na Euro. Foi tão bem na fase de grupos que disputará a Euro adulta (Getty Images)

Em tese, Gakpo seria nome obviamente certo no mata-mata da Euro sub-21, no fim deste maio. Mas diante do embalo vivido na reta final da temporada, recebeu um presente de Frank de Boer: sua primeira convocação para a seleção principal. Ao contrário de contemporâneos como Ryan Gravenberch, Gakpo ainda não tem minutos pela Laranja. Seus primeiros minutos podem ser logo no fogo de uma Euro. A convocação do jovem é uma aposta. Se der certo, sorte dele - e da Holanda...

Os 26 holandeses na Euro: Weghorst

 

Weghorst ficou longe da seleção da Holanda nesses últimos anos. Mas os gols que fez pelo Wolfsburg tornaram sua convocação um clamor - finalmente atendido na Euro (Pro Shots/onsoranje.nl)

Ficha técnica
Nome: Wout Weghorst
Posição: Atacante
Data e local de nascimento: 7 de agosto de 1992, em Borne
Clubes na carreira: RKSV NEO (2008 a 2010), DETO (2010 a 2011), Emmen (2012 a 2014), Heracles Almelo (2014 a 2016), AZ (2016 a 2018) e Wolfsburg-ALE (desde 2018)
Desempenho na seleção: 4 jogos, desde 2018
Torneios pela seleção: nenhum

Wout Weghorst poderia ser o nome preferencial da Holanda como atacante providencial para as bolas aéreas e "horas da pressão", quando a seleção laranja precisa de gols - e de alguém na área para fazê-los. Só que Luuk de Jong já ocupa tal papel, nas convocações dos últimos três anos. Restou a Weghorst se valer de uma evolução consistente, nas temporadas recentes. Mesmo ela talvez fosse insuficiente para uma convocação à Euro. Até que a UEFA possibilitou a presença de 26 convocados no torneio continental. Foi a salvação de um já elogiado Weghorst: enfim, Frank de Boer pôde abrir caminho para ele na seleção. Um prêmio, após um esplendoroso desempenho pelo Wolfsburg, nesta temporada 2020/21.

De certa forma, Weghorst já indicou esse talento para marcar gols em clubes desde que começou a jogar futebol. Ainda no RKSV NEO, clube amador da cidade natal em que se iniciou, foi o principal goleador do clube nas categorias de base. No segundo clube amador em que foi se formando, o DETO Twenterand, Weghorst não chegou a ser artilheiro, mas mostrou capacidade de finalização na área (e só nela, diga-se de passagem) suficiente para ser trazido ao Willem II, e lá terminar seu trajeto na base. 

Porém, Weghorst não teve espaço no time de Tilburg. Sequer estreou pelo time principal na temporada passada lá (2011/12), ficando restrito à equipe B. Assim, sua carreira só começou para valer a partir da metade de 2012. E num passo bem modesto: o atacante tomou o caminho do Emmen, então ainda na segunda divisão da Holanda (Países Baixos). A atuação pelos Emmenaren teve lá seu êxito: oito gols, em 28 jogos, na temporada 2012/13 - começando por 21 de setembro de 2012, no clássico contra o BV Veendam (clube que já foi extinto, hoje em dia). Em 2013/14, sim, Weghorst teve atuação mais consistente: 11 gols em 34 jogos pelo Emmen. Já valeu para atrair atenção de um clube mais estabelecido na primeira divisão: o Heracles Almelo, que o trouxe na metade de 2014.

No Heracles Almelo, o lado goleador de Weghorst começou a aparecer (Peter Lous)

Nos Heraclieden, Weghorst ainda teve inconstâncias na temporada 2014/15: começou mais no banco de reservas, e só marcou oito gols. Ainda assim, tomou a posição de titular na reta final daquele Campeonato Holandês para não largar mais. De quebra, pelo menos, teve uma única chance na seleção sub-21 da Holanda - e fez gol, ainda que num fracasso da Laranja Jovem (a queda contra Portugal, na repescagem das eliminatórias da Euro sub-21, ficando fora do torneio).

E finalmente, 2015/16 foi o ano em que o atacante embalou. Nem foram tantos gols assim pelo Heracles Almelo: 12, em 33 partidas do Campeonato Holandês. Ainda assim, Weghorst se mostrou mais capacitado para ajudar os pontas nas tabelas de ataque, fazer o popular "pivô" (ou seja, ajeitar a bola para a finalização dos jogadores vindos do meio-campo), além da finalização natural na área. De quebra, se tornou fundamental num excelente fim de temporada do time de Almelo: foram quatro gols nas últimas seis rodadas regulares da Eredivisie. O Heracles foi, então, disputar a repescagem por vaga na Liga Europa. E com dois gols na semifinal dessa repescagem, contra o Groningen, Weghorst teve grande importância para ajudar o time a ganhar a vaga no torneio europeu - primeira experiência da história do Heracles em torneios continentais.

Era hora do próximo passo. E poucos clubes poderiam ser melhores para isso do que o AZ, onde Weghorst chegou na metade de 2016. Em Alkmaar, novamente o mesmo caminho: uma primeira temporada mais discreta (13 gols em 29 jogos pela Eredivisie 2016/17), mas já mostrando alguma importância no time - que chegou à segunda fase da Liga Europa, e à final da Copa da Holanda -, novamente crescendo na reta final. Com o AZ disputando os play-offs por vaga na Liga Europa daquela vez, Weghorst se destacou, marcando contra o Groningen (dois gols na ida, um gol na volta) e contra o Utrecht, que levou a vaga (um gol na ida).

No AZ, Weghorst aprimorou seu estilo de jogo, passando a contribuir com as jogadas. E ficou ainda mais artilheiro (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)

E também de novo, a segunda temporada seria "a boa". No AZ, Weghorst criou uma parceria muito entrosada com o iraniano Alireza Jahanbakhsh. Que deu frutos aos dois: Alireza foi goleador do Campeonato Holandês 2017/18 (23 gols), e Weghorst veio atrás, com 18 gols em 31 jogos. De quebra, além do auxílio aos atacantes nas jogadas, o próprio Weghorst ousou mais: deu seis passes para gol, e aprimorou um pouco sua capacidade no jogo aéreo. Tal desempenho, enfim, valeu para receber uma chance na seleção da Holanda - ou melhor, três: o atacante saiu do banco em três amistosos no começo de 2018 (contra a Inglaterra, em março, na estreia de Ronald Koeman treinando a Laranja; contra a Eslováquia, em maio; e contra a Itália, em junho). Valeu, principalmente, para outra boa chance na carreira: Weghorst tomou o caminho do Wolfsburg, logo após aquela temporada de sucesso.

No clube alemão, Weghorst nem precisou de adaptação, como em Heracles Almelo e AZ. O atacante não só foi titular dos Lobos na primeira temporada, como conseguiu ótima média de gols naquele Campeonato Alemão: 0,5 gol por partida (17 gols em 34 jogos). Mesmo já sem tanta frequência nas convocações da seleção, ainda teve uma chance, contra a Estônia, na última rodada das eliminatórias da Euro. 

Veio 2019/20, e tanto antes da eclosão da pandemia quanto na retomada já sob ela, Weghorst seguiu justificando a confiança do Wolfsburg: 16 gols em 32 jogos, ajudando a levar o clube da Volkswagen às oitavas de final da Liga Europa. Finalmente, na temporada atual, 2020/21, viu-se o melhor do atacante nos Lobos, que garantiram vaga na Liga dos Campeões: 20 gols em 34 jogos, só abaixo de Robert Lewandowski, Erling Haaland e André Silva na tabela de goleadores do Campeonato Alemão. Desde Roy Makaay um "homem-gol" vindo da Holanda (Países Baixos) não se destacava tanto na Bundesliga - Weghorst foi o quinto neerlandês a alcançar 50 gols em sua passagem pela liga germânica.

Weghorst nem demorou para virar o homem-gol do Wolfsburg, nas últimas temporadas (DFL)

Na seleção, por muito tempo Weghorst não passou das listas preliminares de convocados: Luuk de Jong, mais experiente, ganhou a preferência. Quando lamentou que o bom desempenho no Wolfsburg passava em branco nas chamadas ("Estou muito decepcionado"), Frank de Boer sinalizou um pedido de desculpas ("Ele está fantástico"). Incluído na convocação preliminar, o atacante até se emocionou ao comentar o fato, em entrevista.

E finalmente, as circunstâncias possibilitaram. Enfim, Weghorst está na seleção - e logo na pressão de uma Euro. Cabe a ele dar razão a tanto alarido, se puder.

(Pro Shots)