domingo, 30 de julho de 2017

Já é alguma coisa

O alívio de Miedema, o brilho de Martens (à esquerda), o esforço de Van de Sanden: Holanda cresce na Euro feminina (Vincent Jannink/ANP)
Certo, a seleção da Holanda vinha fazendo um papel decente na Euro feminina. Três vitórias em três jogos, apenas um gol sofrido, liderança do grupo A, torcida prestigiando o trabalho. Contudo, as quartas de final mostrariam se havia algo mais do que motivação e eficiência para superar a Suécia, adversário dificílimo, tão capaz taticamente quanto a equipe laranja - e ainda com a medalha de prata olímpica para ostentar. Pois as Leoas Laranjas mostraram que havia: numa das melhores atuações vistas na Euro, fizeram 2 a 0 e igualaram o melhor desempenho do país no torneio continental feminino (em 2009, na Finlândia, a equipe também chegou às semifinais).

De certa forma, a atuação foi até surpreendente. Porque as holandesas deixaram a Suécia impor seu estilo habitual, nos primeiros minutos do jogo em Doetinchem: marcação por pressão, com muita compactação. O que permitiu algumas chances da equipe sueca - principalmente pela ponta esquerda, com Jonna Andersson e Kosovare Asllani, além do permanente perigo que Stina Blackstenius representava no meio do ataque. O que continha a pressão sueca era a segura atuação da dupla de zaga formada por Anouk Dekker e Stefanie van der Gragt (substituindo a lesionada Mandy van den Berg). Ainda assim, era necessário que os destaques holandeses começassem a aparecer, justificassem porque se aposta tanto nelas.

Começaram. E nem demorou tanto assim. Pouco a pouco, Shanice van de Sanden impôs a velocidade costumeira pela direita, além de sempre ser opção para colaborar nas jogadas de ataque. Sherida Spitse fazia bem a saída de bola no meio-campo. Vivianne Miedema dava esperanças: mesmo bem marcada, se mexia mais no ataque e aparecia para as tabelas. Assim como Daniëlle van de Donk, tentando criar mais no meio-campo. Todavia, desde o começo, via-se que Lieke Martens era aquela de quem se poderia esperar muita coisa. Acostumada ao futebol feminino sueco, Martens foi bem procurada pela imprensa daquele país antes do jogo, pelos três anos em Koppärbergs/Göteborg e Rosengard antes da recente mudança para o Barcelona.

Partindo da esquerda, a camisa 11 provava em campo o porquê de tanto interesse: sempre criava jogadas ofensivas, sempre tentava o lance individual com perigo. Assim as Leoas foram se aproximando do gol defendido por Hedvig Lindahl. Como aos 17', quando Lindahl saiu mal do gol, mas Miedema não conseguiu o domínio certo para o chute. Ou aos 27', numa trapalhada da defesa sueca: a zagueira Nilla Fischer recuou errado, e Miedema ficou com a bola na área, mas ao tentar encobrir Lindahl, Linda Sembrandt salvou. Ainda assim, as chances suecas rareavam, enquanto a esperança holandesa crescia. E ela foi concretizada em gol aos 33', numa perfeita cobrança de falta de Martens.

Se já demonstrava a segurança de quem sabia que podia surpreender as suecas, a seleção holandesa cresceu ainda mais após o gol. Nem mesmo os ataques esparsos da Suécia perturbavam a segurança da equipe laranja - como aos 41', quando Blackstenius aproveitou falha de Van der Gragt no tempo de bola, passou por Dekker e bateu cruzado da esquerda, para boa defesa da goleira Sari van Veenendaal. Após o intervalo, a pressão das adversárias continuava em busca do empate, com boas chances de Fridolina Rolfö (aos 47') e novamente Blackstenius (grande chance aos 54', chutando por cima, da grande área). Mas nada disso fazia a Holanda se preocupar exageradamente.

Com a atividade de Van de Sanden, a dedicação de Miedema, Spitse e Van de Donk e o brilho técnico de Martens, era como se a equipe apenas esperasse por uma chance para resolver o jogo de vez. Algumas oportunidades vieram: um chute de Spitse aos 55', um cabeceio de Miedema por cima do gol aos 60'. Mas a chance esperada chegou enfim aos 64': um contragolpe com espaço de sobra cedido pela Suécia, que buscava o empate. Aí se viu a melhor parte das três protagonistas holandesas nesta Euro: o lançamento preciso de Martens, que encontrou Van de Sanden livre na direita. A velocidade da camisa 7, que chegou livre à área e cruzou. E, enfim, Miedema estando onde deveria estar: na posição para finalizar e fazer 2 a 0. O gol que a camisa 9 precisava, a primeira vez que balançou as redes numa grande competição. E isso não passou em branco nas suas declarações à NOS, emissora de tevê que transmite a Euro, após o jogo: "Estou feliz por finalmente ter marcado".

Veloz ao jogar, animadora ao incitar a torcida; Van de Sanden é personagem cativante da Euro (Gerrit van Keulen/VI Images)
Daí por diante, estava definido. Nem mesmo o gol anulado de Lotta Schelin (impedimento da meio-campista sueca aos 81') impediu a certeza de que esta nova geração de jogadoras igualaria o desempenho da geração de Daphne Koster, Anouk Hoogendijk e Manon Melis, chegando às semifinais da Euro. A animação ficava clara nas palavras da técnica Sarina Wiegman: "Vencemos a Suécia, isso já é realizar um sonho por si só. Que venha o próximo jogo". A união, por sua vez, era expressa pelas duas capitãs do elenco - tanto Van den Berg, que começou no banco e entrou no intervalo ("Estamos aqui juntas por um ideal. Sou parte do time, se a treinador achar que outra deve jogar, aceito"), quanto Spitse, que ficou com a braçadeira ("Nós lutamos por cada metro"). Destaque do dia, Martens desconversava sobre o protagonismo: "Pressão? Que nada, não estou sentindo".

Como para times que desejam títulos os desafios ficam cada vez maiores, qualquer um dos adversários na semifinal da próxima quinta será ainda mais perigoso: tanto a Inglaterra, melhor time da primeira fase, quanto a França, tentando a reação dentro da Euro. E Sarina Wiegman sabe disso: "Ambas são equipes de alto nível". Ainda assim, a motivação está ainda maior: já é certa a lotação máxima do Grolsch Veste, em Enschede, o estádio da semifinal, e o apoio da torcida só cresce. Se motivação não é tudo, somada à técnica de gente como Martens e Van de Sanden, já é alguma coisa.

Euro feminina 2017 - quartas de final
Holanda 2x0 Suécia
Data: 29 de julho de 2017
Local: Estádio De Vijverberg, em Doetinchem
Juíza: Bibiana Steinhaus (Alemanha)
Gols: Lieke Martens, aos 33', e Vivianne Miedema, aos 64'

Holanda
Sari van Veenendaal; Liza van der Most, Anouk Dekker, Stefanie van der Gragt (Mandy van den Berg, no intervalo) e Kika van Es; Jackie Groenen, Daniëlle van de Donk e Sherida Spitse; Shanice van de Sanden (Renate Jansen, aos 76'), Vivianne Miedema e Lieke Martens (Lineth Beerensteyn, aos 87') . Técnica: Sarina Wiegman

Suécia
Hedvig Lindahl; Jessica Samuelsson, Nilla Fischer, Linda Sembrandt e Jonna Andersson (Mimmi Larsson, aos 81'); Lotta Schelin, Lisa Dahlkvist, Caroline Seger e Kosovare Asllani; Stina Blackstenius e Fridolina Rolfö (Hanna Folkesson, aos 73'). Técnica: Pia Sundhage

sábado, 29 de julho de 2017

Motivação não é tudo

Martens (centro) e Van de Sanden (direita): os destaques que dão o poder ofensivo necessário à Holanda (Maurice van Steen/VI Images)
Já era previsto, e o blog até já comentou: boa vontade não faltaria de imprensa e torcida holandesas em relação à seleção feminina, durante a Eurocopa. E não tem faltado mesmo. Basta citar o crescimento gradual de audiência da NOS, emissora pública de tevê que exibe a Euro, nos jogos das "Leoas Laranjas". Na estreia contra a Noruega, foram 2,1 milhões de telespectadores; contra a Dinamarca, 2,2 milhões; contra a Bélgica, 2,4 milhões. Na vitória por 1 a 0 contra as norueguesas, até Louis van Gaal foi visto nas tribunas do estádio Galgenwaard, do Utrecht. Além do mais, a primeira fase foi superada com relativa segurança: três vitórias. Então está tudo bem com a seleção feminina da Holanda? Nada disso.

Claro, a maioria das coisas segue bem. A própria técnica Sarina Wiegman comemorou falando à NOS, após a vitória sobre a Bélgica: "Três vitórias em três jogos, jamais ousaria sonhar com isso". Tal desempenho foi alcançado, principalmente, pelas ótimas atuações de jogadoras fundamentais. Na defesa, a goleira Sari van Veenendaal apareceu bem na maioria das vezes, e a linha de quatro defensoras se mostrou firme na marcação (tendo como melhor exemplo a zagueira Anouk Dekker) e até ousando no apoio (aqui, vale o destaque para a lateral Kika van Es). No meio-campo, Sherida Spitse mostrou firmeza na contenção, e calma na saída de bola - e nos dois pênaltis que converteu também, diga-se de passagem.

Mas os principais destaques das Leoas estão mesmo no ataque. Pela direita, a atacante Shanice van de Sanden foi permanente opção válida de jogadas, com velocidade impressionante. Tão impressionante que permitiu a ela chegar à área algumas vezes, para finalizar - numa delas, foi a heroína da vitória contra a Noruega, ao cabecear para o 1 a 0, fazendo o gol que a permitiu ser substituída sob muitos aplausos, indo para o banco com lágrimas nos olhos, num jogo em Utrecht, sua cidade natal. Nos jogos seguintes, foi a vez da atacante pelo outro lado aparecer. Pela esquerda, Lieke Martens começou a criar mais jogadas contra Dinamarca e Bélgica. A nova atacante do time feminino do Barcelona quase não conseguiu atuar no "Dérbi dos Países Baixos", por problemas no tornozelo - mas não só recuperou-se, como fez o gol da vitória por 2 a 1, comemorando após o jogo: "Estou muito feliz por ter podido jogar".

Mas, como já se disse, nem tudo está perfeito para a seleção holandesa. Quando nada, porque a súbita popularidade do futebol feminino está cansando alguns jornalistas. Caso de Nico Dijkshoorn, colunista da revista Voetbal International: "É psicose em massa. Nós 'devemos' achar aquilo lindo e maravilhoso, mas é muito fraco". Ou do jornalista Ruud Doevendans, mais comedido: "O ambiente é até legal, mas dá para se contar nos dedos de uma mão as jogadoras que realmente sabem jogar". Má vontade ou não, o fato é que a Holanda ganha sem brilhar. A técnica vem apenas de Martens, Van de Sanden e, esporadicamente, de Daniëlle van de Donk, que sofreu dois pênaltis (um dos quais, contra a Dinamarca, muito duvidoso). Sem contar as dificuldades periódicas na defesa: contra a Dinamarca, a pressão no segundo tempo só foi superada pela boa atuação de Van Veenendaal no gol. E as próprias jogadoras reconheceram: o time sentiu o inesperado gol de empate da Bélgica. "Ficamos sob pressão após o 1 a 1", comentou Lieke Martens à NOS.

De novo, Miedema era a grande esperança holandesa para a Euro. De novo, decepciona (ANP)

Vivianne Miedema, outra vez, decepciona: se bem marcada, não consegue escapar. Ou então, apela para o individualismo, como alertou Doevendans: "O lema da seleção é 'Ons EK' (em holandês, 'nossa Euro'), mas penso que Miedema deve achar que o lema é 'Mijn EK' (minha Euro)". A crítica vem até de membros do futebol masculino: o ex-técnico Aad de Mos, atual comentarista, já palpita que "daria outra chance a alguém no ataque". Por enquanto, a técnica Sarina Wiegman ainda aposta na camisa 9: "Acho que a discussão sobre ela já foi longe demais. Estamos contentes com sua atuação".

Enfim, até agora, tudo bem. Mas o adversário deste sábado será um teste dificílimo: medalha de prata no torneio olímpico, a Suécia está mais do que acostumada com a pressão adversária - fora e dentro de campo, já que se notabiliza por uma dedicação tática defensiva admirável para os padrões do futebol feminino. Sarina Wiegman assumiu: "A Holanda terá de estar no seu melhor para vencer". De fato. Um triunfo ampliará a boa vontade. Mas para isso, motivação não será tudo. É preciso jogar ainda melhor.

Euro feminina - fase de grupos
Holanda 1x0 Noruega
Data: 16 de julho de 2017
Local: Galgenwaard, em Utrecht
Juíza: Stéphanie Frappart (França)
Gol: Shanice van de Sanden, aos 66'

Holanda
Sari van Veenendaal; Desirée van Lunteren, Anouk Dekker, Mandy van den Berg (Stefanie van der Gragt, aos 80') e Kika van Es; Jackie Groenen, Daniëlle van de Donk (Jill Roord, aos 90' + 1) e Sherida Spitse; Shanice van de Sanden (Lineth Beerensteyn, aos 77'), Vivianne Miedema e Lieke Martens. Técnica: Sarina Wiegman

Noruega
Ingrid Hjelmseth; Ingrid Wold, Maren Mjelde, Nora Holstad Berge e Elise Thorsnes; Ingrid Schjelderup (Guro Reiten, aos 75'), Maria Thorisdottir e Frida Maanum (Ingvild Isaksen, aos 58'); Caroline Graham Hansen; Ada Hegerberg e Kristine Minde (Emilie Haavi, aos 66'). Técnico: Martin Sjogren

Holanda 1x0 Dinamarca
Data: 20 de junho de 2017
Local: Het Kasteel, em Roterdã
Juíza: Riem Hussein (Alemanha)
Gol: Sherida Spitse, aos 20'

Holanda
Sari van Veenendaal; Desirée van Lunteren, Anouk Dekker, Mandy van den Berg (Stefanie van der Gragt, aos 54') e Kika van Es; Jackie Groenen, Daniëlle van de Donk e Sherida Spitse; Shanice van de Sanden (Lineth Beerensteyn, aos 88'), Vivianne Miedema e Lieke Martens (Renate Jansen, aos 78').  Técnica: Sarina Wiegman

Dinamarca
Stina Lykke Petersen; Theresa Nielsen, Simone Boye Sorensen, Mie Jans e Cecilie Sandvej; Sanne Troelsgaard, Line Jensen, Nanna Christiansen (Maja Kildemoes, aos 64') e Katrine Veje (Stine Larsen, aos 69'); Nadia Nadim e Pernille Harder. Técnico: Nils Nielsen

Holanda 2x1 Bélgica
Data: 24 de julho de 2017
Local: Estádio Willem II, em Tilburg
Juíza: Bibiana Steinhaus (Alemanha)
Gols: Sherida Spitse, aos 27'; Tessa Wullaert, aos 59', e Lieke Martens, aos 74'

Holanda
Sari van Veenendaal; Liza van der Most, Anouk Dekker, Stefanie van der Gragt e Kika van Es; Jackie Groenen (Jill Roord, aos 80'), Daniëlle van de Donk (Kelly Zeeman, aos 75') e Sherida Spitse; Shanice van de Sanden, Vivianne Miedema (Vanity Lewerissa, aos 86') e Lieke Martens. Técnica: Sarina Wiegman

Bélgica
Justien Odeurs; Laura Deloose, Aline Zeler, Heleen Jaques e Maud Coutereels (Davinia Vanmechelen, aos 46'); Eike van Gorp (Jana Coryn, aos 57'), Lenie Onzia, Tine de Caigny e Davina Philtjens; Tessa Wullaert e Janice Cayman. Técnico: Ives Serneels

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Caminhando e secando as lágrimas

A tragédia com Nouri ainda entristece o Ajax. Mas time se reanimou para fazer frente ao Nice na Liga dos Campeões (Louis van de Vuurst/Ajax.nl)

Já se escreveu aqui que o Feyenoord não perdeu tanto assim a ponto de se fragilizar na disputa do título holandês que certamente virá. E não perdeu mesmo, a despeito dos maus resultados nos dois últimos amistosos (derrota por 1 a 0 para Freiburg, empate sem gols com o Plymouth Argyle). Já se escreveu aqui que o PSV vivia um tempo de reformulações. E o sinal amarelo sobre o resultado delas já foi aceso nesta quinta: afinal de contas, perder para o Osijek, time mediano da Croácia, em pleno Philips Stadion - 1 a 0, na ida da terceira fase preliminar da Liga Europa -, é daqueles vexames injustificáveis. E a defesa do técnico Phillip Cocu na entrevista (“Tivemos 72% de posse de bola, dominamos o jogo”, comentou Cocu à FOX Sports holandesa) só irritou mais a torcida.

E o Ajax? Era de se esperar um trauma demorado. Afinal de contas, nunca se espera que uma pré-temporada que começou divertida na cidade austríaca de Zillertal termine como terminou: abruptamente, com as imagens dramáticas do atendimento a Abdelhak “Appie” Nouri, após a arritmia cardíaca ocorrida durante o amistoso contra o Werder Bremen, cujos resultados neurológicos perturbarão para sempre o resto da vida do camisa 34 Ajacied (mesmo depois de tudo, Nouri foi inscrito nesta temporada, seguindo com o número que tinha no grupo). 

Se em 2016/17, mesmo sem traumas, o clube da estação Bijlmer Arena já fora varrido da Liga dos Campeões pelo Rostov, era de se esperar uma fragilidade grande dos Godenzonen no jogo desta semana, contra o Nice, pela ida da segunda fase preliminar da Champions League. Pois o 1 a 1 entre as duas equipes, no estádio Allianz Riviera, foi daqueles resultados que orgulha uma torcida: mesmo contra um time de nível parecido, até mais entrosado, o Ajax mostrou técnica e coragem para não se abater e sair com um empate que lhe permite jogar mais confortavelmente na Amsterdam Arena.

Aliás, situação emocional à parte, até as próprias atuações do Ajax em campo indicavam uma irregularidade pouco recomendável para quem tinha jogos tão importantes logo no começo da temporada. No amistoso interrompido contra o Werder Bremen - o primeiro da pré-temporada, no dia 8 passado -, a equipe de Marcel Keizer saíra na frente (gol de Mateo Cassierra), mas levara a virada para 2 a 1 antes mesmo da fatalidade com Nouri. De mais a mais, uma das únicas perdas na janela de transferências já era dura o suficiente para causar dúvidas: Davy Klaassen, o capitão e figura central no meio-campo.

Após Nouri – e o cancelamento altamente justificável do amistoso contra o amador Rijnburgse Boys, no dia 11 -, o nível de atuação dos Amsterdammers ficou bem irregular nos amistosos. Na volta aos campos, dia 15, contra o Racing Genk, até que o ataque funcionou, com três gols. Porém, a defesa (inalterada em relação à temporada passada) também levou três gols. Usando jogadores da equipe B (Jong Ajax) contra o PAOK, no mesmo dia, a equipe adulta conseguiu vencer e até fazer mais gols: 4 a 2.

Mais três dias, e vieram dois amistosos contra o Lyon. No primeiro, empate em 2 a 2 com o time B dos Gones; no segundo, derrota por 2 a 0 para o time principal. Contra outro adversário de ponta no Campeonato Francês, era preocupante, apenas dez dias antes do jogo contra o Nice. De quebra, por mais que o time-base estivesse sem grandes alterações, a janela de transferências causara e causaria ausências confiáveis no banco de reservas. Primeiro, com a saída de Kenny Tete para o próprio Lyon; depois, com a confirmação da já prevista ida de Jaïro Riedewald para o Crystal Palace. Não eram nomes acima de qualquer suspeita, mas já tinham certa experiência.

Além disso, ao preferir não mexer no que deu certo sob Peter Bosz, o técnico Marcel Keizer ganhava duas dúvidas. Para suceder Bertrand Traoré (que voltou ao Chelsea, para de lá seguir rumo ao mesmo Lyon que enfrentou o Ajax), quem escalar: David Neres ou Justin Kluivert? E Donny van de Beek, como se sairia contra o Nice, já no lugar de Klaassen? Não era melhor escalar o novato Frenkie de Jong, promissor nos treinos da pré-temporada? E depois da impotência ofensiva vista na final da Liga Europa contra o Manchester United, como fazer do Ajax um time mais variável? E no ataque: a experiência de Klaas-Jan Huntelaar, mesmo com Kasper Dolberg garantido para mais uma temporada?

No jogo contra o Nice, as respostas iniciais foram dadas. Keizer apostou em Kluivert (“Ele tem mais profundidade pelos lados do que David Neres”, justificou o técnico à tevê, antes do jogo), Van de Beek foi o previsível titular, Dolberg começou jogando. Porém, o Ajax repetiu os erros de 2016/17: atacou demais, criou chances... mas cedia espaço gigante na defesa. Foi aí que o Nice aproveitou: bela jogada de Jean-Michel Séri passando por três defensores, cruzamento rasteiro, e Mario Balotelli fez o que dele é esperado: gol. Uma desvantagem assim tinha tudo para ser pesada demais, diante de todas as adversidades pelas quais o Ajax passou neste julho.

Porém, já se vira no primeiro tempo que o time francês da Côte D’Azur tinha um ponto fraco: o goleiro Yoán Cardinale, que rebatera vários chutes de longe. Um cruzamento rebatido aos seis minutos do segundo tempo, Van de Beek aproveitou de primeira o rebote, e fez o 1 a 1 que reanimou o Ajax. E enterneceu ainda mais o coração da torcida, com o meio-campista fazendo com os dedos o “34” para homenagear Nouri, seu amigo pessoal desde as categorias de base. Posteriormente, Keizer colocou David Neres e Frenkie de Jong em campo. E o visitante holandês foi ainda melhor e mais corajoso no ataque, no resto do jogo. Não só fez por merecer a vitória, mas surpreendeu Lucien Favre, técnico do Nice: “Eles tiveram mais chances, e o que me deixou confuso é que não causamos tantos danos a eles quando tivemos a posse de bola”.

No Ajax, as declarações de Van de Beek resumiram tudo: “Meu gol foi para o Ajax, mas acima de tudo para Nouri e a família dele. Eu os amo muito, e nosso time quer apoiá-los”. Marcel Keizer ainda completou: “Ainda podemos melhorar muito, mas isso foi um começo”. De fato. Se, diante de um fato grave e triste, continuar caminhando enquanto secam-se as lágrimas é um caminho, o Ajax seguiu por ele. Para a alegria da torcida. Quem sabe o ânimo aumente na próxima quarta – e no começo do Campeonato Holandês.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 28 de julho de 2017)

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Enfraquecido, não

Feyenoord treina tranquilo: até agora, campeão holandês repôs bem as perdas na janela de transferências (feyenoord.nl)

Enfim, acabou o “agora vai”. Se há algo que o Feyenoord pode comemorar nesta fase de preparação rumo à temporada 2017/18, é o fato de não restarem mais dúvidas sobre sua capacidade: é o campeão holandês, não precisa mais se preocupar com quebra de tabu, a lua-de-mel com a torcida segue em alta, já se sabe que alguma qualidade a equipe possui. O que poderia haver é a desconfiança clássica que se segue a todo e qualquer time holandês que ganhe um mínimo de destaque: a janela de transferências o vitimou pesadamente? Pode até parecer que sim, mas a visão detalhada mostra que não.

À primeira vista, de fato, houve perdas sensíveis. Para começo de conversa, apenas três dias depois do desafogo definitivo do título da Eredivisie, vinha a notícia (até previsível, aliás) do fim da carreira respeitável de Dirk Kuyt, talvez o jogador que mais simbolize o fim do calvário Feyenoorder. Depois, já em meio aos festejos, Eljero Elia anunciara seu desejo de deixar o clube – o que não se sabia era que, ao invés de tentar recomeçar em países mais prestigiosos do futebol europeu, Elia seria encantado pela chance de integrar o projeto promissor do Basaksehir, da Turquia (também na Liga dos Campeões, como vice do Campeonato Turco – mas jogando a terceira fase preliminar). Também era de sobejo conhecida a volta de Steven Berghuis, emprestado pelo Watford.

Finalmente, em poucos dias, o campeão holandês se viu privado dos dois laterais titulares. Ainda no final de junho, a Roma que já tirara Hector Moreno do PSV foi sedenta a Roterdã, com um único objetivo na cabeça: contratar Rick Karsdorp, para a lateral direita giallorossa. E conseguiu, por contrato de cinco anos e 14 milhões de euros – podendo chegar a 19 milhões, dependendo dos bônus, no que foi simplesmente a maior venda da história do Feyenoord.

Na semana posterior, em julho, o time voltava lentamente aos treinos. E numa manhã, a outra perda se consumou: Terence Kongolo participava dos trabalhos com os ainda colegas de clube no centro de treinamentos de Varkenoord, até que foi chamado para fora. Era o interesse do Monaco se concretizando numa oferta de 15 milhões de euros, por cinco anos de contrato. Oferta prontamente aceita, dando a Kongolo a chance merecida para atuar num time conhecido por prestigiar jovens – e para, quem sabe, torná-lo um nome mais frequente na seleção holandesa, após a convocação para a Copa de 2014.

Kuyt, Elia, Karsdorp, Kongolo... aparentemente, a porteira estava aberta. Mas era só aparentemente. Pois Giovanni van Bronckhorst já tratou de falar grosso, em declarações à revista Voetbal International. Primeiro, para acabar com a festa, no bom sentido: “Muito bonito ver a festa, os livros que serão sempre uma maravilhosa lembrança, mas eu literalmente os fechei. Acabou. Quando vestirmos a camiseta para os próximos jogos, ela terá o símbolo dourado do campeão holandês, ou o símbolo da Liga dos Campeões. A partir dessa semana, o título não conta mais”.

Depois, “Gio” também apregoou que o Feyenoord teria de se fechar para negociações: “Os preços oferecidos por Karsdorp e Kongolo foram ótimos, e me orgulho dos passos que deram. Além do mais, a saída deles abre espaço para outros jovens. Mas agora, estamos fortes e não precisamos vender mais ninguém. Claro que não se pode descartar completamente, porque nunca se sabe a grandeza do clube que deseja negociar. Mas se vier outra oferta, ela só deveria ser aceita se for mais um recorde para o clube”.

Dito e feito. Primeiro, todos os outros destaques voltaram a Varkenoord: Brad Jones, Eric Botteghin, Karim El Ahmadi, Tonny Vilhena, Jens Toornstra, Nicolai Jorgensen. Dois titulares, cujos contratos estavam no final, renovaram os compromissos: Toornstra assinou até 2021, e o zagueiro Jan-Arie van der Heijden, até 2020. E antes mesmo que esses problemas estivessem resolvidos, boas contratações já haviam começado. Se Elia deixou o Feyenoord, poucos reforços poderiam ser mais apropriados do que Jean-Paul Boëtius. Não bastasse jogar na esquerda, mesma posição de Elia, e ter estilo técnico parecido, ainda havia o fator da “volta do filho pródigo”: após dois anos de Basel (e um empréstimo ao Racing Genk), Boëtius voltou ao clube em que surgiu no futebol – até por isso, tendo carinho da torcida. Mais bons augúrios? A camisa 7 deixada por Kuyt ficou para o atacante – justamente quem a vestia até 2015, quando saiu do Feyenoord.

Mas havia as laterais. Problema que também foi resolvido com contratações elogiáveis, para o padrão técnico do Campeonato Holandês. Primeiro, a direita: sem espaço na Fiorentina, Kevin Diks foi novamente emprestado pelo clube italiano (já passara o returno da temporada passada cedido ao Vitesse, que o vendera à Viola). Com talento técnico, Diks tem até mais capacidade de marcação do que Karsdorp. Depois, o Feyenoord ainda disputou o promissor Derrick Luckassen com o PSV – e perdeu o jogador de 22 anos, que ofereceria versatilidade (Luckassen despontou no AZ, jogando na zaga e como volante).

Não era possível perder oportunidades na janela. E o Feyenoord deu o troco, trazendo nesta semana outros dois dos mais promissores jovens que a Eredivisie teve em 2016/17. De uma vez só, em contratos de cinco anos, vieram o zagueiro Jeremiah “Jerry” St. Juste, do Heerenveen, que se impôs na zaga do time da Frísia com apenas 20 anos, e outro que despontou no AZ: o lateral esquerdo Ridgeciano Haps, 24 anos, verdadeiro “turbo” nas jogadas de ataque da equipe de Alkmaar. Para o meio-campo, já chegara outro reforço com margem de evolução: Sofyan Amrabat, 20 anos, volante titular do Utrecht, que será alternativa confiável no banco para a dupla formada por El Ahmadi (novo capitão da equipe) e Vilhena.

Os promissores Haps e St. Juste mal chegaram e já foram incluídos na pré-temporada do Stadionclub (feyenoord.nl)

Amrabat, St. Juste e Haps já foram para a semana de pré-temporada na Áustria. Que tem sido tranquila. Nem mesmo a vindoura disputa de posição no gol entre Kenneth Vermeer, plenamente recuperado do rompimento no tendão de Aquiles, e Brad Jones causa problemas: reserva inicial em tese, Vermeer até comemora a “briga sadia” entre os dois arqueiros. De mais a mais, até agora, os resultados nos jogos-treino têm sido previsíveis (5 a 0 no amador Lisse, 10 a 1 no também amador SDC Putten, e amistosos contra Freiburg, neste sábado, e Real Sociedad, no próximo).

Cenário até invejável, diante da reformulação por que passa o PSV, com irregularidades nos amistosos de pré-temporada, e pelo lamentável trauma psicológico que tomará o Ajax neste princípio de temporada, após a fatalidade que colocou um ponto de interrogação na vida de Abdelhak Nouri. Se o Feyenoord perdeu jogadores importantes, os reforços foram precisos para manter o time num nível que permite, sim senhor, pensar em continuar disputando o topo na Holanda. E vai saber o que reserva o sorteio dos grupos da Liga dos Campeões...

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 21 de julho de 2017)

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Agora é que são elas

Seleção feminina holandesa já teve algo a comemorar nos amistosos. Espera ter a comemorar na Euro (Laurens Lindhout Fotografie/ANP)

Como em vários outros países, o futebol feminino tenta estabelecer certa regularidade na Holanda. Felizmente, no caso holandês, os passos são constantes. No futebol de clubes e no de seleções. No primeiro, desde 2007 o Campeonato Holandês feminino é disputado ininterruptamente – e após um período de “BeNeLiga” feminina, com a fusão das ligas belga e holandesa de mulheres entre 2013 e 2015, a Eredivisie Vrouwen (ao pé da letra, “Eredivisie Mulheres”) voltou a ser jogada isoladamente.

Mas o assunto principal desta coluna é a seleção holandesa. Já mereceu destaque a honrosa estreia das Leeuwinnen (“Leoas”) numa Copa do Mundo, em 2015, conseguindo avançar já às oitavas de final – e caindo para o Japão, futuro vice-campeão. No entanto, a tentativa regular de fazer a Laranja dar o salto necessário para ganhar respeito terá seu capítulo mais importante agora. Mais precisamente, a partir do domingo, quando começa a Eurocopa feminina, sediada justamente no país – com jogos nos estádios do Willem II (Tilburg), NAC Breda (Breda), De Graafschap (Doetinchem), Sparta Rotterdam (Roterdã), Utrecht (autoexplicativo), Go Ahead Eagles (Deventer) e Twente (Enschede, onde será a final, em 6 de agosto).

E a partir da estreia holandesa – contra a Noruega, abrindo a Euro no domingo, às 13h de Brasília -, começará um segundo teste. Além da tarefa de conseguir um desempenho razoável na Euro que sedia, as jogadoras da equipe laranja terão de provar que, com uma média de idade relativamente baixa, já estão prontas para suceder a geração anterior, que pouco a pouco vai parando de jogar, mas que conseguiu os feitos que renderam um pouco mais de atenção e confiança ao futebol feminino holandês - como alcançar as semifinais logo na primeira Euro feminina que a Holanda disputou, em 2009, na Finlândia.

De certa forma, a campanha das Leoas na Copa de 2015 já indicava essa transição de gerações. Jogaram o Mundial do Canadá algumas integrantes do grupo que deu o primeiro salto, com as semifinais na Euro 2009: a goleira Loes Geurts, a zagueira Petra Hogewoning, a volante Anouk Hoogendijk, a ponta-de-lança Kirsten van de Ven, a atacante Manon Melis. Mas também figuravam entre as convocadas da Copa novatas: a goleira Sari van Veenendaal, a zagueira Mandy van den Berg, as meio-campistas Tessel Middag e Lieke Martens, as atacantes Jill Roord e Vivianne Miedema.

Na Copa, as veteranas ainda se impuseram quando necessária: Miedema, já um grande destaque das Leoas com apenas 18 anos, decepcionou, e os gols mais importantes ficaram a cargo de Van de Ven, então com 30 anos – por exemplo, o gol no empate em 1 a 1 com as anfitriãs canadenses, que garantiu a classificação às oitavas, e o gol de honra na derrota para o Japão. De 2015 até agora, porém, muita coisa mudou. A começar pela saída gradual das mais experientes.

Já naquele ano da Copa, a primeira veterana parou de jogar – a lateral direita Dyanne Bito, que até foi ao torneio, aos 33 anos, mas sequer jogou, lesionada que estava. Em 2016, foi a vez de Petra Hogewoning deixar a carreira, aos 30 anos, após jogar a temporada da Eredivisie Vrouwen pelo Ajax. Do mesmo modo, aos 31 anos, a supracitada Van de Ven teve o melhor fim de carreira que uma jogadora pode supor: conquistar o título holandês de 2015/16 pelo Twente foi o ato final de sua trajetória. Atuando nos Estados Unidos, Manon Melis – a maior goleadora da história da seleção feminina, com 55 gols entre 2005 e 2016 – também encerrou a carreira, aos 30 anos.

E isso também aconteceu em 2016/17: o Ajax conquistou o campeonato feminino pela primeira vez em sua história (por incrível que pareça), e este foi o título final para duas das mais importantes jogadoras holandesas de todos os tempos. Embora não tenha podido estar na Copa em 2015, a zagueira Daphne Koster, 35 anos, esbanjou liderança durante sua carreira, sendo capitã das Leoas por dez anos – e atuando durante vinte, entre 1997 e 2007. E Koster foi a mais homenageada pelo título do Ajax. Assim como a volante Anouk Hoogendijk, 32 anos.

Mesmo vitimada por lesões nos dois últimos anos de sua carreira, Hoogendijk seguiu muito querida na Holanda. Não só por ser uma volante segura: para uma menina que foi ao programa de televisão Nooit Geef Op ("Nunca desista", espécie de "Porta da Esperança"), aos 12 anos, em 1997, tendo como desejo jogar no Utrecht, Anouk foi até mais longe. Foi a primeira jogadora holandesa a ser mais conhecida em outros países (jogou na Inglaterra, pelo Bristol Academy e pelo Arsenal Ladies), e também pelo carisma que a tornou um símbolo inspirador do futebol feminino no país – a ponto de ter lançado um livro (“Balverliefd” – em holandês, “Apaixonada pela bola”), dedicado a meninas que quisessem seguir a carreira.

Todavia, mesmo merecedora de respeito, a geração semifinalista da Euro em 2009 virou passado. E a hora é das mais novatas, que têm algo a provar. Ainda mais depois das turbulentas mudanças de comando na seleção feminina holandesa. Após a Copa, em 2015, Roger Reijners deixou a seleção. Sua auxiliar, a ex-jogadora Sarina Wiegman, assumiu interinamente, até a chegada de Arjan van der Laan, em outubro daquele ano. Desde então, os resultados nem foram tão desonrosos – certo, doeu um pouco perder a vaga no torneio olímpico, na Holanda, por um gol, para a Suécia, futura medalha de prata, mas era superável. Porém, a queda de desempenho no fim de 2016 (três derrotas, para Alemanha, Bélgica e Inglaterra) foi demais para Van der Laan, demitido. Caminho aberto para Sarina Wiegman voltar, desta vez em caráter efetivo, tendo como auxiliar um marcante personagem do futebol masculino: Foppe de Haan, técnico que levou a equipe sub-21 holandesa ao bicampeonato europeu, em 2006 e 2007.

Sob Wiegman, enfim, as jogadoras ganharam um pouco mais de confiança. Nos amistosos disputados em 2017, só houveram derrotas para Austrália, França e Japão. De resto, sete vitórias em dez jogos. E um entrosamento promissor entre várias jogadoras. Principalmente no ataque: Lieke Martens tem progredido na criação das jogadas, no meio-campo. Pelo lado direito, Shanice van de Sanden (novata na Euro 2009 – tinha 16 anos -, voltou a ser convocada em 2016) mostra velocidade nos avanços e cruzamentos.

Mas quem tem mais a provar é Miedema: com 20 anos, a fazer 21 neste sábado, “De Koele” (“A fria”, referência a seu tímido temperamento) seguiu jogando bem no time feminino do Bayern de Munique. Como prêmio, ganhou a transferência para o Arsenal Ladies. E sabe que a Euro é a oportunidade perfeita para apagar as más memórias da atuação apática na Copa de 2015. “Eu sei que não sou mais a Vivianne que era então, aquele tempo acabou”, definiu à revista Voetbal International. E não foi só Miedema que ganhou chance em locais mais avançados para o futebol feminino na Europa. Outra promessa, a atacante Jill Roord (reserva na seleção, mas presente na Copa de 2015 e artilheira da Eredivisie em 2015/16) vai para o Bayern de Munique, enquanto Martens acertou contrato com o Barcelona. Das veteranas, apenas a goleira Geurts está entre as 23 convocadas para a Euro - mas na reserva: Van Veenendaal, que já atuara em uma partida da Copa, assumiu a titularidade de vez no gol da Holanda.

Claro, a Holanda não é favorita ao título feminino europeu. Para ficar em apenas três rivais, há a poderosa Alemanha (bicampeã europeia, medalha de ouro no torneio olímpico do ano passado), a Inglaterra (terceira colocada na Copa do Mundo passada, com uma Premier League feminina cada vez mais forte) e a França (também com uma liga forte, preparando uma equipe entrosada para ir bem na Copa do Mundo que sediará daqui a dois anos). Sem contar a Noruega, adversária da estreia, que tem tradição: campeã mundial em 1995 e duas vezes campeã europeia.

Sarina Wiegman sabe disso, como comentou à revista supracitada: “Estatisticamente falando, é muito pequena a chance de sermos campeãs". Mas permitiu-se algum otimismo: “Mas vamos tentar”. Boa vontade de imprensa e torcida não tem faltado: os ingressos estão esgotados para os jogos da Holanda na Euro feminina, houve a mudança no escudo da seleção feminina feita pela KNVB (ao invés do leão do uniforme masculino, uma leoa), e o quarteto Jackie Groenen-Miedema-Martens-Van de Sanden estampa a capa da edição desta semana na Voetbal International.

A seleção feminina holandesa preparou-se. E sabe: agora é que são elas. Uma boa campanha na Euro garantirá a continuação do sólido trajeto rumo à estabilidade.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 14 de julho de 2017)

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Nunca se saberá

A torcida do Ajax esperava ver Nouri comemorando muitos gols nos próximos anos. Provavelmente não verá, e isso lhe dói (Stanley Gontha/ANP)
A esta altura, o leitor provavelmente já sabe: Abdelhak Nouri, o "Appie" Nouri, holandês de ascendência marroquina, meio-campista do Ajax, 20 anos, terá "danos cerebrais graves e permanentes", conforme o clube divulgou em nota no início desta quinta-feira. Também já deve saber da comoção que isso causou em todo o futebol holandês - e até no mundial: gente como Wesley Sneijder, Sergio Ramos, Luis Suárez e Marco van Basten lamentaram pesarosamente a dura sorte que Nouri teve após a arritmia cardíaca sofrida no amistoso de pré-temporada contra o Werder Bremen, em Mayrhofer, na Áustria, sábado passado. Sabe que o lema "#StayStrongAppie" se disseminou redes sociais afora.

Se se aprofundou um pouco mais, talvez o leitor saiba até que, nesta quinta, Nouri já foi removido de Innsbruck, cidade austríaca em que esteve internado desde sábado, para ser trazido ao AMC (Centro Médico de Amsterdã). E que seu irmão mais velho, Abderrahim Nouri, foi direto na perspectiva da vida que "Appie" deve ter, falando ao diário Algemeen Dagblad: "Se ele despertar, não poderá mais pensar, comer, falar, andar, talvez nem mesmo reconhecer alguém. Nunca mais terá uma vida normal. Mas não desistimos. Nossa crença nos ensinou a aceitar, e rezamos por sua cura". O que talvez o leitor não saiba é que, além da fama de boa-praça que Nouri tinha para imprensa e torcida do Ajax, a abrupta interrupção de sua carreira deve ser lamentada pela perda de um talento cuja técnica muito teria a ajudar - o time e a seleção.

Pequenos torcedores dividindo a dor em frente à casa de Nouri. Na faixa: "Hier klopt een Ajax-hart", "Aqui bate um coração do Ajax" (ANP)
Com relação à personalidade, a simpatia por Nouri ficou clara pelas manifestações em frente à sua casa, no mesmo bairro de Geuzenveld em que nasceu: os torcedores colocaram uma faixa em frente a ela, vizinhos se juntaram ali, também fizeram discretas visitas dois colegas de Ajax (Donny van de Beek, colega desde a base, e Hakim Ziyech, concorrente de posição que virou um "tutor" de Nouri no time principal - ambos dividiam quarto nas viagens, e Ziyech ajudava o jovem com alguns macetes em campo).

Os jornalistas tiveram ainda mais a revelar. Principalmente aqueles que seguiram o jovem nascido em Amsterdã, no bairro de Geuzenveld, em 2 de abril de 1997, nos últimos dias. Simon Zwartkruis, setorista do Ajax na revista Voetbal International, pranteava: "Estou no meio do futebol há 20 anos, e raramente vi um sujeito tão amável, amistoso e alegre. Continue lutando, Appie". Mike Verweij, do diário De Telegraaf, postou em seu perfil no Instagram uma foto de Nouri nos treinos da semana passada, além de opinar: "Um jogador fantástico, uma pessoa mais fantástica ainda. O primeiro jogador pelo qual chorei". Willem Vissers, colunista e repórter do diário De Volkskrant, resumiu o sentimento de quem acompanha futebol na Holanda: "Um grande talento, do qual nunca saberemos o que poderia alcançar". Exato. Porque Nouri ainda completava seu surgimento.

No Ajax, clube em que desenvolveu seu futebol desde a década passada, o meio-campista começou a despontar no time sub-19, a partir da temporada 2014/15. Na temporada passada, teve sua primeira aparição de destaque. Foi um dos líderes técnicos do Jong Ajax, na campanha do vice-campeonato na segunda divisão holandesa: 26 jogos, 10 gols. De quebra, recebeu atenção de Peter Bosz - e as primeiras chances no time adulto dos Ajacieden. A prova de que seu talento poderia levá-lo longe veio logo no jogo de estreia pela equipe de cima: em 21 de setembro do ano passado, contra o Willem II, pela terceira fase da Copa da Holanda, Nouri substituiu Ziyech, aos 73'. No penúltimo minuto, falta para o Ajax, na entrada da área. O jovem pediu a Lasse Schöne, cobrador habitual, para bater. E chutou forte, no canto esquerdo do goleiro Kostas Lamprou, fechando a goleada dos Amsterdammers por 5 a 0. De lá para cá, foram mais dois jogos pela KNVB Beker, nove jogos pelo Campeonato Holandês, três jogos pela Liga Europa. Estava claro: com a promoção de Marcel Keizer para treinar o time principal, Nouri tinha tudo para se destacar ainda mais e virar opção constante no time.

Na seleção holandesa sub-19, Nouri já era o capitão. Quem poderia prever onde chegaria? (Pro Shots)
Na seleção, Nouri também tinha algo a mostrar. E mostrava. Pelo menos, na seleção sub-19: nela, atuou em dois Campeonatos Europeus, em 2015 e 2016. No ano passado, era o capitão da Laranja. Deu uma amostra de sua técnica com um espetacular passe para gol contra a Croácia (vitória por 3 a 1). E mesmo em duras derrotas - como os 5 a 1 para a França, no jogo final da fase de grupos, ou a queda nos pênaltis para a Alemanha, que tirou a chance de estar no Mundial Sub-20 de 2017 -, Nouri não fugiu da raia: marcou gols nas duas partidas, foi opção constante de ataque.

Talvez fosse sua maior qualidade: meio-campista de origem, "Appie" não sabia só armar jogadas, mas também chegar para finalizá-las. Nos treinos, mostrava talento com a bola nos pés - tanto jogando quanto em brincadeiras. Em suma: era aquele jovem para quem todos olham e dizem que está destinado ao protagonismo. Provavelmente, nunca se saberá se realmente estava. Que pena.


sábado, 8 de julho de 2017

Mudando (de novo) para avançar

Luuk de Jong e Sam Lammers, lado a lado: o PSV volta a se renovar para tentar reagir (Ronald Bonestroo/VI Images)

Já é comum. Aconteceu em 2013/14: com o Ajax se sagrando tetracampeão holandês e com o Feyenoord alcançando o vice-campeonato na Eredivisie, o PSV notou que precisava se remodelar. Nada muito profundo, mas havia a sensação de que era necessário fazer algo. Alguns jogadores saíram, outros chegaram, alguns egressos da base se firmaram no grupo adulto... e deu no que deu: o bicampeonato holandês, uma elogiável campanha na Liga dos Campeões 2015/16, vários jogadores evoluindo na equipe (Memphis Depay, Georginio Wijnaldum, Jeffrey Bruma etc.).

Mas o tempo passou, e a temporada 2016/17 trouxe de volta a necessidade tão conhecida: reformulação. Afinal de contas, o Ajax e o Feyenoord monopolizaram as atenções, enquanto o PSV foi perdendo terreno ao longo do Campeonato Holandês – sem contar a decepcionante participação na Champions League. E agora, neste retorno gradual das equipes aos trabalhos de pré-temporada, quando os Ajacieden treinam num resort na cidade austríaca de Zillertal e o campeão da Eredivisie também já vê no horizonte o primeiro amistoso (contra o amador Lisse, neste sábado), é inevitável perguntar: e o PSV? 

Pois os Boeren estão fazendo o que já fizeram: mudando. À primeira vista, a mudança nem parece tão graúda assim: por enquanto, seguem no clube conhecidos como Jeroen Zoet, Santiago Arias, Jetro Willems, Luuk de Jong, Davy Pröpper etc. Ainda assim, bem se ressaltou há pouco: por enquanto. Já se cogitaram as saídas de vários desses jogadores habituais nos Eindhovenaren. Para citar dois exemplos: Zoet já foi falado como um dos vários possíveis substitutos para Pepe Reina no Napoli, e por muito pouco Pröpper não tomou o caminho do Zenit. 

Além do mais, a mudança ficou clara em duas saídas notáveis no grupo de jogadores. A primeira, confirmada antes mesmo da Copa das Confederações: a transferência de Hector Moreno para a Roma. A outra também envolveu um mexicano, e foi até surpreendente, a princípio: afinal de contas, o Real Betis ofereceu apenas pouco mais de 2 milhões de euros por Andrés Guardado. No entanto, o diretor esportivo Marcel Brands estava francamente disposto a aceitá-los – até porque o contrato do volante mexicano com o PSV se acabava no meio do ano que vem, e era melhor aceitar pouco dinheiro do que dinheiro nenhum.

E pelas palavras do diretor esportivo do Betis, Llorenç Serra Ferrer, ficava clara a razão pela qual Guardado escolheu vestir alviverde em 2017/18: “Ele escolheu o Betis como lugar para se aprontar e jogar sua quarta Copa. Só isso já diz sobre a magnitude e a relevância deste jogador. Depois, há a experiência e a polivalência dele, além da técnica. Pode jogar como zagueiro, lateral esquerdo, armador, atacante...”.

Guardado fará falta ao PSV. Mas sua saída era necessária para fechar um ciclo (Jeroen Putmans/VI Images)

Se havia um clube que sabia muito bem dessa importância, é o PSV. Basta ver o levantamento feito pela revista Voetbal International sobre as atuações de Guardado pelo clube, em 2016/17: o autor de mais assistências na temporada (9), o segundo a ter criado mais chances na equipe (70 jogadas de ataque que saíram de seus pés), e o meio-campista que mais tocou na bola, entre os atletas da posição em todos os grandes clubes holandeses (92 toques por jogo). Mas a falta de aceleração no jogo do PSV deixava claro que algo precisava mudar para esta temporada. E a própria torcida do clube pedia isso, indiretamente, ao solicitar que Phillip Cocu desse mais espaço a Jorrit Hendrix, volante enfim recuperado de grave lesão no joelho – e cria da base. Com a saída de Guardado, Hendrix enfim assumirá o controle das ações. Principalmente na marcação.

Para armar, deverá vir outra novidade: Marco van Ginkel, cuja compra em definitivo é um velho sonho que o PSV quer realizar - e o Chelsea parece disposto a facilitar. No ataque, um mexicano simboliza essa vontade de apostar no novo: Hirving Lozano, ganho após disputa com outros clubes europeus. Destinado ao Jong PSV (equipe B, que disputa a segunda divisão holandesa), chegou o brasileiro Mauro Júnior, do Desportivo Brasil. E há muita gente criada em De Herdgang, centro de treinamentos dos Boeren, que terá espaço e será olhada de perto por Cocu. Sam Lammers e Matthias Verreth, no ataque; Dante Rigo, Ramon-Pascal Lundqvist e Pablo Rosario, no meio-campo; Jurich Carolina, na defesa (este, disputando o Europeu sub-19 com a seleção holandesa – assim como o atacante Joël Piroe, também criado em De Herdgang); e Yanich van Osch, no gol. Lammers, Lundqvist e Rosario já foram relacionados definitivamente por Cocu para o elenco que disputará a temporada na Eredivisie. Sem contar Steven Bergwijn: desde 2014/15 no grupo principal, o atacante já ganha mais chances como titular.

Além dos conhecidos formadores da base do time de Cocu (Bart Ramselaar, Pröpper, De Jong, Jürgen Locadia, Gastón Pereiro, Zoet, Arias...), esta geração será responsável por tentar fazer o PSV se reerguer e reaparecer, no próximo Campeonato Holandês. Afinal, se é para a disputa do título se monopolizar entre os grandes, que seja entre o trio de ferro.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 7 de julho de 2017)