sexta-feira, 25 de março de 2022

Em obras

A seleção masculina da Holanda tem até novembro para virar um time mais consolidado. E o trabalho rumo à Copa começa nos amistosos contra Dinamarca e Alemanha (KNVB Media)

Na edição da semana posterior à classificação da seleção masculina da Holanda para a Copa de 2022, a revista Voetbal International estampou na capa: "Missão cumprida: agora, é construir um bom time". E a construção rumo ao Mundial começará exatamente nesta semana. Podem não ser amistosos contra seleções fora da Europa - o técnico Louis van Gaal os queria tanto quanto a Seleção Brasileira gostaria de pegar adversários do Velho Continente, por exemplo -, mas a Laranja terá rivais respeitáveis à disposição nas suas primeiras partidas do ano. No próximo sábado, às 16h45 de Brasília, em Amsterdã, a Dinamarca - até melhor do que os neerlandeses nas eliminatórias da Copa, classificada de modo invicto; e na terça-feira, 29, novamente na Johan Cruyff Arena, a Alemanha, antagonista tão histórica.

Se o próprio Van Gaal reconheceu que "a preparação para a Copa começa nesta semana", o início da "construção" quase teve a dificuldade de ficar sem o "mestre-de-obras": afinal de contas, Van Gaal testou positivo para o coronavírus na terça passada, e teve de ficar alguns dias em isolamento. De todo modo, o treinador da Oranje chegou para a semana de treinamentos no centro da federação, em Zeist, enfatizando várias coisas. A primeira delas: uma grande convocação - são 28 os chamados. Algo explicável pelo técnico, na coletiva de apresentação, na segunda-feira passada: "Quero que todo mundo participe da implementação [do esquema]. Aí posso ver quais jogadores funcionam ou não. Também ficará fácil ter mais jogadores, para termos uma noção de como posso utilizá-los". Isso inclui até gente lesionada: o zagueiro Jurriën Timber e o atacante Cody Gakpo, por exemplo, estavam lesionados e já até voltaram a seus clubes, mas foram mantidos na convocação por alguns dias. Afinal, Van Gaal não quer perder tempo algum: "Eles podem não treinar, mas podem assistir e ouvir". E quer dar chance aos jovens: "Espero que eles se desenvolvam neste ano, para que possamos usá-los, eventualmente. Foi o que aconteceu em 2014, com Depay [Depay foi àquela Copa aos 20 anos, e jogou bem]”.

Novidades também fazem parte desse amplo grupo de jogadores. Seria o caso do zagueiro Jordan Teze, do PSV, estreando pela seleção adulta na lacuna aberta com a contusão de Stefan de Vrij - mas Teze foi cortado após lesão durante os treinos. É o caso de Jordy Clasie: cinco anos após sua última convocação, a experiência e as boas atuações do meio-campo do AZ, presente na Copa de 2014 - jogou a semifinal contra a Argentina, desde o intervalo do tempo normal -, renderam a volta à Laranja, para surpresa dele mesmo ("Nem falei com o técnico ainda, eu o reverei pela primeira vez"). 

Não será o caso de Ryan Gravenberch: mesmo elogiado pelas atuações recentes no Ajax, o promissor meio-campista ficou de fora da convocação, indo para a relação da seleção sub-21. Van Gaal justificou: "Ele teve uma fase ruim (...) E a Laranja Jovem joga contra a Suíça, que está na frente [nas eliminatórias da Euro sub-21]. Estou aqui em nome do futebol holandês, não só da seleção principal". Gravenberch sentiu o impacto. Reconheceu a má surpresa, na ligação em que Van Gaal lhe comunicou. E sintetizou, ao diário Algemeen Dagblad: "Eu realmente não esperava [ficar fora da seleção principal]".

Van Gaal chegou com a obrigação única de ajudar a Holanda a voltar à Copa do Mundo. Com a equipe já acostumada ao 4-3-3, foi assim que a vaga veio. Agora, o técnico fará o que já queria desde o começo: experimentar a Laranja com três na zaga (Pim Ras)

Outro ponto bastante enfatizado pelo comandante da Laranja: o esquema tático. Enfim, cumprido o primeiro objetivo - a vaga na Copa -, Van Gaal ganhou algum crédito para fazer o que deseja desde o começo de sua terceira passagem pela seleção: além do 4-3-3 velho de guerra, experimentar escalar a equipe com três zagueiros. Muito inspirado pelo Chelsea ("Você pode ser ofensivo no 5-3-2, ou no 5-2-3 - o Chelsea mostra isso, com escalações diferentes, eu tiro o chapéu para Tuchel"), Van Gaal pensa seriamente num 3-4-3. Ou num 3-5-2 - e até por isso, fica justificável a convocação de Hans Hateboer, mais do que acostumado a jogar assim na Atalanta, como um ala avançado pela direita. O técnico repetiu justificativas: "Há muitos times que jogam assim, ou numa variação desse esquema. Os jogadores já estão mais envolvidos com isso". Louis foi além: "Há muitos times na Holanda que jogam assim, e dificultam as coisas contra times maiores". E terminou: "Também se deve olhar para as qualidades do adversário. A marcação por pressão não precisa ser somente na área do adversário. (...) Contra a Noruega [nas eliminatórias da Copa], a gente marcou por pressão no meio-campo. Deixamos a Noruega vir, e tínhamos espaço para os contra-ataques".

Claro, aí as polêmicas já começam. Aqui e ali, retornam as principais críticas à escalação com três zagueiros: ser algo que "trai" a "escola holandesa", adepta do bom e velho 4-3-3. Ouvido pela Voetbal International, o ex-técnico e comentarista Hans Kraay Jr. resumiu: "Se está tudo bem com o 4-3-3 e os jogadores se sentem bem assim, para quê mudar tudo de novo?". Tal comentário foi ecoado por ninguém menos do que Virgil van Dijk: embora receba bem a tentativa de mudar o esquema ("Temos uma seleção fantástica, com bons jogadores, que seguramente poderiam atuar assim"), o zagueiro e capitão também reconhece: "Ainda acho que o 4-3-3 também funciona bem para nós". E Van Gaal deixa a porta aberta para a volta do esquema tático mais habitual da Holanda, se necessário: "Todo dia eu deixo um tempo livre para avaliação nos treinos, e eles [jogadores] também podem falar. Eu escolhi esse sistema, é o que um técnico faz, podem achar que eu sou um ditador... mas se um jogador não quiser isso, ele também jogará pior. Isso não é bom. Todo mundo precisa estar bem para podermos alcançar algo".

Ainda pouco conhecido da torcida laranja, Flekken deverá ter, enfim, sua primeira chance no gol da seleção (Pro Shots)

Mas há pelo menos um nome alegre com a experimentação tática a ser feita: Mark Flekken. Enfim, o goleiro de 28 anos terá sua estreia jogando na seleção masculina, com as lesões do titular Justin Bijlow e do veterano Jasper Cillessen, primeiro reserva. Van Gaal justificou - sem citar nomes - a escalação com o... esquema: "Ele joga muito bem numa defesa com três zagueiros. Se ele será o titular contra a Dinamarca? Não sei, mas ele joga bem com três zagueiros". A Flekken, ainda um mistério para a maioria da torcida (o perfil da emissora NOS no Instagram revelou que 85% dos seguidores nunca viu o goleiro atuar no Freiburg-ALE), ficou a comemoração otimista: "É um sonho de menino, e sonhar não custa nada". Elogiado pela capacidade em ter a bola nos pés, além das defesas, o arqueiro ainda assumiu, quando perguntado se dera um leve sorriso com a chance que se abriu, pelas ausências dos nomes mais habituais da posição: "Eu mentiria se dissesse que não...".

Há mais fatores chamando a atenção. A promessa de Teun Koopmeiners, aumentando sua voz ("Eu jogo assim, com três zagueiros, na Atalanta. E eu vou brigar pela posição em que Frenkie de Jong joga, é para isso que estou aqui"). As dúvidas sobre o nível técnico atual de Georginio Wijnaldum e Memphis Depay, ambos em relativa má fase nos clubes por que jogam. Todos elementos que serão levados em consideração, nas "obras" que serão comandadas por Van Gaal e construídas pelos jogadores a partir de agora. Com uma intenção: que o edifício laranja esteja firme e possa causar uma boa impressão quando a Copa chegar.

Os convocados da Holanda

GOLEIROS: Mark Flekken (Freiburg-ALE), Tim Krul (Norwich City-ING) e Joël Drommel (PSV)

LATERAIS: Denzel Dumfries (Internazionale-ITA), Hans Hateboer (Atalanta-ITA), Daley Blind (Ajax), Tyrell Malacia (Feyenoord) e Owen Wijndal (AZ)

ZAGUEIROS: Virgil van Dijk (Liverpool-ING), Matthijs de Ligt (Juventus-ITA) e Nathan Aké (Manchester City-ING)

MEIO-CAMPISTAS: Georginio Wijnaldum (Paris Saint Germain-FRA), Frenkie de Jong (Barcelona-ESP), Marten de Roon (Atalanta-ITA), Steven Berghuis (Ajax), Jordy Clasie (AZ), Teun Koopmeiners (Atalanta-ITA), Guus Til (Feyenoord) e Davy Klaassen (Ajax)

ATACANTES: Memphis Depay (Barcelona-ESP), Steven Bergwijn (Tottenham-ING), Donyell Malen (Borussia Dortmund-ALE), Arnaut Danjuma (Villarreal-ING), Noa Lang (Club Brugge-BEL) e Wout Weghorst (Burnley-ING)

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