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sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O buraco é mais embaixo

Karsdorp até foi elogiável contra a França. Mas sua geração precisa explodir na Oranje (Soenar Chamid/VI Images)
 
Já se sabe de cor e salteado o tamanho do vexame que a seleção da Holanda protagonizou, ficando fora da Euro 2016. Está sendo tão marcante, no pior dos sentidos, que cada simples tropeço já é suficiente para aumentar a desconfiança de que a Laranja também ficará ausente da Copa de 2018. Foi o que se viu após a derrota para a França, em Amsterdã, na segunda passada. A impressão de desalento que tomou conta das pessoas após o 1 a 0 dos Bleus deve-se, principalmente, a dois fatores.

O único veterano destacado na convocação de Danny Blind era Wesley Sneijder – e ele foi cortado logo após o 4 a 1 sobre Belarus, na semana passada, pela lesão na coxa que sofrera no fim de semana retrasado, defendendo o Galatasaray no Campeonato Turco. Resultado: uma equipe que se alternava entre caras mais conhecidas (Maarten Stekelenburg, Daley Blind, Kevin Strootman) e gente que ainda procura entrar na Oranje para não mais sair (Virgil van Dijk, Davy Klaassen, Davy Pröpper, Quincy Promes, Vincent Janssen – e Rick Karsdorp, a surpresa que mais agradou).

Aí entra o primeiro fator: nenhum deles, com nível técnico bom o suficiente para impressionar os espectadores. Nem para contrabalançar a imposição francesa em campo. Não que os visitantes tenham jogado bem na Amsterdam Arena – ao contrário, até decepcionaram, e destaques habituais como Dimitri Payet e Antoine Griezmann foram apagados. Ainda assim, tiveram clara superioridade em campo.

E grande parte dessa superioridade francesa ocorreu pela crônica incapacidade da seleção holandesa em mostrar alguma compactação, alguma organização tática em campo. Repita-se o que já foi escrito aqui: o problema não é o 4-3-3, esquema usado com sucesso aqui e ali em alguns times, mas a dificuldade do time laranja em manter os jogadores alinhados – e em aproximar as linhas de meio-campo, defesa e ataque. Por isso, a tendência sempre era tentar atacar pelas pontas, com as constantes aparições de Karsdorp, pela direita, e Memphis Depay (substituto do lesionado Promes), pela esquerda. Como se pode prever, bastou a França compreender isso para repelir facilmente as ofensivas da Oranje.

Por outro lado, com atuações apagadas dos meio-campistas e o próprio espaçamento holandês no setor, a bola sempre ficava com um francês no meio: fosse com Pogba, fosse com Payet, fosse até nos desarmes de Moussa Sissoko, sobrava espaço para lançamentos em profundidade ou chutes de fora (como o de Pogba que foi para as redes). A aridez da Holanda na criação de jogadas era tamanha que, a certa altura do segundo tempo, Virgil van Dijk teve de sair para o jogo desde o miolo de zaga…
Enfim, está constatado que a seleção holandesa é desorganizada taticamente, na atualidade. E que a geração atual para vestir a camiseta laranja é, no máximo, mediana. O que é muito preocupante, porque a Holanda só se sustenta como a “melhor do resto”, entre as seleções que não são campeãs mundiais, por causa da sua contínua revelação de talentos. Nem Portugal, nem Inglaterra, nem Dinamarca, nem Rússia, nem Bélgica tiveram tanto êxito histórico na formação de jogadores – e no desenvolvimento de um estilo tático reconhecível e característico de um país. Por isso, e só por isso, é que a Holanda é respeitada. Por mais que não ombreie com a tradição de Alemanha, Brasil, Itália e Argentina, é uma seleção média com responsabilidades de seleção grande.

Abdelhak Nouri destacou-se na seleção holandesa sub-17. Nada que impressionasse, porém (Pro Shots)

E um dado adicional só torna as coisas mais preocupantes. Aí entra outro fator de desalento: a queda cada vez maior da Holanda na base. Pela segunda vez consecutiva, a seleção holandesa sub-21 ficará ausente do Europeu da categoria, no ano que vem, na Polônia. A Jong Oranje (“Laranja Jovem”) até ganhou na rodada final – 4 a 1, no Chipre -, terminando em segundo lugar na sua chave. Mas ficou abaixo dos quatro melhores vices dos grupos das eliminatórias, que disputarão duas vagas na Euro sub-21. Mais um sinal de que, não bastasse a dificuldade da nova geração em decolar, os vindouros tampouco parecem prontos para explodir. Sem contar as equipes sub-19 e sub-17, que até disputaram os Europeus, mas foram facilmente superadas por países em que a transição e a revelação é melhor feita (no sub-19, França; no sub-17, Portugal). Até há promessas, como os atacantes Steven Bergwijn, Tahith Chong e Abdelhak Nouri, mas nada que faça a Europa inteira ficar de olho neles.

Pior: nesta década, a Holanda só participou de uma Euro sub-21 (2013, quando chegou às semifinais). E a geração que era sub-21 há três anos é… justamente a que peleja agora na seleção adulta. Jeroen Zoet, Stefan de Vrij, Daley Blind, Kevin Strootman, Jordy Clasie, Georginio Wijnaldum, Tonny Vilhena, Luuk de Jong, Memphis Depay; todos eles estavam no grupo de 2013, todos eles foram convocados por Danny Blind para esta rodada recém-encerrada das eliminatórias.

Então o time holandês certamente verá a Copa de 2018 pela tevê, ausente de Euro e Mundial em sequência pela primeira vez desde 1984-1986? Devagar com o andor. Por pior que seja, a Oranje parece ter compreendido algo que não compreendera nas eliminatórias da Euro (e que foi uma das razões do fracasso): é uma equipe de menos qualidade técnica. Não pode jogar o que não sabe. Mas também não perdeu completamente o jeito. Se isso significa assumir inferioridade perante a França em casa, também significa se impor contra adversários menos qualificados – como se viu nos 4 a 1 contra Belarus. E os próximos compromissos das eliminatórias são bem acessíveis: Luxemburgo (13 de novembro, fora de casa) e Bulgária (25 de março, em casa).

A Holanda pode vencer ambas as partidas – e com um França x Suécia no meio, voltar a ocupar a segunda posição no grupo A das eliminatórias europeias para a Copa. Pelo menos para isso, tem capacidade. Para sonhar igualar a curto prazo as boas campanhas nos últimos Mundiais é que ficou difícil. E a culpa não é só de quem joga na Laranja principal. O buraco é mais embaixo, na base da pirâmide.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 14 de outubro de 2016)

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Não adianta a teoria se a prática não mudar

A equipe holandesa no Europeu sub-19: não é preciso vencer, mas é preciso revelar gente boa. E a Holanda não tem feito isso (Getty Images)
Claro que o torneio olímpico de futebol (no caso, o masculino) tem valor próximo do nulo para boa parte das nações europeias, atualmente. Todavia, não deixa de ser uma vitrine a mais para que alguns jogadores apareçam defendendo as seleções de base, e até fortaleçam a imagem de um país na formação de novas gerações. É o caso atual de Portugal, talvez a equipe mais regular dos Jogos Olímpicos, classificada para as quartas de final – onde enfrentará... a Alemanha, que não mostra grandes atuações, mas pelo menos sabe que tem um grupo sub-23 de jogadores relativamente capazes de se destacarem, seja nos clubes ou na própria versão adulta do Nationalelf (quem sabe?).

E o que tudo isso tem a ver com o futebol holandês? É que momentos elogiáveis como o de Portugal, da Alemanha e da França (recém-coroada campeã europeia sub-19) indicam que até mesmo essa primazia a Holanda perdeu: a de ser um país considerado revelador constante de grandes talentos. A bem da verdade, o país já tinha sofrido com entressafras anteriores (que explicam, em grande parte, o afastamento das competições internacionais na década de 1980), mas desde que retomou uma certa frequência, na década de 1990, a Laranja sempre conseguia exibir jovens promissores aqui e ali. Não só usando a camisa da seleção, mas também as dos clubes.

Não é o que se vê atualmente. A Holanda caiu na primeira fase dos Europeus, nas categorias sub-17 e sub-19. Não participa de um campeonato continental sub-21 desde 2013 - e tem dificuldades nas eliminatórias para a edição de 2017: é a segunda colocada no grupo 8, três pontos atrás da Eslováquia, que venceu os dois confrontos diretos. Ou seja, se a seleção adulta sofre com a desconfiança deflagrada pela ausência da Euro 2016 (e é incógnita nas eliminatórias para a Copa de 2018), as equipes de base também não trazem um cenário dos mais confiáveis.

E aí, há duas coisas a se falar. A primeira é uma notícia até auspiciosa: sim, a federação holandesa reconhece essa crise. Tanto que a preocupação com o modo de revelar jovens jogadores é um dos pontos principais do relatório que a federação holandesa lançou neste ano. No documento “Winnaars van Morgen” (em holandês, “vencedores do amanhã” - e disponível apenas em holandês), apresentado em maio, após dois anos de conversas e palestras com uma lista que teve de Johan Cruyff a Arsene Wenger, a KNVB mostrou uma meta: trazer o futebol holandês de volta ao grupo dos melhores da Europa até 2026.

Para isso, seria necessário melhorar alguns itens da formação dos jogadores. O relatório reconhece, por exemplo, o tamanho da defasagem tática do futebol holandês em relação a outros centros da Europa. Nesses centros, em que o futebol (às vezes) é jogado em altíssimo nível, sabe-se que as equipes jogam de forma mais compacta; que marcar em zona é a regra; que a velocidade na saída para o ataque é fundamental; que a marcação por pressão, com a “linha alta”, é a tendência... enfim, muita coisa que se sabe e que o fracasso nas eliminatórias da Euro mostrou. 

Não ficou de fora nem a necessidade de incutir no jogador holandês uma certa “mentalidade de vencedor”, procurar desenvolver nos garotos uma motivação pessoal e um espírito de liderança, mencionado pelo diretor de futebol profissional da federação, Bert van Oostveen: “Só menciono o exemplo do Chile: quando aqueles jogadores entram em campo, eu penso ‘ih, não queria tê-los como rivais’. Eles exalam essa mentalidade de vencedor. E os esportistas holandeses têm menos isso. Antes, tínhamos Jan Wouters, Mark van Bommel e Nigel de Jong. Hoje há uma lacuna na seleção”.

Diagnóstico feito, passou-se às ações. E uma delas até ampliou o espaço para a base: a partir da temporada recém-iniciada do Campeonato Holandês, os bancos de reservas terão doze jogadores, ao invés dos cinco anteriores. Tudo para que os clubes deem mais oportunidades nos times de cima a quem for criado nas categorias inferiores. Não parece lá muito prático. De fato, não é.

O que leva à segunda coisa a ser falada. E não é boa: se reconhece que há problemas (e isso é um grande passo), a federação holandesa também não assumiu sua responsabilidade na reestruturação das categorias de base. E nem obrigou os clubes a fazê-lo. Até há o projeto de construção de um centro nacional de treinamentos - na cidade de Zeist, onde fica a sede da KNVB -, para a formação de atletas (pensou-se em Louis van Gaal como diretor técnico desse centro, mas o ex-treinador do Manchester United recusou a proposta). Mas... ainda é algo muito mais teórico do que prático.

Enquanto isso, a Holanda segue em queda. No Europeu sub-19, a equipe treinada por Aron Winter até começara bem contra a Croácia, mas caiu para a Inglaterra, no segundo jogo. E a partida derradeira da fase de grupos, contra a França, mostrou o tamanho do desnível: um 5 a 1 inapelável para os Bleuets, em que atuações como as do atacante Jean-Kévin Augustin deixaram os jovens laranjas atarantados. Um dos raros destaques, o meio-campista Abdelhak Nouri assumiu: “A gente ficou com medo. Os franceses eram bem maiores fisicamente, mas também tinham mais coragem. Abriam 2 a 0, e aí se viu todo mundo fazendo coisas estranhas [na Holanda]: dar chutão, sair do posicionamento...” 

Ainda restava disputar uma vaga no Mundial sub-20, contra a Alemanha, numa partida entre os terceiros colocados dos dois grupos. E o jogo foi maluco: os rivais alemães foram bem melhores ao longo do tempo normal, fazendo 1 a 0. Só que a Oranje quase conseguiu o lugar no Mundial: aos 36 e 43 minutos do segundo tempo, fez 2 a 1. Mais insano ainda: os germânicos empataram aos 47! Depois, na prorrogação, mais um gol para cada lado. Era até injusto. Mas, no fim, os alemães ganharam a vaga nos pênaltis - 5 a 4, com Nouri e Michel Vlap perdendo seus chutes. Foi um final até honroso para um time tão frágil defensivamente.

E se os jovens holandeses tivessem já lugar cativo em seus clubes, tudo bem. Não é o que acontece. Basta ver o Ajax: a falta de confiança nos atacantes que surgem em De Toekomst (a escola do clube) é tamanha que há ansiedade pelo empréstimo de... Bertrand Traoré, que deve chegar do Chelsea. No PSV, de revelação, há apenas o atacante Steven Bergwijn; no Feyenoord, nem isso. Pior: outras nações já veem promessas ocupando espaço maior no Campeonato Holandês. Que o diga a Inglaterra: no Europeu Sub-19, estavam no time inglês o volante Isaiah "Izzy" Brown e o atacante Dominic Solanke, ambos cedidos pelo Chelsea ao Vitesse na temporada passada.

Não que a Holanda precisasse ser um prodígio papa-títulos em torneios de base, em clubes ou em seleções. Mas bem poderia usá-los para o que se espera: revelar jogadores. A não ser por um ou outro (como Jetro Willems ou Tonny Trindade de Vilhena, campeões sub-17 em 2011), a revelação é esparsa. De nada adiantarão medidas paliativas e recomendações teóricas se a revelação não for mais frequente e capacitada na prática, como em outros tempos. Pelo menos, sabe-se quais são os erros. Corrigi-los é a tarefa do presente.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 12.08.2016. Atualizada)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A revolução não é mais aveludada

Desprestigiado pela diretoria, Wim Jonk quis sair. E criou mais um capítulo na crise do Ajax (Jeffrey van Bakel/Pro Shots)
Era 20 de setembro de 2010. Dias depois do Ajax ser derrotado inapelavelmente pelo Real Madrid, na estreia pela fase de grupos da Liga dos Campeões: fora 2 a 0 para os Merengues, e ficara muito barato. O desnível entre os Ajacieden e os madridistas foi tamanho que motivou uma coluna bastante ácida de Johan Cruyff (quem mais?), no diário De Telegraaf. Para citar somente o título: "Este não é mais o Ajax". Tudo bem, mais um trecho: "Após o apito final, todos estavam felizes pela derrota ter sido 'somente' por 2 a 0, enquanto ela podia ter sido de 8 ou 9".

Não se passaram mais de dois meses: em 15 de novembro, Cruyff escreveu outra coluna no De Telegraaf. Título: "Mensagem a todos os Ajacieden". Ali pedia que antigos jogadores do clube se candidatassem a cargos no Conselho Deliberativo, para que assim, personagens importantes de sua história estivessem de volta à condução dos destinos. Bastou: Marc Overmars, Tscheu La Ling, Peter Boeve, Keje Molenaar... enfim, todos estes foram eleitos conselheiros. Estava iniciada a "Fluwelen Revolutie", a "Revolução de Veludo" no Ajax, assim nomeada por não ocorrer com grandes conflitos internos. 

Também mudaram os personagens em campo. Um triunvirato de ex-jogadores formou-se para trazer de volta o estilo técnico que fizera o clube famoso pelo mundo: Wim Jonk, diretor das categorias de base; Dennis Bergkamp, técnico da equipe de juvenis; e Frank de Boer, então técnico dos juniores. Sentindo que seu espaço e seu método tático não caberiam mais na Amsterdam Arena, o técnico Martin Jol pediu o boné, no início de dezembro. Frank de Boer assumiu imediatamente, e até com um resultado positivo: vitória por 2 a 0 sobre o Milan, em San Siro, na última partida da fase de grupos da Liga dos Campeões.  A mudança pretendia ter resultados para dali a algum tempo. Mas baseado num final de temporada fulgurante - sete vitórias nos últimos sete jogos -, o Ajax conseguiu ser campeão holandês em 2010/11, após sete anos de jejum.

Desde então, a revolução de veludo conseguira trazer o Ajax de volta ao posto de grande clube do futebol holandês. Até agora. Porque, se dentro de campo a equipe ainda lidera a Eredivisie desta temporada, fora dele a crise está cada vez mais aberta. E um novo capítulo aconteceu nesta semana: o pedido de demissão de Wim Jonk - que seguia desde 2010 dirigindo as categorias de base em De Toekomst, o afamado centro de treinamento da base dos Amsterdammers.

O anúncio da saída de Jonk (ex-meia, com duas Copas pela seleção no currículo) foi o capítulo mais dramático num racha que já se aprofunda há pelo menos dois anos. De um lado, o próprio Jonk, que defende o plano original de Cruyff, com a continuação do uso frequente de egressos da base na equipe adulta do Ajax - cabe citar aqui: do atual time-base que Frank de Boer normalmente escala, sete dos onze titulares são formados no próprio clube. Do outro lado, há Marc Overmars: hoje diretor de futebol, cada vez mais o ex-atacante acredita que o Ajax precisa contratar, caso ainda sonhe com campanhas honrosas nos torneios continentais. Com o leve apoio de Frank de Boer, Overmars foi o idealizador das chegadas de Arkadiusz "Arek" Milik e John Heitinga, por exemplo. Aos poucos, o conflito cresceu, e Jonk passou a não se reunir mais com os outros integrantes da diretoria técnica - último passo antes de pedir demissão, que era a intenção real dos que o escanteavam.

O pior é que o racha não tem mediadores confiáveis. Para tentar solucioná-lo, no final do ano passado, Cruyff já aconselhara a vinda de Tscheu La Ling, como supervisor técnico. Mas La Ling não durou mais do que alguns meses, desprestigiado pela dupla Overmars-Frank. O diretor geral Dolf Collee tem nome discreto demais para exercer destaque; e a outra opção, se tem destaque, também mostra fraqueza. Edwin van der Sar, na diretoria desde 2012 (era o diretor de marketing, e assumiu o posto de diretor técnico há pouco) é criticadíssimo por não mostrar pulso firme na situação.

Para muitos, uma prova disso foi vista na última quarta-feira, dia da demissão de Jonk. Van der Sar estava treinando em campo, junto de André Onana e Diederik Boer, goleiros reservas de Cillessen na equipe adulta. Ao invés de estar no ambiente frenético e turbulento dos gabinetes, o ex-goleiro agia como se ainda fosse profissional dentro de campo. Pouco recomendável para quem foi pensado por Johan Cruyff para ser o futuro diretor-geral do clube, exercendo no Ajax um papel semelhante ao de Karl-Heinz Rummenigge no Bayern de Munique, por exemplo.

Pelo menos, Van der Sar não precisou aguentar dúvidas sobre sua conduta, como Overmars precisou: na última segunda, o diário De Volkskrant publicou que uma empresa pertencente ao cunhado do diretor de futebol fora contratada para construir uma escola dentro de De Toekomst, neste ano, e que em 2013, uma reforma nos vestiários dos campos da base fora feita por uma empresa que já fizera trabalhos a outros negócios do dirigente. Overmars defendeu-se dizendo que avisou a direção do clube sobre seus contatos anteriores com a empresa, e que a contratação não tivera sua participação. O Ajax confirmou as palavras do ex-atacante, e as acusações caíram no esquecimento.

Ainda assim, no aspecto técnico, o pedido de demissão de Jonk (e, antes ainda, o fracasso no trabalho de Tschen La Ling) seguiram esquentando a crise. As duas saídas foram vistas como um projeto da direção atual para minimizar a influência de Johan Cruyff no Ajax. Resultado: mesmo no início do tratamento contra o câncer no pulmão, Cruyff precisou falar ao De Telegraaf para criticar a saída do diretor da base: "Jonk naturalmente tem muita razão. Ele se afastou das reuniões. É que ele não me falou nada, senão eu teria observado isso. As coisas não podem ser assim, em que ninguém fala nada, depois as coisas dão errado, e colocam tudo nas minhas costas. Digam, então, 'a sua visão não nos serve mais'".

Eis que, nesta quinta, não só Jonk voltou normalmente ao trabalho, como uma carta aberta da equipe técnica de De Toekomst à diretoria manifestou-se contrária à saída dele: "A partir do nosso comprometimento com o Plano Cruyff e nossa crença na missão e na visão que Wim Jonk trouxe ao clube com esse plano, achamos completamente ilógico e portanto incompreensível que vocês o tenham ameaçado".

Nesta sexta, haverá a reunião dos acionistas do Ajax. Certamente, a situação não será aveludada. Johan Cruyff já colocou um ultimato, na entrevista supracitada: "Os acionistas precisam parar o que a diretoria e o conselho estão fazendo. Ou então, digam que acabou o Plano Cruyff. Que sejam honestos e não usem indevidamente o meu nome". Diante das manifestações contrárias à saída de Jonk, partidário de Cruyff, fica a dúvida sobre a coragem dos diretores para dizerem que o Ajax mudará, de novo. E agora, sem tanta simplicidade.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Não vai acabar. Vai mudar (parte 1)

Seleção holandesa na Euro 2008 deu a dica: é possível unir ataque e cautela. Oranje atual precisa disso (Johannes Simon/Reuters)
Jornalista sul-africano, crescido na Holanda e radicado na França, Simon Kuper é autor de conhecidos livros sobre futebol. Um bom exemplo é "Ajax, The Dutch, The War". Lançado originalmente na Holanda em 2000, sob o título Ajax, Joden, Nederland ("Ajax, Judeus, Holanda"), o livro comenta sobre como a colônia judia em Amsterdã se adonou de um clube que não teve raízes semitas - e parte disso para comentar sobre a excessiva permissividade holandesa com a invasão nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. 

Torcedor da seleção holandesa, Kuper lamentou as derrotas contra Islândia e Turquia em seu perfil no Twitter. E foi além, após o 2 a 0 dos turcos que deixou a Oranje próxima da ausência na Euro 2016. Primeiro, Kuper foi apocalíptico: "Não estou certo sobre o que sobrará do futebol holandês, após esta noite, com a geração Van Persie/Sneijder/Robben sumindo e a total inutilidade dos clubes holandeses". Depois, foi mais bem humorado, mas nem por isso menos melancólico: "Um dia nós, torcedores holandeses, olharemos para hoje e riremos, mas provavelmente isso só ocorrerá lá por 2034". 

Tais palavras mostraram o tamanho da desilusão que se abateu sobre torcida e imprensa na Holanda após as derrotas inapeláveis nas eliminatórias do torneio continental de seleções. De fato, a sensação imediata era de que o futebol do país não só entrará num período dificílimo, como dele jamais sairá. De que a Holanda voltará ao segundo/terceiro escalões do futebol europeu, após cerca de 40 anos entre as nações mais tradicionais do ludopédio mundial. Mas só mesmo a passagem do tempo começa a colocar as coisas nos devidos lugares.

Ficará mais difícil ver clubes holandeses ocupando lugares de ponta no cenário europeu? Sim, ficará. Tanto pelo fato de simplesmente não conseguirem segurar as maiores promessas (e isso se vê temporada após temporada), como pelo futebol holandês não ter se preparado direito para um mundo pós-Lei Bosman, como Portugal se preparou. Por isso, Ajax, Feyenoord e PSV - e até médios, como AZ e Twente - falham ao tentarem resultados realmente bons nas competições continentais. E não é raro ver Porto e Benfica chegando às fases decisivas dessas mesmas competições, além de terem uma melhor rede de procura de novos jogadores - e saber negociá-los melhor, de modo que cheguem "na baixa" e saiam "na alta".

E os reveses em série enfrentados pela Oranje desde a volta de Guus Hiddink (e a entrada posterior de Danny Blind) mostram uma certa defasagem tática da seleção. O orgulho holandês em jogar no 4-3-3, em não abdicar de ter o controle do jogo, em apostar na ofensividade quase suicida, está resultando em uma "camisa-de-força tática". Antes do jogo contra a Turquia, por exemplo, Danny Blind foi definitivo: "Não podemos jogar pelo resultado, porque esse não é nosso estilo".

O resultado foi muito bem abordado por um texto do site catenaccio.nl (ATENÇÃO: texto em holandês): um time excessivamente espalhado, dando espaço à vontade para os adversários trabalharem. Um time em que a linha de quatro defensores estava pessimamente treinada e posicionada. Um time que só apostava em jogadas pelas pontas (principalmente com Memphis Depay e Narsingh). E um time que não tinha jogadores em posições estratégicas que permitissem a aceleração do jogo quando necessário - ou seja, apostando na troca de passes estéril, de um lado a outro do campo.

Obviamente, a Holanda não pode nem precisa abandonar suas crenças tático-futebolísticas. Isso é um erro - no qual o futebol brasileiro incidiu em vários momentos, principalmente após a eliminação traumática na Copa de 1982. Mas precisa saber que há outros modos de ganhar um jogo, que há o momento de atacar e o de defender. E curiosamente, a Laranja já deu outras mostras de que pode aliar ofensividade e cautela. 

O primeiro caso em que isso se viu foi na Euro 2008. Nas eliminatórias para o torneio, a campanha, no 4-3-3, foi apagada. Após conversa com os cardeais do elenco (Van der Sar, capitão da seleção à época, Seedorf e Van Nistelrooy), o técnico Marco van Basten decidiu alterar a equipe para um 4-2-3-1. E a primeira fase da Oranje no torneio continental foi exemplar. Apostando francamente no contra-ataque, a equipe superou um grupo com Romênia, Itália e França, com três vitórias em três jogos. Caiu para a Rússia, é verdade. Mas deixara lições. Bert van Marwijk, sucessor de Van Basten, as aprendeu. E num 4-2-3-1 bem pragmático a Holanda conseguiu seu terceiro vice-campeonato mundial.

E na Copa passada, a equipe treinada por Louis van Gaal fez isso quase à perfeição. Por força das circunstâncias (a atuação desastrosa na derrota para a França, em amistoso, mais a primeira lesão de Kevin Strootman), Van Gaal armou o time para o Mundial num 5-3-2 bastante cauteloso. Com a sorte de tudo ter se encaixado - esquema compreendido, Robben sendo dos melhores jogadores do torneio, coadjuvantes atuando bem, defesa protegida -, a Holanda chegou a um surpreendente terceiro lugar.

Outro problema é a geração que surge. As seleções holandesas de base têm desempenho irregular nos últimos anos. A Jong Oranje (sub-21) foi campeã europeia da categoria em 2006 e 2007, mas desses dois anos só se aproveitou Huntelaar, artilheiro na primeira conquista. Em 2009 e 2011, mal chegou à Euro sub-21. Em 2013, chegou às semifinais. Em 2015, também ficou de fora. A seleção sub-19 caiu na primeira fase, no Europeu deste ano; a seleção sub-17 até mostra desempenhos promissores (campeã europeia em 2011 e 2012), mas pouco disso se viu na seleção adulta atual. Só Memphis Depay e Willems, membros do time de 2011, são convocados com frequência.

Ainda assim, times como Ajax, Feyenoord, PSV e AZ seguem revelando atletas. É o jeito. De mais a mais, ausências holandesas em torneios grandes não são raridade. Eram a regra, aliás, até 1974. Nada leva a crer que o futebol holandês vai "acabar". Mas ele deverá mudar, por bem ou por mal.

O blog voltará ao tema.