sexta-feira, 27 de maio de 2016

Órdináááária!

Nem o empate no fim apaga a sensação de decepção que a seleção traz à torcida atualmente (Joep Leenen/ANP)
Ordinário. Na edição de 1986 do dicionário Aurélio, uma das definições da palavra indica: "Habitual, useiro, comum". Outra definição: "De má qualidade; inferior". Pois bem: esses significados indicam perfeitamente o que foi a seleção holandesa e sua atuação no empate por 1 a 1 contra a Irlanda, nesta sexta, no Aviva Stadium de Dublin. Novamente, a Laranja mostrou o que tem sido "habitual" e "comum" nela, nos últimos meses: um jogo "de má qualidade, inferior". A falta de criatividade foi o principal defeito da equipe renovada que foi a campo. 

Claro, no começo houve até a aceleração do jogo - principalmente pelas pontas, com Memphis Depay (menos) e Quincy Promes (mais). Mas aos poucos, um velho erro da Oranje foi novamente cometido: a transição lenta entre a defesa e o ataque. Na transmissão da FOX Sports holandesa para o jogo, o ex-jogador Ronald de Boer apontou uma jogada ocorrida ainda nos primeiros minutos: após um escanteio cuja bola foi tirada da área por Jeffrey Bruma, Georginio Wijnaldum tentou acelerar a saída para o ataque... e não havia opção. Resultado: o passe do meio-campista do Newcastle foi para trás, e logo a Irlanda retomou a bola.

Aos poucos, essa falha crônica foi expondo os outros sérios problemas da seleção holandesa. Sem opções, o meio-campo não podia criar jogadas. Sem criação de jogadas, restava o avanço infrutífero dos laterais (pela direita, Jöel Veltman; pela esquerda, Jetro Willems), que quase sempre rendia apenas cruzamentos inócuos e facilmente defendidos pelo goleiro irlandês, Darren Randolph. E sem jogadas saindo do meio e com a bola passando apenas pelo alto, Vincent Janssen mal apareceu na partida para finalizar. Pior: em todos os primeiros 45 minutos, apenas dois chutes foram dados pela Oranje. Nenhum deles a gol. Índice baixo assim não era visto desde o amistoso contra a Itália, em setembro de 2014.

No meio do deserto de ideias, havia apenas um oásis: Kevin Strootman. No seu retorno à Oranje, o volante da Roma diminuiu o temor de uma contusão: entrou em divididas, foi atingido em faltas, mas seguiu bem nos 68 minutos em que esteve no campo do Aviva Stadium. Mais do que isso: sempre que recebia a bola, mostrava a precisão que o fazia nome certo e habitual nas escalações da Laranja, antes das lesões que atravancaram e atrapalharam seu caminho. Também comentando para a FOX Sports holandesa, o ex-jogador dinamarquês Kenneth Perez esclareceu: "Veja os passes de Strootman: não são só para o lado, são para a frente, ampliam as opções de jogada". Enfim: no que foi possível, o camisa 8 cumpriu seu papel e justificou o apelido de "Lavadora". A tal ponto que, dos 73 passes que deu na partida, Strootman completou 88% deles, de acordo com o site OptaJohan. Mal jogou, e já se credenciou como um nome fundamental para o futuro da equipe, se continuar em forma, sem lesões.

Strootman: volta promissora (Maurice van Steen/VI Images)
Mas Strootman era só um, de onze jogadores. E não só os atletas ofensivos desaceleraram, como a defesa continuou exibindo erros gritantes de posicionamento e de ações. Dois desses causaram o gol de Shane Long que abriu o placar para os irlandeses, aos 19 minutos do primeiro tempo: o zagueiro Virgil van Dijk cedeu escanteio de graça, a uma equipe que tem na bola aérea uma de suas qualidades. E na cobrança do córner, Van Dijk (1,93m) perdeu a disputa do rebote para Long (1,80). Isso, sem contar a primeira entrada, em que John O'Shea apareceu livre no meio para testar, forçando a defesa de Jasper Cillessen, o consequente rebote e o gol.

O pior é que tudo isso seguiu durante boa parte do segundo tempo. A falta de alguém que realmente pensasse o jogo, criasse alternativas (Strootman, apesar de bom volante, não é um criador), aumentou a força do ponto de interrogação sobre um futuro sem Wesley Sneijder - e sem o fortalecimento de Davy Klaassen ou Jordy Clasie, opções imediatas para a posição. E aí, sem a criação, não havia como os da frente atuarem. E se eles ficavam com a bola, tentavam infrutíferas jogadas individuais. Principalmente Memphis Depay, cuja atuação foi merecidamente criticada e recebeu conselhos de Danny Blind, após o jogo: "O potencial dele segue presente, mas nota-se que a temporada não foi boa e isso o afetou. Assim, é melhor jogar o mais simples possível". De quebra, nas bolas aéreas irlandesas (e elas eram muitas), seguia o "quem é que sobe?": a tal ponto que Bruma quase cometeu gol contra, aos nove minutos.

A situação só melhorou levemente para a Holanda com a entrada de Steven Berghuis, em lugar de Memphis. Estreando pela Laranja, o atacante do Watford (atuando 27 anos após seu pai, Frank Berghuis, fazer um jogo pela seleção, contra o Brasil, em amistoso) acelerou mais as coisas. E após ter ocupado melhor o campo, mais compactada e sabendo o que fazer com a bola nos pés no 4-4-2 pensado por Martin O'Neill, a Irlanda desacelerou - natural, já que ela pensa na Euro que está próxima. As entradas de Bas Dost e Luuk de Jong, levando a Holanda do 4-3-3 para o 4-4-2, deram mais referências na frente, ainda que tenham transformado o jogo num festival de "chuveirinhos". E Marco van Ginkel, entrando no meio-campo, pôde armar um pouco mais o jogo e chegar ao ataque.

A leve evolução foi clara: aos 31 minutos da etapa final, enfim a Holanda mandou um arremate ao gol (um cabeceio de Dost mandou a bola perto da meta defendida por Randolph). E aos 40, uma jogada muito vista no returno desta Eredivisie resultou no empate: Willems cruzou da esquerda, e Luuk de Jong cabeceou para as redes. Só que este gol salvador não apagou as pesadas e corretas críticas sobre mais uma atuação apática, apagada, ordinária da seleção holandesa. Danny Blind reconheceu, falando após o jogo: "No intervalo, minha primeira frase [aos jogadores] foi: 'Como pode?!' É difícil explicar. Tivemos uma boa semana de treinos, e de novo saímos atrás, como pode ser assim?". 

Blind não sabe. Mas é sua obrigação achar uma resposta. A melhora rápida da Oranje depende disso.

Oranje: agora é dentro de campo

Strootman olha para a frente. Como a seleção da Holanda precisa olhar (Erwin Spek/ANP/Pro Shots)
Há tempos a Holanda não tinha de encarar essa dura realidade. Mas o fato é que, nesta sexta, às 15h45, no Aviva Stadium de Dublin, quando a Laranja entrar em campo para mais um amistoso, será sua adversária, a Irlanda, que estará se preparando para a Euro 2016. A mesma coisa com o adversário da próxima quarta, a Polônia, em Gdansk. E também será assim no sábado, 3 de junho, quando o oponente será a Áustria, em Viena. Todas essas equipes nacionais, na reta final rumo ao torneio europeu.

E a Holanda? Resta a ela foco total no próximo estágio: as eliminatórias para a Copa de 2018. Exatamente por isso é que o técnico Danny Blind tem dado tanta importância, mais do que aos amistosos, à temporada de treinos que os 25 jogadores convocados estão fazendo no balneário português de Lagos (cidade conhecida: ali o elenco da Copa de 2014 fez a reta final da preparação para o torneio). Pode-se dizer que ali estão sendo definidos os pontos básicos de uma nova fase no trabalho de Blind pai.

Aliás, tais pontos básicos já podem ser delineados ao se observar os auxiliares do treinador. Se Marco van Basten, um ex-comandante da Oranje, já estava ao lado de Blind no banco de reservas, o novo auxiliar Dick Advocaat traz até mais definição sobre a identidade tática que a seleção pensa em ter para tentar chegar a 2018. Com a inegável experiência de duas passagens como o técnico principal, Advocaat substituirá Ruud van Nistelrooy – e poderá ajudar o treineiro da vez a ter mais cuidados com a defesa.

Dos treinadores holandeses que alcançaram algum êxito em suas carreiras, Advocaat é de longe o mais cuidadoso em questões táticas. Cuidadoso até demais: é famosa sua alteração criticadíssima contra a República Tcheca, na fase de grupos da Euro 2004 (a Oranje vencia por 2 a 0, Advocaat tirou um imparável Robben e colocou o meio-campista Bosvelt, chamou os tchecos para o jogo, e eles viraram para 3 a 2).

No entanto, se sua vinda servir para auxiliar Blind na formação de uma defesa mais compacta e de um jogo acelerado, já será útil. E aos 68 anos, Advocaat parece mais motivado do que esteve em seus últimos trabalhos, até para dar um fim honroso à sua longa carreira no banco: “Eu não esperava o convite, fui surpreendido. Mas significa fechar minha carreira com chave de ouro. Comecei na KNVB como auxiliar [Advocaat era o braço-direito de Rinus Michels na Euro 1992], e terminarei como auxiliar. Tenho plena certeza de que chegaremos à Copa de 2018, e uma Copa na Rússia [cuja seleção ele treinou na Euro 2012] completaria o círculo”.

Só que de nada adianta um triunvirato de experiência comprovada no banco de reservas, com dois ex-técnicos da seleção ajudando um “seminovato”, se os jogadores não corresponderem em campo. Afinal de contas, se a renovação no elenco da Laranja era necessária e até urgente, ela está sendo feita. Basta dizer que apenas sete dos convocados que treinam em Portugal estiveram na Copa passada (Jasper Cillessen, Joël Veltman, Daley Blind, Georginio Wijnaldum, Wesley Sneijder e Memphis Depay).

Advocaat e Daley Blind terão papéis importantes na nova fase da seleção: um fora de campo, o outro dentro (Remko de Waal/ANP)

E a renovação está cada vez mais profunda: tanto na pré-convocação como na lista definitiva de Blind, não estavam nem estão Robben, Sneijder, Van Persie ou Huntelaar. Ficaram todos de fora, por lesão (Robben) ou opção (Van Persie, Huntelaar). E o pedido de dispensa de Sneijder, por dores nas costelas, logo após ser campeão da Copa da Turquia com o Galatasaray, confirmou: será a primeira vez em que a seleção da Holanda jogará sem nenhum dos quatro veteranos entre os titulares desde 2013, num amistoso contra a Colômbia.

Sem os destaques de sempre, se há um destaque entre os convocados por Danny Blind, ele é Kevin Strootman: depois do sofrimento com as renitentes lesões nos dois joelhos, bastou uma volta ainda leve pela Roma para o meio-campo conseguir seu retorno à Oranje, dois anos após o aziago 5 de março de 2014, em que sofreu uma primeira lesão no joelho em amistoso contra a França (no domingo seguinte, jogando pela Roma, Strootman rompeu pela primeira vez o ligamento cruzado anterior do joelho, no início de sua via-crúcis).

Motivo mais do que suficiente para que o volante volte com cuidado, certo? Errado: Strootman não só voltará, mas deverá ser titular contra a Irlanda. Mais do que isso: será o capitão da seleção. Razões não faltam para as palavras aliviadas, mas ainda reticentes, do jogador: “Foi para isso que trabalhei duro nesses dois anos. Para mim, estar aqui é um bônus. Não estou 100 por cento, mas justamente por isso é que preciso continuar treinando e também preciso atuar nas partidas. Jogar os 90 minutos em todas elas talvez seja demais, mas estou à disposição”.

Outra prova de que a renovação vai se consolidando na seleção holandesa é o fato de que, entre os convocados, o jogador com mais partidas pela Laranja é… Daley Blind (estará fora contra a Irlanda, lesionado), com “apenas” 36 atuações. Seguem-no Ron Vlaar (32), Jasper Cillessen (27), Wijnaldum (27), o próprio Strootman (25), Memphis Depay (23) e Jetro Willems (18). Cabe a eles, jogadores ainda relativamente novos (Vlaar é a exceção que confirma a regra, com 31 anos), começarem a criar um ambiente com novas lideranças a guiar os mais neófitos em seleção: Riechedly Bazoer, Tonny Trindade de Vilhena, Davy Pröpper, Marco van Ginkel... e, principalmente, Quincy Promes e Vincent Janssen: prestigiados pela temporada que fizeram e pelas atuações nas oportunidades que tiveram na seleção, Promes e Janssen devem ser titulares nos amistosos.

E, principalmente, caberá aos jogadores da seleção holandesa vencerem as desconfianças sobre suas capacidades para fazer a Oranje reagir – desconfianças muito justificadas, diga-se de passagem. Por mais que mereça críticas, Danny Blind está trabalhando e se esforçando. Agora, é dentro de campo, no 4-3-3 (provável escalação: Cillessen; Veltman, Bruma, Van Dijk e Willems; Strootman, Wijnaldum e Bazoer; Promes, Janssen e Memphis Depay). O futuro começa com os amistosos.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 27 de maio de 2016)

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Play-offs de acesso: quem ganhar, sobe, mesmo?

Ten Rouwelaar vai parar de jogar. E quer deixar na Eredivisie o NAC Breda em que é ídolo (Maurice van Steen/VI Images)

Enfim, o mata-mata para definir o acesso e o descenso entre a primeira e a segunda divisão holandesas chegou à sua decisão. Depois daquele regulamento intrincado, com campeões de período e tudo o mais, enfim sabe-se quais são os quatro times, divididos em duas chaves, que disputarão os dois lugares restantes no Campeonato Holandês 2016/17, com jogos de ida nesta quinta, e os de volta, no domingo. E se a Nacompetitie é originalmente destinada a determinar acesso ou descenso, nesta temporada ela decidirá acesso ou manutenção: afinal de contas, tanto Willem II quanto De Graafschap, antepenúltimo e penúltimo colocados da Eredivisie, têm a chance de ficar na elite, enfrentando NAC Breda e Go Ahead Eagles - estes, dois dos melhores colocados da Eerste Divisie sem conquistarem "períodos".

Porém, a polêmica recomendação da federação holandesa pelo rebaixamento do Twente à segunda divisão em 2016/17 colocou um tremendo ponto de interrogação sobre o play-off. Afinal de contas, pela decisão, o Willem II já tem garantida a sua manutenção, seja qual for o resultado de suas partidas contra o NAC Breda. Se os Bredanaren ganharem, sobem à Eredivisie junto dos adversários Tricolores. Em De Graafschap x Go Ahead Eagles, não há mistério: quem for o melhor no placar agregado, sobe (caso do time de Deventer) ou se mantém (caso dos Superboeren). Entretanto, se os dois vindos da Eredivisie conseguirem a permanência, quem subirá para a vaga restante é o... Cambuur, lanterna e rebaixado da primeira divisão.

Claro, os clubes da Jupiler League ficaram furiosos com a sugestão - uma nota já foi divulgada nesta quinta, anunciando a oposição ao rebaixamento dos Tukkers, reclamando da péssima hora em que a comissão de licenças da KNVB divulgou sua decisão sobre o Twente, e também da falta de consulta a eles sobre o rebaixamento. De fato, parece inapropriado que a vaga restante aberta pelo clube de Enschede não seja disputada entre NAC Breda e Go Ahead Eagles, caso estes não consigam superar Willem II e De Graafschap. O mais complicado: o parecer da federação ainda pode ser ratificado (ou revogado) pelo Conselho Central de Jogadores, entidade vinculada à KNVB. Dependendo da decisão final, o Twente certamente recorrerá da decisão na Justiça. O que pode prejudicar o Willem II, em tese já salvo, que também teria todo o direito de ir aos tribunais...

Enfim, não se sabe mesmo se quem ganhar no play-off subirá à primeira divisão do futebol holandês na próxima temporada. De todo modo, é melhor focar no aspecto dentro de campo. A partir de agora, uma análise rápida dos quatro times - bem, três e meio... - que disputam a Nacompetitie pela promoção ou permanência na Eredivisie.

Willem II x NAC Breda

Jogo de ida: 19 de maio, às 13h30 (de Brasília), em Breda
Jogo de volta: 22 de maio, às 11h45 (de Brasília), em Tilburg

Willem II

Durante toda a temporada, a equipe de Jurgen Streppel sofreu no Campeonato Holandês. Por dois motivos: empataram demais na temporada (11), e foram o segundo pior time do returno, só melhores do que o rebaixado Cambuur. Assim, a Nacompetitie foi inevitável. Pelo menos nela, a equipe tricolor acordou: entrando na segunda fase do play-off, não teve a menor dificuldade para frustrar o sonho do primeiro acesso do Almere City: 1 a 0 na ida, 5 a 2 na volta. E a curiosidade é que o destaque não foi o habitual Erik Falkenburg, mas Lucas Andersen, autor de dois gols no jogo de retorno contra o clube de Almere. Os Tricolores contam com os gols de ambos, e uma performance mais concentrada da defesa, para se manterem na Eredivisie - e para dar uma despedida mais alegre ao técnico Jurgen Streppel, de saída para o Heerenveen. Além do mais, convém não contar com uma manutenção supostamente garantida: o Twente pode recorrer do rebaixamento, e aí as consequências são imprevisíveis... melhor manter o lugar dentro de campo.

NAC Breda

A ambição da "Pérola do Sul" é grande. Para começo de conversa, tiveram o terceiro lugar na temporada regular da Eerste Divisie, e conseguiram chegar ao final do play-off, para tentar o retorno rápido à Eredivisie, após a queda na temporada passada. E voltar à primeira divisão seria a coroação para um projeto já anunciado: a parceria com o Manchester City, que começará a emprestar mais jogadores ao clube de Breda (dois titulares na campanha, o meia ganês Divine Naah e o atacante turco Enes Ünal, são cedidos pelos Citizens). De quebra, seria a despedida perfeita para o goleiro Jelle ten Rouwelaar: desde 2008 no clube, ídolo da torcida, passando por um momento pessoal difícil (e homenageado lindamente por isso), ele está jogando as últimas duas partidas de sua carreira profissional. No entanto, os aurinegros levaram um susto na segunda fase: perderam o jogo de ida para o FC Eindhoven (1 a 0), e só na volta restabeleceram a superioridade (2 a 0). Com um elenco razoável para os padrões da Eredivisie, têm a obrigação de serem adversários duros para o Willem II.

De Graafschap x Go Ahead Eagles

Jogo de ida: 19 de maio, às 14h45, em Deventer
Jogo de volta: 22 de maio, às 7h30, em Doetinchem

De Graafschap

Muito se falou da "mala branca" que foi a promessa de um iPhone 7 aos jogadores dos Superboeren, feita pela PHC (empresa de telefonia que auxilia o PSV, junto da Philips), para que eles vencessem o Ajax e possibilitassem o bicampeonato holandês ao clube de Eindhoven. Pois bem: como a promessa falava em "vitória", até agora, ninguém sabe se ganhará modelo nenhum do smartphone. E independentemente disso, tratar o De Graafschap como um time péssimo que só surpreendeu o Ajax por um acaso é injustiça das grossas. É um time fraco, claro. Mas tem jogadores talentosos, como o goleiro Hidde Jurjus e o atacante Vincent Vermeij (ambos, na seleção holandesa sub-21). De quebra, sair da lanterna ao final do turno, com apenas cinco pontos, para ganhar a perspectiva de manutenção via play-off, é um feito merecedor de algum respeito. Entrando na segunda fase, a equipe treinada por Jan Vreman até levou um susto do MVV Maastricht no jogo de volta, mas venceu as duas partidas (1 a 0 na ida, 2 a 1 na volta). E é até favorita a conseguir segurar a vaga na Eredivisie. Nem precisa de iPhone ou qualquer traquitana para isso.

Go Ahead Eagles

Na temporada 2014/15, foi o Go Ahead Eagles que precisou disputar a Nacompetitie de acesso/descenso vindo da Eredivisie: fora o 17º colocado. Mas teve a comodidade tradicional a quem vinha da primeira divisão: entrou na segunda fase, onde enfrentaria o... De Graafschap. Que surpreendeu: duas vitórias por 1 a 0, e GAE rebaixado, enquanto os Superboeren seguiam rumo à promoção. E nesta temporada, o Kowet sofreu na Eerste Divisie: vinha irregular até fevereiro, quando uma derrota por 1 a 0 para o amador Achilles'29 pôs fim ao comando do treinador Dennis Demmers. Aí, após uma rodada com o interino Harry Decheiver, foi a vez de Hans de Koning chegar para treinar o time de Deventer. Um período de adaptação, e o time aurirrubro cresceu na hora certa: invicto nas últimas dez rodadas da temporada regular (quatro empates, seis vitórias), garantiu a quinta posição e a vaga na segunda fase dos play-offs. Nela, superou o VVV-Venlo, segundo colocado regular (1 a 0 na ida; 2 a 2 na volta, fora de casa). E tem a chance da revanche contra o De Graafschap, contando com alguns remanescentes daquela temporada passada na Eredivisie: o atacante Leon de Kogel, os zagueiros Xandro Schenk e Bart Vriends, e o meio-campista Sander Duits.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Novela à vista


A tristeza do Twente no rosto do diretor Onno Jacobs: e agora, o que será dos Tukkers? (Vincent Jannink/ANP)

Após a rodada final do Campeonato Brasileiro de 2013, esperava-se que a Portuguesa (48 pontos) permanecesse na Série A e que o Fluminense, com 46 pontos, estivesse rebaixado à Série B, por estar na 17ª posição. Esperava-se, não fosse a descoberta da entrada irregular do volante Héverton (suspenso) no jogo derradeiro da Lusa no campeonato, contra o Grêmio. O clube das Laranjeiras aproveitou a chicana que se abrira, entrou com recurso no STJD, a agremiação paulistana foi punida com a perda de quatro pontos, foi a rebaixada, até hoje não se sabe qual a razão do erro da Portuguesa (ou até se sabe, mas não há como provar por enquanto)... e tudo isso foi seguido por uma gigantesca onda de críticas de imprensa e torcida, pela supressão sumária do que se decidira dentro de campo.

Pois bem: críticas semelhantes estão ocorrendo na Holanda. Porque o Twente, 13º colocado ao final das 34 rodadas do Campeonato Holandês 2015/16, conseguiu permanecer na divisão de elite... mas teve seu rebaixamento "sugerido" pela KNVB, a federação holandesa, nesta quinta. Não é uma decisão definitiva: a federação indicou tal solução, e o Central Spelersraad (Conselho Central de Atletas, órgão vinculado à entidade) poderá confirmá-la ou recusá-la. Ainda assim, o processo que levou ao virtual rebaixamento do clube de Enschede teve um final tão desastrado que quase ninguém o está aceitando. Nem beneficiados, nem prejudicados.

Cabe lembrar: a situação financeira do Twente foi aflitiva durante boa parte da temporada. Com uma dívida de 32 milhões de euros, e mais sanções da FIFA e da KNVB pela cessão irregular dos direitos de jogadores ao fundo de investimentos maltês Doyen (processo semelhante ao ocorrido com o Santos, no Brasil), o clube de Enschede viveu toda a temporada sob o fantasma de mais punições - e o Espreme a Laranja já até comentara sobre isso. O pior é que o rebaixamento à Eerste Divisie (segunda divisão) ameaçava vir sem punição: os Tukkers terminaram o primeiro turno da liga na zona de repescagem/rebaixamento.

O tempo passou, a equipe se recuperou no returno, conseguiu chegar à 13ª posição, teve no meio-campista Hakim Ziyech um dos grandes destaques do campeonato... mas não se livrou das punições. Em abril, a KNVB anunciou que o Twente perdera três pontos, por descumprir etapas do plano de reestruturação financeira apresentado à entidade. Era a terceira vez que tal sanção era aplicada ao clube - que já perdera seis pontos na temporada passada. Pelas regras da federação, o passo seguinte era a perda da licença profissional - o que forçaria o Twente a ter de recomeçar sua história na Topklasse, a quarta divisão holandesa.

Mas era necessário reconhecer: a nova direção ia atrás das soluções. Fez acordo com empresários da região do Twenthe (daí o nome do clube), onde fica a cidade de Enschede, para que ajudassem no pagamento da dívida. Conseguiu renegociar as dívidas com os ex-presidentes Joop Munsterman e Aldo van der Laan. Resultado: teve mantida a licença profissional. E a federação reconheceu o esforço. Mas premiou-o do pior jeito possível: nesta quarta, em nota oficial, a KNVB anunciou a decisão tomada pela comissão de licenças com relação ao caso dos Tukkers. Que começava explicando: "Durante a reunião, a comissão concluiu que o passado do Twente dava a ela o direito de tirar a licença. Por outro lado, a comissão acha que os esforços feitos para 'limpar a casa' davam o direito de manter a licença".

Seguiam-se as alternativas: "Com base no regulamento de licenças, a comissão tinha duas opções. A primeira era uma multa de 45.250 euros. Aos olhos da comissão, isso parecia uma pena desproporcionalmente leve. A segunda opção era a retirada da licença, que seria justificada pelo passado do clube. Com base no bom trabalho [para diminuir a dívida] feito neste meio ano, a comissão acha uma pena desproporcionalmente dura." Qual foi a decisão, então? "A comissão, então, cede ao Twente uma nova licença, já que o clube está 'limpando a casa'. Com essa nova licença, o clube tem o direito de começar na mais baixa divisão profissional, que é a Jupiler League [nome patrocinado da segunda divisão]".

Bert van Oostveen, da KNVB, comemorou a punição indicada ao Twente. Foi o único (Gerrit van Keulen/VI Images)
A recepção à decisão da KNVB foi unânime: nenhuma das partes gostou. Até porque ela interfere no play-off contra o rebaixamento, cuja decisão começa na quinta. Com a sugestão do rebaixamento do Twente, o Willem II (antepenúltimo colocado da Eredivisie) estaria garantido na primeira divisão, qualquer que fosse o resultado de seu jogo contra o NAC Breda - que, se ganhar no placar agregado, obviamente voltaria à elite do futebol holandês. Enquanto isso, De Graafschap e Go Ahead Eagles decidirão a outra vaga. E em caso de vitória dos Superboeren (penúltimos colocados na liga), junto de triunfo do Willem II - ambos vindos da Eredivisie -, quem ficaria na divisão principal do futebol holandês seria... o Cambuur, lanterna do torneio, rebaixado diretamente.

O pior é que a perda da licença profissional (punição prevista no regulamento) causaria mudanças até no título holandês. Afinal, assim o Twente teria seus resultados anulados. Com duas vitórias sobre os Tukkers nesta temporada do Holandês, o PSV perderia seis pontos - de 84, iria a 78; com uma vitória e um empate, a pontuação do Ajax cairia de 82 a 78. E com a pontuação igual, o saldo de gols maior daria o título aos Ajacieden. Talvez o temor das reações a essa "leve" mudança nos destinos da Eredivisieschaal tenha motivado a KNVB a decidir-se por essa via de punição branda-mas-nem-tanto, comemorada pelo diretor de futebol Bert van Oostveen: "O Twente é um grande clube, com um grande passado, e a KNVB acha ótimo que o clube tenha uma segunda chance".

Mas só Van Oostveen comemorou. De resto, só críticas. Obviamente, o Twente foi o primeiro a lamentar. Em declaração pública à imprensa, o diretor Onno Jacobs opinou: "Estamos tristes, perplexos e incrédulos. É um duro golpe. Pensávamos que poderíamos participar da próxima temporada [do Campeonato Holandês], não contávamos com essa variante". Diretor da segunda divisão, Marc Boele foi até mais longe, lembrando a Nacompetitie de acesso/descenso: "Ninguém ouviu a Jupiler League [antes de tomar a decisão], não sabíamos de nada. Amanhã traremos uma posição mais concreta, mas não estamos felizes. E os play-offs? Por qual objetivo os clubes jogarão?".

O repúdio veio até mesmo de clubes eventualmente favorecidos que disputam a promoção ou a manutenção na primeira divisão. Às vésperas de deixar o Willem II, o técnico Jurgen Streppel mostrou-se incerto: "Enquanto não houver definição [sobre o rebaixamento do Twente], para nós é uma situação desumana". Diretor geral do Go Ahead Eagles, Edwin Lugt criticou a federação em seu perfil pessoal no Twitter: "A KNVB rasgou o próprio regulamento. Estamos avaliando medidas jurídicas. A comissão de licenças tinha duas opções: tirar definitivamente a licença ou manter o Twente na Eredivisie. E essa segunda opção é que tinha de acontecer". Finalmente, nem o Cambuur, rebaixado que pode ser içado de volta, comemorou a eventualidade que pode lhe favorecer: "Desportivamente falando, não temos o direito à salvação, isso tem de ficar bem claro".

Agora, é esperar pela decisão do Central Spelersraad, que terá um mês para confirmar ou revogar o rebaixamento do Twente. E essa decisão deverá levar o clube de Enschede aos tribunais - briga jurídica já encampada pela torcida. Ou seja: há uma novela arrastada à vista no futebol holandês. Bem disse o jornalista Michel Abbink, do site nu.nl: "Neste verão europeu, todos os outros países assistirão a um torneio entre seleções. Nós assistiremos a uma incompreensível novela sobre o Twente". Como se não bastasse a ausência da Oranje na Euro 2016... 

segunda-feira, 16 de maio de 2016

PSV conseguiu duas coisas com o bi holandês

PSV teve ambição para contratar, usou bem a base e formou time entrosado. Merece a festa do bicampeonato (Jeroen Putmans/VI Images)

Em fevereiro passado, logo após o fechamento da janela de transferências, o técnico Fred Rutten comentou uma aquisição de última hora que o PSV fizera: o empréstimo de Marco van Ginkel, junto ao Chelsea. E o agora treinador do Al-Shabab, da Arábia Saudita, usou muitos elogios: “Acima de tudo, o PSV merece muitos cumprimentos. Isso é ambição, mostra que você realmente quer vencer. E mostra não só ao mundo, mas também internamente. É um recado aos jogadores, para que fiquem ligados”. De fato, trazer um jogador com certo espaço em centros mais competitivos era (mais um) sinal de ambição do clube de Eindhoven, que não parou de trabalhar para alcançar os objetivos. 

Resultado: a sorte sorriu para os Boeren da maneira mais agradável que podia ser imaginada. Na última rodada do Campeonato Holandês, domingo passado, o Ajax tropeçou. A equipe de Eindhoven cumpriu o seu papel. E conquistou o bicampeonato sonhado na Eredivisie. O título foi inesperado: afinal de contas, empatados em pontos, a diferença do Ajax no saldo de gols era bastante segura. Mas a sorte que permitiu ao PSV chegar ao 23º título holandês de sua história foi muito merecida. Afinal de contas, os Eindhovenaren mostraram duas coisas fundamentais, que andaram (e andam) em falta no futebol holandês: regularidade e ambição.

A regularidade começou com Phillip Cocu. O técnico tem um plano de jogo bem definido: o 4-3-3 muito forte nos contragolpes, e com muita ajuda dos pontas. Mas ao contrário de seus pares, costumeiramente muda o esquema tático em função do adversário. Isso ajudou muito o PSV na Liga dos Campeões. Basta lembrar o jogo de volta contra o Atlético de Madrid, nas oitavas de final: sabendo da inferioridade técnica em relação aos Colchoneros, Cocu fortaleceu a defesa no 5-3-2, deixando o Atleti com o domínio da bola. Pois jogando assim, como franco-atirador, o time holandês deixou o espanhol em maus lençóis: os Colchoneros precisaram dos pênaltis para avançar às quartas de final.

Só que de nada adiantaria a regularidade pretendida por Cocu se não fossem, obviamente, os jogadores. E eles corresponderam muito na temporada. Embora ainda precise melhorar na saída de bola, Jeroen Zoet se credenciou como goleiro cada vez mais promissor; se antes era um “xerifão”, com muito porte físico e pouca técnica, Jeffrey Bruma tornou-se um zagueiro elogiável, com tempo de bola quase perfeito; Héctor Moreno começou violento a temporada, mas foi se aprumando, e agora até de lateral esquerdo atua às vezes; e por falar em lateral esquerdo, Jetro Willems melhorou um pouco seus defeitos crônicos na marcação, e está cada vez melhor nos cruzamentos.

Do meio-campo em diante é que começa a ser notada a outra característica responsável pelo novo êxito do PSV na Holanda: a ambição. Ela pode ser traduzida em contratações importantes e precisas. Por exemplo: no meio, eram necessários jogadores que soubessem marcar, mas dessem velocidade na saída de bola, como fazia Georginio Wijnaldum. Se Andrés Guardado já fazia isso muito bem, ganhou em Davy Pröpper o companheiro perfeito. Não raro, Pröpper participa do jogo até mais do que o mexicano, avançando ao ataque e chutando bem de fora da área – até por sua participação, é figura certa nas seleções do campeonato que começam a pulular na imprensa holandesa. No caso de Van Ginkel, a aposta no seu empréstimo foi paga com oito gols em 12 jogos, todos apenas em 2016 – e uma ajuda a mais no ataque, atuando quase como ponta-de-lança.

Como se fosse necessário. Após um período de irregularidade, Luciano Narsingh recuperou-se no time titular, tomando a posição de Gastón Pereiro (que, justiça seja feita, foi razoável nas chances que teve e merece apostas). Pela esquerda, com os problemas pessoais de Maxime Lestienne, Jürgen Locadia foi experimentado ali: e o que era apenas um atacante corpulento e finalizador virou um ponta que preencheu bem a lacuna deixada por Memphis Depay. E o que dizer de Luuk de Jong? 26 gols, um comando claro sobre o elenco do qual é capitão, o retorno à seleção e à boa fase... sem dúvida, o irmão mais novo de Siem é o craque do campeonato.

Todas essas presenças no time-base mostram o equilíbrio do PSV entre comprar gente mais experiente (Guardado, Van Ginkel, De Jong) e apostar na base (Zoet, Willems, o volante Jorrit Hendrix, Locadia). Eis o grande trunfo a que levou a ambição da diretoria: um time regular, com opções para mudar o jogo, que sempre parecia ter a capacidade de reagir e manter a pressão psicológica sob controle. 

Exatamente o que o Ajax não teve. Claro que o De Graafschap não deve ser desprezado: o time de Doetinchem deixou a última posição que parecia inevitável rumo aos play-offs, e tem jogadores com algum talento (sem contar a famigerada “promessa do iPhone 7” – que provavelmente ficará na promessa, já que o aparelho seria dado só em caso de vitória do De Graafschap). Mas os Ajacieden, que pareciam certos da vitória, sentiram imensamente o golpe do empate. 

E prova disso foi a alteração estranha que Frank de Boer fez no jogo: embora o técnico tenha justificado (“Ele não estava no clima do jogo”), tirar Arkadiusz Milik deixou o time sem referência no ataque. Resultado: o time de Amsterdã terminou a última rodada num esquisito 3-3-4, com Anwar El Ghazi e o zagueiro (!) Mike van der Hoorn tentando mandar a bola para as redes. Não só não deu certo, como deixou claro algo que vinha sendo mostrado já havia algumas temporadas (talvez, já no título de 2013/14): faltava um “plano B” ao Ajax. Faltava maior flexibilidade, maior variedade de jogo, mais opções no elenco, mais... ambição. 

Até por isso, antes mesmo do final da Eredivisie, Frank de Boer já decidira o que anunciou na quarta-feira passada: deixaria o clube em que começou as carreiras de jogador e treinador, após cinco anos e meio e quatro títulos holandeses. Um ciclo de inegável sucesso, mas que estava no fim, também inegavelmente. E a melhor explicação disso foi dada pelo próprio Frank: “Nos últimos dois anos, achei que estava ficando difícil para mim. A vontade ainda estava lá, mas eu precisava me esforçar mais. Treinar uma equipe não pode ser algo automático, e eu sentia que estava me repetindo”.

A separação deverá fazer bem. Para Frank de Boer, que tem tudo para fazer carreira elogiável em campeonatos de nível mais alto. E para o Ajax, que poderá avaliar melhor o que fazer. O exemplo, ele já tem: o adversário PSV, que hoje inegavelmente domina o futebol holandês, com flexibilidade e vontade. Resta à torcida esperar que se cumpram as palavras alvissareiras do diretor geral, Toon Gerbrands: “Nunca estamos satisfeitos, sempre é possível melhorar e se desenvolver. Sem medo de errar, vem aí uma nova fase na história do PSV”. O futebol holandês agradeceria.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 13 de maio de 2016)

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Play-offs pela Liga Europa: não acabou, não

Haller ajudou muito o Utrecht na temporada regular da Eredivisie. E pode ajudar mais nos play-offs (Gerrit van Keulen/VI Images)
Desde a temporada 2005/06, o Campeonato Holandês não acaba com a sua 34ª rodada. Não bastassem os play-offs de acesso e descenso entre a primeira e a segunda divisões, houve então o advento da Nacompetitie (em holandês, "Nacompetitie" = depois da competição) pelas vagas holandesas nas competições continentais. Até 2007/08, houve Nacompetities para todos os torneios europeus: para definir vaga na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões, na terceira fase preliminar da então Copa Uefa e até por um lugar na hoje falecida Copa Intertoto.

Os clubes reclamaram, e a liga fez a mudança para o cenário vigente até hoje. Desde 2008/09, o campeão da Eredivisie segue com vaga direta na fase de grupos da Liga dos Campeões (pelo menos até a próxima temporada...), o vice-campeão ganha o lugar na terceira fase preliminar da Champions League, o terceiro colocado fica com a vaga nos play-offs da Liga Europa... e a Nacompetitie ficou restrita aos play-offs entre 4º e 7º colocado, por mais um lugar na Europa League, desta vez na terceira fase preliminar.

Só que o terceiro colocado em 2015/16 já está com seu lugar garantido na competição continental (como campeão da Copa da Holanda, o Feyenoord entrará diretamente na fase de grupos da LE). Assim, a vaga nos play-offs do torneio europeu foi para o AZ, dono da quarta posição ao final das 34 rodadas. E os play-offs ficam entre 5º e 8º colocado, começando nesta quinta, com os jogos de ida. Em jogos de ida e volta, enfrentam-se quinto contra oitavo, sexto contra sétimo, e os vencedores decidem o lugar na terceira fase preliminar da Europa League.

Portanto, melhor irmos logo para a perspectiva dos jogos. Porque, de certo modo, a Eredivisie ainda não acabou.

Utrecht x Zwolle
Jogo de ida: nesta quinta, no estádio Ijsseldelta, em Zwolle
Jogo de volta: domingo, 15.05, no estádio Galgenwaard, em Utrecht

Utrecht (5º colocado na Eredivisie regular)

Até pela posição na tabela ao final das 34 rodadas, os Utregs são os favoritos. Não só para superarem o Zwolle e irem à decisão, mas para a própria vaga. Afinal de contas, a equipe mostrou um estilo de jogo muito agradável e ofensivo durante a temporada regular - não à toa, o técnico Erik ten Hag foi premiado com o Troféu Rinus Michels, eleito como melhor treinador da Holanda em 2015/16. Com isso, Sébastien Haller, destaque habitual, aumentou ainda mais sua importância - com 17 gols, o francês já é alvo de clubes de centros mais competitivos. Mas ao longo da temporada, outros jogadores chegaram para ajudar Haller. 

Recuperado de lesão, Ruud Boymans vinha geralmente do banco para marcar: sua média é de um gol a cada 79 minutos de jogo, a menor entre todos os atletas da Eredivisie. No meio-campo, Yassin Ayoub e Nacer Barazite também começaram a aparecer. E foi o suficiente para a chegada aos play-offs. É verdade que a derrota para o AZ, na última rodada, trouxe duros desfalques: a zaga titular, Timo Letschert e Ramon Leeuwin, lesionou-se, e dificilmente jogará os play-offs. Ainda assim, o ataque tem todas as qualidades para superar o Zwolle e levar o clube alvirrubro à primeira competição continental desde 2009/10.

Zwolle (8º colocado na Eredivisie regular)

Era demais pedir que os Zwollenaren repetissem o desempenho irrepreensível das duas últimas temporadas. Em 2013/14, houve o histórico título na Copa da Holanda, com direito a goleada no Ajax na decisão (5 a 1). Em 2014/15, novo triunfo sobre o Ajax e novo título, agora na Supercopa da Holanda; participação fugaz mas inesquecível na Liga Europa; e mais uma final na Copa da Holanda (desta vez, derrota para o Groningen). Nada mal para o projeto do presidente Adriaan Visser, ex-diretor de uma empresa de reciclagem da região de Zwolle, que decidiu erguer o clube. E mesmo que fosse demais pedir repetições, os "Dedos Azuis" seguiram com um desempenho elogiável. 

Os recordes se avolumaram. Entre fevereiro e abril, o Zwolle conseguiu cinco vitórias seguidas em casa - nunca acontecera na história do clube. Ron Jans tornou-se o treinador que obteve mais triunfos pelo clube alviazul (39). E nunca a equipe deixou as dez primeiras posições, durante as 34 rodadas. Tudo graças a um esquema regular: no 4-2-3-1, a defesa é protegida pelas boas atuações dos volantes Ouasim Bouy e Wout Brama. E no meio-campo, pelos lados, Queensy Menig e Sheraldo Becker ajudaram o atacante Lars Veldwijk a chegar aos 14 gols (terceira maior marca da história do clube na Eredivisie). Há falhas: o time enfraquece se os meio-campistas são neutralizados, e o "plano B" não está bem definido caso o 4-2-3-1 falhe. Ainda assim, convém não ignorar os Zwollenaren. Não foram campeões de nada, mas seguem com boas campanhas. O conto de fadas continua, de certa forma.

Heracles Almelo x Groningen

Jogo de ida: nesta quinta, no estádio Euroborg, em Groningen
Jogo de volta: domingo, 15.05, no estádio Polman, em Almelo

Heracles Almelo (6º colocado na Eredivisie regular)

Ah, se Tannane tivesse continuado... quando o primeiro turno terminou, os Heraclieden ocupavam uma quarta posição mais do que honrosa, diante das circunstâncias. Em 2014/15, a equipe de Almelo escapara por pouco da repescagem e do rebaixamento. E nesta temporada, mostrou um estilo de jogo fluido: embora jogando no 4-3-3 habitual do futebol holandês, a aceleração e a chegada rápida ao ataque tornava o Heracles uma das equipes mais atraentes do campeonato. Tanto é que foi uma das únicas equipes a vencer o PSV em toda a Eredivisie (2 a 1 no turno, em Almelo, na 6ª rodada). Tudo isso, com o ponta-direita Oussama Tannane como grande destaque.

Só que a janela de transferências levou Tannane para o Saint-Étienne, em janeiro. E o Heracles sentiu o baque. Até se manteve na quarta posição, mas a metade do returno viu uma sequência que deixou o time a perigo: quatro derrotas consecutivas fizeram-no despencar da quarta para a nona posição. Poderia ter sido fatal, numa disputa equilibrada como a das vagas no play-off. Mas aí reapareceram os destaques. Sem Tannane, Iliass Bel Hassani assumiu no meio-campo o protagonismo que já andava tendo, ainda com o ponta marroquino no elenco dos Heraclieden. No ataque, Wout Weghorst voltou a fazer gols (foram 12 na temporada regular). Brahim Darri, enfim, se entrosou no lugar de Tannane. E o Heracles chegou à Nacompetitie pela Liga Europa. É favorito, mas precisará lembrar o time que foi no turno para aumentar suas possibilidades, diante de um Groningen renascido.

Groningen (7º colocado na Eredivisie regular)

Nem parecia que seria possível. Ao final do primeiro turno, o técnico Erwin van de Looi já sofria com fortes críticas ao estilo demasiadamente defensivo da equipe e às incertezas na escalação. Nestas, as vítimas eram justamente os dois principais destaques do elenco: o ponta-de-lança Albert Rusnák e o atacante Michael de Leeuw ficavam ora na reserva, ora entre os titulares. E o começo do returno só piorou as coisas: entre fevereiro e março, o time do norte holandês perdeu seis jogos consecutivos, igualando recorde negativo ocorrido em 1974. Com a queda para a 12ª posição, o técnico Van de Looi anunciou sua saída ao fim da temporada. Pois foi justamente na fase de mais dificuldade que as coisas se assentaram para que os Groningers fossem aos play-offs. 

De Leeuw e Rusnák conseguiram lugar fixo entre os titulares. Vindo da base do "Orgulho do Norte", Oussama Idrissi ganhou espaço entre os titulares, trazendo rapidez na ponta-direita. De Leeuw marcou gols suficientes para deixar o clube (sai ao fim da temporada) como o maior goleador do Groningen na história pela Eredivisie (46 gols, superando os 45 do argentino Mariano Bombarda). Na marcação, pelo meio, o experiente Hedwiges Maduro era ajudado pelo jovem sueco Simon Tibbling. E, vez por outra, o goleiro Sergio Padt fazia partidas incríveis - sem contar o crescimento do zagueiro Rasmus Lindgren nas últimas rodadas. Resultado: aquelas seis rodadas de derrotas foram eclipsadas por uma sequência de cinco vitórias nas últimas rodadas. Sequência que colocou o Groningen na Nacompetitie - e que indica ascensão, que pode ajudar a chegar à decisão da vaga na Liga Europa. Pode ser o caso de "tudo bem quando acaba bem".

segunda-feira, 9 de maio de 2016

A análise do campeão: a sorte ajudou quem merecia

Entrosado, o PSV não se perturbou em nenhum momento da temporada. Foi premiado com o bi (Pieter Stam de Jonge/VI Images)
Terça-feira, 11 de agosto de 2015. Na primeira rodada do Campeonato Holandês 2015/16, o PSV ia vencendo o ADO Den Haag por 2 a 1, fora de casa, confirmando seu habitual favoritismo - e iniciando bem uma campanha que, muito provavelmente, o levaria a ser um dos candidatos ao título nacional. Só que, aos 48 minutos do segundo tempo, indo para a área tentar o empate, o goleiro dinamarquês Martin Hansen foi o herói: desviou de calcanhar a bola vinda de falta, decretando o 2 a 2 final e ganhando (justamente) seus quinze minutos de fama na imprensa esportiva mundo afora.

O azar dos Boeren naquela estreia pela Eredivisie poderia indicar uma temporada turbulenta, daquelas em que o time demoraria para conseguir engrenar rumo à disputa do título, em que quase sempre está. Não foi assim. Na verdade, o entrosamento dos novos reforços foi tão rápido que permitiu ao time de Phillip Cocu manter seu estilo de jogo habitual. Com um pouco de aplicação extra (e sorte), foi possível fazer o que nenhum time holandês conseguia desde a temporada 2006/07: passar da fase de grupos da Liga dos Campeões. E, finalmente, a sorte que faltara naquela longínqua partida em Haia chegou na última rodada, deste domingo passado, trazendo um bicampeonato holandês muito merecido.

E foi merecido porque o PSV trabalhou. Além disso, como já se disse aqui, os jogadores trazidos nesta temporada foram buscados com eficiência, permitindo rápido entrosamento. Há dois claros exemplos. O maior deles é Davy Pröpper: ao vir para De Herdgang (centro de treinamento do PSV), o meio-campista potencializou as qualidades que já mostrara no Vitesse, em 2014/15. Capaz de roubar a bola (menos) e sair com velocidade para o ataque (bem mais), Pröpper tinha qualidades semelhantes às de Andrés Guardado - e chegava até melhor ao ataque do que o mexicano, arriscando chutes para o gol (assim marcou contra Roda JC e Vitesse). Com as lesões que perturbaram Guardado no returno, a importância de Pröpper no time aumentou. Não à toa, está presente constantemente nas seleções do campeonato, feitas pela imprensa holandesa.

Outro é Héctor Moreno. É verdade que o zagueiro mexicano começou a temporada exagerando em algumas jogadas violentas - Luke Shaw sabe bem disso, mas também cabe lembrar a entrada em Oussama Tannane, ainda no Heracles Almelo, em partida da Eredivisie ocorrida dias depois da estreia dos Boeren pela Liga dos Campeões, onde Moreno causara a fratura na perna do lateral esquerdo do Manchester United. Mas aos poucos o zagueiro foi se assentando, e não só foi para Jeffrey Bruma um companheiro de zaga tão valioso quanto Karim Rekik já fora em 2014/15, mas também oferecia a opção de atuar esporadicamente na lateral esquerda. O que abria vaga para o reserva Nicolas Isimat-Mirin entrar na zaga, formando um 5-3-2 quando a situação exigia (foi assim, por exemplo, no jogo de volta das oitavas de final da Champions League, quando o time holandês chegou a deixar o Atlético de Madrid em maus lençóis).

Maxime Lestienne até poderia estar na lista. Suas primeiras atuações pela ponta-esquerda foram promissoras. Só que o falecimento repentino e seguido de seus pais o forçou a passar algumas semanas na Bélgica, seu país natal, amparando e reorganizando a família, liberado pelo clube. Quando Lestienne voltou, já era tarde: perdera espaço para Jürgen Locadia. E embora tenha tido algumas boas atuações vindo do banco (bom exemplo foi o 3 a 2 no Zwolle, na última partida do turno), termina a temporada com papel secundário no elenco. E sem possibilidades de recuperar espaço: afinal, o alto preço cobrado pelo Al Arabi-QAT para sua compra em definitivo inviabiliza a manutenção do empréstimo, e ele provavelmente deixará o PSV. Aliás, por falar em empréstimo: como esquecer Marco van Ginkel? Chegou apenas para o returno e fez oito gols em treze jogos, assumindo com merecido destaque o lugar que Guardado deixava.

De contratações acertadas, ainda houve Gastón Pereiro. Entrando numa situação difícil (substituiu justamente Lestienne, ausente pela morte da mãe), em clássico contra o Ajax, na 8ª rodada, o atacante uruguaio precisaria provar ali seu valor. Provou: fez os dois gols da vitória por 2 a 1, em plena Amsterdam Arena, e trouxe força física pelo lado esquerdo do ataque, além de habilidade. Até caiu na irregularidade no decorrer da temporada, e perdeu espaço para Luciano Narsingh, recuperado de lesão (e mais experiente). Ainda assim, até pela idade (20 anos, a fazer 21 em 11 de junho), e pela constante presença nos jogos - no banco ou nos titulares, esteve em 29 jogos pelo Campeonato Holandês -, Pereiro merece observação e oportunidades no PSV, nas próximas temporadas.

Como merecem mais chances Jürgen Locadia e Jorrit Hendrix. Se era apenas um corpulento finalizador antes, Locadia aprendeu a jogar pelos lados (pela esquerda, para ser mais preciso), desenvolvendo sua técnica, e parou de reclamar pelos cantos à espera de uma transferência, como ocorreu com seu amigo de base Memphis Depay. Viveu a melhor temporada de sua curta carreira - mesmo caso de Hendrix, que até permitiu que Guardado e Pröpper saíssem mais para o ataque, dando segurança na marcação, dentro do 4-3-3.

Houve ainda Jeroen Zoet, único presente nos 34 jogos do PSV, consolidado como goleiro promissor na Holanda - até em termos de seleção, assumindo o posto de reserva imediato de Jasper Cillessen na Oranje após a lesão de Tim Krul. Houve Jeffrey Bruma, surpreendente: o antes "xerifão" deu lugar a um zagueiro seguro, com tempo de bola impecável, esbanjando confiança para a torcida. Houve Jetro Willems, cada vez melhor nos cruzamentos - e um pouco melhor na marcação (o que o ajudou a recuperar a posição do discreto Joshua Brenet). Houve Guardado, sempre presente na criação das jogadas enquanto as lesões não o perturbavam. E acima de tudo, houve Luuk de Jong, que teve em Eindhoven o porto seguro para atuar num campeonato mais alcançável a seu nível técnico após fracassos em Alemanha e Inglaterra. De Jong só não foi o goleador do Holandês porque havia Vincent Janssen, mas merece o posto de melhor jogador do campeonato. Até por mostrar um insuspeito espírito de liderança, como não mostrara ainda na carreira.

Com um elenco entrosado, que dava espaço a jogadores da base, e as contratações acertadíssimas, Phillip Cocu pôde trabalhar para minorar ao extremo o possível impacto das saídas de Memphis Depay e Georginio Wijnaldum. Mostrou, ainda, capacidade rara no futebol holandês: saber mudar o esquema do time em função dos jogos que teria pela frente. O que muito o ajudou na campanha pela Liga dos Campeões - além da "fortaleza" que o Philips Stadion segue sendo: os Boeren não perderam nenhum jogo ali pela Champions, e só caíram uma vez pela Eredivisie, contra o Ajax, na mesma semana da eliminação traumática (porque a classificação foi possível) no torneio continental.

Mesmo com o revés contra os Ajacieden, que o fez perder a liderança da liga, o PSV continuou trabalhando. Não se desviou de seu estilo de jogo, calcado nos contragolpes e na rápida saída de bola ("transição", como se diz atualmente). Continuou sendo mais constante e seguro em campo do que o Ajax, que tinha ataque bom e defesa insegura. E a sorte ajudou quem merecia, na última rodada. Pelas circunstâncias, o bicampeonato holandês foi surpreendente. Mas repita-se: foi muito merecido.

domingo, 8 de maio de 2016

810 minuten: como foi a última rodada da Eredivisie


Como sempre, o PSV fez a sua parte. O Ajax fraquejou quando menos se esperava. E veio o bicampeonato holandês (Ronald Bonnestroo/ANP)
Zwolle 1x3 PSV (domingo, 8 de maio)

Como nas rodadas mais recentes, só restava ao PSV fazer a sua parte para tentar o bicampeonato. E como na vitória sobre o Cambuur, os Boeren pareceram sentir um pouco da pressão (mesmo com a defesa mais protegida, num meio-campo de maior marcação). A ponto do Zwolle ser perigoso: aos 14 minutos do primeiro tempo, Ouasim Bouy arriscou chute de fora da área, e a bola foi na rede defendida por Jeroen Zoet, pelo lado de fora. Só aí os Eindhovenaren acordaram. E quase marcaram: aos 16, Luciano Narsingh recebeu lançamento de Davy Pröpper (ótima atuação), entrou na área, driblou o goleiro Kevin Begois... mas ficou sem ângulo, e chutou para fora. Na tensão de precisar vencer, o PSV permitiu outra boa chance dos Zwollenaren: aos 23, outro arremate de Bouy mandou a bola por cima do gol de Zoet.

Só aí a equipe visitante se acalmou. E enfim, chegou o esperado gol: aos 34 minutos, em jogada individual, Pröpper deixou a bola com Jürgen Locadia, na entrada da área, e o atacante finalizou com chute colocado, no canto esquerdo de Begois, fazendo 1 a 0. A confiança só cresceu doravante, e o segundo tento dos Boeren não demorou: aos 43, Pröpper cobrou escanteio, Locadia escorou, e Luuk de Jong completou de cabeça para marcar seu 24º gol no Campeonato Holandês. Aí, a partida estava praticamente ganha. Só que o Ajax ia superando o De Graafschap (1 a 0). Com o saldo em 61 a 56 para os Amsterdammers, o título ia para o clube da estação Bijlmer Arena.

Restava continuar cumprindo a sua parte no segundo tempo. E o PSV cumpria, controlando o jogo. Aí entrou a ajuda do destino: houve um gol de Bryan Smeets no meio do caminho. O De Graafschap empatava o jogo contra o Ajax, e o saldo deixava de ser problema. Mesmo assim, um rápido relaxamento levou ao gol dos mandantes: aos 20 minutos, após falha de Zoet na saída de bola, Bouy dominou, arriscou de novo de fora da área, e finalmente marcou o gol. Só que os visitantes não deram tempo para abatimentos psicológicos: aos 22, Locadia deixou Luuk de Jong livre pela esquerda, o atacante entrou na área e tocou na saída de Begois para fazer 3 a 1. 

Controlando a vitória em Zwolle, o PSV ficava com o coração ligado no que ocorria no estádio De Vijverberg, em Doetinchem. Ficou ligado até depois do apito final, já que a outra partida estava alguns minutos atrás. Finalmente, veio o apito final. E ao cumprir a sua parte, o PSV recebeu o prêmio da derrocada dos Ajacieden rivais. Era o bicampeonato desejado, um tanto inesperado, mas acima de tudo, muito merecido.


Desconsolo de Klaassen, desespero de El Ghazi: o Ajax até agora se pergunta como conseguiu perder o título (ANP/Pro Shots)
De Graafschap 1x1 Ajax (domingo, 8 de maio)

Estava bem mais fácil para o Ajax. Uma vitória contra o De Graafschap já condenado à repescagem contra o rebaixamento (de preferência, vitória sem gols sofridos), e o 34º título holandês seria uma realidade para os Ajacieden - a não ser em caso de goleada rotunda do PSV sobre o Zwolle. Todavia, mesmo em baixa na tabela, o De Graafschap era um time esforçado. Se não fosse, não teria saído dos cinco míseros pontos que tinha ao final do primeiro turno para, pelo menos, ganhar uma esperança de ficar na elite, via Nacompetitie. Jogando em casa, os Superboeren venderiam caro o resultado.

E provaram isso com o começo mais ousado, até mais ofensivo que o do tranquilo Ajax. Aos seis minutos do primeiro tempo, Vincent Vermeij cruzou para a área, da esquerda, e Jasper Cillessen teve de sair do gol para agarrar. Aos oito, em escanteio, a bola sobrou com Dean Koolhof, e o ponta-de-lança bateu forte e rasteiro, no contrapé de Cillessen, rente à trave.

O Ajax precisava atacar. E só aí acelerou mais o jogo, que até então tentava controlar na calma. Deu certo. Aos 14 minutos, Arkadiusz Milik chegou à área e chutou, o goleiro Hidde Jurjus (outra boa atuação, com duas defesas importantes) rebateu, e Amin Younes mandou a sobra para as redes - mas o gol foi erroneamente anulado, por impedimento que o bandeirinha Sander van Roekel julgou ver. Mas aos 16, deu certo, numa jogada típica de Younes: o alemão chegou à área e bateu de pé direito, colocado, no canto esquerdo de Jurjus. Era o 1 a 0 que dava o título ao Ajax, independentemente do que o PSV fizesse contra o Zwolle. E os visitantes seguraram o jogo no resto da etapa inicial.

No segundo tempo, o ritmo seguia o mesmo. As chances de segundo gol se avolumavam: aos dois minutos, Nemanja Gudelj cobrou falta, exigindo que Jurjus espalmasse com a ponta dos dedos pela linha de fundo. Aos quatro, Joël Veltman foi à área e cabeceou bola vinda de córner, para ótima defesa de Jurjus. E aos seis, Younes bateu para outra importante intervenção do goleiro do De Graafschap.

Aí aconteceu o clímax desta Eredivisie: em rápido contra-ataque, o De Graafschap conseguiu o empate inesperado. Aos 10 minutos, da direita, Youssef El Jebli serviu Bryan Smeets, e o meio-campista (que se assumiu torcedor do Ajax na infância, após a partida, à FOX Sports holandesa) completou de primeira, no contrapé de Cillessen, fazendo 1 a 1. Bastou para Frank de Boer começar as alterações: colocou Jaïro Riedewald para proteger a lateral esquerda, no lugar do lesionado Mitchell Dijks, e tomou a polêmica decisão de tirar Milik e acelerar o ataque, com a entrada de Anwar El Ghazi (o técnico Ajacied justificou dizendo que o polonês "não estava no ritmo do jogo").

E as chances esparsas mostravam que o gol de empate não estava nos planos. Desesperado, o Ajax tentava em chutes de longe - como o de Vaclav Cerny, aos 15 minutos, muito por cima do gol. Nos contra-ataques, o De Graafschap trazia perigo. Aos 33, Gudelj cobrou falta longe da meta. No ataque, além de Younes, El Ghazi e Viktor Fischer (entrara no lugar de Cerny), o zagueiro Mike van der Hoorn vinha para as jogadas aéreas, configurando um 3-3-4. No espaço da defesa, quase o De Graafschap virou aos 43, com Smeets completando para ótima defesa de Cillessen. Aos 44, a chance final: Younes fez jogada individual pela esquerda e cruzou, mas Jurjus defendeu antes da chegada de Davy Klaassen. E o apito final de Bjorn Kuipers deu início a choro (de Gudelj e El Ghazi), a gritos de raiva (do hoje reserva Riechedly Bazoer, ao entrar nos vestiários atirando a garrafa portátil), ao desencanto de Frank de Boer... o título que parecia próximo se esvaía. Não era "sonho ruim", como o técnico falou após o jogo; era a dura realidade. Bem disse Gudelj: o próprio Ajax "estragou tudo".

Como duvidar de Vincent Janssen? Com mais um gol, ajudou o AZ a vencer e garantir lugar na Liga Europa (ANP/Pro Shots)
Utrecht 1x3 AZ (domingo, 8 de maio)

Era o confronto direto pela quarta posição do campeonato. Quem estivesse nela ao final dos 90 minutos, teria a vaga direta na terceira fase preliminar da Liga Europa; o derrotado teria consolo com o lugar nos play-offs por um lugar no mesmo torneio continental. O AZ já começava o jogo em vantagem: já estava em quarto, três pontos à frente do Utrecht, e mesmo perdendo, seu saldo de gols o deixava em vantagem. E para não deixar dúvidas ou incertezas, os Alkmaarders não se acanharam, mesmo fora de casa: já aos três minutos da etapa inicial, em jogada individual, o lateral esquerdo Ridgeciano Haps entrou pela esquerda e tocou na saída do goleiro Filip Bednarek, fazendo 1 a 0 para os visitantes. Piorando as coisas no Utrecht, os dois zagueiros titulares (Ramon Leeuwin e Timo Letschert - este, pré-convocado para a seleção holandesa) se lesionaram ainda no primeiro tempo. 

Enfraquecidos, os Utregs sofreram 2 a 0 numa falha defensiva: Mark van der Maarel perdeu a bola para Dabney dos Santos, que a carregou até a área e chutou para as redes, aos 38 minutos. Tentando pelo menos a vitória, o time mandante até pressionou mais no segundo tempo. E conseguiu um bonito gol aos 24 minutos, em chute forte do volante Rico Strieder, na entrada da área. Mas qualquer expectativa de reação foi frustrada aos 27, com o destaque supremo do AZ na temporada: Vincent Janssen recebeu a bola em rápido contragolpe, e chutou por baixo de Bednarek para fazer 3 a 1, marcando seu 27º gol na Eredivisie e garantindo a artilharia da competição. Vitória, quarta posição e vaga direta na Liga Europa garantidas para um AZ muito elogiável no returno. Ao Utrecht, quinto colocado, cabe não abaixar a cabeça: o Zwolle já o espera nos play-offs por lugar na LE, com o jogo de ida na próxima quinta.

Twente 2x2 Vitesse (domingo, 8 de maio)

Com um segundo turno altamente irregular nesta Eredivisie, o Vitesse teria um duro desafio: tinha a obrigação de vencer o Twente e esperar tropeços de NEC, Groningen e Zwolle para chegar aos play-offs pela Liga Europa. Pois o time de Arnhem foi quem melhor começou seu jogo. Com a ajuda involuntária do adversário: logo aos três minutos do primeiro tempo, o zagueiro Bruno Uvini cometeu gol contra, desviando de cabeça escanteio e deixando o Vitesse na frente. Mas o espírito habitual de luta do Twente deu frutos: aos 27, Zakaria El Azzouzi empatou no Grolsch Veste, com belo chute de fora da área.

No segundo tempo, a esperança renasceu nos visitantes aurinegros: aos 16 minutos, Renato Ibarra cruzou e o chinês Zhang Yuning escorou de cabeça, fazendo 2 a 1. Só que, aos 21, Chinedu Ede empatou novamente. E a igualdade final satisfez uma temporada muito honrosa dos Tukkers. Ao Vitesse, a decepção de ficar fora dos play-offs já trouxe consequências: o técnico Rob Maas demitiu-se. Compreensível: apenas uma vitória nas últimas sete rodadas. Não havia como chegar à Nacompetitie com sequência tão má.

Kuyt retribuiu novamente a confiança da torcida: gol, vitória e fim de temporada calmo no Feyenoord (feyenoord.nl)
Feyenoord 1x0 NEC (domingo, 8 de maio)

O Feyenoord já estava tranquilo, com o terceiro lugar garantido, bem como a vaga na fase de grupos da Liga Europa (via título da Copa da Holanda). Ainda assim, foi o time que parecia precisar da vitória, e não o NEC, que dependia dos três pontos para tentar uma vaga nos play-offs da Liga Europa. Tanto é que a única chance de gol do primeiro tempo veio com Eljero Elia: o atacante chutou, e um desvio acidental no volante Janio Bikel mandou a bola na trave. Depois do intervalo, Bilal Basaçikoglu também poderia ter feito 1 a 0.

Mas o autor do gol da vitória do Stadionclub foi o destaque da temporada: o sempre confiável Dirk Kuyt. Aos 10 minutos do segundo tempo, Kuyt (atuando no meio do ataque, com a suspensão de Michiel Kramer) recebeu a bola em profundidade, driblou o goleiro Brad Jones e colocou nas redes. Depois, não só Kuyt quase fez o segundo, mandando para fora bola cruzada por Jens Toornstra, mas também um cabeceio de Eric Botteghin mandou a bola na trave. A única jogada de perigo dos visitantes de Nijmegen foi um voleio de Christian Santos, bem defendido pelo arqueiro Kenneth Vermeer. E os Nijmegenaren saíram do campo de De Kuip frustrados: em 10º lugar, ficaram de fora dos play-offs pelo lugar na Liga Europa. E o Feyenoord terminou a temporada em paz. Quem diria?!

Groningen 2x1 Heracles Almelo (domingo, 8 de maio)

Na disputa dos dois últimos lugares nos play-offs pela vaga na Liga Europa, o Groningen sabia perfeitamente o que fazer: era vencer o Heracles, já sacramentado na Nacompetitie, e fazer companhia ao adversário. Demorou um pouco além do necessário, e os Groningers sofriam acompanhando as partidas de Vitesse, Zwolle e NEC, adversários na disputa das últimas vagas. Mas, por fim, o segundo tempo trouxe a vitória esperada.

E ela veio pelos pés de um jogador que já sabe que deixará o clube ao fim da temporada: o zagueiro sueco Rasmus Lindgren. Ele abriu o placar aos oito minutos da etapa complementar, escorando cruzamento de Lorenzo Burnet. Aos 11, Lindgren fez 2 a 0, após passe do atacante Oussama Idrissi. Depois, Iliass Bel Hassani ainda trouxe tensão, diminuindo para os Heraclieden aos 25. Mas o Groningen seguiu concentrado, e garantiu a vitória que lhe deixou com o lugar desejado nos play-offs. Agora, é a preparação para o jogo de ida, na quinta que vem, contra... o Heracles.

Cambuur 0x2 Excelsior (domingo, 8 de maio)

Pode um time que terminou o Campeonato Holandês em 15º lugar comemorar tanto uma vitória? Pode, no caso do Excelsior. Afinal, a vitória fora de casa, contra o já rebaixado Cambuur, garantiu aos Kralingers a manutenção na divisão de elite do futebol holandês, pelo terceiro ano seguido - serão três times de Roterdã na Eredivisie 2016/17. E o triunfo fundamental começou a vir rapidamente: aos cinco minutos do primeiro tempo, a defesa do Cambuur falhou, e Tom van Weert dominou a sobra na entrada da área, finalizando para as redes com chute colocado - a bola ainda bateu na trave do goleiro Harm Zeinstra antes de entrar. Fazendo sua parte em Leeuwarden, o Excelsior não precisava se preocupar com os rumos de Roda JC x Willem II. E o resultado positivo que garantiu a salvação foi confirmado no segundo tempo, com o gol de Kevin Vermeulen, aos 14 minutos, após receber a bola de Van Weert. Após uma temporada difícil, a comemoração, afinal.

Roda JC 2x3 Willem II (domingo, 8 de maio)

Se precisava fazer sua parte e ainda torcer contra o Excelsior para evitar a repescagem, o Willem II fracassava nas duas frentes. Os Rotterdammers cumpriam sua parte contra o Cambuur, e o Roda JC abriu o placar em Kerkrade: aos 19 minutos da etapa inicial, o zagueiro Jordy Buijs completou de cabeça uma falta cobrada por Tom van Hyfte. Restava correr atrás, e os Tricolores correram: aos 34, Erik Falkenburg (novamente destaque num time ameaçado de rebaixamento) fez 1 a 1, recebendo na área lançamento de Guus Joppen e chutando forte. 

Mas a comemoração durou pouco: aos 39, Ugur Inceman recolocou os Koempels na frente, em arremate de longe (com falha do goleiro Kostas Lamprou). No segundo tempo, os visitantes de Tilburg até viraram: logo aos dois minutos, Bruno Andrade igualou o placar quase sem ângulo, e Lucas Andersen fez 3 a 2 aos 10 minutos. Mas o Excelsior também triunfou - e mesmo cumprindo o que tinha de cumprir, o Willem II irá à repescagem contra o rebaixamento. A nova chance para ficar na Eredivisie começa na próxima sexta, com o jogo de ida contra o Almere City.

ADO Den Haag 1x1 Heerenveen (domingo, 8 de maio)

Era o único jogo da última rodada da Eredivisie que não tinha nada em disputa: ambas as equipes não tinham mais chance de ter lugar nos play-offs pela Liga Europa, e nem corriam qualquer risco de rebaixamento. Esperava-se, assim, uma partida desanimada em Haia, mas não foi um caso perdido. Claro: emoções foram mais escassas no Kyocera Stadion. Mas pelo menos houve chances de gol. No primeiro tempo, Mike Havenaar quase marcou em dois cabeceios que mandaram a bola perto, antes de enfim colocar a bola na rede: aos 30 minutos, após ser puxado pelo lateral Caner Cavlan e ver o juiz Kevin Blom marcar o pênalti, o atacante japonês converteu a cobrança com uma "cavadinha". 

Depois, Ruben Schaken ainda teve chance para o 2 a 0, mas chutou na trave. Sorte do Heerenveen: no segundo tempo, aos seis minutos, Mitchell te Vrede empatou de cabeça para os frísios, completando cruzamento de Luciano Slagveer. E o jogo ficou no empate, graças aos dois goleadores das respectivas equipes, na despedida de Foppe de Haan - após a interinidade no resto de temporada, no Heerenveen em que fez história, Foppe volta à aposentadoria.

sábado, 7 de maio de 2016

Eredivisie 2006/07: o final que eletrizou a Holanda

Cocu levantou a taça como jogador, em 2006/07, com o PSV superando desvantagem no saldo de gols. O mesmo ocorrerá com Cocu treinador? (ANP)
O Campeonato Holandês desta temporada está a algumas horas de ter o seu título decidido. Como se sabe, Ajax e PSV estão iguais na pontuação (81), mas os Ajacieden lideram a Eredivisie 2006/07 pelo primeiro critério de desempate, o saldo de gols - e a diferença está em seguros seis gols (60 para o Ajax, com 80 gols pró e 20 contra; 54 para o PSV, com 85 pró e 31 contra). Ou seja, ver o clube de Amsterdã trazer para a sala de troféus a 34ª Eredivisieschaal de sua história é um cenário bem possível, até provável. Mas a igualdade de pontos - e a virtual decisão do título holandês pelo saldo de gols - motivou uma lembrança unânime na imprensa futebolística holandesa, durante esta semana: a decisão eletrizante da Eredivisie na temporada 2006/07. 

Antes da última rodada, o empate na pontuação era tríplice, mas havia uma vantagem também segura (e também de seis gols) no saldo. Mas foi justamente o detentor desta vantagem que fraquejou na partida derradeira da temporada. E os outros dois adversários jogaram suas partidas com o olho na quantidade de gols do rival. Até que um deles foi mais competente, conseguiu a goleada e garantiu o título - após elenco e torcida esperarem minutos intermináveis pelo fim do jogo do outro contendente. Tudo isso, em apenas uma tarde, no dia 29 de abril de 2007. E quais eram esses times? Desde a metade do campeonato, já estava claro que a briga pela salva de prata era coisa entre PSV, Ajax e AZ.

Já bicampeão, o time de Eindhoven buscava o terceiro título seguido com alguns remanescentes da semifinal da Liga dos Campeões, havia dois anos: o goleiro Gomes e o zagueiro Alex impunham respeito na zaga (eram, até, os dois melhores da equipe, para muitos). No meio-campo, o veterano Phillip Cocu segurava a responsabilidade na marcação,  junto ao belga Timmy Simons, tranquilizando um jovem (e já titular) Ibrahim Afellay. E cabia ao equatoriano Edison Méndez ajudar na chegada da bola ao ataque, onde estavam o marfinense Arouna Koné e o peruano Jefferson Farfán, atacantes no 4-4-2 usado pelo técnico Ronald Koeman. No banco, o nível seguia razoável: Michael Reiziger, Jason Culina, Diego Tardelli, Patrick Kluivert... Era um bom time, entrosado, que ainda fazia papel honroso na Liga dos Campeões (os Boeren alcançaram as quartas de final naquela temporada, sendo eliminados pelo futuro vice-campeão Liverpool). 

Mas ficava até humilde, diante de um Ajax muito promissor. Jaap Stam representava a experiência na zaga, em seu último ano como jogador profissional, e Edgar Davids vivia o último bom momento de sua carreira, ainda elogiável no meio-campo. Mas já eram os mais jovens daquele time que assumiam o destaque total, e já eram cobiçados Europa afora. No gol, Maarten Stekelenburg; na zaga, Thomas Vermaelen; jogando adiantado como volante, John Heitinga; Wesley Sneijder, principal armador da equipe; e no ataque, Klaas-Jan Huntelaar prometendo o sucesso completo, junto do jovem Ryan Babel. Todos eles, titulares na base escalada pelo treinador Henk ten Cate.

E o AZ continuava sendo montado detalhada e pacientemente por Louis van Gaal. Na segunda temporada do treinador à frente dos Alkmaarders, o time já estava com alguns dos jogadores que se destacariam no histórico título holandês de 2008/09. Já estavam lá os volantes David Mendes da Silva, Demy de Zeeuw e Stijn Schaars; já estava no ataque Moussa Dembélé; já armava as jogadas o meio-campista belga Maarten Martens; Kew Jaliens já era o lateral direito. Some-se a isso algumas presenças úteis no time, como o zagueiro Barry Opdam, o atacante Shota Arveladze (sucesso na Eredivisie em seus tempos de Ajax) e, principalmente, outro atacante, Danny Koevermans, compensando com os gols marcados (22 ao todo) a falta de habilidade técnica. Só o gol sofria com a inconstância dos arqueiros; Khalid Sinouh e o jovem Boy Waterman se revezavam debaixo das traves.

E os três seguiam próximos na tabela. Na 23ª rodada, no primeiro encontro do returno entre dois candidatos ao título, o AZ derrotou o PSV em Eindhoven (3 a 2); na rodada seguinte, todos estavam separados por apenas dois pontos (PSV líder, com 55 pontos; Ajax com 54; AZ com 53). Aí, aparentemente, o PSV começou a disparar: abriu cinco pontos de vantagem na 26ª rodada, quando superaram o Groningen (1 a 0), enquanto Ajax e AZ ficaram num empate em um gol, no jogo direto. Com a derrota dos Ajacieden, vice-líderes, na rodada seguinte (0 a 1 para o Heerenveen, em Amsterdã), o PSV abria oito pontos. Tricampeonato garantido?

Não, porque a situação começou a mudar na 29ª rodada, a cinco do fim. Em 18 de março, ocorreu um jogo quase fundamental nos destinos daquela Eredivisie: no clássico entre PSV e Ajax, em Eindhoven, os Amsterdammers não tomaram conhecimento dos rivais, impondo 5 a 1 em pleno Philips Stadion - Huntelaar foi o destaque, com dois gols, e Sneijder ajudou com mais um na goleada, junto do espanhol Gabri e do dinamarquês Kenneth Perez. A vantagem dos Eindhovenaren na pontuação ainda estava em seguros cinco pontos (67 a 62, contra 60 do AZ), mas o espírito tinha virado. Tanto é que o PSV passou as duas rodadas seguintes sem vencer: empatou com o NAC Breda na 30ª rodada (1 a 1), e caiu para o NEC na 31ª (2 a 1). Essa derrota fez a vantagem que chegara a ser de oito pontos cair para dois. E a goleada do Ajax em Eindhoven colocara o saldo de gols na disputa do título.


Finalmente, a 33ª rodada (penúltima) construiu o cenário empolgante para a decisão sobre o campeão holandês. Enquanto vinham as vitórias de AZ (3 a 1 no Heerenveen, quarta vitória seguida) e Ajax (5 a 2 no Sparta Rotterdam), o PSV tropeçava de novo contra o Utrecht (1 a 1, em Utrecht). E as três equipes chegariam à última rodada com 72 pontos. Mais impressionante: o saldo de gols, primeiro critério de desempate, favorecia o AZ (saldo de 53, contra 47 do Ajax e 46 do PSV). Bastava vencer o desesperado Excelsior, na antepenúltima colocação, já condenado aos play-offs de acesso/descenso, e o AZ encerraria uma sequência de 26 anos só com o Trio de Ferro holandês se revezando no posto de campeão holandês.

E aí chegou o incrível 29 de abril de 2007 da última rodada, com os jogos sendo simultaneamente disputados. Nos primeiros sete minutos, o pêndulo do título ia para o AZ. Até que, no oitavo minuto do primeiro tempo, o atacante Andwelé Slory foi derrubado na área por Waterman; pênalti e cartão vermelho para o goleiro do AZ, substituído por Sinouh, que levou o gol no penal cobrado por Luigi Bruins. Ali começava uma via-crúcis para o time de Alkmaar: visivelmente nervoso, ainda foi buscar o empate duas vezes, mas não conseguiu conter a pressão dos Kralingers. O Excelsior venceu por 3 a 2, e conseguiria na Nacompetitie a manutenção na primeira divisão; o AZ teria de esperar mais uma temporada até a conquista sonhada e merecida em 2008/09.


Com o AZ "eliminado", Ajax e PSV passavam a se olhar. Enquanto o Ajax tinha de golear o Willem II, fora de casa, cabia ao então bicampeão holandês também marcar contra o Vitesse, num Philips Stadion apinhado de gente. E os Boeren começaram fazendo a parte deles: em dez minutos no primeiro tempo, já faziam 2 a 0 no Vites, com Alex (mais um gol de cabeça do zagueiro brasileiro) e Farfán. Aumentavam o saldo para 48, contra 47 do Ajax. Aí vieram duas duchas de água geladíssima nos Eindhovenaren. Primeiro, em seu próprio jogo: aos 13 minutos, Theo Janssen cobrou escanteio, Gomes tentou cortar e empurrou a bola para o próprio gol, numa falha incrível. O saldo de gols ficava igual ao do Ajax - 47 -, mas os Amsterdammers tinham mais gols (82 contra 72, àquela altura). E prontamente marcariam mais: aos 19 minutos da etapa inicial, um jovem Urby Emanuelson fez 1 a 0 para os Godenzonen contra o Willem II. No resto dos primeiros tempos dos jogos, o Ajax mantinha o maior saldo (48 contra 47), e ia conquistando mais um título holandês.


O cenário seguiu assim até os 14 minutos do segundo tempo de ambos os jogos: Farfán marcou o terceiro do PSV contra o Vitesse. Mais seis minutos, e Afellay fez 4 a 1 para os Boeren. Ali o título mudava de mãos: com 49 a 48 no saldo de gols, a Eredivisieschaal ia para Eindhoven. Assim ficou a situação por meros dois minutos: aos 22 minutos da etapa complementar, Huntelaar fez 2 a 0 para o Ajax. Saldo de gols igual de novo, Ajax campeão no número de gols pró, mais momentos de tensão no Philips Stadion. Até que, aos 32 minutos, em cobrança de escanteio, Phillip John William Cocu, já aos 36 anos, chuta para as redes e comemora. Era o quinto gol, a goleada sobre o Vitesse, o gol que recolocava o PSV à frente no saldo de gols (50 a 49).


O Ajax era o clube necessitado de um gol nos treze minutos finais. E aí partiu ao ataque. Num escanteio nos acréscimos, até Stekelenburg foi para a área. Mas a bola não entrou. E o PSV respirou, para explodir simultaneamente, com o tricampeonato holandês. A prova é a reação no Philips Stadion, acompanhando os minutos finais de Willem II x Ajax (terminou depois de PSV x Vitesse), no vídeo abaixo:

O tempo passou. Autor do "gol do título" em 2006/07, hoje Phillip Cocu está novamente no PSV, como treinador. E na entrevista coletiva antes do jogo deste domingo, lembrou que já viu coisas malucas acontecerem num campo de futebol. Poderia até acrescentar: por experiência própria. O Ajax, com a diferença controlada no saldo de gols, só precisa trabalhar para evitar a repetição de um filme triste. Que para o PSV, foi alegre. E essa mesma alegria é desejada ao final da rodada deste domingo, com a comemoração de um eventual bicampeonato.