sexta-feira, 30 de junho de 2023

A Holanda na Copa feminina: seleção de transição

Entre altos e baixos, a seleção feminina da Holanda recuperou algum ânimo para chegar à Copa que marcará a "passagem de bastão" de uma geração a outra (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

Transição. Eis a palavra que resume como chega a seleção feminina da Holanda (Países Baixos). para a terceira participação de sua história numa Copa do Mundo. Afinal de contas, vendo-se a lista de 23 convocadas, fica muito claro que se trata de uma "troca de guarda" nas Leoas Laranjas. Deve ser a última Copa de vários símbolos de uma geração que catapultou decisivamente o futebol feminino no país, com o título da Euro 2017 e o vice-campeonato na Copa de 2019. Talvez seja a despedida de Sherida Spitse, Daniëlle van de Donk, Lieke Martens, e certamente será a despedida de Stefanie van der Gragt (a zagueira já confirmou que sua carreira termina após a Copa, fazendo nela seus últimos jogos). Por outro lado, é só o primeiro Mundial de uma geração que já mostrou ter protagonistas capacitadas para manterem a Holanda com uma seleção competitiva: Daphne van Domselaar, Damaris Egurrola, Kerstin Casparij, Esmee Brugts. Caberá a elas, jogadoras, "definirem" em campo se essa transição terá um travo amargo de decepção, ou se terá a suavidade e a honra dadas por uma campanha decente em Nova Zelândia/Austrália - a começar pelo dia 23 de julho, às 4h30 de Brasília, contra Portugal, na cidade neozelandesa de Dunedin.

É bem verdade que a Holanda já chega para a Copa baqueada. Afinal de contas, ficará de fora aquela que teria tudo para ser o grande destaque, a grande condutora dessa transição com a bola nos pés, literalmente a capitã da seleção. A lesão que lhe rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo, em dezembro do ano passado, tirou as chances de Vivianne Miedema estar na terceira Copa de sua carreira. Ficará apenas na cabeça a curiosidade sobre o que uma das melhores atacantes do futebol feminino no mundo (pelo menos até a lesão) poderia fazer com a camisa laranja, cada vez mais completa ao ser escalada mais atrás, como armadora - sem contar a lembrança ainda viva dos dez gols em quatro jogos que fez, no torneio olímpico passado. 

A lesão que tirou Vivianne Miedema da Copa doeu em todos quantos gostam do futebol feminino... (David Price/Arsenal FC)

Se serve de consolo, Miedema não é só uma "ausência presente" na Holanda. A própria revelou, em abril: após cada jogo da seleção, participa de reuniões por vídeo com o técnico Andries Jonker e as colegas mais experientes, para discutirem como a equipe jogou - e o que pode melhorar. Faz parte da intenção de "Viv" para depois da carreira: ser treinadora. "Ele [Andries] sabe que eu gosto de discutir tática. É um debate bem aberto". De quebra, também nas datas FIFA de abril, ainda visitou as colegas em campo, mostrando como segue próxima - como mostrará, estando junto às convocadas no fim de semana do amistoso de despedida, contra a Bélgica, no próximo domingo, na cidade de Kerkrade. No entanto, Miedema cortou com bom humor qualquer ideia sobre ser uma "auxiliar especial" na comissão técnica que vai à Copa: "Eu quero ser treinadora da seleção, não quero ser auxiliar (risos)".

...mas Miedema segue muito próxima da seleção fora do campo, enquanto não volta (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

E a proximidade de Miedema ajuda a deixar claro: não, a Holanda não se desanima sem a sua melhor jogadora. Ao contrário. É quase unânime a impressão de todos quantos acompanham a primeira fase de preparação para a Copa, no centro de treinamentos da federação, na cidade de Zeist: a relação entre Andries Jonker e as jogadoras é ótima. Mais do que isso: elas "compraram" a ideia de Jonker, adaptaram-se melhor ao estilo direto do técnico. Nada mais distante da passagem curta e esquecível de Mark Parsons - não que o técnico anglo-americano tenha brigado abertamente ou desrespeitado as atletas, mas seu estilo mais calmo e conversado não se encaixou com o que o grupo frequente de convocadas prefere. 

Isso ficou claro, principalmente, ao longo das eliminatórias da Copa, iniciadas em setembro de 2021. A estreia - empate em 1 a 1 com a República Tcheca, em casa - já deixou claro que a Holanda tinha problemas. Tratava-se de uma equipe lenta, sem empolgar, sem convencer nem mesmo nas vitórias sobre Chipre (duas goleadas: 8 a 0 fora, 12 a 0 em casa - com cinco gols de Miedema). O outro jogo contra a República Tcheca, na quinta rodada, em novembro de 2021, simbolizou tudo isso: em Ostrava, as holandesas ficaram atrás no placar, perdendo por 2 a 1 até os 48 minutos do segundo tempo, quando Stefanie van der Gragt conseguiu um empate salvador. Uma decisão polêmica só aumentou o drama: com a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia, em fevereiro de 2022, por decisão da federação, a Holanda se recusou inicialmente a enfrentar Belarus, aliada aos russos no conflito (e já vencida em campo, na quarta rodada das eliminatórias - 2 a 0, em Minsk). Enquanto isso, no grupo C das eliminatórias, a Islândia tomava a liderança, e a Holanda ficava arriscada a partir para a repescagem. Só aí, sob risco, a KNVB voltou atrás em sua decisão. E num jogo sem torcida e sem publicidade, em julho, pouco antes da Euro, as holandesas fizeram 3 a 0 nas bielorrussas

Mark Parsons, sucessor imediato de Sarina Wiegman na Holanda feminina, nunca conseguiu cativar plenamente - nem torcida, nem imprensa, nem as jogadoras. Mesmo com relação calma, acabou caindo (Rene Nijhuis/BSR Agency/Getty Images)

De quebra, a participação da Holanda na Euro de mulheres, em julho do ano passado, foi altamente decepcionante: mesmo só sendo eliminada na prorrogação, nas quartas de final, em quase nenhum momento a equipe laranja convenceu - contra a França, na eliminação, foi pressionada a ponto da goleira Daphne van Domselaar ser a melhor em campo. Ali ficou claro: por mais que houvesse boa vontade de parte a parte, Mark Parsons não conseguia fazer o time jogar como a torcida queria - e nem como as jogadoras queriam. Em agosto, ele foi demitido. E Andries Jonker chegou, tendo um jogo só com tudo valendo: o jogo direto contra a Islândia, na última rodada das eliminatórias, que valeria a vaga direta na Copa - com a Islândia liderando o grupo C, graças à goleada sobre Belarus (6 a 0) na penúltima rodada. Naquele 6 de setembro de 2022, em Utrecht, quem ganhasse estaria classificada, quem perdesse iria à repescagem, e o empate manteria as islandesas na frente. E num estádio repleto, as Leoas Laranjas sofreram diante de uma defesa fechada: foram 22 (!) chutes a gol, três bolas na trave... até que, aos 90' + 3, Esmee Brugts fizesse o gol do 1 a 0 e da vaga na Copa.  


Conseguir a vaga direta (com até mais facilidade do que para a Copa de 2019, na qual a Holanda superou Dinamarca e Suíça na repescagem) matou no nascedouro qualquer pressão que Andries Jonker pudesse ter sobre seu trabalho. Com tranquilidade, ele pôde aproveitar o único ponto positivo da passagem de Mark Parsons: as várias novatas que ganharam espaço na seleção, de Kerstin Casparij a Esmee Brugts. minimizando o estilo repetitivo da Holanda desde os últimos tempos de Sarina Wiegman, além de sinalizar essa mudança de geração. Basta citar que, das 23 convocadas para a campanha do vice-campeonato mundial em 2019, 12 voltarão a um Mundial - ou seja, metade do grupo foi renovada. Além disso, cinco das convocadas à Copa estiveram na campanha no Mundial sub-20 de 2018, na qual as neerlandesas chegaram às quartas de final: as três goleiras - Van Domselaar, Kop e Weimar -, Nouwen e Pelova.

Com o alívio da vaga, Jonker também pôde tentar algo que já tinha em mente desde o começo: fazer a equipe neerlandesa jogar com três zagueiras, tanto para evitar que Sherida Spitse sofresse com a intensidade no meio-campo, quanto para arrumar um espaço em que Damaris Egurrola, de tanto talento técnico como volante, pudesse se tornar titular de vez. E foi o que a Holanda começou a praticar, nos amistosos finais do ano passado. Sem a pressão do resultado, deu-se ao luxo de perder para a Noruega (1 a 0, em 11 de outubro), mas já indicou um bom caminho com as vitórias finais de 2022, sobre a Costa Rica (4 a 0, em 11 de novembro) e a Dinamarca (2 a 0, em 15 de novembro). O grande problema com que a Holanda chega à Copa do Mundo - além, obviamente, da falta que Miedema faz - foi visto nos amistosos deste ano. Já a partir dos dois jogos contra a Áustria, em fevereiro, ficou claro como a seleção ainda oscila, ainda comete erros por pura desatenção. Tanto que, no primeiro jogo, em 17 de fevereiro, as holandesas caíram por 2 a 1, graças a uma falha de Jackie Groenen, no fim; no segundo, quatro dias depois, mais concentradas durante os 90 minutos, golearam as austríacas sem dificuldade - 4 a 0.

De certa forma, isso foi visto novamente nos amistosos de abril. Não na falta de concentração, mas na falta de eficiência nas chances de gol. Contra a Alemanha, no dia 7, a Holanda jogou melhor. Criou pelo menos cinco oportunidades claras para marcar. Perdeu todas - e viu, numa bola parada (escanteio), as alemãs fazerem o 1 a 0 da vitória. Quatro dias depois, contra a Polônia, quase isso se repetiu: a seleção teve chances, mas precisou sair atrás no placar para se aprumar e rumar para a goleada (4 a 1). Tal falta de atenção pode ser perdoada nos amistosos, mas é altamente arriscada na Copa do Mundo. Ainda mais no grupo G, em que a Holanda terá os Estados Unidos dispensando apresentações - embora numa fase de entressafra -, mais Portugal sendo uma seleção que, mais do que talento (em Tatiana Pinto, Francisca "Kika" Nazareth e Ana Borges), tem um esforço notável, que já causou sérios problemas às holandesas na fase de grupos na Euro (vitória suada por 3 a 2), sem contar a incógnita chamada Vietnã. 

Desde o ano passado - e ainda mais agora, na reta final da preparação -, Andries Jonker reflete sobre novidades nas Leoas Laranjas (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

Para tanto, Andries Jonker vive a repetir: "Precisamos saber jogar em mais esquemas". E começa a tentar um esquema ofensivo e defensivo ao mesmo tempo: um 3-5-2 em que Brugts e Pelova são alas - Brugts na esquerda, Pelova na direita -, para manter alguma rapidez numa defesa lenta, possibilitando chegadas mais rápidas e de mais gente ao ataque. Para ambas, tudo bem: Brugts, por exemplo, já brincou, falando à emissora NOS ("Eu já joguei em todos os lugares, no ataque e no meio-campo, mas faltava jogar na defesa"). O que não quer dizer que as escolhas são sempre corretas: já nesta fase final de preparação, o técnico surpreendeu ao cortar da lista final a atacante Romée Leuchter, boa surpresa vista desde a Euro, destaque no título holandês do Ajax ("Achamos que Romée é uma atacante muito talentosa, e ela treinou bem, mas nem todas podem ir, é uma decisão difícil", lamentou o técnico). 

Surpresa maior ainda, merecendo um parágrafo à parte, foi deixar de fora da convocação final Fenna Kalma. Goleadora do Campeonato Holandês pelo Twente, nas últimas duas temporadas (em 2021/22, foram 33 gols em 24 jogos!), com transferência já anunciada para o Wolfsburg, Kalma se destacou até mesmo em termos estatísticos. De acordo com os critérios da IFFHS (Federação Internacional de História e Estatística do Futebol), nenhuma outra jogadora fez tantos gols no mundo em 2022 quanto ela - 45. Ainda assim, Kalma já tinha sido preterida na disputa da vaga aberta com a lesão de Miedema, para Beerensteyn. E sua ausência na lista geral das 23 jogadoras foi, de longe, o fato que mais chamou a atenção. Afinal, Kalma é considerada uma provável candidata a boa atacante no futebol feminino mundial, nos anos que virão.

Assim vai a Holanda para a sua terceira Copa do Mundo - com o amistoso de despedida contra a Bélgica no próximo domingo, viagem à Austrália no dia 7 e permanência na cidade neozelandesa de Tauranga durante a Copa. Em meio a uma transição. Na qual o nível de atenção e de concentração durante os jogos definirá se essa transição terá o gosto amargo da eliminação precoce ou o gosto saboroso de mais uma participação decente num grande torneio.

As 23 convocadas da Holanda para a Copa feminina (clique nos nomes e saiba mais sobre elas)

GOLEIRAS

LATERAIS

A Holanda na Copa feminina - a comissão técnica

AUXILIARES

(KNVB Media/Divulgação)

Janneke Bijl
Há quatro mulheres holandesas que possuem o diploma da UEFA, estando aptas a treinarem equipes - femininas e masculinas - no mundo. E Janneke Bijl está estudando para ser a quinta. Ex-defensora (podia jogar tanto na zaga quanto no meio-campo) com passagens por Twente e PSV, Janneke vinha treinando a seleção sub-16 da Holanda até o ano passado. Foi quando Jessica Torny se cansou. Também ex-jogadora, já frequentando as comissões técnicas da seleção feminina principal desde a passagem de Sarina Wiegman, Torny acumulava o comando da seleção sub-20 ao posto de auxiliar de Mark Parsons. Cogitada para sucedê-lo, Torny não só recusou (achava que ainda tinha o que vivenciar na carreira), como preferiu deixar as seleções no começo deste ano, começando a treinar para valer no Feyenoord. Caminho aberto para Bijl - quatro jogos pela seleção da Holanda, entre 2002 e 2005 - ser escolhida para auxiliar Andries Jonker. E já ganhar certa ascendência sobre o técnico: fala-se que partiu dela a ideia de começar a escalar a Holanda com três zagueiras. Com a experiência, ela já se credencia para se juntar à lista mencionada no começo do texto, que tem nomes como Vera Pauw e Sarina Wiegman.


(KNVB Media/Divulgação)

Arvid Smit
Como meio-campista, Smit teve até uma carreira meteórica. Tendo começado bem pelo Telstar, em 2000, ele logo chamou a atenção do PSV, que o contratou em 2004. Só que Smit jogou pouco em Eindhoven: passou o tempo sendo mais emprestado a outros clubes (De Graafschap, Groningen, Willem II). Só se estabilizou um pouco ao mudar de país: Smit fez boa temporada em Portugal, pelo Marítimo, em 2007/08, passando ainda pelo União Leiria antes de voltar ao país natal, encerrando a carreira precocemente (30 anos), em 2011, no Telstar em que começara. Desde então, começou a ser treinador em equipes amadoras. Mas foi no futebol feminino - e na federação holandesa - que Smit se tornou íntimo dos trabalhos em comissões técnicas. Auxiliar fixo da seleção de mulheres desde 2019, ajudou Sarina Wiegman na reta final de sua passagem. E a proximidade do grupo aumentou tanto que o fez figura importante nos trabalhos de Mark Parsons - e, agora, no de Andries Jonker.

TREINADOR DE GOLEIRAS

(KNVB Media/Divulgação)

Erskine Schoenmakers
Nenhum membro da comissão técnica da seleção feminina da Holanda (Países Baixos) tem vivência tão longa junto das jogadoras quanto Erskine. Treinador de goleiros das Leoas Laranjas desde 2016, ele viveu toda a evolução da equipe de mulheres nos últimos anos. E é considerado nome decisivo por aprimorar nomes como Loes Geurts, Sari van Veenendaal e Daphne van Domselaar. Schoenmakers se vale de rotina pesada de exercícios junto às três guarda-metas costumeiramente convocadas, sejam quais forem. E chama a atenção uma prática pouco usual: além dos treinos básicos de chutes e pênaltis, ele carrega uma tela portátil pela área, pedindo que as três joguem a bola na tela. Que vira um "rebatedor", para que elas possam praticar saltos que busquem a esférica. 

A Holanda na Copa feminina - Andries Jonker, o técnico

Andries Jonker concretizou a boa vontade que (quase) sempre teve com o futebol feminino ao aceitar treinar a seleção, num momento decisivo. Mas ainda atrai desconfianças (KNVB Media/Divulgação)

Ficha técnica
Nome: Andries Jonker
Data e local de nascimento: 22 de setembro de 1962, em Amsterdã (Holanda)
Carreira como treinador: ZFC (clube amador, 1987 a 1988), DRC (clube amador, 1989 a 1991), Volendam (1999 a 2000), seleção feminina da Holanda (2001, como interino, e desde 2022), MVV Maastricht (2004 a 2006), Willem II (2007 a 2009, acumulando com o cargo de diretor técnico), Bayern de Munique-ALE (2011, interino, e 2011 a 2012, treinando o time B), Wolfsburg-ALE (2017) e Telstar (2019 a 2022, acumulando com o cargo de diretor técnico)
Carreira como auxiliar: Volendam (1997 e 1999), Barcelona-ESP (2002 a 2003), Willem II (2006 a 2007), Bayern de Munique (2009 a 2011) e Wolfsburg-ALE (2012 a 2014)
Carreira como diretor: Federação holandesa (1990 a 1997 e 2000 a 2003, como diretor de seleções regionais e categorias de base) e Arsenal-ING (2014 a 2017, como diretor das categorias de base)

Andries Jonker já foi auxiliar técnico do Barcelona. Já treinou o Bayern de Munique - interinamente, mas treinou. Já foi diretor das categorias de base do Arsenal. Já foi auxiliar técnico, e também técnico, do Wolfsburg. Seria um currículo a torná-lo dos comandantes mais conhecidos e capacitados desta Copa do Mundo feminina... se Jonker não tivesse feito tudo isso no futebol masculino. Por mais que tenha no currículo a fugaz experiência treinando a seleção de mulheres da Holanda (Países Baixos) em 2001, por mais que sua boa vontade e seu gosto pelo futebol feminino sejam inegáveis, o treinador de 60 anos chega ao Mundial das mulheres tendo de fazer uma boa campanha para minorar a frequência com que se ouve "quem?", ao se comentar que ele é o técnico das Leoas Laranjas.

No começo de sua carreira no banco de reservas (nunca foi jogador profissional - o máximo a que chegou foi jogar no De Volewijckers, clube amador), aliás, Jonker sequer tinha simpatia pela modalidade. Reconheceu isso a um podcast da revista Helden, neste ano: "Não me lembro de uma menina que jogasse em clubes, quando eu era jovem. E eu fazia parte daquela mentalidade masculina que achava 'mulher não pode jogar futebol, tem de ir para outro esporte: handebol, beisebol, atletismo, coisa assim'. Não tinha nada contra o esporte feminino, mas não achava que elas pudessem jogar". E assim pensou na fase inicial de sua carreira, treinando clubes amadores, a partir de 1987.

Jonker só mudou de ideia na sua primeira passagem pela federação holandesa, como diretor, a partir de 1990. Na KNVB, foi destinado para acompanhar e estruturar o futebol amador no país. No meio do trabalho, coube a ele acompanhar... o futebol feminino. No começo, claro, ele se aborreceu: "Pensei: 'Não vou fazer isso'. Como punição, a alternativa era cumprir tarefas comunitárias, em jogos de futebol de salão. Numa noite, na cidade de Zandvoort, eu estava ao lado de um poste, na estação de trem, e ao lado treinavam as meninas do time sub-23, da região de Haarlem".

E ele acabou aceitando, virando técnico de equipes femininas sub-15, no trabalho supervisionado na federação. E bastou o primeiro jogo comandando meninas para que ele notasse como o futebol de mulheres também poderia interessar - no jogo, uma derrota por 12 a 1: "Eu fiquei com os pais nas minhas orelhas, as filhas deles choravam. Aí eu decidi levar a sério". Gradualmente, Jonker pegou gosto pela tarefa que faria como representante da federação até 1997: supervisionar o futebol feminino. Ver candidatas a jogadoras, estimulá-las a treinar próximas às suas casas, treinar mulheres três vezes por semana. Foi assim que ele resolveu, ao podcast: "A partir desse momento, minha antipatia pelo futebol feminino acabou".

Só não continuou o trabalho porque o Volendam o chamou, em 1997, para ser auxiliar técnico do time masculino. No clube, Jonker trabalhou como braço-direito do técnico Dick de Boer, por dois anos (o que incluiu um rebaixamento para a segunda divisão da Holanda, em 1997/98) - e no terceiro, em 1999, assumiu ele mesmo o comando do Volendam. Fez um trabalho ruim - 17º lugar na segunda divisão em 1999/2000 -, mas justamente aí, foi convidado pela KNVB para retornar ao trabalho interno. Na federação holandesa, Jonker encontrou um sujeito que lhe seria fundamental no resto da carreira: Louis van Gaal, chegando simultaneamente para treinar a seleção masculina da Holanda naquele ano de 2000. 

Mais do que isso: Jonker reencontrou o futebol feminino. Na época, mesmo com a Holanda sendo um país incipiente na modalidade, houve certo interesse da federação em estruturar a modalidade. E ali Jonker teve sua primeira passagem como treinador da seleção de mulheres: após a demissão de Ruud Dokter, ele comandou as Leoas Laranjas, como interino, no primeiro semestre de 2001. Na disputa de amistosos, Jonker teve até bons resultados - em sete jogos, cinco vitórias e duas derrotas. Todavia, era só uma fase. Interino, ele deu espaço a Frans de Kat, a partir do segundo semestre daquele ano. Mas a passagem fugaz serviu para ele manter contato com jogadoras que teriam ainda mais experiência naquela década. Como a lateral direita Dyanne Bito, a atacante Annemieke Kiesel-Griffioen... e uma volante, de 32 anos em 2001, que se tornou naquele ano a jogadora com mais partidas pela seleção até ali: Sarina Wiegman.

No Barcelona e no Bayern de Munique, Louis van Gaal deu alguma experiência a Jonker (esquerda), fazendo dele seu auxiliar ( Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images)

Só que o caminho de Jonker continuou. E a partir dali, muito mais próximo do futebol masculino - e dos caminhos de Louis van Gaal. Após a malograda passagem pela seleção masculina da Holanda, Van Gaal retornou ao Barcelona em 2002, e levou o conhecido da federação como seu auxiliar, na segunda passagem pelo clube espanhol. Passagem também problemática, que acabou em 2003, para ele e Jonker. Ao segundo, restou esperar até 2004, quando voltou a um clube da segunda divisão (masculina) da Holanda - no caso, o MVV Maastricht. Foi seu primeiro trabalho digno de nome no banco de reservas. Nem tanto pelos resultados na Eerste Divisie, em que o MVV ficou no lado de baixo da tabela. Mas sim pelo que se viu em 2005/06, com o clube alcançando as quartas de final da Copa da Holanda.

A partir dali, Jonker teve uma mínima ascensão como técnico. E a aliou às experiências como diretor, no Willem II, ao qual chegou ainda em 2006. No time de Tilburg, primeiro foi auxiliar de Dennis van Wijk, e a partir de 2007, acumulou os cargos de treinador e diretor técnico. Mesmo com dificuldades, os Tricolores seguiram na primeira divisão durante os dois anos, embora sempre bordejando a zona de rebaixamento. E quando Jonker caiu dos dois cargos, em fevereiro de 2009, logo "caiu para cima". Porque, em julho daquele ano, o parceiro antigo Louis van Gaal o escolheu para auxiliá-lo no Bayern de Munique, que levaria a dupla coroa alemã (campeonato e copa) e o vice-campeonato da Liga dos Campeões, em 2009/10. Mais ainda, porque Van Gaal entrou em dificuldades na temporada posterior, foi demitido ao final dela... e coube a Andries treinar, interinamente, o Bayern de Munique, na goleada por 4 a 1 no Schalke 04, pela 32ª rodada do Campeonato Alemão. Mesmo cedendo o lugar para Jupp Heynckes depois, o holandês ficou no Bayern - mais precisamente, no time B, que comandou em 2011/12, deixando-o após o 14º lugar, na liga regional do sul alemão que o Bayern II disputou então.

Pois é: após a demissão de Van Gaal, em 2011, Jonker teve algumas semanas treinando o Bayern de Munique (Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images)

Seria no Wolfsburg, porém, que Andries Jonker teria a vinculação maior em sua passagem no futebol alemão. Da primeira vez, novamente como auxiliar técnico: o neerlandês foi o braço-direito de Felix Magath, do interino Lorenz-Günther Kostner (sucessor do demitido Magath) e de Dieter Hecking, entre 2012 e 2014. Aí, novamente ele preferiu uma passagem como diretor - e que passagem: Jonker comandou as categorias de base do Arsenal, entre 2014 e 2017, sendo responsável pela remodelação de Hale End, centro de formação de jogadores do clube. E aí, voltou ao Wolfsburg, em fevereiro de 2017. Como técnico. Em meio a um momento difícil: o sofrimento dos Lobos, que terminaram precisando disputar a repescagem contra o rebaixamento, se mantendo na Bundesliga ao superar o Eintracht Braunschweig. Tal sofrimento já colocou Jonker na mira das críticas. E um começo inconstante na Bundesliga 2017/18 - duas derrotas, um empate, uma vitória - já o fez ser demitido do Wolfsburg, em setembro de 2017, ainda na fase inicial da temporada.

No Wolfsburg, primeiro Jonker foi auxiliar; depois, como técnico, sofreu entre 2016 e 2017 (Martin Rose/Bongarts/Getty Images)

Então, Jonker decidiu voltar ao país natal, após um bom tempo. Novamente, para um clube da segunda divisão: o Telstar, ao qual chegou em junho 2019. Ali, novamente acumulou os cargos de treinador e diretor técnico, num contrato de dois anos. De novo, o trabalho foi deficiente: 10º lugar na temporada 2019/20 (interrompida pela pandemia de COVID-19, vale lembrar), 13º lugar em 2020/21. Ainda assim, tão ligado ao futebol masculino, Jonker seguia observando o futebol feminino à distância. A ponto de ser cogitado como candidato a substituir Sarina Wiegman, quando esta deixou a seleção holandesa de mulheres, em julho de 2021. Àquela altura, ele preferiu ficar, como se lembrou em abril passado: "Eu não queria desistir. Tinha a sensação de que não podia deixar os jogadores e a comissão [do Telstar] na mão".

No Telstar, mais dificuldades para Jonker (Rene Nijhuis/BSR Agency/Getty Images)

De fato, não deixou. Só que o Telstar piorou na temporada 2021/22 da segunda divisão: decaiu até a 19ª e penúltima posição (só não foi rebaixado porque a segunda divisão não tem rebaixamento). E aí, sim, em junho, Andries Jonker foi demitido. Estava livre. E viu, à distância, Mark Parsons ser demitido da seleção feminina. Houve novo debate sobre quem seria o(a) sucessor(a). Uns pensaram em Arjan Veurink, auxiliar de Sarina Wiegman na Inglaterra; outros sugeriram a promoção de Jessica Torny, treinadora da equipe sub-20; mais outros, até, falaram em Emma Hayes, comandante do Chelsea. Mas a longa experiência e a boa vontade com o futebol feminino fizeram de Jonker o escolhido da federação, em agosto de 2022. A volta às Leoas Laranjas, agora, seria definitiva.

Jonker chegou tentando mostrar seu acompanhamento do futebol feminino, na coletiva de apresentação: "Eu vi todos os jogos da seleção nos últimos anos. Todos. E quando não estava no lugar, como na Euro passada, eu vi pela televisão". Reconheceu a intenção ao aceitar o cargo: "Eu já conhecia muitas mulheres no futebol feminino: Manon Melis, Vera Pauw, Sarina Wiegman, Jessica Torny, Daphne Koster... corri um risco, mas além de ajudar no desenvolvimento da modalidade, me pareceu muito bacana a ideia de estar na Copa". Negou ser para a seleção feminina o mesmo que o amigo Louis van Gaal foi na sua volta à seleção masculina - isto é, um "bombeiro", um reorganizador: "Nós só nos vimos duas vezes desde minha chegada". Foi humilde, ao reconhecer o fracasso da intenção inicial da federação na substituição de Sarina Wiegman - em 2021, falava-se em "Sarina Plus", contratar alguém tão bom ou melhor do que a treinadora campeã europeia e vice-campeã mundial, mas Jonker assumiu, à revista Voetbal International: "Eu queria, mas realmente não consigo ser melhor do que ela. Ninguém a substituirá. Não tem 'Sarina Plus'. Ninguém, homem ou mulher, vai chegar perto. O que ela fez foi fenomenal". E finalmente, ele sabia: tinha uma partida decisiva - o jogo contra a Islândia, na última rodada das eliminatórias da Copa do Mundo feminina. Com a necessidade da vitória. E houve muito sofrimento. Mas o final foi feliz: no último chute a gol, veio o gol do 1 a 0. O gol da vaga direta na Copa.

A dramática vitória contra a Islândia, na última rodada das eliminatórias, levou a Holanda à Copa - e já fez Jonker criar boa relação com o grupo de jogadoras (Pieter Stam de Jonge/ANP/Getty Images)

O gol do salvo-conduto que tanto Andries Jonker comemorou, à Voetbal International: "Fiquei realmente impressionado com meu time. O espírito de luta, a vontade, e como elas mudaram para outro esquema tático nos quinze minutos finais. (...) Foi um jogo como tantos sob Sarina. Um jogo que deixou as pessoas felizes". Se Jonker comemorou, logo teve a retribuição das comandadas. Sempre que perguntadas pela imprensa, usaram uma palavra em comum para ele: "de baas" - em holandês, o chefe. E aprofundaram. Daniëlle van de Donk? Ao site NU Sport: "Andries é justamente o técnico de que precisávamos. O futebol não é simples, mas ele faz parecer que é". Jackie Groenen? À emissora NOS: "Éle é muito ordeiro, mas isso é bom". Fenna Kalma? À revista Helden: "Ele quer controle, e acho isso bacana. Como treinador, ele tem uma abordagem respeitada por todas. Ele sabe o que quer, não deixa mal entendidos".

Enfim, pelo menos aparentemente, Andries Jonker minorou as desconfianças sobre sua capacidade de treinar a seleção feminina. Agora, com os olhos na Copa das mulheres, tentará cumprir o que já falou: "Queremos ficar no top-10 da FIFA, e nos esforçarmos para participar de todos os torneios, e terminarmos entre os oito primeiros (...) Precisamos ser realistas, ainda mais vendo quantos países estão no mesmo estágio". Expectativas ajustadas - para a seleção, e para um nome menos conhecido no futebol feminino pelo mundo como é Andries Jonker.

(Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

A Holanda na Copa feminina - as 23 convocadas: Snoeijs

 
Há pelo menos quatro anos Katja Snoeijs rondava um lugar num grande torneio pela seleção feminina da Holanda. Enfim, conseguiu (KNVB Media/Divulgação)

Ficha técnica
Nome: Katja Snoeijs
Posição: Atacante
Data e local de nascimento: 31 de agosto de 1996, em Amstelveen (Holanda)
Clubes na carreira: Telstar (2015 a 2017), VV Alkmaar (2017 a 2018), PSV (2018 a 2020), Bordeaux-FRA (2020 a 2022) e Everton-ING (desde 2022)
Desempenho na seleção: 15 jogos e 9 gols, desde 2019
Torneios pela seleção: nenhum

Katja Snoeijs não é nenhuma novata. Ao contrário: em sua carreira, a atacante já tem certas marcas, e já sabe o que é a seleção feminina da Holanda (Países Baixos) há algum tempo. Sua experiência em campeonatos mais competitivos também a torna, há muito tempo, um nome que integra as convocações das Leoas Laranjas, aqui e ali. Contudo, a alta concorrência na posição - que só cresce, pelas veteranas que seguem e pelas novatas que chegam - privou Snoeijs, por muito tempo, de um lugar em um grande torneio. Só que a espera acabou. Enfim, a atacante formada em Educação Física vestirá laranja numa competição importante. E logo numa Copa do Mundo...

Snoeijs começou a jogar ainda criança: já aos cinco anos, ela ia bater sua bola nos times infantis do Sporting Martinus, clube amador de sua cidade natal, Amstelveen (próxima a Amsterdã). E lá ficou por muito tempo: só foi sair do Sporting Martinus quando tinha chegado ao time B dos juniores, em 2013, e já tinha porte físico típico da adolescência. Era hora de ir para um clube mais estruturado no futebol. Naquele ano, Snoeijs, ainda procurando sua posição ("Na juventude, eu joguei em muitas posições diferentes, da defesa ao meio-campo, até no gol eu fiquei", recordou em 2017), partiu para o Fortuna Wormerweer, que jogava na Topklasse, a principal divisão amadora do futebol feminino na Holanda (Países Baixos).

A partir daí, demorou pouco para Snoeijs começar a carreira para valer. Em 2015, chegou ao profissionalismo: no primeiro ano em que o Campeonato Holandês feminino foi retomado isoladamente após a BeNeLiga (fusão com a liga da Bélgica), ela chegou ao Telstar. Já como atacante - e preferencialmente jogando no meio da área, como uma típica finalizadora -, ela fez sete gols, em 21 partidas. Entretanto, foi na sua segunda temporada pelo Telstar que Snoeijs saltou aos olhos de quem via futebol feminino: com 21 gols em 24 partidas, mesmo jogando pelo quinto colocado da Vrouwen Eredivisie, a atacante foi a artilheira do torneio. Já valeu para mais uma mudança: no meio de 2017, ela tomou o caminho do VV Alkmaar.

Só que a mudança de clubes não significou mudança de gols. Longe disso: em 2017/18, Snoeijs foi novamente a goleadora da liga neerlandesa de mulheres, com média admirável de gols - 25, em 25 partidas pelo VV Alkmaar. Se ficou de fora da Euro 2017, se nem as boas atuações a fizeram jogar pelas seleções de base, Snoeijs já estreou no ponto alto: em março de 2018, ganhou a sua primeira convocação para o time principal de mulheres da Holanda, que conquistou a amistosa Copa do Algarve. Bem falada, conseguiu o espaço num time grande: o PSV a levou para Eindhoven, para a temporada 2018/19.

O PSV ofereceu a primeira passagem de Snoeijs (à direita) num time grande na Holanda, e ela aproveitou: artilheira do campeonato feminino em duas temporadas seguidas ( Edwin van Zandvoort/Soccrates /Getty Images)

E esta foi a temporada em que Snoeijs despontou de vez. Na primeira fase do Campeonato Holandês de mulheres, o PSV terminou em primeiro lugar, e teve a atacante como grande destaque: foram 16 gols em 15 jogos. Posteriormente, no pentagonal final pelo título, o time de Eindhoven caiu de produção, e viu o Twente ser campeão. Mas Snoeijs continuou produtiva na matéria de bola da rede: fez 24 gols, e só não foi artilheira da Eredivisie pela terceira vez seguida porque Joëlle Smits conseguiu fazer melhor pelo Twente (25 gols). De todo modo, Snoeijs seguiu no radar das convocações de Sarina Wiegman para a Holanda. Ficou de fora da lista de convocadas para o vice-campeonato na Copa de 2019. Mas sua estreia pelas Leoas Laranjas viria logo depois: em 8 de novembro daquele ano, a atacante veio a campo vestindo a camisa da seleção (no caso, a camisa azul, reserva à época), substituindo Vivianne Miedema aos 72' da goleada por 8 a 0 sobre a Turquia, nas eliminatórias da Euro.

Snoeijs começou a ter espaço na seleção da Holanda em 2019. No ano seguinte, vieram os primeiros gols (Laurens Lindhout/Soccrates/Getty Images)

E Snoeijs começaria bem a temporada 2019/20, fazendo 13 gols em 12 partidas pelo PSV. Só não fez mais (e só não teve mais partidas pela seleção) por causa da eclosão da pandemia de COVID-19. Todavia, quando o futebol pôde voltar a ser disputado, os bons feitos pré-pandemia lhe renderam frutos. Em clubes, Snoeijs foi contratada pelo Bordeaux francês; pela seleção, na sequência das eliminatórias da Euro feminina - já adiada para 2022 -, a atacante não só teve uma pequena continuidade como titular da Holanda, como se destacou nas datas FIFA de outubro de 2020. Contra a Estônia, na goleada por 7 a 0, ela fez seu primeiro gol pelas Leoas Laranjas, no dia 23; mais quatro dias, mais uma goleada (6 a 0 em Kosovo), e mais três gols de Snoeijs. Que repetiria a dose em dezembro, novamente contra as kosovares: em outro 6 a 0, fez três gols pela segunda vez.

Pelo Bordeaux, a temporada 2020/21 seguiu. E a atacante não foi de todo ruim no Campeonato Francês: titular absoluta das alviazuis, a holandesa fez nove gols em 20 jogos - e até ganhou mais versatilidade, dando seis passes para gol. Seguindo nas convocações da Holanda, fez mais quatro partidas no primeiro semestre de 2021. Só que passou a sofrer com um mal inevitável em termos de seleção: a concorrência. Só para sua posição preferencial - o meio da área -, havia Vivianne Miedema, Lineth Beerensteyn e Renate Jansen. Com isso, mesmo bem no clube, Snoeijs era quase sempre a escolhida para "sobrar" nas convocações de Sarina Wiegman. Ficou de fora do torneio olímpico de futebol feminino, em 2021. 

No Bordeaux, Snoeijs ganhou experiência, e continuou marcando gols (Hugo Pfeiffer/Icon Sport/Getty Images)

Só lhe restou ir ainda melhor pelo Bordeaux, em 2021/22. Mesmo com o clube girondino caindo uma posição no Campeonato Francês daquela temporada (sexto colocado), Snoeijs foi a goleadora da equipe na Ligue 1 Féminin - fez 10 gols, em 21 jogos. E até continuou considerada por Mark Parsons, o novo técnico da seleção: jogou o 0 a 0 amistoso contra o Japão, em novembro de 2021, com escalação mista, e ainda fez mais duas partidas pelo Torneio da França, já em 2022 - numa delas, o 3 a 0 contra a Finlândia, fez mais dois gols. Porém, a disputa por vagas no ataque era ainda mais competitiva: afinal, Parsons abria espaço para mais novatas - Fenna Kalma, Romée Leuchter, Esmee Brugts... e Snoeijs "sobrou", de novo, ficando fora da Euro feminina.

Snoeijs foi aproveitar a chance de jogar e de ser vista na Inglaterra, jogando pelo Everton. Até agora, segue bem (Visionhaus/Getty Images)

Para ser mais vista, então, Snoeijs partiu para o Campeonato Inglês, considerado de alto nível técnico: foi o reforço do Everton, em metade de 2022. Era uma chance, como ela reconheceu ao jornal Algemeen Dagblad, em fevereiro deste ano: "Eu tinha em mente que talvez fosse minha única chance de poder jogar na Inglaterra. O futebol feminino causa uma empolgação enorme lá". Chance aproveitada: Snoeijs foi a artilheira da campanha razoável dos Toffees, em sexto lugar na Super League da temporada, marcando 7 gols. E isso já serviu para mantê-la nas convocações de Andries Jonker, dentro da seleção.

Snoeijs também aproveitou mais esta oportunidade. Fez só dois amistosos sob o comando do técnico: na reserva, jogou 18 minutos nos 4 a 0 contra a Costa Rica, em novembro do ano passado. Mais nove minutos na goleada contra a Polônia, em abril. E enfim, sua experiência nos quatro anos, mais as atuações em torneios competitivos, lhe rendeu o prêmio principal. Snoeijs fará o primeiro torneio importante pela seleção. Se for necessário entrar, estará a postos.

(Hans van der Valk/BSR Agency/Getty Images)

A Holanda na Copa feminina - as 23 convocadas: Brugts

 
Brugts é vista como uma das jovens mais habilidosas do futebol feminino na Europa. E mesmo com pouco tempo de seleção, já se torna importante para ela (KNVB Media/Divulgação)

Ficha técnica
Nome: Esmee Virginia Brugts
Posição: Atacante
Data e local de nascimento: 28 de julho de 2003, em Heinenoord (Holanda)
Clubes na carreira: PSV (desde 2020)
Desempenho na seleção: 16 jogos e 4 gols, desde 2022
Torneios pela seleção: Euro 2022 (3 jogos, nenhum gol)

Falta pouco, pouquíssimo, para Esmee Brugts se tornar uma jogadora fundamental na seleção feminina da Holanda (Países Baixos). Ninguém que acompanha o futebol feminino nega a técnica que ela possui, jogando pela ponta esquerda do ataque. Além do mais, foi com um gol seu que as Leoas Laranjas garantiram lugar na terceira Copa do Mundo feminina da história do país. Contudo, até pelas próprias palavras à imprensa, Brugts ainda parece com a hesitação típica da juventude de seus 19 anos. De qualquer jeito, o técnico Andries Jonker não só fez dela uma jovem titular, como também já a torna, aos poucos, um nome mais versátil - o que até aumenta a perspectiva de que Brugts terá vaga entre as titulares da Holanda por muito tempo.

Brugts começou a jogar ainda muito pequena: aos 5 anos de idade, já participava de seus bate-bolas no SV Heinenoord, clube amador da cidade natal. Ali, jogava futebol entre meninos mesmo (coisa que é até comum entre as meninas que jogam, na Holanda). E lá ficou até a adolescência. Aos 13 anos, Brugts partiu para outro clube amador das redondezas, o FC Binnenmaas, da cidade de Maasdam - e nele, também fazia partidas misturada aos meninos. O que fez com que ela já aprendesse alguns macetes típicos. Por exemplo: para não fugir das divididas, ela já aprendeu a dar carrinhos.

Considerada técnica e ágil para seu porte físico alto, ela chamava a atenção de alguns clubes profissionais havia algum tempo. Além do mais, já iniciava a travessia até obrigatória pelas seleções femininas neerlandesas de base. Só em 2018, apareceu nas equipes sub-15, sub-16 e sub-17 da Holanda. Ainda assim, sua carreira demorou algum tempo para começar a valer: afinal, a adolescente ainda estudava. E só parou quando conseguiu um "diploma HAVO" - dentro do sistema educacional holandês, algo equivalente a um diploma do Ensino Médio que, preferencialmente, leva a cursos profissionalizantes em universidades de ciências aplicadas.

Só que o futuro de Brugts estava nos campos, já naqueles idos - tanto que foi titular absoluta da Holanda vice-campeã europeia sub-17, em 2019. Enfim formada, ela pôde aceitar uma proposta de um clube grande para iniciar a carreira adulta. E este foi o PSV: a atacante chegou a Eindhoven em 2020, ainda em meio à pausa durante a fase mais aguda da pandemia de COVID-19. Quando a temporada 2020/21 começou no Campeonato Holandês de futebol de mulheres, Brugts já teve suas chances - ainda que preferencialmente partindo no banco de reservas. E também evoluía nas seleções de base, passando pelo sub-18 e pelo sub-19.

Brugts já era cobiçada por clubes grandes da Holanda quando começou. Escolheu o PSV. E se tornou o destaque do time feminino de Eindhoven (Joris Verwijst/BSR Agency/Getty Images)

E a carreira de Brugts começou a despontar decisivamente em 2021. Na segunda metade da temporada 2020/21, a atacante já virou ocupante fixa da ponta esquerda do PSV, como titular - e terminaria com alguns gols (três, em 15 partidas pela Vrouwen Eredivisie, além de três passes para gol). Seu estilo já melhor definido, dando preferência aos avanços por dentro e às finalizações colocadas, fez com que a atacante já se fortalecesse de vez também nas derradeiras seleções de base: em 2021, se alternou entre equipes sub-19 e sub-23.

Quando a temporada 2021/22 começou, Brugts manteve o bom nível. Tendo marcado alguns gols no Campeonato Holandês, mostrando habilidade na criação, era elogiada por Arie van den Berg, diretor de futebol feminino do PSV, ao diário Algemeen Dagblad: "Você vê em tudo que ela é uma jogadora de verdade, que pode mais do que a média. Acho que ela pode ser a nova Lieke Martens". Comparações à parte, Brugts comprovou seu talento ao chegar, enfim, à seleção adulta. Em fevereiro de 2022, foi uma das convocadas de Mark Parsons para o Torneio da França. E estrearia pela Holanda justamente no quadrangular amistoso, substituindo Victoria Pelova aos 84', no empate em 1 a 1 contra o Brasil. Falando no adversário, Brugts comemorou enfrentar uma adversária em especial, logo na sua estreia vestindo laranja - ou preto, no caso daquele jogo na França: "Ainda é maluco. Eu não me dei conta, ainda. Joguei contra Marta, que era a melhor do mundo quando eu comecei a jogar".

Brugts já provou sua rápida evolução no PSV ao estrear pela seleção principal da Holanda, no Torneio da França de 2022 (Pro Shots)

Mal podia imaginar ela que sua capacidade técnica a faria se destacar ainda mais. Mesmo numa campanha relativamente decepcionante do PSV no Campeonato Holandês (3º lugar), Brugts ajudou, com quatro gols. Na seleção, recebeu mais chances de Mark Parsons, e as aproveitou. Fez seu primeiro gol pela equipe, nos 12 a 0 sobre o Chipre, pelas eliminatórias da Copa do Mundo, em 8 de abril. Mesmo no banco de reservas, virou um dos nomes preferidos de Parsons para ganhar alguns minutos em campo. E finalmente, Brugts foi uma das novatas chamando a atenção, entre as convocadas para a Euro feminina do ano passado.

E foi além. Porque Lieke Martens, mesmo de experiência e habilidade comprovadas, tinha suas atuações muito criticadas na Euro. A ponto de ser substituida por Brugts logo no segundo jogo da Holanda no torneio, o 3 a 2 sobre Portugal, para os sete minutos finais. Mesmo com pouco tempo, a atacante longilínea impressionou positivamente: conseguiu fazer algumas jogadas e manter a posse de bola holandesa no ataque, impedindo que as portuguesas pressionassem como vinham fazendo. Aposta feita, aposta repetida: no jogo seguinte, o 3 a 1 contra a Suíça, Brugts substituiu Martens até mais cedo, aos 74'. Voltou a ajudar, numa vitória difícil (o placar estava 1 a 1 até os 84'). E ficou com seu espaço assegurado de vez: afinal, lesionada, Martens acabou sendo cortada da Euro. Mesmo com Lineth Beerensteyn virando a titular preferencial da ponta-direita, Brugts sempre entraria - foi assim novamente no jogo da eliminação, nas quartas de final, contra a França. Ainda assim, mais badalada do que a própria Martens, a jovem atacante repeliu quaisquer chances de tomar a posição, ainda durante a Euro, ao jornal De Telegraaf: "Acho que ela [Martens] é incrivelmente importante para o time. Não estou nem um pouco preocupada em tomar a posição dela. Só espero ter alguns minutos para jogar".

Na Euro feminina, Brugts começou a substituir Martens - e se tornou um dos símbolos das jogadoras jovens que escaparam ilesas da campanha criticada na Euro ( Joris Verwijst/BSR Agency/Getty Images)

Mesmo com uma campanha turbulenta e contestada da Holanda na Euro feminina, Brugts se uniu a outras jogadoras jovens que escaparam ilesas e foram apontadas como nomes valiosos para o futuro da seleção. No caso dela, o futuro já tinha começado. No PSV, consolidou seu nome como destaque do time de Eindhoven ao longo do Campeonato Holandês, vivendo sua melhor temporada em 2022/23. Foi algo até destoante: numa temporada ainda pior das Boeren na Vrouwen Eredivisie - 4º lugar -, Brugts cresceu em gols (8, em 15 partidas).

E na seleção, a mudança de treinador acabou até lhe ajudando. Andries Jonker seguiu lhe dando chances. E prestigiada, Brugts apareceu num lance decisivo, no jogo mais apropriado para fazer isso. Na última rodada das eliminatórias europeias da Copa, com a Holanda precisando vencer a Islândia para tomar a liderança do grupo - e automaticamente, ganhar a vaga direta no torneio -, o drama estava posto. A Holanda tinha cerca de 40 chutes a gol diante das dedicadíssimas islandesas, e nada de balançar as redes. E Brugts foi uma das atacantes que entrou, substituindo Daniëlle van de Donk, aos 66'. O desespero crescia... até que, aos 90' + 3, a jovem arriscou um cruzamento, e a bola enfim entrou direto, balançando as redes e fazendo a torcida "incendiar" o estádio De Galgenwaard, em Utrecht. Era o gol de Brugts, o gol do 1 a 0, o gol da Holanda indo direto à Copa feminina. E a heroína daquele 6 de setembro de 2022 comemorou refletindo: "É com isso que se sonha, desde criança. É só setembro, e eu já participei de muita coisa, que realmente nem poderia imaginar".


Ser protagonista num lance tão decisivo foi o suficiente para Brugts ganhar a confiança de Andries Jonker. Em 2023, o técnico da Holanda não só fez dela titular, como começou a experimentá-la numa função diferente: como ala esquerda, mesmo no 4-3-3 tradicional da seleção holandesa. No começo, ela estranhou, ao site NU Sport: "Não sou defensora, não sou lateral esquerda, marcar não é minha melhor qualidade". Só que, aos poucos, ficou claro que a intenção de Jonker não era fazer de Brugts uma marcadora: era trazer mais velocidade à lateral, usando-a por ali para fechar espaços com mais rapidez.

E começou a dar certo. Em fevereiro, contra a Áustria, Brugts marcou um dos gols na vitória por 4 a 0. E àquela altura, já entendera melhor como jogaria, descrevendo à ESPN neerlandesa: "Jogando na lateral esquerda, o plano é que eu possa ser uma 'atacante extra'. Avançando, é lógico que também posso chegar à grande área". E foi assim que ela voltou a jogar em outro amistoso, nas datas FIFA de abril - e a marcar, fazendo gol nos 4 a 1 sobre a Polônia.

E cada vez mais, a autoconfiança de Brugts parece aumentar. Em primeiro lugar, porque ela é mais uma jovem a já ter anunciado: deixará o seu clube - no caso, o PSV -, para procurar um campeonato mais competitivo. Em segundo lugar, porque a confiança cresce até mesmo na tarefa de marcação, antes tão estranha ("Eu precisei de uns treinos na marcação, foi necessário. Por sorte, tivemos tempo suficiente. Sempre é possível melhorar, e ter um time com três zagueiras me dá alguma segurança", descreveu à ESPN do país natal). E em terceiro lugar, porque, mesmo tão nova, ela tem tudo para ser uma das titulares da Holanda contra Portugal, no próximo 22 de julho. Pelo que joga na frente e atrás.

(Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

A Holanda na Copa feminina - as 23 convocadas: Renate Jansen

 
Experiente, dedicada, esforçada: Renate Jansen nunca foi titular, mas é jogadora de utilidade inegável na Holanda. E emplaca mais um grande torneio pela seleção (KNVB Media)

Ficha técnica
Nome: Renate Jansen
Posição: Atacante
Data e local de nascimento: 7 de dezembro de 1990, em Abbenes (Holanda)
Clubes na carreira: ADO Den Haag (2008 a 2015) e Twente (desde 2015)
Desempenho na seleção: 55 jogos e 4 gols, desde 2010
Torneios pela seleção: Euro 2017 (4 jogos, nenhum gol), Copa de 2019 (1 jogo, nenhum gol), torneio olímpico de 2020+1 (2 jogos, nenhum gol) e Euro 2022 (não jogou)

(Versão revista e ampliada do texto de apresentação para o guia deste blog na Copa de 2019)

Quando se comenta as jogadoras ofensivas da seleção feminina da Holanda (Países Baixos), muito se fala nos nomes mais experientes: Lieke Martens, Daniëlle van de Donk, Jill Roord, Lineth Beerensteyn. Em menor escala, as novidades também são evocadas: Victoria Pelova e Esmee Brugts. Aqui e ali, as ausências de Vivianne Miedema e Fenna Kalma serão recordadas. Certamente, Renate Jansen é a atacante menos lembrada das Leoas Laranjas. E ainda assim, poucos nomes entre as 23 convocadas para a Copa do Mundo têm tanta experiência quanto ela. Capacitada a jogar tanto mais recuada, criando jogadas, quanto no meio da área, como referência ofensiva, a ponta-de-lança de 32 anos pode ser mais discreta, mas está sempre a postos na seleção holandesa, há seis anos, pelo menos. E mesmo com poucas chances, emplaca mais um grande torneio na equipe.

Renate começou a jogar já numa tenra idade: aos 5 anos, já dava seus chutes no SV Abbenes, da cidade natal - o pai e um tio eram técnicos no clube amador. E lá ela ficou, até os 15 anos de idade, quando continuou a trajetória na base do VV Kagia, outra agremiação amadora. Àquela altura, Jansen já se consolidava como atacante, atuando preferencialmente no meio da área, tendo a finalização como sua principal qualidade.

Numa família entretida com o futebol, incentivo não lhe faltou para seguir a carreira. Esta ganhou o impulso decisivo em 2007: não só a atacante se transferiu para o Ter Leede, mais uma equipe amadora, como simultaneamente passou a fazer parte do projeto de formação de jogadoras mantido pela parceria entre a federação holandesa e a HvA, universidade de Amsterdã. Em um ano, o talento de Renate Jansen foi notado definitivamente: ela recebeu a primeira chance num time profissional, indo estrear na equipe feminina do ADO Den Haag, que já disputava o Campeonato Holandês. Por sinal, a responsável por trazer a atacante ao clube de Haia foi uma tal Sarina Wiegman, então treinadora do Den Haag.

No clube auriverde, Renate virou titular desde o começo. Já na primeira temporada completa pelo ADO Den Haag (2008/09), foram 23 jogos e 9 gols. A partir de 2010, novo salto de desempenho: nesse ano, já veio a primeira convocação de Jansen para a seleção feminina da Holanda - e a primeira partida, em 1º de abril, contra a Eslováquia, pelas Eliminatórias da Copa de 2011, substituindo Kirsten van de Ven nos últimos oito minutos. Finalmente, na temporada 2010/11, foram 21 jogos e 14 gols de Jansen pela Eredivisie Vrouwen. Mas o ápice veio na temporada 2011/12: o ADO Den Haag ganhou a "dupla coroa" na Holanda, sendo campeão na copa e na liga holandesas, e Jansen foi a goleadora do time na Eredivisie - foram 10 gols em 18 jogos.

A partir da temporada 2012/13, porém, as coisas mudaram um pouco. A Eredivisie se uniu ao campeonato feminino da Bélgica para formar a BeNeLeague, e o ADO Den Haag ficou apenas com a quinta posição. Mas Jansen seguiu bem: 15 gols em 28 jogos. Na temporada seguinte da BeNeLeague, então, foi ainda melhor: em 25 partidas, 21 bolas da atacante nas redes. Todavia, a concorrência era ingrata na seleção. Havia Van de Ven, Manon Melis, as revelações que eram Lieke Martens e Vivianne Miedema... e Renate Jansen passava longe da Laranja. Ficou fora da Euro 2013 e da Copa de 2015.

Renate Jansen já tivera bons momentos no ADO Den Haag, e seguiu confiável no Twente (twenteinsite.nl)

O tempo passou, a Eredivisie voltou a ser disputada isoladamente, e era hora de Jansen buscar novos ares. A chance apareceu no melhor lugar possível: o Twente, vice-campeão da BeNeLeague, considerado o melhor time feminino da Holanda então, trouxe a avante, que deixou o ADO Den Haag após 109 gols em 181 jogos. O primeiro ano passado em Enschede foi melhor do que se podia imaginar: 13 gols em 23 jogos, e Renate era parte importante do Twente campeão feminino na Holanda.

Melhor ainda: o bom desempenho no Twente levou Renate de volta ao radar das convocações para a seleção da Holanda. Sob o comando de Arjan van der Laan, vieram alguns amistosos em 2016. Mas foi com uma velha conhecida como técnica das Leoas que a atacante voltou de vez às chamadas. Sarina Wiegman levou Jansen para a disputa da Copa Algarve em 2017. Principalmente, a incluiu entre as 23 convocadas para a Euro sediada na Holanda. E no marcante título europeu da Oranje, Renate Jansen entrou em quatro partidas, incluindo a final. Quando Miedema se cansava naquele torneio, ou quando a velocidade já não era a mesma para Lieke Martens e Shanice van de Sanden, Jansen servia como uma importante referência no ataque, para reter a bola.

Assim, Jansen continuou no Twente. Marcando menos gols, é verdade - seis em 2016/17, 8 em 2017/18, 7 na temporada 2018/19. Mas seguiu titular na equipe feminina dos Tukkers, campeã feminina holandesa em 2018/19. E seguiu como opção experiente na seleção holandesa de mulheres, sendo novamente mencionada por Sarina Wiegman entre as convocadas para a Copa de 2019. Entraria ainda menos do que na Euro de dois anos antes - mas novamente provou sua utilidade: nos 2 a 1 contra o Canadá, último jogo pela fase de grupos, Renate veio para os três minutos finais do tempo regulamentar (mais acréscimos), no lugar de Van de Donk. Sua função: prender a bola no ataque, evitando que as canadenses criassem muitas jogadas e pressionassem em busca do empate. Foi exatamente o que a camisa 13 da Holanda no Mundial fez, naquele pouco tempo em campo. Missão cumprida, presença marcada na campanha do vice-campeonato mundial - ainda que fugaz.

Na Copa de 2019, Renate Jansen esteve em campo por poucos minutos. Mas cumpriu a tarefa para a qual era necessária contra o Canadá, na fase de grupos (Eric Verhoeven/Soccrates/Getty Images)

E nos dois anos que Sarina Wiegman passaria ainda à frente da equipe laranja após o vice na Copa de 2019, Renate Jansen continuou como uma convocada pouco utilizada, mas confiável quando necessário. Prova disso veio nas primeiras rodadas das eliminatórias da Euro feminina, no segundo semestre daquele ano: com Lieke Martens ainda se recuperando de uma cirurgia no pé, a atacante foi a escolhida para ser titular (jogaria 73 minutos) nos 4 a 2 sobre a Eslovênia, na terceira rodada da qualificação, em 4 de outubro. Mais dois meses, e, vinda da reserva, Jansen jogou 12 minutos na goleada por 8 a 0 na Turquia. E quando 2020 já começava, em março, a poucos dias da eclosão da pandemia de COVID-19, ela esteve no Torneio da França, participando de todos os jogos do quadrangular amistoso - e até começando como titular contra o Canadá. Veio a pandemia, o futebol parou, o futebol voltou... e Renate Jansen continuou nas convocações da Holanda. Foram mais dois jogos em 2020; mais três em 2021; e finalmente, a presença no grupo que viajou ao Japão para o torneio olímpico de futebol feminino. Nele, Renate fez mais dois jogos (contra Zâmbia e China, na fase de grupos). E nas duas goleadas - 10 a 3 nas zambianas, 8 a 2 nas chinesas -, ela colaborou: dois passes para gol.

Três títulos da Vrouwen Eredivisie, duas Eredivisie Cup, uma Copa da Holanda: o Twente foi soberano no futebol feminino do país entre 2020 e 2022, e Renate Jansen, como capitã, levantou todas as taças (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

Mesmo longe da titularidade, por quê Renate seguia sendo convocada? Por causa do papel cada vez mais preponderante dela no grande momento que o time feminino do Twente viveu. Como capitã das Tukkers, jogando mais recuada - como uma espécie de "camisa 10" -, ela só não conquistou títulos em 2019/20, temporada interrompida na Holanda pela pandemia. A partir de 2020/21, as taças do futebol feminino se empilharam em Enschede: bicampeonato holandês (2020/21 e 2021/22), duas Eredivisie Cup (2021/22 e 2022/23), uma Copa da Holanda (2022/23), e a Supercopa feminina de 2022. Em todas essas conquistas, como capitã que já era, Renate erguia as taças - ou as salvas de prata, no caso. E saltava de produção em relação a gols. Pela Vrouwen Eredivisie, foram 12 gols em 2020/21, 17 em 2021/22... com isso, Renate chegou a uma marca importante. É a maior goleadora dos 16 anos de história do Campeonato Holandês de mulheres: desde 2007, marcou 130 gols.

Tamanha regularidade manteve Renate Jansen como uma opção sempre confiável para a seleção holandesa. A atacante continuou sendo convocada por Mark Parsons: sob o comando do anglo-americano, fez somente um jogo, mas esteve no grupo que foi à Euro de mulheres no ano passado, mesmo sem jogar nenhum minuto. Parsons saiu, Andries Jonker chegou... e Jansen foi uma das veteranas sempre presente nas convocações. Colaborou no jogo mais decisivo para o trabalho do técnico atual - começou como titular no dramático 1 a 0 na Islândia, última partida das eliminatórias, que rendeu a vaga direta na Copa do Mundo. Neste ano, mesmo com só uma partida pela Holanda (os 4 a 0 na Áustria, amistoso em fevereiro), Jansen esteve em todas as convocações da seleção de mulheres.

E estará em mais uma Copa do Mundo. Como última opção de ataque da Holanda, aos olhos de torcida e imprensa. O que não quer dizer, nem de longe, que jamais será considerada para entrar em campo. Caso as Leoas Laranjas precisem, Renate Jansen estará a postos. Como tem sido há muito tempo.

(Patrick Goosen/Orange Pictures/BSR Agency/Getty Images)