sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Os holandeses na Copa: Louis van Gaal, o técnico

 

Van Gaal nem precisava ter retornado à Holanda para ser considerado personagem marcante do futebol. As circunstâncias tornaram sua despedida ainda mais merecedora de atenção (Divulgação/KNVB Media)

Ficha técnica
Nome: Alloysius "Louis" Paulus Maria van Gaal
Data e local de nascimento: 8 de agosto de 1951, em Amsterdã
Carreira como treinador: Ajax (1991 a 1997), Barcelona-ESP (1997 a 2000 e 2002 a 2003), seleção masculina da Holanda (Países Baixos) (2000 e 2001, 2012 a 2014 e desde 2021), AZ (2005 a 2009), Bayern de Munique-ALE (2009 a 2011) e Manchester United-ING (2014 a 2016)  

"É o Hitler dos brasileiros", chegou a vociferar o ex-jogador Giovanni sobre ele, ao jornal Folha de S. Paulo, após tantos problemas nos tempos de Barcelona. Já Patrick Kluivert, seu auxiliar na Copa de 2014, sempre dirá que a carreira no futebol seria outra sem as primeiras chances dadas por ele no Ajax. Rivaldo nunca se esquecerá das ásperas discussões que tiveram e das mágoas, também no Barcelona. Memphis Depay, entre marchas e contramarchas, sempre levará no coração o que conversaram, na primeira conversa entre ambos (será citada). Ele foi o técnico de momentos turbulentos no citado Barcelona, e o fracasso na primeira passagem pela seleção masculina da Holanda (Países Baixos), nas eliminatórias da Copa de 2002, ainda ecoa. Mas ele ganhou títulos em todos os clubes por que passou, conseguiu a façanha de fazer do AZ campeão holandês, é considerado dono de ideias avançadas (ainda que estranhas, à primeira vista). Enfim, quase tudo já foi dito sobre Louis van Gaal. Inclusive a frase passada. Será igual nesta Copa do Mundo, em que uma carreira tão marcante no futebol terá o seu ponto final, com Van Gaal comandando a Holanda pela terceira vez, em busca do sonho mais profundo que tem enquanto técnico - e cercado de circunstâncias que tornam este momento ainda mais especial.

Talvez a seriedade dura que Van Gaal sempre apresentou em sua carreira tenha vindo do ambiente familiar. Em primeiro lugar, pelos próprios tratamentos: o pai, por exemplo, obrigava que ele o chamasse de "senhor". Em segundo lugar, pelas dificuldades que vieram na vida: o pai era um cardiopata, faleceu quando ele tinha onze anos de idade, e coube à mãe cuidar sozinha de nove filhos - dos quais Louis era o mais novo, sendo obrigado a manter disciplina. Ela seguiria com Louis quando chegou a hora de cuidar da vida: formado em Educação Física, ele começou a ser professor infantil - e acumularia a profissão durante toda a sua carreira de jogador de futebol.

Esta começou na base pelo RKSV De Meer, clube amador de Amsterdã. Ali Van Gaal ficou até 1967, quando tomou o caminho do Ajax. No entanto, mesmo sendo contemporâneo de nomes como Johnny Rep e Johan Neeskens (para nem falar de Johan Cruyff, alguns anos mais velho), sequer chegou a disputar alguma partida oficial pelos Ajacieden. Só teve alguma sequência quando se transferiu para o Royal Antwerp belga, em 1973, onde ficou quatro anos. Na volta aos Países Baixos, mais uma temporada (1977/78) no Telstar, até ele chegar ao clube a que mais se vinculou, na carreira: o Sparta Rotterdam. No clube de Roterdã, Van Gaal ficou oito anos, sendo um titular apenas correto no meio-campo. Opinando sobre a própria carreira nos campos, no começo do ano, em vídeo no perfil oficial da seleção, Van Gaal se autoavaliou: "Dizem que eu era volante, mas eu não era. Eu era um armador, com uma boa visão de jogo. Se eu fosse me comparar com alguém atual, diria que me pareço com Teun Koopmeiners".

Quando jogador, Van Gaal até começou no Ajax. Mas foi no Sparta Rotterdam que criou mais raízes (VI Images)

Contudo, Van Gaal só começaria a marcar época no futebol após parar de jogar, em 1987, no AZ, em que passou uma temporada. No clube de Alkmaar, ele se tornou auxiliar técnico. E no mesmo cargo, em 1989, foi ser o braço-direito de Leo Beenhakker, que chegava para comandar o Ajax. Ao mesmo tempo em que auxiliava o treinador do time principal, dirigia as categorias de base do clube, além de treinar alguns times inferiores dentro dos Amsterdammers. Acompanhando o surgimento de nomes como Frank de Boer, Edwin van der Sar (trazido por ele para o Ajax), Edgar Davids e Clarence Seedorf, foi natural que Van Gaal fosse promovido a técnico do Ajax em 1991, quando Leo Beenhakker rumou para o Real Madrid.

Era só o começo de sua aparição. Abrindo caminho para uma geração fulgurante dentro do Ajax, Van Gaal já teve sucesso em sua primeira temporada, treinando a equipe campeã da Copa da UEFA em 1991/92. Aos poucos, alternou mais novatos (além dos supracitados, Michael Reiziger, Patrick Kluivert, Marc Overmars), trouxe gente talentosa de lugares menos conhecidos (Jari Litmanen, Nwankwo Kanu, Finidi George), buscou a experiência de Frank Rijkaard (jogando junto a outro veterano, Danny Blind). E o Ajax mostrou uma outra face para assombrar o mundo, no meio da década de 1990. Onde houvera o Futebol Total da década de 1970, havia uma equipe mais cadenciada, sem deixar de ser ofensiva nas horas necessárias. Podia desagradar os Ajacieden mais antigos, mas foi com Van Gaal que o clube de Amsterdã voltou a ditar moda no futebol europeu e mundial. 

O trabalho paciente na montagem de um Ajax histórico teve dividendos: além dos vários títulos, ali Van Gaal começou a ser conhecido no mundo ( Christian Liewig/TempSport/Corbis/Getty Images)

O tricampeonato holandês (1993, 1994, 1995); um título da Copa da Holanda, em 1992/93; e principalmente, os títulos europeu e mundial, em 1994/95; tudo isso colocou Van Gaal aos olhos do mundo. Depois dessas glórias, conseguir manter o Ajax em ótima posição já num cenário de Lei Bosman (finalista da Champions League em 1995/96, semifinalista em 1996/97) deixou claro: pacientemente, Van Gaal montara um time histórico. Tudo isso, encarando um drama pessoal no meio do caminho: a morte da primeira esposa, Fernanda, em 1994, vítima de câncer de fígado - os sofrimentos de Fernanda abalaram Van Gaal profundamente.

Sua chegada ao Barcelona, em 1997, a peso de ouro, representava uma oportunidade para provar sua capacidade de montar um time vencedor num centro mais visto do futebol mundial. Bem: vencedor, o Barça até foi com Van Gaal - ele já chegou treinando o time na conquista da Supercopa Europeia, abrindo a temporada 1997/98. Depois, veio o bicampeonato espanhol (1997/98 e 1998/99). Porém, o que o time catalão mais queria - o título europeu - não veio: no máximo, as semifinais em 1999/2000, perdidas para o Valencia. Além do mais, ali começou a se notar os grandes defeitos de Van Gaal na época. Começando com uma incapacidade de renegar seu estilo tático, segundo o qual o aspecto individual nunca poderia sobrepujar o coletivo. 

Para manter isso, valia trazer muitos dos que foram seus comandados no Ajax (de Michael Reiziger a Patrick Kluivert, passando pelos De Boer, Winston Bogarde e Jari Litmanen), dando origem ao pejorativo apelido de "BarçAjax". Depois, com esse mesmo excesso de apego à sua filosofia começando a render as brigas com Rivaldo - para Van Gaal, ou o brasileiro jogava na ponta-esquerda, ou era melhor nem jogar, mesmo que Rivaldo fosse o ponta-de-lança por excelência. E no Barcelona, principalmente, Van Gaal travou relação quase bélica com jornalistas. Resumida numa frase que vociferou, durante uma coletiva, criticando o comportamento da imprensa em espanhol: "Siempre negativa! Nunca positiva!".

Conversas tranquilas se tornaram raridade entre Van Gaal e Rivaldo: o brasileiro foi vítima da inflexibilidade tática do holandês no Barcelona (Jan Nienheysen/picture alliance/Getty Images)

Diante de tantos problemas, perder o título espanhol em 1999/2000 foi a gota d'água: Van Gaal deixou o clube, em solidariedade a Josep Lluis Núñez, presidente que deixava o cargo. Pelo menos, viria uma chance sonhada: quase imediatamente, ele foi escolhido como novo técnico da seleção da Holanda. Mais: ele chegava com carta branca da federação, quase como se fosse um diretor, para planejar os rumos que o futebol dos Países Baixos tomaria nos anos seguintes - e para realizar o sonho que tinha: fazer da Holanda campeã do mundo, enfim. Seu controla ia a ponto de acumular o comando da seleção principal com o da sub-20, que treinou no Mundial da modalidade, em 2001 (com nomes como John Heitinga, Rafael van der Vaart e Arjen Robben entre os juniores holandeses). Tudo isso, tendo uma geração ainda respeitável de jogadores. Tinha tudo para dar certo. Deu erradíssimo. 

Nas eliminatórias da Copa de 2002, a inflexibilidade de Van Gaal se chocou com a maior experiência do grupo de convocados costumeiros - muitos deles, seus comandados nos tempos de Ajax -, que já não precisavam ser tutelados como haviam sido anos antes. Resultado: várias turbulências, e a perda do lugar no Mundial para Portugal e Irlanda. O projeto ambicioso naufragara como vexame. Louis se demitiu no fim de 2001, cheio de críticas aos jogadores e à imprensa, numa magoada entrevista coletiva. Ainda hoje, considera aquele momento "a maior tristeza da carreira".

Van Gaal chegou pela primeira vez à seleção da Holanda sonhando em fazer da Laranja campeã mundial, além de determinar os rumos do futebol do país. Tudo ruiu com a ausência na Copa de 2002, seu pior momento (Reprodução/NOS)

Pior do que fracassar na ambição tão grande que tinha com a seleção da Holanda, foi seguir isolado nas experiências posteriores. Na volta ao Barcelona, a temporada 2002/03 teve bons resultados na Liga dos Campeões (quartas de final), contrabalançados por péssimas aparições no Campeonato Espanhol e decepções de jogadores indicados por Van Gaal - sem contar outra briga com Rivaldo. Bastaram seis meses para a demissão, em janeiro de 2003. No ano seguinte, uma experiência como diretor técnico do Ajax - e outro fracasso, em razão de discordâncias com Ronald Koeman, técnico Ajacied então. Àquela altura, Van Gaal se viu isolado. Só então entendeu: precisava aprender com as experiências anteriores, precisava ser um pouco mais flexível, precisava ter autoridade sem ser autoritário. Pouco depois, teve uma chance para comprovar essas mudanças: em julho de 2005, Van Gaal "recomeçou", contratado pelo AZ - clube de tradição na Holanda, mas bem longe da pressão dos locais anteriores de trabalho.

No clube de Alkmaar, Van Gaal teve espaço para fazer o que melhor faz: ser um "processcoach", um "técnico de processo" - ou seja, um treinador que gosta de trabalhar pacientemente na formação de uma equipe, controlando pressões, até chegar a hora de obter resultados. Sob seu comando, o AZ foi se aproximando paulatinamente deles: chegou ao vice-campeonato na Eredivisie (2005/06) e na Copa da Holanda (2006/07). Nesta última temporada, um drama: o AZ chegou à última rodada liderando o Campeonato Holandês, mas perdeu a chance do título. O solavanco foi aprofundado em 2007/08, quando os Alkmaarders chegaram a ficar ameaçados de rebaixamento. Van Gaal pensou em pedir demissão; os jogadores pediram sua permanência. Ele aceitou, mas disse: eles teriam de justificar a ele o porquê da decisão. Fizeram isso em 2008/09. Da melhor maneira possível: um time altamente regular, um dos recordistas de invencibilidade sem gols sofridos no futebol holandês, um dos melhores ataques da história do Campeonato Holandês, AZ campeão da Eredivisie após 28 anos, quebrando a sequência do trio Ajax-PSV-Feyenoord. Mais do que um título, foi a volta de Louis van Gaal ao destaque, num dos grandes trabalhos de sua carreira.

Van Gaal estava isolado, numa encruzilhada na carreira. O AZ lhe deu a chance de que precisava. E fazer de um time médio campeão holandês foi a ressurreição na trajetória (ANP)

Após aquela apoteose, Van Gaal soube: era hora de voltar aos grandes centros. E aceitou a proposta do Bayern de Munique, pouco antes da temporada 2009/10. No clube alemão, de novo, uma discordância do estilo brasileiro de jogar, tão diferente de suas ideias: Lucio, zagueiro sempre afeito aos avanços ao ataque, foi um dos dispensados antes da bola rolar - novamente, em meio a turbulências entre os dois. Pelo menos, o técnico holandês teve bons resultados na temporada: fez com que Bastian Schweinsteiger se estabelecesse definitivamente como volante, ajudou Franck Ribéry e Arjen Robben a serem atacantes perigosos, treinou um Bayern campeão alemão, campeão da Copa da Alemanha, que só não levou a Tríplice Coroa por cair na final da Liga dos Campeões para a Internazionale. Só que o "pacote Van Gaal" tinha prazo de validade: os problemas de ambiente o levariam a ser demitido, ao final da temporada 2010/11 - e a demissão foi antecipada em algumas rodadas.

Van Gaal começou bem e terminou mal no Bayern de Munique (Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images)

Depois de outra frustração no Ajax - chegou a ser contratado como diretor geral, em 2011, mas discordâncias com o desafeto Johan Cruyff e com o Conselho Deliberativo levaram à sua demissão no mesmo ano -, Van Gaal precisava de outro bom momento. E a seleção da Holanda precisava de um bom técnico, após a demissão de Bert van Marwijk com o vexame da Euro 2012. Era a chance de apagar o vexame das eliminatórias da Copa de 2002. Van Gaal aceitou: chegou para conduzir o trabalho rumo à Copa de 2014, desde a qualificação. Começou fazendo o que melhor sabe: dando chance a novatos. Mais uma chance para colocar outro princípio de seu trabalho: o "totalemensprincipe" ("princípio do homem total", em holandês), preocupar-se com o jogador dentro e fora de campo. Hora de citar a história com Memphis Depay, no começo deste texto já longo. Em sua primeira convocação para a seleção, o atacante se sentia inseguro. Além do mais, sofria com um problema de saúde da irmã. Chamado pelo técnico para uma apresentação, ouviu de Van Gaal a primeira pergunta: "Como vai a sua irmã?". Para sempre Memphis sentiria gratidão pelo técnico.

Vaga na Copa de 2014 garantida, afastando os traumas da primeira passagem pela Laranja, Van Gaal daria no Mundial outra grande exibição de capacidade. Com Kevin Strootman (fundamental nas eliminatórias) fora da Copa, por lesão, o técnico decidiu renegar o jeito como gostava de treinar suas equipes. Decidiu que a Holanda iria à Copa com a defesa fortalecida, para que o trio Wesley Sneijder-Robin van Persie-Arjen Robben pudesse decidir no ataque. Algumas semanas de treino bastaram. E a Holanda conseguiu um terceiro lugar surpreendente e respeitável naquele torneio, minorando cada vez mais os detratores de Van Gaal no país. Antes mesmo da Copa, contudo, Van Gaal já anunciara a saída da seleção quando ela terminasse: saudoso do trabalho diário em clubes, partiria para o Manchester United. Diante do trabalho altamente consistente feito na competição, chegou ao clube inglês atraindo expectativas.

Van Gaal apagou na Copa de 2014 os traumas da primeira passagem pela seleção da Holanda: sendo maleável sem perder o comando do grupo, conduziu a Laranja ao terceiro lugar (Ibrahim Yakut/Anadolu Agency/Getty Images)

Expectativas frustradas. Sob Van Gaal, o United nunca embalou. Seguia logo abaixo dos ponteiros no Campeonato Inglês, mas nunca disputou o título a sério. De quebra, chegou até a ser eliminado na fase de grupos da Liga dos Campeões, em 2015/16. A mostra de como o trabalho ficou abaixo do esperado foi o fato de ser campeão da Copa da Liga Inglesa, na mesma temporada... e ser demitido, três dias depois, com a maioria das atuações criticadas pela torcida. Ficar mais conhecido por uma imagem de meme do que pelo trabalho com os Diabos Vermelhos dá a mostra de como a passagem por Old Trafford decepcionou.
E em 2016, o caminho parecia ter se encerrado. Van Gaal atendeu o pedido de Truus van Gaal, sua esposa desde 2008: passou a se dedicar mais à vida familiar, curtindo a tranquilidade da casa de veraneio em que o casal vive, no Algarve, em Portugal. Aqui e ali, indicava ter encerrado a carreira de técnico, sem nunca afirmar definitivamente. De longe, acompanhava os descaminhos da seleção da Holanda, fora da Copa de 2018, oscilando aqui e ali. Quando Ronald Koeman decidiu trocá-la pelo Barcelona, chegou-se a cogitar sua volta, ele chegou a sondar nomes para uma hipotética comissão técnica... mas a federação, sabendo os efeitos colaterais, preferiu optar por Frank de Boer.

Contudo, se ainda houve como evitar a volta de Van Gaal antes da Euro passada, a eliminação decepcionante (e a consequente demissão de Frank de Boer) deixaram claro: se a intenção era ter um técnico holandês, nenhum suportaria o tamanho da pressão de ter de levar a Holanda de volta à Copa do Mundo como ele. No fundo, Van Gaal sabia disso. Até porque, tanto tempo passado, sua vontade de fazer da Laranja campeã mundial continuou intacta. Por isso, ele não pestanejou em ceder à tentação: dias antes de completar 70 anos de idade, aceitou retornar para um último trabalho na seleção. Na entrevista coletiva de reapresentação, um sinal de que sua relação com a imprensa seguiria cheia de alfinetadas, mas agora seriam mais amenas. O técnico chegou à sala de entrevistas fulminando sorridente: "É um prazer reencontrar os meus velhos amigos da imprensa".

Um Van Gaal diferente na terceira passagem pela Holanda: mais sorridente, mais ameno, até mais aberto aos jogadores (Broer van den Boom/BSR Agency/Getty Images)

Era só o começo de uma passagem, até aqui, na qual Van Gaal tem o domínio do grupo, sem querer impor sua visão como em outros tempos. Talvez por isso, esteja sendo melhor visto. Algumas histórias demonstram isso. A primeira: logo em sua chegada, em meio às eliminatórias da Copa, o técnico queria escalar a Holanda com três zagueiros, como faz neste 2022. Perguntou ao grupo o que achava, e os três líderes - Virgil van Dijk, Georginio Wijnaldum e Memphis Depay - disseram que era melhor manter a Laranja no 4-3-3 com que ela é acostumada. Van Gaal aceitou. A segunda: pouco antes da rodada decisiva das eliminatórias, contra a Noruega, o técnico fraturou um osso lombar numa queda de bicicleta. Cogitou nem ir a De Kuip, local do jogo, por sentir muitas dores. Ouviu do capitão Van Dijk: os jogadores desejavam Van Gaal na partida, para festejarem com ele a vaga que viria. Em entrevista à emissora NOS, o técnico se mostrou comovido com o gesto, com lágrimas nos olhos - incomuns, em se tratando dele. Mas talvez esta fase mais tranquila seja resumida num comentário que Van Gaal fez, no ano passado: "Minha esposa me falou que eu preciso rir mais". Ou, então, numa resposta dada no vídeo com perguntas de torcedores: "Minha visão é até a mesma de 2014, ou dos anos 1990. É de onde parto. Mas você vai ajustando sua visão com o tempo. A geração de agora é diferente da geração de 2012, que já era diferente da geração de 2000. Como técnico, você tem de se ajustar a isso".

E se ainda havia alguma reserva ao técnico da seleção nos Países Baixos, atualmente, ela se acabou no começo de abril. Foi quando Van Gaal revelou, na divulgação de um documentário sobre sua vida ("Louis", do diretor Gertjan Lassche): desde o fim de 2020, lidava com o tratamento contra um agressivo câncer de próstata. Durante a volta à seleção, chegou a se submeter a sessões de radioterapia, sem comentar com os jogadores. A notícia fez aumentar o respeito pelo técnico. Pelo menos, tempos depois veio a notícia auspiciosa: a primeira fase do tratamento do câncer teve resultado excelente. Voltando ao trabalho, Van Gaal mostrou que mantinha a capacidade: sob seu comando, a Holanda não perdeu - desde setembro de 2021, são quinze jogos, onze vitórias e quatro empates.

Por toda a carreira, Van Gaal já viveria momentos especiais ao fazer desta Copa do Mundo o último trabalho dela. Pelas revelações deste ano, causa ainda mais ansiedade na Holanda ver qual será a última impressão de um homem que, já há 30 anos, é uma figura inescapável no futebol dos Países Baixos. Talvez, no futebol mundial. Arrogante? Compreensivo? Inflexível? Inteligente? Teimoso? Obstinado? Van Gaal já deixou claro: é tudo isso, e muito mais.

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