domingo, 27 de dezembro de 2015

Entrevista: Rodrigo Bueno (última parte)

Após a revelação de que Johan Cruyff está com câncer no pulmão, você colaborou de novo com a Folha, fazendo um texto sobre a relação de Cruyff com o cigarro. Comente um pouco sua visão sobre a importância do "Nummer 14" para o futebol mundial nos últimos 41 anos.

Cruyff foi, é e será sempre um dos principais jogadores de todos os tempos. Pelo que fez em campo e pelo legado que deixou. Ele é o símbolo maior do futebol total, do jogador moderno, múltiplo. Sempre foi um cara muito inteligente e inovador, como jogador inclusive.Ele foi fundamental para o Barcelona virar o que virou, uma escola e um símbolo de bom futebol. Sua carreira como jogador (não como atleta... - risos) foi brilhante. Nem a derrota na Copa, nem mesmo o fato de ele ter disputado só um Mundial o tiram da lista dos maiores do esporte. Alguma de suas ideias e frases sobre futebol são maravilhosas. Esse sim foi um jogador diferenciado.

Em 1999, no meio de todas aquelas eleições de "melhores do século XX", o jornal De Telegraaf fez Cruyff (colunista do jornal até hoje) eleger a "Oranje van de eeuw", a "Laranja do século". A escalação foi essa: Van der Sar; Gullit, Rijkaard e Krol; Neeskens, Cruyff e Van Hanegem; Van Basten, Faas Wilkes, Abe Lenstra e Piet Keizer. Alteraria alguma coisa? E dos jogadores que você viu na Oranje, qual seria a sua seleção?

Bom, vou montar a seleção com jogadores de 1974 para cá. Van der Sar; Koeman, Frank de Boer e Krol; Rijkaard, Bergkamp, Gullit e Neeskens; Robben, Van Basten e Cruyff. Poderia colocar o Davids no meio e puxar o Rijkaard para a defesa no lugar do Koeman. Sneijder e Van Persie ficam no banco.

Para encerrar, uma pergunta bem humorada: já conseguiu perdoar Robben, após ele perder AQUELA chance, naquele segundo tempo em Joanesburgo, na final da Copa de 2010?

Nunca vou perdoá-lo por isso. Ele esteve muito perto de realizar um raro sonho que tenho na vida que ainda não realizei. Não sei quantas oportunidades terei mais para ver a Holanda ser campeã mundial. Eu não consigo perdoar até hoje o Van Nistelrooy porque ele errou um gol de letra contra o Brasil em Salvador, num jogo que terminou 2 a 2 e que deveria ter sido 3 a 2 de virada para a Holanda, com um gol antológico do Van Nistelrooy [referência ao amistoso contra a Seleção Brasileira, em 5 de junho de 1999]. Imagina se vou perdoar Robben então... Nunca!

(Abaixo, o amistoso supracitado, com a chance de Van Nistelrooy mencionada por Rodrigo, a partir de 3min10)

sábado, 26 de dezembro de 2015

Entrevista: Rodrigo Bueno (3ª parte)

Pela Folha, você cobriu as Copas de 2006 e 2010 (afinal, 2002 não tinha a Oranje); pela FOX Sports, trabalhou na Copa de 2014. Conseguia alguma pauta para trabalhar acompanhando as delegações holandesas?

Cobri a Copa de 2002 in loco também e acabei torcendo pelo Brasil pelas circunstâncias. É bem mais legal cobrir Copa quando a Holanda está presente e quando ela está ainda na competição. Trabalho normalmente de olho em todas as seleções, não posso profissionalmente cobrir apenas a seleção da Holanda. Fiz em 2006 os jogos contra Sérvia e Montenegro e Costa do Marfim (duas vitórias), fiz em 2010 os jogos contra Camarões, Japão, Eslováquia e Espanha (só perdemos a final) e em 2014 comentei a virada sensacional sobre o México nas oitavas. Costumo dar sorte para a Laranja, mas atuei nesses jogos com todo o profissionalismo possível, escrevendo e comentando como um jornalista deve fazer, com isenção. É normal colegas de profissão me perguntarem muita coisa da Holanda porque sabem que acompanho muito o time, acho até que pauto muitos dos meus companheiros. Pautas legais que eu poderia fazer eu acabo terceirizando (risos).   


2014. Copa do Mundo no Brasil. A Oranje chegou meio desacreditada (tanto que você palpitou eliminação na primeira fase), mas conseguiu uma honrosa terceira colocação. Algum momento marcante da campanha da equipe de Louis van Gaal, para você? E qual a análise sobre a campanha? As perspectivas para a qualificação rumo à Copa de 2018 são ruins?

Foi a segunda Copa seguida que a Holanda queimou a minha língua. Ainda bem (risos). Em 2010, também não via a Holanda com muitas chances de ir à final, mesmo tendo consciência de que aquela equipe era muito competitiva. Na verdade, entendo que nesses dois últimos Mundiais a Holanda tinha apenas três craques: Robben, Sneijder e Van Persie. Em 2010, Van Persie não foi bem. Em 2014, Sneijder é quem ficou abaixo. Apesar disso, quem poderia ter nos dado o título mundial foi Robben, que perdeu duas grandes chances na final contra a Espanha em 2010 e a grande chance do jogo contra a Argentina na semifinal de 2014. 

Meu grande momento em 2014 com a Holanda foi o jogo contra o México, o único que comentei da equipe na Copa. Fui para Fortaleza muito animado com a chance de comentar meu primeiro jogo de mata-mata de Copa do Mundo. Sabia que seria um jogo enroscado: o México tem feito duras partidas contra a Holanda e vinha de fato jogando bem. Contra a Holanda, fez boa partida, mas perdeu a vaga nos minutos finais. Na transmissão, foi tudo bem. É claro que me empolguei com o golaço de Sneijder no fim e a virada no pênalti de Huntelaar. Fiz bons amigos mexicanos e os respeitei bastante, até porque eles se sentiram lesados pela arbitragem (não concordaram com o pênalti em cima de Robben de uma forma geral).Eu pude ver boa parte do estádio laranja, a torcida da Holanda é normalmente bem animada, e houve uma grande euforia pelo lado da chave em que a Holanda ficou na Copa. 

Depois de passar por um grupo difícil, o caminho ficou bem acessível até a semifinal. Minhas dúvidas antes da Copa sobre esse elenco da Holanda viraram certeza de que o time renderia bem até o fim, como acabou acontecendo. Era para termos vencido a Costa Rica no tempo normal ainda. Era para termos vencido a Argentina com um gol de Robben no final. E era para termos sido campeões do mundo em cima da Alemanha para vingar 1974. Era... (risos).

Sobre a classificação para a Copa de 2018, estou temeroso. A renovação da equipe se faz necessária e não temos tanto material humano bom assim, tanto que ficamos fora de uma Eurocopa de 24 seleções, algo vergonhoso. Ainda caímos num grupo duro, em que há uma França favorita e uma Suécia perigosa com Ibrahimovic. Não será nada fácil. Corremos sim risco considerável de terminarmos em terceiro lugar.

Depois da bonança de 2014, a tempestade, com a ausência na Euro 2016. Algum comentário do jornalista/torcedor para explicar o vexame nas eliminatórias?

Não há muito como explicar esse vexame. A Holanda precisou se esforçar muito para nem ir à repescagem. Perder da República Tcheca é algo até normal ao longo da história, mas ser derrotado duas vezes pela Islândia foi demais. Perder fora para a Turquia também é algo que dá para entender na fase atual de transição do time, mas a própria Turquia vacilou muito e deu todas as chances para a Holanda ficar ao menos em terceiro lugar. Após a Copa, alguns jogadores caíram muito de produção. É o caso de Blind e Van Persie, por exemplo. Houve troca no comando técnico, o que não é recomendável, e a sucessão do Van Gaal não foi bem conduzida. Alguns jogadores importantes se lesionaram, caso de Robben na reta final. 

Creio que a Holanda também se deixou levar muito pela boa campanha na Copa e pela suposta fragilidade do grupo. Em alguns jogos, parecia achar que venceria naturalmente. Foi assim contra a Islândia e a própria Turquia em casa. Teve um pouco de salto alto também porque parecia fácil demais a classificação. O time se deu ao luxo de mudar o esquema da Copa, em que a defesa contava com cinco homens e muita proteção, para ficar mais ousada, mais adequada ao sistema holandês. O time não melhorou na frente e piorou muito atrás. Não temos grandes defensores. Esses foram bem antes porque estavam bem protegidos. Que a experiência sirva de lição para os próximos anos. E que a Holanda rapidamente produza novos craques.


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O 2015 do futebol holandês: crise escancarada

Frank de Boer pensou o que todo o futebol holandês de clubes pensa: o que fazer? (Jasper Juinen/Getty Images)
“O desmascaramento da Oranje em 2015.” Assim foi intitulado um texto do jornalista Willem Vissers, para o diário “De Volkskrant”, comentando sobre a desastrada (e desastrosa, como se veria) transição entre Guus Hiddink e Danny Blind no comando da seleção holandesa. Pois bem: se quisesse, Vissers poderia muito bem ter escrito sobre o desmascaramento do futebol holandês em 2015. Foi um ano que expôs de modo nu e cru o estado preocupante da modalidade na Holanda.

Houve uma tentativa de acreditar que a crise podia ser contornada. A própria seleção nacional deu essa impressão: em março, o empate em casa com a Turquia (eliminatórias da Euro) mostrara as falhas sérias que a Oranje tinha, mas a vitória no amistoso contra a Espanha podia indicar alguma evolução. Pois bem: não indicou, como ficou claro nas rodadas finais da qualificação para o torneio europeu, já sob o comando de Blind. As atuações lamentáveis decretaram o vexame da primeira ausência holandesa num importante torneio de seleções desde a Copa de 2002 - e avermelharam de vez um sinal que já andava amarelo desde que as eliminatórias começaram, em setembro de 2014.

Mesmo que a crise interna do futebol holandês já esteja clara há quase uma década, alguns bons resultados da Laranja nos torneios (as atuações auspiciosas na Euro 2008, o vice-campeonato mundial em 2010, o terceiro lugar surpreendente na Copa de 2014) minoravam o impacto da crise. Mas em 2015, não houve como fugir disso: a ausência da equipe nacional na Euro 2016 escancarou sem rodeios o cenário combalido que os clubes já mostram, temporada após temporada.

É fácil repetir a ladainha de que a falta de adaptação à Lei Bosman dilapidou a competitividade continental da Holanda no futebol europeu. Fácil e correto. Mas não justifica completamente a depressão vivida neste 2015 que está acabando. Uma explicação mais completa precisa mencionar um tema comentado perfeitamente pelo jornalista Pieter Zwart, no site catenaccio.nl (e traduzido para o inglês por Michiel Jongsma, do blog BeneFoot): o futebol holandês está perdido dentro de campo. Há muito tempo. E curiosamente, está perdido justamente por manter o lado mais envelhecido do seu estilo de jogo. 

Embora o conceito de “escola” esteja cada vez mais maleável, no sentido tático do futebol, ainda é possível apontar a essência da “escola brasileira”, da “escola argentina”, da “escola italiana”, da “escola alemã” etc. A questão é que todos esses países, em algum momento, puderam mesclar a essência aos avanços táticos naturais – aliás, mesclaram tanto que isso foi até danoso em alguns casos, como no brasileiro. Sem contar a maior possibilidade de gastos com preparações e transferências que a Europa tem, possibilitando um salto de desempenho impossível de ser igualado.

Pois bem: na hora de particularizar o desenvolvimento das escolas táticas ao redor do mundo, é que se vê como a Holanda ficou defasada. Enquanto Alemanha e Espanha despontaram, por exemplo, misturando o melhor do Futebol Total (a velocidade, a verticalidade no ataque, o esforço coletivo na marcação por zona, pressão incessante na saída de bola adversária) com os avanços na preparação física, os holandeses ainda apostam em variações preguiçosas do 4-3-3, em que só há troca de passes e, vez por outra, uma jogada mais aguda de ataque.

Exemplos assim campeiam no Campeonato Holandês. Talvez o maior deles seja o Ajax, que repetiu domesticamente a história da seleção holandesa. Enquanto ganhou o tetracampeonato nacional entre 2010/11 e 2013/14, os erros na concepção do time eram relevados. Neste 2015, a Eredivisieschaal não veio. E a participação continental foi indefensável, com as eliminações na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões e na fase de grupos da Liga Europa. Mesmo assim, a equipe seguia apostando no 4-3-3, que tocava e tocava a bola no meio esperando um espaço na defesa adversária para criar as jogadas e fazer os gols. 

Contra a maioria dos adversários na Eredivisie – também com a defesa desacelerada e espaçada -, isso até é possível, como se vê em muitas rodadas. Não à toa, os Ajacieden lideram o torneio após o turno, encerrado no domingo passado. Já nos torneios continentais, contra adversários mais capacitados, o que se viu foi uma exasperante ineficiência, uma assustadora falta de criatividade. Também não é à toa que essa disputa entre o pragmatismo e o apego à velha tradição provocou o racha na diretoria do Ajax, enfim encerrado com o acordo entre o demissionário Wim Jonk, ex-diretor das categorias de base, e a direção do clube, que já contratou Patrick Ladru para a função - nome defendido por Marc Overmars e Dennis Bergkamp, os "vencedores" da cisão.

Já o PSV mostrou um estilo bem mais conservador no 4-3-3. Uma defesa dedicada, que conta com o apoio de Andrés Guardado e Jorrit Hendrix na marcação, já desde o meio-campo. E que tem pelas pontas ajuda mútua entre os atacantes, que marcam a saída de bola, e os laterais, que podem avançar vez por outra. Jogando assim, os Eindhovenaren mostraram consistência elogiável na temporada. E foram premiados com a primeira classificação de um holandês às oitavas de final da Liga dos Campeões desde 2006/07.

Há outros bons exemplos. Vários clubes “médios” mostraram esse estilo de jogo que trouxe mais pragmatismo ao futebol holandês, sem tirar totalmente sua essência ofensiva. E obtiveram bons resultados. Campeão da Copa da Holanda em 2014/15, o Groningen faz boa campanha no Holandês, com uma equipe bem veloz, que fornece rapidez nas chegadas ao ataque, pelas pontas, mas também tem esforço conjunto na marcação - desde o meio-campo, onde Hedwiges Maduro persegue os adversários junto de Simon Tibbling, que por sua vez também pode sair jogando. Tudo isso com o 4-3-3 como esquema básico.

Mesmo caso de Heracles Almelo e Vitesse, outras duas boas surpresas. No Heracles, a defesa tem o mérito de se manter compacta durante os 90 minutos, possibilitando que o meio-campo avance constantemente para o ataque - não à toa, um armador, Iliass Bel Hassani, é dos destaques dos Heraclieden na temporada. Já o Vitesse se vale de métodos parecidos com os do Groningen: tem um ataque muito acelerado (destaque para a revelação Dominic Solanke), possui um bom ponta de lança em Valeri Qazaishvili, mas tem ajuda de todos esses na marcação, desde a área de defesa adversária.

O Zwolle, por sua vez, faz mais uma boa temporada apostando no 4-2-3-1 conservador, com uma barreira de até seis homens na defesa (os dois volantes são predominantemente marcadores), enquanto o meio-campo tem dois homens velozes pelos lados, ajudando nas jogadas o atacante finalizador (já foi Tomas Necid; hoje, é Lars Veldwijk).

Sem contar que, ao olhar para o que Bayern e Barcelona fazem, nota-se: a “escola holandesa” de jogar bola ainda vive. Só não está mais na Holanda. E nem parou no tempo, como ainda se acredita nos Países Baixos. Que sofrem com esse atraso tático, mais a natural desvantagem financeira em relação a grandes centros. Prova disso é que, a despeito da surpresa agradabilíssima do PSV na Liga dos Campeões, a Liga Europa viu desempenhos lamentáveis das equipes holandesas. Basta dizer que só houve uma vitória holandesa na fase de grupos do torneio (o 2 a 1 do Ajax no Celtic, na quinta rodada, em novembro).

Resta olhar esses bons exemplos que ainda surgem e esperar que sejam a luz no fim do túnel. Só assim, o péssimo ano do futebol holandês terá servido de algo.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 24 de dezembro de 2015)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Entrevista: Rodrigo Bueno (2ª parte)

Certamente você tem alguma(s) camisa(s) laranja(s) da seleção. Dá para considerar que é coleção ou é somente uma aqui e outra ali?

Tenho muitas camisas da Holanda, sim. Virou algo corriqueiro ganhar camisas da Holanda de presente. Houve um tempo em que eu até pedi para a família parar de me dar camisas e coisas laranjas. Meu guarda-roupa normal estava virando quase 100% laranja. Só que, curiosamente, a marcante camisa da Holanda de 1988 eu não tenho ainda. A camisa que eu mais deveria ter, ainda não tenho. Certamente eu vou adquiri-la em algum momento diferenciado. 

Em 2010, precisamente em 7 de janeiro, você escreveu uma coluna lembrando dos 15 anos que completava na Folha, e de como ficara mais fácil se atualizar sobre futebol internacional, com o advento da internet. E para saber sobre a seleção da Holanda, quais as facilidades que você tem agora e não tinha em 1997, quando começou com a coluna na Folha?

Eu comecei com a minha coluna de futebol internacional na Folha no primeiro semestre de 1997. Fui o sucessor do mestre Silvio Lancellotti nesse nobre espaço do jornal, uma responsabilidade e tanto. Eu já fazia muito uso da internet desde 1996, quando cobri de forma experimental a Copa Africana de Nações na África do Sul entre janeiro e fevereiro. Na época, havia dois computadores apenas na redação da Folha com acesso à internet. Lembro que tinha cartazes em cima dos computadores, estimulando os jornalistas a usar aquela moderna ferramenta. Quase todo mundo passava pelos dois computadores e nem mexia na internet, era mesmo um novo mundo, bem estranho. 

Na Eurocopa da Inglaterra, no meio de 1996, eu já estava bem familiarizado com a internet e cobri o torneio do Brasil mesmo usando a grande rede. Foi uma cobertura tão boa quanto diferenciada. Não estava in loco, mas dei muitas informações que só eram possíveis devido ao uso da internet. Houve quem me criticasse por essa cobertura distante e muito virtual, mas já não havia volta. Eu podia colher frases de jogadores e técnicos dos sites da Uefa, das federações nacionais, dos clubes, dos mais diversos veículos de comunicação. Tudo isso sem estar na Inglaterra. Nada substitui estar presente no local do evento, mas sabemos hoje que o ideal é estar no local do evento conectado com a internet, com o mundo. Ainda mais para quem cobre futebol internacional. Em seu auge na Folha de S. Paulo e na TV Bandeirantes, o mestre Lancellotti não tinha essa poderosa arma à sua disposição. Ele e os adoradores do futebol mundial torciam para chegar em uma ou outra banca do centro da cidade uma revista estrangeira. Essa quase sempre servia como guia para a temporada. Hoje em dia vemos vários guias de futebol europeu produzidos no Brasil mesmo, os tempos são outros. 

Sobre a Holanda em especial, era ainda mais difícil obter boas informações. Ler a mais tradicional revista do país, a Voetbal International, era algo impensável, ainda mais em holandês (risos). Era mais fácil ver análises de fora da Holanda sobre o futebol da Holanda. Sabia mais do Gullit e do Van Basten pelo que via na Itália, por exemplo. Sabia mais do Cruyff pelo que lia em espanhol. Hoje há mais sites, jornalistas e fontes de quem posso pegar informações boas sobre o futebol holandês sem saber nada de holandês. A globalização faz com que quase todo mundo tente se comunicar mais e melhor com o mundo. O Campeonato Holandês inclusive passou a ser transmitido regularmente para o Brasil, isso faz muita diferença em relação a 1997. Antigamente, era raro ver jogos da seleção holandesa na tevê brasileira, exceto em Copas e Eurocopas. Hoje em dia, quase todo jogo amistoso da Oranje é exibido no Brasil. Temos como ver todas as partidas na internet, a Holanda agora é logo ali (risos). 

Sabe-se que você é um admirador do futebol europeu em geral, a ponto da hoje célebre frase "o futebol europeu vai dominar o mundo" ter intitulado uma coluna sua na Folha, em 7 de abril de 2011. Por mais que ele tenha nível técnico abaixo da crítica, o Campeonato Holandês tem algum espaço nessa admiração, ou só o Ajax?

A frase antológica que eu lancei foi “O futebol mundial vai dominar o mundo”. Trata-se de uma redundância, um trocadilho, mas é uma verdade, algo cada vez mais atual. Criei essa frase porque na imprensa esportiva brasileira quase sempre havia (e muitas vezes ainda há) uma separação de “Futebol” e “Futebol no Mundo”, como se fossem duas coisas bem diferentes, como se fossem dois esportes diferentes. Tinha chapéu [nota do blog: no jornalismo, "chapéu" significa uma pequena palavra acima de um texto, indicando o assunto a que ele se refere] para basquete, automobilismo, tênis, vôlei e futebol mundial na Folha, por exemplo. O que eu queria dizer, e hoje muitos entendem, é que o tal “futebol mundial” ia ganhar cada vez mais espaço, mais importância, mais popularidade. Cada vez mais, os campeonatos estaduais e os torneios regionais perdem espaço e relevância diante dos grandes torneios internacionais. Isso é reflexo da globalização, da internet, do videogame, das mídias sociais... o mundo ficou pequeno, tudo está ao alcance. Um indiozinho da Amazônia talvez tivesse acesso há algum tempo “apenas” a uma rádio que transmitia jogos dos Flamengo. Esse indiozinho hoje talvez veja o Barcelona de Messi e o Bayern de Guardiola sistematicamente. O futebol europeu reúne a nata da modalidade, é natural que seja hoje a maior referência do esporte mais popular do mundo. 

Da mesma forma, o futebol holandês não é o mais endinheirado da Europa, assim seu campeonato não é tão poderoso nem muito badalado. Entendo que muita gente não se interesse pelo Campeonato Holandês. Não é o meu caso. Além de ser um jornalista esportivo que busca notícias e informações de todos os lugares do mundo, eu tenho uma adoração pelo futebol holandês. Então sigo sim o “Holandesão”, mesmo quando não estou trabalhando diretamente na cobertura dele, e mesmo quando meu querido Ajax não está em campo.   

Euro 1996, Copa de 1998, Euro 2000, ausência da Copa de 2002, Euro 2004, Copa de 2006, Euro 2008, Copa de 2010, Euro 2012, Copa de 2014, ausência da Euro 2016... a lista de frustrações da Oranje só aumenta. E você noticiou ou comentou cada uma delas, fosse na Folha ou em seu blog no FOX Sports. Para você, torcedor assumido e militante da seleção laranja, qual dessas decepções doeu mais? 

A maior dor que eu tive com a seleção da Holanda foi na Euro 2000. Doeu muito ter perdido aquela, fiquei um mês pelo menos muito mal tentando me recuperar daquela derrota. Por vários fatores, aquele fracasso me machucou demais. Em primeiro lugar, o time da Holanda era bem bom. Apostava muito naquela base da Copa de 1998, que poderia (e deveria) ter sido campeã mundial na França. 

Em segundo lugar, a Holanda abrigou a competição. Eu nunca tinha visto a Holanda ser sede de nenhum torneio importante de futebol. Entendia que seria uma prova de grandeza a Holanda se impor mais sobre os adversários. Muitos ganharam torneio como anfitriões mesmo não sendo grandes times. Achava que a Holanda tinha mesmo a obrigação de ganhar aquele torneio. Foi a única vez que me senti, como torcedor da Holanda, obrigado a ser campeão. E isso não aconteceu  por causa de um jogo inacreditável. Foi quase uma "Batalha dos Aflitos" aquela semifinal entre Holanda e Itália [nota do blog: 0 a 0 em 120 minutos, Itália 3 a 1 nos pênaltis]. A Holanda pressionou o tempo todo, criou inúmeras chances, desperdiçou dois pênaltis no tempo normal, jogou muito tempo com um jogador a mais [nota do blog: Zambrotta fora expulso aos 33 minutos do primeiro tempo] e mesmo assim não conseguiu vencer aquela Azzurra, que nem era tudo aquilo. Não deu para engolir. Ali eu senti mesmo que o time amarelou, inclusive na disputa de pênaltis (nosso velho trauma). Respeitava apenas a França, que viria a ser campeã (e foi derrotada na fase de grupos pela Holanda numa grande virada) [nota do blog: 3 a 2 Holanda], e a República Tcheca, nossa tradicional carrasca (foi batida também pela Holanda na fase de grupos) [nota do blog: 1 a 0 Holanda)

Depois dessa derrota, eu jurei que nunca mais sofreria tanto por um tropeço da Holanda. Vi a final da Copa de 2010 torcendo como louco ao lado do Tostão - que torcia pela Espanha, então. Foi duro ver a realização de um sonho escorrer pelos dedos e pelos pés do Robben, mas nada se compara à dor que eu senti com aquela derrota para a Itália. Curioso ver que, quando eu torcia para o Brasil, só chorei naquele 3 a 2 da Azzurra no Sarriá em 1982... 

Em 9 de setembro de 2001, numa coluna sobre a eliminação holandesa ainda na qualificação para a Copa do Mundo do ano seguinte, sua coluna na Folha criticando o estilo técnico/tático da Seleção Brasileira de então, dizendo que torceria por Portugal, de estilo tão exuberante quanto o que a Holanda tinha então. Pois bem, a Oranje já não tem mais aquele estilo de coletividade maciça, de troca de passes incessante, de ofensividade quase suicida. Pelo menos desde a Copa de 2010. Sente falta disso ou acha que... faz parte?

Sinto falta disso. E essa questão ficou muito forte na Copa de 2006, quando a Holanda fez o jogo mais violento das Copas contra Portugal, justamente. A Holanda treinada por Van Basten jogava um futebol burocrático naquela época. E olha que o meu ídolo Van Basten tinha por obrigação até em contrato fazer um time vistoso, ofensivo... Van Basten italianizou demais a Holanda. Não gostava do jeito que a Holanda jogava ali, mas torcia como louco como de costume. Diante de Portugal, que tinha Felipão no comando, esperava um duelo entre o bem e o mal, entre o futebol-arte e o futebol-força, entre a técnica e a garra, mas ficou tudo igual. Os dois times apelaram. O Van Basten se igualou ao Felipão naquele jogo, teve pancada e falta de fair play dos dois lados, uma baixaria. Felipão infelizmente levou a melhor, mas a Holanda ao menos foi punida por esse jogo tacanho. Na Eurocopa seguinte, a Holanda não foi campeã, mas ao menos deu bons espetáculos, deu orgulho.  

(Abaixo, o vídeo com os melhores momentos de Holanda x Itália, semifinal da Euro 2000)



terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Entrevista: Rodrigo Bueno (1ª parte)



Dentro da popularização do futebol europeu no Brasil - não só clara, mas inescapável, embora com inegáveis exageros -, há muitos blogs falando sobre os campeonatos/seleções/"futebóis" de vários países. Sobre Alemanha, Itália, Espanha, Inglaterra, França, Portugal... sendo assim, não é de se impressionar que haja alguém doid... quer dizer, ousado e visionário o suficiente para fazer um blog falando sobre futebol holandês. Certo, não há muitos autores - para dizer a verdade, só um -, e a audiência do Espreme a Laranja é inegavelmente minúscula. O que não quer dizer que o blog não devesse ser feito. Muito menos quer dizer que o futebol holandês não tenha seguidores fervorosos, a despeito de todos os dissabores (principalmente neste 2015 que se encerra). 

E um dos seguidores fervorosos da Oranje faz a ponte com o início deste texto. Pode-se dizer que o paulistano Rodrigo Tadeu Guerra Bueno colaborou bastante para a popularização do que outros países fazem no futebol. Primeiramente, por sua trajetória longa na Folha de São Paulo: o jornalista começou a carreira no diário, em 1995, e dois anos depois assumiu o espaço deixado por outro jornalista, Sílvio Lancellotti, iniciando uma coluna dedicada principalmente ao futebol internacional que foi até 2012, rendendo-lhe a cobertura in loco de três Copas do Mundo, uma Eurocopa, duas Copas Américas e três finais de Ligas dos Campeões. Mesmo tendo deixado a redação da Folha, em 2012, Rodrigo segue colaborando até hoje com o jornal. 

Além da indissociável ligação de sua carreira com a publicação da alameda Barão de Limeira, Bueno também desenvolve trabalho já longo nas emissoras esportivas de tevê a cabo. Entre 2002 e 2012, colaborou constantemente com os canais ESPN, principalmente a ESPN Brasil. E desde 2012, enfim, o jornalista é exclusivo dos canais FOX Sports, não só na tevê, mas também com seu blog, o Diferenciado - que já no nome, mostra o traço bem humorado de seus comentários, ao ironizar o uso indiscriminado (e mal empregado, aliás) do próprio termo "diferenciado", sem contar o particular "abrááço" que virou a marca registrada das despedidas das transmissões de "Bubu", como ficou conhecido entre os admiradores.

E entre tantas características que fizeram-no célebre, está a paixão pela seleção holandesa - e entre a admiração por tantos clubes estrangeiros pelo mundo, um carinho especial pelo Ajax. Pois bem, é para isso que o blog entrevistou-o via e-mail. A paixão ficou notória no tamanho da entrevista, a ser dividida em quatro partes. Sendo assim, para encurtar a já longa introdução, melhor apresentar. A partir de agora, a história de amor entre a Oranje e Rodrigo Bueno.

Como você tinha apenas dois anos em 1974, era novo demais para acompanhar as atuações da histórica seleção do Futebol Total. Mas virou torcedor da seleção holandesa desde 1987. Como conheceu e se encantou com a Oranje, a um ano da Euro 1988?

Eu nem tinha dois anos na Copa de 1974, então só fui ver (bastante) o Carrossel em VTs e em fitas que gravei dos jogos daquele Mundial da Alemanha. Costumo mandar para as pessoas como cartão virtual de Boas Festas nos finais de ano um clipe dos melhores momentos de Holanda 2 x 0 Uruguai, em 1974. Foi uma demonstração de futebol total para toda a eternidade. Algo realmente tocante.

Antes de chegar a 1987 e 1988, preciso fazer uma confissão. A primeira lembrança que tenho da Holanda jogando foi na final da Copa de 1978. Lembro que em casa meu pai e alguns outros torciam para a Holanda porque o adversário era a Argentina. E eu, garotinho de tudo, não entendia aquilo, pois os jogadores da Argentina pareciam piratas legais para mim e fiquei encantado com a chuva de papel picado e a festa da torcida. Posso dizer que torci de forma discreta contra a Holanda naquela final que quase vencemos mesmo (essa bateu na trave no final literalmente). Quis o destino que, dez anos depois, eu viraria um torcedor roxo da Laranja (que combinação de cores rs).

Eu comecei no meio dos anos 80 a acompanhar bastante o futebol italiano, então o Eldorado do futebol mundial. A coisa mais normal para mim seria torcer pelo Napoli por causa do Maradona e do Careca. Mas me encantei mesmo com a dupla Gullit e Van Basten. Admirava demais os caras, suas jogadas e virei torcedor do Milan na temporada 1987/88, temporada que acabou mesmo rubro-negra. Começou a Eurocopa de 1988 na Alemanha, e eu já torcia pela Holanda por causa deles, mas era meio que uma apresentação oficial da Laranja para mim.

E a conquista da Euro 88? Qual a importância dela para você, como torcedor - e hoje, 27 anos depois, como jornalista, como você analisa aquele time?

Lembro bem da final contra a União Soviética, time que aprendi a respeitar já na Copa de 1982 (deu trabalho para a seleção brasileira que eu amava) e que tinha o sensacional goleiro Dasaev. Eu vi o jogo em casa com meu pai e vibrei muito nos gols. Quando saiu aquele gol antológico do Van Basten, a alegria foi como a de um time do coração mesmo. Torcia pelo Van Basten e pela Holanda muito já. Nem me dei muito conta de que o técnico campeão ali era Rinus Michels, simplesmente o treinador do século para a Fifa e para quase todo mundo, nem me dei conta direito do Rijkaard, dos Koeman e outros bons jogadores que a Holanda tinha. Eu meio que me fiz uma promessa: dali em diante torceria sempre pela Holanda. E tenho cumprido bem a promessa (risos).

Você tem vários times com que simpatiza. E pelo Ajax, uma de suas "preferências" mais conhecidas, como a simpatia começou?

Eu não vi nenhum jogo ao vivo do Ajax com Van Basten. Queria ter visto ao menos a final da Recopa de 1987, quando fomos campeões com Van Basten decidindo, claro. Fui descobrir que Van Basten tinha sido jogador do Ajax quando ele já estava no Milan. Como ele virou meu ídolo, já tive logo uma simpatia pelo clube de Amsterdã. Depois, fui conhecendo mais a história do time, que deu base para o Carrossel, teve Cruyff como grande nome etc. Não dava para ver jogos do Campeonato Holandês na época, então mal deu para torcer muito pelo clube. Fiz isso na Copa da Uefa 1991/92, quando o Ajax foi campeão em cima do Torino, com Bergkamp - a quem passei a admirar muito -, Frank de Boer, Blind, Jonk, Winter, Roy, entre outros. No Brasil, vi gente torcendo pelo Torino por causa do Casagrande, mas eu fui de Ajax, de boa. A partir dali, como jornalista, ficou mais fácil acompanhar o clube. Vi a montagem daquele Ajax sensacional de Van Gaal que ganharia a Champions League e o Mundial de 1995. Foi a base da poderosa seleção holandesa que poderia (e deveria) ter vencido a Copa de 1998 e a Eurocopa de 2000. Pena que a Lei Bosman praticamente matou o Ajax em termos continentais. Ficou quase impossível para o Ajax concorrer com os endinheirados clubes de Espanha, Inglaterra, Alemanha e Itália, recheados de estrangeiros. Quando havia limite de estrangeiros, a forte base do Ajax conseguia levar a melhor sobre Real Madrid, Bayern, Manchester United etc. Agora, quando aparece um Sneijder ou um Van der Vaart ou mesmo um Ibrahimovic no Ajax, ele sai logo do clube. Só dá para lutar mesmo no mercado interno.

Em 1994, você ainda começava como jornalista: só no ano seguinte começaria sua passagem pela Folha de S. Paulo. E ainda como espectador, você viveu um momento engraçado no Brasil x Holanda das quartas de final da Copa do Mundo daquele ano, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Como foi?

Na verdade, na Copa de 1994, eu ainda não trabalhava na Folha. Eu tentei trabalhar no jornal, fiz teste para ser estagiário no Banco de Dados. Um colega meu que trabalhava no jornal (Rodrigo Bertolotto) me indicou dizendo que eu manjava muito de futebol, de esporte em geral e que eu estudava jornalismo na PUC-SP. Mas um cara pegou minha vaga usando essas mesmas referências. Devem ter perguntado para ele algo como “então você é o cara da PUC-SP que conhece muito de futebol?”. Contrataram o cara pensando que era eu. Vi então a Copa de 1994 como mero telespectador em casa mesmo.

Quem foi para o Vale do Anhangabaú foi meu pai. Ele não quis ver Brasil x Holanda nas quartas de final na mesma casa em que um filho dele torceria pela Holanda. Meu pai nunca digeriu bem essa minha preferência pela Holanda e pelo futebol internacional como um todo. O resto da minha família não ligava muito para minha predileção pela Holanda, mas, quando o Winter empatou o jogo de cabeça, eu levantei da cadeira e me atirei no chão. Minha família então viu que o negócio era sério, deviam pensar que eu só brincava de ser Holanda para sacanear meu pai (risos). A Holanda perdeu o jogo muito por causa do juiz: Romário estava impedido no gol de Bebeto, a bola foi para ele, e Branco cavou uma falta depois de ter feito falta naquele lance que gerou o terceiro gol do Brasil. Lamentei muito, claro, as ausências de Gullit e Van Basten naquela Copa. Mas ambos já estavam bem bichados, essa é a verdade. Com eles, a Holanda poderia muito bem vencer aquela Copa. Na Eurocopa de 1992, a Holanda estava jogando tão bem ou mais que em 1988. Mais um campeonato em que encantamos e não vencemos. 

Já viajou à Holanda? Em caso de resposta positiva, sua viagem teve um "roteiro futebolístico? E lá, virava-se no inglês ou conseguia algo na língua nativa?

Já viajei, sim. E uma viagem, em especial, foi sensacional, do ponto de vista esportivo. Fui em 2000 para lá como jornalista, num jabá de primeiro nível, voei de primeira classe na KLM e tudo. Era para conhecer os preparativos da Holanda para a Eurocopa de 2000, realizada no país e na Bélgica. Deu para conhecer bem os principais estádios holandeses: Amsterdam Arena, De Kuip, Philips Stadion, Gelredome (que era sensação na época pelo teto retrátil e pelo gramado que pode ser removido). Não falava nem falo nada de holandês, a não ser os nomes de clubes, jogadores e técnicos: falo com pronúncia quase sempre errada em relação ao holandês, que é complicado. Falar simplesmente Cruyff ou Seedorf de forma holandesa já é um desafio. Mas na Holanda todo mundo se vira bem no inglês, isso não é problema lá. O povo fala umas três línguas e é muito receptivo, aberto a estrangeiros.

(Nesta quarta, a segunda parte da entrevista com Rodrigo Bueno)

domingo, 20 de dezembro de 2015

810 minuten: como foi a 17ª rodada da Eredivisie

Antes de passar a noite detido, Lestienne chorou e protagonizou história tocante na volta ao PSV (Joep Leenen/ANP)
Vitesse 5x1 Twente

O Twente tinha mais coisas com que se preocupar, além do jogo em si. Afinal, na mesma sexta passada, a prefeitura de Enschede decidiria sobre eventual ajuda no plano de reestruturação financeira do clube. Além disso, a própria fragilidade técnica da equipe dos Tukkers possibilitou um começo acelerado do Vitesse. Em dez minutos, os Arnhemmers já venciam por 2 a 0 (Valeri "Vako" Qazaishvili abriu o placar num cabeceio que pegou em seu cotovelo e enganou o goleiro Joël Drommel; num chute, Milot Rashica ampliou). Antes que a goleada se consumasse, o Twente até melhorou, criou algumas chances, e por fim Hakim Ziyech - quem mais? - diminuiu a vantagem dos mandantes, fazendo seu 10º gol naquela que talvez tenha sido sua última partida pelos Enschedese. Afinal, bastará qualquer oferta um pouco mais vantajosa aparecer em janeiro para o ponta-de-lança marroquino deixar o Grolsch Veste.

Só que a esperança tênue de que o Twente pudesse dificultar as coisas para os aurinegros acabou ainda no início do segundo tempo. Aos nove minutos, uma falha de Drommel causou o terceiro gol do Vites; o goleiro deixou a bola aérea que já defendera cair nos pés de Dominic Solanke. Aos doze, Rashica fez seu segundo no jogo, deixando o placar em 4 a 1. No final, aos 36 minutos, Dennis Oliynyk, vindo do banco, completou o resultado que confirmou a boa campanha do Vitesse no turno que se encerrava nesta rodada. Ao Twente, se fica a necessidade de trabalho duríssimo para sair da zona de repescagem/rebaixamento, sobrou pelo menos uma boa notícia: a prefeitura municipal aceitou participar da reestruturação financeira do clube, doando parte do dinheiro para a renegociação da dívida. Melhor que nada.

AZ 2x2 Utrecht

O jogo em Enschede teve dois (re)estreantes de destaque, mas apenas um deles poderia ter se notabilizado em campo. Pelo AZ, nove anos após deixar o clube onde cresceu futebolisticamente e três anos e meio após sair da Holanda rumo ao Aston Villa, Ron Vlaar jogou sua primeira partida em meio ano, após recuperar-se de lesão no joelho e assinar contrato com os Alkmaarders. Porém, mesmo suportando os 90 minutos, o zagueiro assumiu a falta de ritmo, após o jogo, à FOX Sports holandesa: "Foi pesado, mas não é de se estranhar, quando não se joga futebol em alto nível após seis meses e meio". E ainda assim, quase Vlaar saiu de campo celebrando a vitória: após conterem a pressão inicial do Utrecht, os donos da casa abriram o placar aos 26 minutos do primeiro tempo, em chute de Mattias Johansson.

Porém, os últimos dez minutos do segundo tempo trouxeram a emoção que os 80 anteriores não mostraram no AFAS Stadion. Para começar: aos 35 minutos, Robert Mühren chegou a fazer o segundo gol, mas o árbitro Bas Nijhuis anulou, alegando impedimento de Guus Hupperts na jogada. Eis que, aos 37, apareceu o outro (re)estreante: de cabeça, Ruud Boymans, vindo do banco e retornando ao Utrecht após um ano sofrendo com lesões, empatou a partida. Era só? Não: aos 40, Sébastien Haller confirmou mais uma vez porque o Utrecht já se prepara contra as ofertas por ele na janela de inverno para transferências, ao virar o jogo, marcando seu 11º gol pelo Campeonato Holandês. Mas nem assim os Utregs conseguiram comemorar a terceira vitória seguida: aos 46 minutos, nos descontos, o zagueiro Jeffrey Gouweleeuw converteu pênalti e definiu o 2 a 2 final. Enquanto o Utrecht vai para a pausa de inverno com um sentimento de ascensão, o AZ precisa de trabalho para buscar uma reação, após primeiro turno insípido.

PSV 3x2 Zwolle

Um jogo típico de Campeonato Holandês no Philips Stadion: as tantas falhas defensivas de um lado e de outro tornaram os 90 minutos agradáveis de se assistir. No princípio, agradáveis somente para o PSV. Jogando com muitos desfalques e improvisado num 4-4-2, o Zwolle cometeu erros primários no início, espaçando a linha de defesa. Sorte de Gastón Pereiro: aos sete minutos, o uruguaio foi esquecido pela marcação e pôde escorar livre e em posição legal para fazer 1 a 0. Aos 14, uma troca acelerada de passes com Davy Pröpper, na entrada da área, e Pereiro fez o segundo do jogo. Com boa e precoce vantagem, os Eindhovenaren afrouxaram a marcação no meio. Azar o deles: acelerando o contragolpe com Kingsley Ehizibue e Queensy Menig, o Zwolle começou a chegar. E teve as recompensas no fim da etapa inicial. Aos 39, Héctor Moreno colocou a mão na bola após cruzamento de Ehizibue. Pênalti claro, que Dennis Higler apitou e Bram van Polen converteu. Mais quatro minutos, mais um contra-ataque originado de passe longo, e Lars Veldwijk dominou a bola, entrou na área e bateu sem a menor chance para o goleiro Jeroen Zoet, completando 100 jogos pelos Boeren: 2 a 2.

E o início do segundo tempo mostrou que o Zwolle estava bem mais ofensivo, podendo até conseguir a virada. Somente por volta dos dez minutos é que o PSV achou o mapa da mina de que precisava: as bolas para a área, vindas das pontas. A aposta nessa jogada ficou clara primeiramente com a entrada de Luciano Narsingh, que substituiu (mal, aliás) o lesionado Jürgen Locadia. Mas o segundo substituto rendeu o momento mais tocante da rodada. Enfim reintegrado ao elenco dos Boeren, após receber licença do clube para recompor sua família após a perda dos pais em dois meses, o belga Maxime Lestienne entrou em campo no lugar de Jorrit Hendrix, fortalecendo o ataque, aos 28 minutos. Dois minutos bastaram: aos 30, Lestienne dominou um rebote de bola aérea na área e cruzou para Luuk de Jong fazer seu 13º gol no campeonato, retomando o isolamento na lista de goleadores. Mas se o gol fora de De Jong, o estádio e os próprios jogadores celebraram mais a volta e a felicidade de Lestienne, com o passe para o tento decisivo. O Zwolle até tentou depois disso, mas o PSV conseguiu manter a vitória que se tornou difícil. E que também representou um alento pessoal para Lestienne, choroso ao ouvir a torcida gritando seu nome no fim do jogo. E o triunfo não foi só comemorado por ele, como citou Phillip Cocu: "Comemoramos muito, e era visível como aquilo o tocou; um momento emocionante". Um grande impulso no ótimo momento que o PSV vive, fechando o turno na disputa pela ponta e classificado às oitavas de final da Liga dos Campeões. O brilho só ficou um pouco empanado pela confusão que rendeu algumas horas de detenção a Lestienne e Zoet, após discussão de rua (ambos foram multados pelo clube, mas perdoados).

Heracles 2x1 Groningen

Assim como na semana passada, contra o Vitesse, tratava-se de um jogo contra adversário direto para o Heracles. Vencer os Groningers significaria não só retomar a quarta posição tomada pelo Vitesse na sexta, mas também completar a ótima e surpreendente campanha no turno como "o melhor do resto", já que o trio de grandes se desgarra na briga pelo título. E foi o que os Heraclieden conseguiram, num jogo que teve falhas defensivas nos dois primeiros gols. O tento que abriu o placar em Almelo, aliás, foi o que esquentou a partida: aos 39 minutos do primeiro tempo, Dario Vujicevic devolveu errado a bola, nos pés de Bryan Linssen. E o atacante do Groningen bateu firme para fazer o 1 a 0 que não comemorou; afinal, Linssen defendeu o Heracles até a temporada passada, e revelou até que segue no grupo que o elenco dos Almelöers mantém no WhatsApp.

Mas a vantagem do time do norte não durou dois minutos: Oussama Tannane lançou o ataque em profundidade aos 41, e Brahim Darri cruzou a Paul Gladon, que escapou da marcação de Hans Hateboer e empatou com o primeiro gol de sua carreira no time alvinegro. Então, os 45 minutos finais trouxeram erros no ataque dos mandantes: Gladon poderia ter feito o segundo gol, mas chutou em cima do goleiro Sergio Padt, enquanto o estreante Oussama Idrissou perdeu chance incrível. Mas o zagueiro Gino Bosz salvou o dia: filho de Peter Bosz, técnico do Vitesse (que estava vendo o jogo no estádio Polman), Gino cobrou falta perfeita no minuto final do tempo regulamentar e garantiu a vitória do Heracles para fechar bem o primeiro turno da maior surpresa do campeonato até aqui.

Excelsior 1x4 Cambuur

Bastava uma vitória para os Leeuwarders saírem da penúltima posição da Eredivisie, terminando 2015 com um pouco mais de otimismo. Eis que os visitantes conseguiram-na (têm 13 pontos, como o Twente, mas com maior saldo de gols). E conseguiram-na contando com o destaque de sempre para obter a goleada: no primeiro tempo, aos 34 minutos, Bartholomew Ogbeche abriu o placar contra o Excelsior. Pouco ofensivo na etapa inicial, o time mandante foi ao ataque a partir do segundo tempo: os atacantes Kevin Vermeulen e Nigel Hasselbaink entraram em campo, e os Kralingers passaram a atuar com três atacantes. E até criaram chances para empatarem: Tom van Weert cabeceou a bola na trave, já aos cinco minutos. Só que o abafa acabou, e o Cambuur aproveitou: aos 25 minutos, Ogbeche marcou pela segunda vez, e praticamente assegurou o primeiro triunfo dos auriazuis fora de casa em um ano (!). O meio-campista Jack Byrne fez 3 a 0, e ainda houve dois gols nos acréscimos do jogo: Jamiro Monteiro consolidou a goleada aos 46, e Vermeulen diminuiu para o time de Roterdã, aos 47. Importante resultado para o Cambuur ensaiar a continuação da reação após a pausa de inverno.

Willem II 3x2 Roda JC

Mais um jogo "de seis pontos" na rodada, entre dois times que não estão na zona da Nacompetitie/da queda, mas também não fugiram suficientemente do perigo. Mas ao contrário do que possa parecer, a partida em Tilburg não foi AGUERRIDA e ESTUDADA; foi tipicamente "holandesa", com gols aqui e ali pipocando das falhas da defesa. A primeira veio do zagueiro Frank van der Struijk, do Willem II; ele permitiu um contato mais forte com o atacante Tomi Juric, que caiu na área. Siemen Mulder marcou o pênalti, e Juric fez 1 a 0 para o Roda JC, aos seis minutos do primeiro tempo. Aí surgiu o destaque inesperado do jogo: aos 23 minutos, o zagueiro Dries Wuytens empatou para os Tricolores em chute baixo. E aos 35, Dries virou para os Tilburgers numa jogada fraternal: seu irmão Stijn Wuytens cruzou para a área, e o zagueiro fez 2 a 1 para os mandantes, de cabeça. Dois gols no mesmo jogo: nunca acontecera para Dries Wuytens.

Já no começo do segundo tempo, o Willem II pôde respirar um pouco mais: passe em profundidade de Erik Falkenburg, e Nick van der Velden tocou na saída do goleiro Benjamin van Leer para fazer 3 a 1. O que não quer dizer que a respiração deixou de ser ofegante: aos 24, no terceiro gol surgido em bola aérea na partida, o volante Rostyn Griffiths diminuiu novamente, e a pressão voltou. Poderia ter diminuído, com uma chance que Richairo Zivkovic perdeu nos acréscimos. Pelo menos, o Willem II manteve a vitória, e conseguiu seu quinto jogo de invencibilidade, abrindo cinco pontos em relação à zona perigosa. Não é muito, mas já dá para trabalhar sem a corda no pescoço durante a intertemporada. A preocupação ficou para o Roda JC, que caiu para a 15ª posição (primeira fora).

Heerenveen 0x4 ADO Den Haag

Nada como uma goleada para acalmar ânimos, ainda mais se ela vem fora de casa. A crise com a empresa chinesa United Vansen (e o mecenas Hui Wang) já foi acalmada quando se soube que o dinheiro prometido está a caminho das contas do clube de Haia. Mas era preciso vencer para afastar ainda mais a zona de repescagem/rebaixamento do caminho dos auriverdes. Pior: o time não teria o goleador Mike Havenaar, lesionado. Então, Henk Fräser decidiu colocar o Den Haag num 4-4-2, com Édouard Duplan e Ruben Schaken no ataque. Com a rapidez do meio-campo aproveitando péssimo dia do Heerenveen, cuja defesa tinha muitos espaços, a goleada no estádio Abe Lenstra ficou até fácil para os visitantes. Ela começou aos 21 minutos do primeiro tempo, quando Aaron Meijers foi lançado por Danny Bakker; livre de marcação, o lateral esquerdo chutou forte para fazer 1 a 0.

No segundo tempo, um passe em profundidade pegou o próprio Bakker livre para marcar o segundo dos Hagenaren já aos cinco minutos. Somente aí Foppe de Haan tentou alguma coisa no ataque, colocando o atacante Henk Veerman para aproveitar o jogo aéreo e protegendo mais a defesa com a entrada do volante Branco van den Boomen. Não deu certo: aos 19 minutos, o zagueiro Tom Beugelsdijk subiu para cabecear bola vinda de escanteio e marcar o terceiro gol. Finalmente, aos 46, ainda houve tempo de Kevin Jansen ratificar a goleada do ADO Den Haag e garantir um pouco mais de calma ao fim de ano em Haia, pondo fim à boa sequência do Fean sob o comando de Foppe de Haan.

NEC 3x1 Feyenoord 

Parecia que o Feyenoord seguiria o hábito saudável desta temporada: manter a regularidade contra os clubes médios ou pequenos, para conservar no mínimo a segunda posição, seguindo o arquirrival Ajax a par e passo na tabela. E o primeiro tempo exibiu essa eficiência do Stadionclub: a equipe suportou alguma pressão dos Nijmegenaren no estádio De Goffert, e aos poucos foi chegando mais ao ataque, principalmente com os avanços de Karim El Ahmadi e Tonny Trindade de Vilhena (justiça seja feita: os atacantes não foram bem). Até que aos 20 minutos, Vilhena cobrou falta perfeita, mandando a bola no ângulo oposto do goleiro Marco van Duin, marcando o primeiro gol de bola parada do Stadionclub pela Eredivisie desde março de 2014.  Aí veio o erro: mantendo a vantagem no início do segundo tempo, os Feyenoorders começaram pressionando. Bastou ao NEC aproveitar os tradicionais espaços da equipe de Roterdã pelas laterais para conseguir a virada.

Aos 15 minutos da etapa final, num contragolpe que contou com a lei da vantagem dada pelo árbitro Eric Braamhaar, Anthony Limbombe veio livre pela esquerda e tocou para o meio da área, na saída do goleiro Kenneth Vermeer. O volante Janio Bikel tocou mal e quase perdeu, mas a bola foi caprichosamente para o fundo da rede, decretando o 1 a 1. Mais cinco minutos, e uma falha defensiva de Sven van Beek (mais uma...) rendeu o segundo gol dos mandantes: aos 20, Van Beek tentou recuar de cabeça para Vermeer, mas a bola saiu fraca, Limbombe passou à frente do zagueiro e tocou na saída do goleiro para virar o jogo. Derrubado psicologicamente e apelando para infrutíferas bolas na área após Colin Kazim-Richards entrar em campo, o Feyenoord não trouxe mais perigo. E aos 40 minutos, após cruzamento na área, Christian Santos dominou a bola e fez seu 11º gol na atual temporada. Assim, os Nijmegenaren recuperaram-se do vexame da eliminação para o amador HHC nas oitavas de final da Copa da Holanda, na terça passada. Ao Feyenoord, que tropeçou novamente, resta recuperar-se na intertemporada para voltar com tudo já nas primeiras rodadas de 2016. 

Ajax 2x1 De Graafschap

"Não, não posso estar alegre. Quando você é eliminado da copa nacional e também não avança na Liga Europa, seguramente não dá para ficar feliz. Estamos na frente na liga, e isso é o mais importante. Mas só dá para ter segurança no final." Frank de Boer analisou assim, laconicamente, a primeira metade da temporada do Ajax, falando ao site do clube. Restava, pelo menos, tentar encerrar 2015 com uma vitória respeitável sobre o lanterna da Eredivisie, com a Amsterdam Arena lotada. Bem, ganhar, o Ajax ganhou. Mas seguiu desagradando sua torcida. Durante boa parte do primeiro tempo, repetiu os mesmos erros vistos ao longo desta temporada 2015/16; a falta de eficiência no toque de bola, a falta de engenho para criar jogadas capazes de derrubar fortes defesas como a do De Graafschap. Somente numa jogada de bola parada veio o gol, aos 26 minutos: Nemanja Gudelj cobrou, e Arkadiusz Milik cabeceou bem para fazer 1 a 0. Depois, o goleiro dos Superboeren, Hidde Jurjus, fez boas defesas nas outras chances.

Mas o espaço para contra-ataques foi aberto. Resultado: o De Graafschap aproveitou uma falha da defesa Ajacied para empatar, aos 38 minutos. Ted van de Pavert chutou, Jaïro Riedewald rebateu mal e a bola ficou à feição para o húngaro Kristoffer Vida igualar o placar. Claro, desagradou bastante a torcida dos Amsterdammers. Que só reagiram no segundo tempo: os lados do ataque ganharam mais velocidade com Viktor Fischer e a entrada de Vaclav Cerny na vaga de Anwar El Ghazi (hoje, mal em campo). E foi pelo lado que enfim saiu a jogada do gol da vitória - talvez, o mais bonito da rodada. Fischer cruzou, a zaga visitante rebateu e Riechedly Bazoer arrematou de voleio, no canto de Jurjus, de fora da área, aos 25 minutos. No resto do jogo, o Ajax ainda criou alguns contragolpes perigosos. E embora tenha precisado segurar a pressão do time de Doetinchem, conseguiu os três pontos e a manutenção da liderança isolada até janeiro. E foi só. A vitória não esconde: até a 18ª rodada, primeira do returno, haverá muito trabalho para retomar um nível aceitável de jogo.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

ADO Den Haag: a conta também pode chegar

Hui Wang e Gao Hongbo: duas histórias mal contadas no ADO Den Haag (Laurens Lindhout/VI Images)
A história da decadência do Twente já foi explicitada e explicada nesta coluna, há duas semanas. E como a Trivela noticiou na terça-feira, a federação holandesa já definiu as punições ao clube de Enschede: a cassação provisória (ainda) da licença profissional dos Tukkers, condenando-o a três temporadas de ausência de competições continentais, além do pagamento de multa. Houve quem opinasse que as sanções da KNVB poderiam ter sido mais duras, mas o fato é que elas já foram decretadas, e podem até endurecer. 

Porém, ainda há outro clube do Campeonato Holandês que pode ver más condutas de sua direção colocarem o futebol de campo num caminho muito perigoso: o ADO Den Haag. Por enquanto, a crise em campo está controlada: a ligeira reação das últimas rodadas – até com vitória sobre o Feyenoord – levou o Den Haag ao 12º lugar. Ainda assim, o time de Haia chegou a ficar oito rodadas sem vencer nesta temporada da Eredivisie; e na Copa da Holanda, caiu logo em sua primeira partida, na segunda fase, para o amador Genemuiden (3 a 3, vitória por 3 a 1 nas cobranças de pênalti).

Não era o que se esperava quando foi anunciada a venda do clube para a United Vansen, empresa chinesa de marketing esportivo, em janeiro deste ano, após negociações arrastadas. Afinal de contas, o mecenas Hui Wang chegou prometendo um aporte de 8 milhões de euros nos auriverdes. De quebra, é justo dizer que os atacantes contratados têm nível razoável para os padrões da Eredivisie. Não à toa, Ruben Schaken, Mike Havenaar e Édouard Duplan são considerados os melhores jogadores da equipe até agora (principalmente o atacante nipônico).

Só que o tempo passou, e as primeiras rachaduras começam a colocar a parceria a perigo. Tudo por causa de uma pergunta simples: cadê o dinheiro? Após investir em algumas contratações, a United Vansen fechou a torneira sem explicações à diretoria, retardando o cumprimento das promessas feitas sobre o pagamento da dívida do clube. Das três parcelas do débito, apenas uma foi paga. O que coloca o ADO Den Haag sob perigo de ser colocado na temida “categoria 1” da pirâmide da KNVB, com os clubes que estão na pindaíba.

Pior: no início do mês, o diretor geral do clube, Jan Willem Wigt, revelou que Hui Wang anda fugindo das satisfações necessárias. Falando ao site da revista Voetbal International, Wigt descreveu: “Tudo isso aborrece muito, e coloca a relação [entre clube e empresa] sob pressão. A comunicação está abertamente ruim, e não houve reuniões até agora. O porquê dele se comportar assim? Já me fiz essa pergunta centenas de vezes. A única resposta que consigo supor é que ele não tem dinheiro, de resto, seguem os palpites”. Depois, o diretor ainda alertou, referindo-se à reunião dos acionistas do clube, nesta sexta: “18 de dezembro é uma data crucial”.

A torcida também comungou das indagações de Wigt. A Haagse Bluf, associação de torcedores do clube (não confundir com torcida organizada), divulgou carta aberta a Hui Wang, no dia 9 passado. E nela as indagações já eram mais incisivas: “17 de julho de 2014! Uma data que nós, como torcedores do ADO Den Haag, nunca esqueceremos. Naquele dia tivemos nosso primeiro encontro, e você revelou os planos que tinha. Contratações, uma colocação melhor na tabela, competições continentais, tudo isso nos entusiasmou. E agora? Agora houve uma entrevista coletiva na qual soubemos que há problemas na liquidez do ADO Den Haag porque os pagamentos não chegam”.

Só aí Hui Wang se dispôs a falar. Entrevistado pela emissora de tevê NOS, o chinês explicou a razão dos pagamentos da dívida do clube ainda não terem sido feitos: “Os problemas são consequência de um mal entendido cultural. Ainda precisamos nos acostumar. Pagamentos do exterior passam por uma série de procedimentos. Isso leva a um atraso. Os torcedores do ADO Den Haag não precisam se preocupar”. Contudo, sobrou uma resposta de Wang no mesmo tom de alerta à diretoria: “Também é necessário que o ADO trabalhe mais como uma empresa, que gere mais renda a partir de si”.

Pelo menos, ficara prometida a presença de Wang na reunião desta sexta. Pois bem, ficara: na terça passada, seu filho, Terry, informou que o empresário tem um importante congresso organizado pela federação chinesa, e sua presença em Haia fica inviabilizada. Wang até disse que está completamente aberto para a marcação de uma nova reunião com os acionistas. Todavia, está claro que a confiança na relação entre ADO Den Haag e United Vansen se esvai dia a dia.

A bem da verdade, em outros setores do clube ela já andava cambaleando. Basta falar sobre a até hoje estranha chegada de Gao Hongbo ao clube. O treinador chinês, que passou pela seleção asiática entre 2009 e 2011 (e estava no Jiangsu Guoxin-Sainty), foi trazido para ser uma espécie de “assessor” de Henk Fräser. Embora não seja um auxiliar técnico propriamente dito, serviria para trocar experiências e conhecimentos com Fräser – pelo menos foi o que informou o assessor de imprensa do ADO, Ronald van der Geer. 

Entretanto, Hongbo chegou a Haia com o jornal De Telegraaf lembrando de acusações de corrupção sobre o treinador, que teria dado ao presidente da federação chinesa um laptop e milhares de euros para suborná-lo, em troca do cargo de técnico no Xiamen Hongshi. Nada foi provado, e um ex-técnico holandês que conheceu Hongbo na China, Arie Schans, foi enigmático: “Em todo jogo com um atleta que foi comandado por mim, este me dá um presente. Se é corrupção? Posso lhe garantir: aqui diariamente se presenteiam os outros. No futebol, no voleibol, em negócios”. Ainda assim, por seu contato próximo com Hui Wang, por algum tempo Hongbo foi acusado de conspirar pela queda de Fräser. Até agora, o treinador do ADO segue no cargo, com a ligeira reação.

O problema é que ninguém sabe até onde vão as evasivas de Hui Wang, e qual é o grau de uma eventual mentira do chinês. E isso já começa a irritar alguns personagens importantes da história do clube. Ícone do Den Haag (nasceu em Haia e teve duas passagens pelo clube, como jogador), Dick Advocaat já começou com as críticas: “Ainda antes de eu ir para o Sunderland, conversamos em Schiphol [aeroporto de Amsterdã]. Ele tinha ideias fantásticas, então. Alcançar o top 5 [da Eredivisie], jogar competições europeias em dois anos, e investir quinze milhões em dois anos. Tudo maravilhoso, mas até agora nada de concreto foi realizado”. Finalmente, o treinador ainda sugeriu: "Talvez seja melhor que alguns empresários de Haia tragam algum dinheiro para comprar o clube. E com Rob Jansen [agente de jogadores], Kees Jansma [jornalista] e os advogados Wim Nam e Harro Knijff, teríamos uma união admirável de gente que realmente conhece a cidade".

A verdade é que o prazo de Hui Wang vai se esgotando. E o ADO Den Haag espera poder se recuperar para que minore o perigo de seguir pela via-crúcis que arranha o Twente.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 18 de dezembro de 2015)

domingo, 13 de dezembro de 2015

810 minuten: como foi a 16ª rodada da Eredivisie

Ayoub comemora vitória do Utrecht: três grandes tropeçaram na rodada (Gerrit van Keulen/VI Images)
Heerenveen 2x1 Excelsior

"Não temos medo, porque Foppe está aqui." Assim cantava a torcida do Heerenveen antes da partida no estádio Abe Lenstra, homenageando o grande técnico de sua história, novamente no comando da equipe. Mas os 90 minutos mostraram que o temor não era necessário nem mesmo se o técnico dos frísios fosse outro: o Fean não teve o menor problema contra o Excelsior. Tendo como destaque o atacante Henk Veerman, substituto do suspenso Mitchell te Vrede, o time chegava com tranquilidade ao ataque. O gol do zagueiro Kenny Otigba, aos 22 minutos do primeiro tempo, desviando escanteio, até demorou. Na etapa final, num chute sinuoso em que houve falha do goleiro Tom Muyters, Sam Larsson ampliou para os alviazuis. Nos acréscimos, Jeff Stans ainda descontou para os Kralingers, de pênalti. Mas era tarde para evitar a quarta vitória do Heerenveen sob o comando de Foppe de Haan, que fez o time começar a chegar na disputa pelos play-offs por Liga Europa. E a torcida não temerá nada por um tempo mais longo do que o esperado: afinal, Foppe acertou-se com a diretoria e seguirá como técnico até o fim da temporada. 

ADO Den Haag 1x1 Willem II

O primeiro jogo do sábado já foi atrapalhado pelo clima invernal que já se aproxima da Holanda, com muito vento e muita chuva em Haia. Mais um fator a dificultar, em campo, uma semana já dificílima para o Den Haag fora dele, com a séria crise na parceria com a empresa chinesa United Vansen. A vitória até poderia ter acontecido para os mandantes: afinal, aos 33 minutos do segundo tempo, após mais um passe de Édouard Duplan (com sete assistências, é o líder do quesito no Campeonato Holandês), Kevin Jansen chutou, a bola resvalou no zagueiro Jordens Peters e enganou o goleiro Kostas Lamprou. Porém, na etapa complementar, a dureza da defesa dos Hagenaren foi punida. Se no primeiro tempo o zagueiro Tom Beugelsdijk já escapara de ser expulso, após uma dura falta que só ficara no amarelo, aos nove minutos da etapa final o lateral direito Dion Malone foi expulso pelo árbitro Allard Lindhout, ao puxar Lucas Andersen na área, em chance clara de gol. Pênalti, que Nick van der Velden converteu, empatando para o Willem II. E ficou nisso, graças às condições de jogo em Haia, que só pioraram com o decorrer do segundo tempo.

Cambuur 3x1 NEC

Entre maio de 1993 e janeiro de 1994, o Cambuur ficara exatas 20 partidas sem vencer pela Eredivisie. Era o recorde negativo sem vitórias da história dos Leeuwarders na Eredivisie, que poderia ser igualado em caso de revés contra o NEC. Felizmente para a torcida, a equipe da casa reverteu as más expectativas que tem merecido, e conseguiu enfim a sua primeira vitória na temporada 2015/16. E se houve um destaque supremo para a vitória até surpreendente sobre os Nijmegenaren, foi exatamente o jogador de quem a torcida dos auriazuis mais espera: o atacante nigeriano Bartholomew Ogbeche. Ele abriu o placar ainda no primeiro tempo, aos vinte minutos, desviando cobrança de escanteio. E também recolocou o Cambuur na frente, já no segundo tempo (quatro minutos), de novo completando córner de Xander Houtkoop - por sinal, quem cometera o gol contra que empatara o jogo, também num tiro de canto, desviado acidentalmente. E aos 21 minutos, o NEC viu a derrota ser confirmada com requintes de crueldade: Houtkoop chutou, e um desvio justamente em seu maior destaque na temporada (o atacante Christian Santos) deixou vendido o goleiro Marco van Duin, assegurando o triunfo do Cambuur. Que ainda segue na penúltima posição, mas abriu alguma vantagem para o lanterna De Graafschap. E afastou a marca aziaga que ameaçava a equipe.

PSV 1x1 Roda JC

"Eu não estou mais eufórico. E após este empate em casa, definitivamente a euforia acabou." Assim o técnico Phillip Cocu comentou à FOX Sports holandesa, após o tropeço que pode distanciar um pouco os Eindhovenaren dos dois ponteiros. Nada mais correto. Afinal de contas, após a festa da terça com a merecida classificação às oitavas de final da Liga dos Campeões, esperava-se uma atuação bem elogiável no Philips Stadion. Não foi o que aconteceu: a torcida assistiu a uma partida excessivamente truncada e até chata, principalmente no primeiro tempo, por culpa de ambas as equipes. No PSV, o ataque entregou-se facilmente à compactada defesa dos Koempels, e raramente criava chances no toque de bola - tanto que até Jorrit Hendrix, volante de origem, tinha de avançar para ajudar. Já o Roda JC, se conseguia retardar o jogo graças ao defensivo 4-2-3-1 com que Darije Kalezic escalou a equipe (e a boa atuação da defesa, principalmente do zagueiro Gibril Sankoh), também não criava coisa que valesse no ataque: apenas o atacante Tomi Juric tentava algo. As vaias no final dos primeiros 45 minutos foram merecidas.

O segundo tempo começou no mesmo ritmo. Melhor para o Roda JC. E ainda mais agradável ficou para os amarelos após seis minutos: em jogada rápida, o meio-campista Tom van Hyfte deu rápido passe de calcanhar a Edwin Gyasi, iludindo não só a defesa do PSV, mas também o auxiliar, que não viu claro impedimento de Gyasi. Este aproveitou, cruzou para a pequena área, Juric desviou, e a bola bateu em Joshua Brenet, indo para as redes. Era o gol de abertura do placar, que poderia dar a vitória ao time de Kerkrade, após 14 rodadas. Só aí os Boeren foram ao ataque, com as entradas de Adam Maher (tornando o meio mais ofensivo ao substituir Hendrix) e Steven Bergwijn (no lugar de Gastón Pereiro, apagado na partida). E o empate ainda demorou: veio aos 29 minutos, após cruzamento de Andrés Guardado que Davy Pröpper cabeceou para o gol. Depois, o PSV martelou em busca da virada, com jogadas aéreas, enquanto o Roda retardou o jogo o quanto pôde. Mas mesmo essa pressão teve mais vontade do que técnica, e os Eindhovenaren tropeçaram de novo. Por sinal, a equipe já perdeu 13 pontos na temporada, em 16 rodadas; em TODA a temporada passada, foram 14 pontos perdidos. O alerta estava dado, e foi relembrado por Phillip Cocu: "A diferença dos times acima da gente é que eles são mais constantes e não desperdiçam tantos pontos contra times da parte de baixo da tabela". Só corrigindo esse erro é que o PSV poderá se aproximar mais do bicampeonato.

Twente 2x1 De Graafschap

O Twente espera ansiosamente o que virá nesta semana que começa: nos próximos dias, a prefeitura de Enschede informará se ajudará a abater a dívida, e a KNVB dará o veredito sobre a legalidade do vínculo descoberto com o fundo de investimentos Doyen (um julgamento negativo pode até tirar a licença profissional do clube). Enquanto isso, precisava ganhar do De Graafschap, lanterna da Eredivisie, para não dificultar ainda mais sua situação na atual temporada. E conseguiu. A duríssimas penas, porque o bom começo dos Tukkers no jogo do Grolsch Veste recebeu uma cachoeira de água fria aos 29 minutos do primeiro tempo: novamente titular, o goleiro Nick Marsman cometeu pênalti sobre Nathan Kabasele e recebeu o cartão vermelho do árbitro Ed Janssen. Restou queimar a primeira alteração para o arqueiro Joël Drommel entrar em campo. E aos 31 minutos, Drommel até defendeu a cobrança de Cas Peters, mas o angloescocês Andrew Driver aproveitou o rebote e colocou os Superboeren na frente.

Ficava a pergunta: e agora, quem poderia defender o Twente? Como sempre, usando o uniforme vermelho (ou "colorado"?), Hakim Ziyech disse "eu". E o marroquino novamente se sobressaiu: logo aos 34 minutos, cobrou falta que Joachim Andersen desviou de cabeça para empatar a partida. Nada menos do que a 33ª assistência de Ziyech nos 42 gols que o Twente marcou em 2015, juntando o returno de um campeonato e o turno de outro. No segundo tempo, emoção de um lado (Peters até marcou, mas teve o gol anulado por suposto empurrão de Kabasele) e de outro (o atacante Jerson Cabral chutou na trave). Mas no último minuto, em contra-ataque, quem finalizou? Ziyech, marcando o nono dos 17 gols do time nesta Eredivisie. Ao dar a vitória aos Tukkers após cinco rodadas, o camisa 10 confirmou: é o único raio de sol que se vê nos tempos nebulosos vividos atualmente no Grolsch Veste.

Utrecht 1x0 Ajax

A pressão sobre os Ajacieden era clara antes do jogo no estádio De Galgenwaard. Enquanto o PSV conseguira a classificação sonhada para as oitavas de final da Liga dos Campeões, os Amsterdammers amargavam a eliminação na Liga Europa, mostrando falta de eficiência assustadora contra o Molde-NOR: tocavam e tocavam a bola, sem chegar à grande área para os arremates. Num jogo em que não teriam o apoio da torcida (dizendo-se incapaz de garantir a segurança, a prefeitura de Utrecht proibiu a entrada de adeptos visitantes no Galgenwaard), os Godenzonen precisariam dar satisfações técnicas. Não deram. Mesmo com a mudança de esquema para o 3-4-3, e mesmo com a volta de Anwar El Ghazi e Riechedly Bazoer aos titulares, o Ajax seguiu com um irritante marasmo na frente: apenas dois chutes a gol em noventa minutos!

Por sua vez, o Utrecht até teve mais volume ofensivo: Sébastien Haller marcou um gol anulado por impedimento (existente), enquanto Nacer Barazite e Yassin Ayoub chegavam com perigo do meio-campo. Entretanto, também não deu um trabalho notável a Jasper Cillessen no gol. Ainda assim, a maior vontade dos Utregs foi premiada aos 42 minutos do segundo tempo: numa bola longa para a área, Haller desviou, o lateral direito Bart Ramselaar fez o pivô, e Ayoub entrou de trás chutando cruzado e rasteiro, mandando a bola no canto de Cillessen para garantir o único gol do jogo. Enquanto os mandantes vão se garantindo na metade superior da tabela, Frank de Boer aproveitou para fazer duas críticas em uma, após o fim do jogo: "Se a gente não consegue criar chances, por que não seguramos o 0 a 0?". É fato: o Ajax terá um trabalho monumental a fazer na intertemporada de janeiro, em Belek, na Turquia. 

Zwolle 2x1 AZ


Nove minutos. Bastou esse tempo para os Dedos Azuis se imporem em casa contra o AZ, conquistando a vitória que os mantém próximos do topo. Isso porque o começo do primeiro tempo até mostrou mais perigo por parte dos Alkmaarders: o zagueiro Jeffrey Gouweleeuw chegou até a mandar uma bola na trave. Todavia, aos 35 minutos, uma lesão no tornozelo tirou de combate o armador paraguaio Celso Ortiz. No minuto seguinte, um passe em profundidade de Ouasim Bouy encontrou Queensy Menig livre para chutar e marcar o primeiro gol de sua carreira no Campeonato Holandês. Motivado pela vantagem e mais rápido nos ataques, o Zwolle conseguiu ampliar ainda antes do apito final, com Kingsley Ehizibue também balançando as redes pela primeira vez na Eredivisie. Nos últimos 45 minutos, bastou aos Zwollenaren controlar a vantagem contra os Alkmaarders. Que até conseguiram um gol no minuto final de jogo, com Muamer Tankovic. Mas sofreram mais uma derrota que lhes consolida como a grande decepção do campeonato até agora, enquanto o Zwolle vai fazendo mais uma boa campanha.

Feyenoord 1x1 Groningen

Visando dar mais rapidez à equipe para aproveitar os contragolpes, Giovanni van Bronckhorst escalara no meio-campo inicial Jens Toornstra, que voltou a começar uma partida jogando, após três meses. E a derrota do Ajax abrira caminho para o Feyenoord conseguir alcançar o arquirrival em pontos, na primeira posição do Holandês. No começo, isso pareceu bem possível: o Stadionclub criou chances nos primeiros minutos, principalmente com Eljero Elia. Todavia, logo o Groningen foi se impondo: afinal, a rapidez está mais entranhada no estilo de jogo dos nortistas. E assim a equipe da casa aproveitou-se da tradicional deficiência defensiva dos Rotterdammers pelos lados para abrir o placar, aos 25 minutos: o lateral direito Hans Hateboer superou Terence Kongolo, cruzou, e Hedwiges Maduro desviou de cabeça para a trave. No rebote, com o gol vazio, Michael de Leeuw marcou. Foi o ponto de virada para o crescimento dos alviverdes, que até poderiam ter feito mais gols na etapa inicial.

O segundo tempo começou no mesmo ritmo, mas enfim a intenção inicial de Van Bronckhorst deu certo: num rápido contra-ataque aos quatro minutos, Toornstra chegou pela direita, cruzou rasteiro e Dirk Kuyt desviou para empatar, com a bola ainda batendo em Hateboer antes de entrar. Não era só o 13º gol de Kuyt nesta temporada da Eredivisie, trazendo-o de volta à liderança dos goleadores, junto de Luuk de Jong; era o 84º gol do nativo de Katwijk pelo Feyenoord, igualando-o a Peter Houtman como quarto maior artilheiro da história do clube. Mas qualquer hipótese de pressão ofensiva do time de Roterdã foi anulada aos sete minutos: empurrando Jesper Drost na entrada da área, como último homem, Jan-Arie van der Heijden foi expulso. Aí, a defesa foi recomposta: Kongolo foi para a zaga, e Miquel Nelom entrou na lateral esquerda, substituindo Michiel Kramer, que já não vinha atuando bem. No resto da partida, o que se viu foi o Groningen tentando atacar com a bola no pé, enquanto cabia a Elia puxar contragolpes - num deles, quase Tonny Trindade de Vilhena virou o jogo. Depois, as entradas de Bilal Basaçikoglu e Colin Kazim-Richards ainda tentaram dar mais referências ao ataque. Mas o que ficou no placar foi o empate que impediu os Feyenoorders de dividirem a ponta do campeonato com o Ajax.

Heracles Almelo 1x1 Vitesse

Um dos jogos mais promissores da rodada. Afinal, jogariam no estádio Polman, em Almelo, dois dos times que mostram o estilo mais agradável de jogo neste Campeonato Holandês. De quebra, havia ainda o fator da disputa direta: em quarto lugar, com 26 pontos, o Heracles precisava conter o avanço dos Arnhemmers, que estavam um ponto atrás; logo, o ultrapassariam em caso de vitória fora de casa. O que talvez tenha influído na baixa qualidade técnica dos primeiros 45 minutos, quando o que se viu foi mais cuidado defensivo do que ataques de parte a parte. Mas o segundo tempo compensou a falta de emoções da etapa inicial. Começando com o Heracles, que foi pressionando mais o goleiro Eloy Room, forçado a fazer pelo menos uma grande defesa (aos 19 minutos, em chute de Iliass Bel Hassani). Mas no minuto seguinte, Oussama Tannane reapareceu: tendo caído de produção há algumas rodadas, o grande destaque dos Heraclieden na temporada chutou forte e rasteiro de fora da área para abrir o placar.

E aí, os anfitriões ampliaram a pressão, com os jogadores de meio-campo - principalmente Bel Hassani - ajudando frequentemente o trio de ataque. Foi o azar dos Almelöers: o Vitesse também tem uma força ofensiva considerável, afinal. E num rápido contra-ataque, o Vites conseguiu o empate: Valeri "Vako" Qazaishvili fez sua quarta assistência na temporada, deixando Milot Rashica livre para empatar, aos 30 minutos. Aí, voltaram os cuidados para evitar a derrota. E com a igualdade final, o saldo do Heracles foi um pouco maior. Afinal, o time de Almelo segue na quarta posição, com 27 pontos, enquanto o Vitesse perdeu a chance de falar grosso e segue na zona dos play-offs por Liga Europa, disputando ponto a ponto com NEC, Groningen e Zwolle. 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Comemoração... e preocupação

´PSV superou nervosismo em campo para garantir classificação elogiável na Champions (Olaf Kraak/ANP)
Quando o árbitro espanhol David Fernández Borbalán apitou o fim do jogo entre PSV e CSKA Moscou, no Philips Stadion, em Eindhoven, nesta terça-feira, pela última rodada do grupo B da Liga dos Campeões, a explosão de alegria foi notável, na torcida e entre os jogadores dos Boeren. Na verdade, notável em todo o futebol holandês: clubes como NEC e Heerenveen parabenizaram os Eindhovenaren pela classificação às oitavas de final, via perfis oficiais no Twitter. Era uma massagem no ego, após o vexame da seleção e temporadas invariavelmente decepcionantes nas competições continentais.

É de se lamentar que o futebol holandês, dono de seis títulos europeus, "apenas" comemore passar às oitavas de final. Mas diante da mudança de paradigma por que ele passa nas últimas décadas, é compreensível. Afinal de contas, desde a temporada 2006/07 não havia holandeses "passando do inverno" na maior  e mais tradicional competição europeia. Sem contar os ganhos que isso traz no coeficiente da UEFA - que podem retardar uma perda de vaga direta na Champions, algo cada vez mais provável. E ainda há o lado financeiro: os resultados da fase de grupos e a classificação renderão ao PSV 22,5 milhões de euros, no total.

Tudo bem quando termina bem, certo? Errado. Afinal de contas, como um dos 16 classificados, algum objetivo o PSV precisa mostrar na temporada, agora que falou grosso. E a atuação vista contra o time russo mostrou que, se tem qualidades técnicas inegáveis, a equipe holandesa ainda sofre com uma certa falta de poder de decisão nas horas mais cruciais. Falta de poder de decisão que, aliás, ainda lhe coloca no terceiro lugar do Campeonato Holandês, um ponto atrás do Feyenoord, exatamente pelos tropeços contra times pequenos.

E foi exatamente isso que vitimou os PSV'ers no Philips Stadion, na terça. Até pelo fato do "Exército Vermelho" não ter mais o que fazer na Liga dos Campeões, desde o princípio o 4-3-3 velho de guerra de Phillip Cocu criou mais chances em campo. Não só com o trio de atacantes (Gastón Pereiro, Luuk de Jong e Jürgen Locadia), mas também com Davy Pröpper e Jorrit Hendrix: vindos do meio-campo, chegavam com a bola dominada, criavam jogadas... enfim, foram talvez os dois melhores da partida.

Isso se traduziu em maior posse de bola, e mais perigo no ataque. Mas o avanço excessivo dos laterais - principalmente Héctor Moreno, improvisado na esquerda - possibilitou vários contragolpes perigosos do CSKA. E graças ao ponta-de-lança Ahmed Musa e ao atacante Seydou Doumbia, as finalizações também davam o que trabalhar ao goleiro Jeroen Zoet. O desastre só não aconteceu porque Jeffrey Bruma teve atuação estupenda: seguro no miolo de zaga, foi quem mais desarmou (duas vezes), mais interceptou (oito vezes) e mais carrinhos na bola (seis) deu em campo.

Só que o segundo tempo foi ampliando essa tensão em campo. O CSKA Moscou até queria ganhar, mas não haveria muito problema em caso de derrota, pois o pior já acontecera; o PSV precisava vencer, se quisesse avançar independentemente do que ocorria em Wolfsburg x Manchester United (o empate temporário por 2 a 2 ajudava, até). E essa necessidade visivelmente enervou os Boeren.

Aí, Joshua Guilavogui cometeu gol contra, empatando o jogo para os Diabos Vermelhos. E quase ao mesmo tempo, foi marcado o pênalti para o CSKA Moscou, aos 31 minutos. Inexistente, a bem da verdade: Zoran Tosic mal foi alcançado pelo carrinho de Andrés Guardado, mas caiu na área e iludiu o árbitro, que deu o cartão ao mexicano - e também a Luuk de Jong, que reclamou. Sergei Ignashevich bateu, fez 1 a 0 e deu a impressão de que a falta de firmeza e de eficiência do PSV seria punida duramente, por menos que o United merecesse avançar.

Aí, só restava o abafa. E no rebote de uma falta cruzada para a área, Hendrix devolveu a bola para a área, o CSKA formou mal a linha de impedimento, e Luuk de Jong empatou já aos 33 minutos. Esse gol salvou as coisas: afinal, permitiu recuperar rápido o ânimo após o baque de ficar atrás. No entanto, a tranquilidade só veio com o belíssimo gol de Pröpper, completando de primeira o pivô de Locadia para justificar por que foi tirado do Vitesse para a temporada 2015/16: justamente numa de suas qualidades, avançar ao ataque, fez o gol da vitória, aos 41 minutos do segundo tempo. 

Quase simultaneamente, o gol de Naldo em Wolfsburg definiu a vitória contra o Manchester United. A vaga nas oitavas estava garantida, e a torcida comemorou balançando as bandeirolas da cidade de Eindhoven. O espírito de ter superado um gigante europeu como o clube inglês para conseguir a segunda vaga foi resumido numa frase de Hendrix: "Dinheiro não é tudo no futebol". E também se lembrou: ao saber equilibrar bem base (Zoet, Locadia, Hendrix) e compras baratas (Bruma, Moreno, Guardado, Pröpper, Luuk de Jong), o PSV conseguira em uma temporada o que o Ajax, pró-base, não conseguira nas cinco anteriores: passar da fase de grupos.

Mas a preocupação, ainda que eclipsada pela vitória, está aí. Com o cartão amarelo, Luuk de Jong estará suspenso para o primeiro jogo das oitavas de final, em fevereiro ("Eu lamento, devia ter me lembrado antes", comentou o atacante à imprensa após o jogo). E agir nervosamente em jogos decisivos pode ampliar a já clara desvantagem em relação a rivais mais fortes, por mais que eles até sejam desejados ("Eu espero o Barcelona", comentou Joshua Brenet). 

No entanto, de fato, o mais correto atualmente é fazer como Phillip Cocu - que deu inegável salto na incipiente carreira de técnico, ao formar um time consciente e consistente, superando as perdas na janela de transferências. Após o jogo, o ex-volante - que estava na campanha de 2006/07, seu último ano nos Eindhovenaren como jogador - foi indagado na entrevista coletiva sobre seus possíveis adversários nas oitavas. E indagou: "Posso comemorar um pouquinho, antes?". O PSV tem todo o direito, de fato. Mereceu.