sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Talento, há. Falta atualização

A badalação sobre Justin Kluivert mostra: há uma base sobre a qual a seleção holandesa pode recomeçar (Getty Images)
A crise atual da seleção holandesa – e do futebol holandês como um todo, aliás - dá a impressão (justificada) de que a revelação de talentos do país, antes considerada das mais aceleradas e prósperas do futebol europeu, secou. Que se acabaram as promessas batavos, que a Holanda perdeu o jeito, que nunca mais se verá um holandês ombreando outros portentos na lista de grandes nomes do futebol mundial. Será? Não, pelo que se viu em duas listas importantes de jogadores jovens, exibidas nesta semana.

Menos acadêmica, a Gazzetta dello Sport estampou na capa de sua edição da terça passada uma lista dos “98 melhores jogadores nascidos em 1998”. Além das presenças óbvias e esperadas – Kylian Mbappé (que encabeça a relação), Christian Pulisic, Gianluigi Donnarumma -, estavam cinco jogadores holandeses. Um deles, numa posição nada desprezível: sexto lugar, que ficou para Justin Kluivert. Pouco abaixo, em 11º, estava Matthijs de Ligt. E ao longo da lista estiveram Timothy Fosu-Mensah (39ª posição), Teun Koopmeiners (meio-campista do AZ, em 96º lugar) e Leandro Fernandes (atacante de ascendência angolana, recém-chegado à Juventus, vindo do PSV, em 97º).

No mesmo dia, esta Trivela comentou sobre o estudo feito pelo Observatório do Futebol do Centro Internacional de Estudos do Esporte (CIES), que concluiu sobre os 50 jovens europeus mais promissores no futebol. Aí, o número de holandeses até aumentou: fora os supracitados De Ligt (8º), Kluivert (16º) e Fosu-Mensah (32º), havia Giovanni Troupée (lateral direito do Utrecht, em 15º), Rick van Drongelen (lateral esquerdo do Hamburgo, em 22º), Justin Hoogma (zagueiro do Hoffenheim, em 23º), Carel Eiting (meio-campista do Ajax, em 35º) e Sherel Floranus (lateral direito do Sparta Rotterdam, em 37º). Oito nomes – bem acima de países como a Itália, de tradição maior, que só teve na relação Donnarumma, o primeiro colocado, e Manuel Locatelli.

É possível que nenhum dos nomes citados alcance qualquer relevância na carreira adulta. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os destaques da Jong Oranje bicampeã europeia sub-21 em 2006 e 2007: desses dois anos, unindo todos os 43 jogadores convocados nesses torneios (alguns deles estiveram em ambos os títulos, como Kenneth Vermeer e Ron Vlaar), o único cuja carreira pode ser considerada relativamente notável é Klaas-Jan Huntelaar – e ainda assim, há gigantes controvérsias. De resto, aquela geração se debateu ora entre jogadores que fizeram carreira apenas razoável e discreta (Stijn Schaars, Demy de Zeeuw, o próprio Vlaar), ora entre gigantescas decepções (Royston Drenthe, Maceo Rigters, Hedwiges Maduro, Ryan Babel).

Ainda assim, as presenças holandesas nas listas supracitadas indicam que há perspectivas para os novatos. E a nova fase de trabalho com as seleções indica que, enfim, haverá uma saudável sinergia entre as Laranjas jovem e madura – coisa rara, muito rara, nos trabalhos recentes. Basta dizer que, nesta semana, o técnico da seleção sub-21, Art Langeler, chamou os 18 jogadores habitualmente convocados para dois dias de treinos, de modo a não perderem entrosamento. E quem esteve acompanhando os trabalhos a par e passo, junto de Langeler? Ronald Koeman, em seus primeiros dias de trabalho – o técnico da seleção principal foi enfático na justificativa: “Já que a seleção sub-21 é a mais próxima da adulta, era muito importante que eu estivesse presente”.

Nesses treinos da Laranja Jovem, estiveram nomes já redigidos aqui neste texto, como Kluivert e Van Drongelen - além de outros que merecem alguma atenção, como o lateral direito Denzel Dumfries, 21 anos e um dos destaques do Heerenveen na temporada, com muita velocidade e força física nos avanços. Falando nisso, a fase atual do Campeonato Holandês mostra alguns desses jovens se destacando em suas equipes. O principal exemplo disso é Justin Kluivert: após um começo ruim de temporada, o ponta-esquerda aproveitou a lesão (e a saída frustrada) de Amin Younes para retomar a titularidade, não a largar mais e se tornar o grande destaque do Ajax, até agora, em 2018. Nas últimas rodadas, Kluivert tem sido habitualmente o melhor em campo dos Ajacieden, sempre aparecendo como opção de jogadas, tanto na troca de passes quanto na finalização. E na rodada passada, além de Kluivert, mais um lembrado das listas atuou pela equipe adulta: Carel Eiting jogou todo o segundo tempo da vitória sobre o Zwolle (1 a 0).

Mas o grande símbolo dessa força jovem nascente está no AZ. A equipe de Alkmaar faz uma primorosa campanha, para seus padrões, com o terceiro lugar seguro (dependendo do momento, até sonhando com a vice-liderança). E dois dos principais símbolos da temporada auspiciosa são jovens, criados no próprio clube alvirrubro, titulares absolutos no meio-campo. Tanto Guus Til – 20 anos, holandês nascido em Zâmbia – quanto o mencionado Teun Koopmeiners – 19 anos, a completar 20 na próxima quarta – mostram talento para todas as funções de um meio-campista: marcam bem, avançam bem, têm bom passe. E até sabem finalizar: Til já marcou sete gols na Eredivisie, só abaixo dos dois destaques do ataque do AZ, Alireza Jahanbakhsh e Wout Weghorst.

Todavia... como todos sabem, o Campeonato Holandês tem um nível técnico muito abaixo do necessário para que um jogador possa evoluir – e provas disso são as transições traumáticas de Memphis Depay e Vincent Janssen, nas temporadas anteriores. Esse “choque de realidade” entre a Eredivisie e as ligas maiores também foi exposto duramente nas palavras de Jürgen Locadia, recém-chegado à Inglaterra e ao Brighton. O atacante reconheceu à revista “Voetbal International”: “Foi difícil para mim no começo, porque aqui se treina muito mais do que na Holanda. E os treinos são mais duros e mais longos. Mas estou começando a me acostumar”.

Locadia, Koopmeiners, Til, Kluivert, De Ligt, Floranus, Eiting... a nova geração holandesa já começa a aparecer - e nem se falou aqui de nomes como Frenkie de Jong e Donny van de Beek. Porém, já se sabe: no caminho da juventude à maturidade futebolística, o entorno precisará ajudá-los, em forma de aumento na competitividade e atualização tática – mesmo que, para isso, seja necessário (e provavelmente será) deixar a Holanda. Técnica, todos esses jovens têm. Um cenário melhor, com um trabalho mais atento e menos frouxo, já será suficiente para fazer com que esta geração consiga se firmar de verdade – e a partir disso, se estabeleça de vez na seleção adulta.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 23 de fevereiro de 2018)

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