sexta-feira, 6 de abril de 2018

Emoção de sobra

O Fortuna Sittard mantém a turbulência do lado de fora do campo: está perto do título e do retorno à primeira divisão (Gerrit van Keulen/VI Images)
Na primeira divisão do Campeonato Holandês, o PSV já se prepara timidamente para a festa do título que se aproxima (timidamente por causa de razões que serão explicadas no final deste texto). Então, acabou-se a emoção que o futebol holandês possa ter para oferecer em 2017/18? Muito longe disso. Porque, na segunda divisão, também restando apenas cinco rodadas, Fortuna Sittard, Jong Ajax e NEC protagonizam uma disputa pelo título – e pelo consequente acesso direto – como havia tempos a Eerste Divisie não via. Apenas um ponto separa as três equipes.

A equipe B Ajacied está na terceira posição, com 64 pontos e saldo de gols menor do que o time de Nijmegen, rebaixado na temporada passada, atual ocupante da segunda posição, com pontuação igual. E ambos estão abaixo do Fortuna Sittard, que viu a sorte lhe sorrir há duas rodadas, na sexta passada: não só viu derrotas dos adversários diretos – no “clássico dos times B”, o Jong PSV fez 3 a 0 no Jong Ajax, enquanto o NEC sucumbiu ao FC Eindhoven (3 a 2) -, mas cumpriu sua tarefa ao golear o Almere City (4 a 1) para voltar à primeira colocação. E a situação se manteve como tal na 33ª rodada, ocorrida na segunda passada, quando todos venceram. O NEC fez 3 a 0 no Telstar; o Jong Ajax superou o Dordrecht (3 a 2); e o Fortuna também ostentou 3 a 0, no Helmond Sport.

Conseguir a liderança na reta final, ainda que longe de ser definitiva, é bastante surpreendente para o Fortuna. Não pelo clube ter vivido uma ascensão vertiginosa: como a coluna citou no fim de janeiro, já então o time auriverde de Sittard estava presente na disputa pela liderança, sonhando com a volta à Eredivisie após 16 anos. Porém, coincidentemente, naquela semana a equipe fora derrotada pelo Dordrecht (3 a 0). E o nigeriano Sunday Oliseh, ainda técnico, já começara a pedir mais apoio da diretoria – o que incluía contratações.

Foi o início da fase mais turbulenta que o Fortuna Sittard viveu em sua campanha. Primeiro, porque no começo de fevereiro, alguns jornais e sites divulgaram suposta demissão de Oliseh, por suas declarações criticando a diretoria. O clube rapidamente desmentiu – e, de fato, o ex-jogador seguiu comandando a equipe. Mas estava claro que o clima era o pior possível entre as partes. Seguiram-se mais dois jogos sem vitória. E aí, sim, não só Oliseh foi demitido, no meio de março, como o conflito se tornou aberto.

O nigeriano deu a primeira estocada, à revista Voetbal International: “Eu não queria continuar. Não queria fazer parte de práticas ilegais”. O clube – leia-se o proprietário Isitan Gün – quis ouvir quais eram tais práticas. E levou o ex-comandante à Justiça Comum holandesa, onde ambas as partes estão até agora. Em audiência acalorada no dia 20 de março, Oliseh acusou o clube de pagar irregularmente jogadores e treinadores; Gün vociferou contra os métodos e comportamentos do técnico. O veredito veio nesta sexta: a comissão independente decidiu que a razão estava com o Fortuna Sittard, e Oliseh ficou sem direito a indenização pela demissão.

Em meio a tal tormenta, parece incrível que o português Cláudio Braga, que passou de técnico dos juvenis a interino do principal sem escalas, conseguisse blindar a equipe. Blindou. Paralelamente, os destaques voltaram a se sobressair, em figuras como Finn Stokkers e Lisandro Semedo. E mesmo após a demissão, o Fortuna se manteve próximo da primeira posição. Está invicto desde então, com três empates e sete vitórias. Na última, como já dito, retomou a liderança. Não que as dificuldades tenham cessado. Longe disso – no supracitado triunfo contra o Almere City, o clube perdeu um dos destaques na campanha, o atacante Djibril Dianessy, fora da temporada após romper o ligamento cruzado anterior. Mas está claro que o sonho do retorno à Eredivisie segue muito vivo.

Assim como segue vivo para o NEC, também disputando firmemente a liderança. Como ocorreu com outros campeões da segunda divisão, o clube de Nijmegen tenta retornar rapidamente à primeira divisão com a mesma base que sofreu o rebaixamento. Ainda seguem no time treinado por Pepijn Lijnders o goleiro Joris Delle, o zagueiro Wojciech Golla, o volante Janio Bikel, o atacante Mohamed Rayhi. Uma contratação até inesperada – Anass Achahbar, que era promissor no Feyenoord – também tem mostrado talento: é o goleador da equipe na temporada.

Além do mais, jovens que eram apenas promessas em 2016/17 já amadureceram suficientemente para tomarem conta de suas posições e se destacarem na campanha. É o caso do meio-campista Ferdi Kadioglu e do atacante Arnaut Groeneveld. Todavia, um hábito da segunda divisão holandesa bem conhecido de brasileiros tem perturbado a campanha: a ausência de paralisação do campeonato nas datas Fifa. Há três rodadas, com Kadioglu e Groeneveld na seleção holandesa sub-21, o NEC tropeçou contra o De Graafschap (1 a 1). A derrota para o FC Eindhoven devolveu a ponta ao Fortuna Sittard. E agora, os Nijmegenaren apenas esperam tropeços – possíveis – do primeiro colocado.

E o terceiro colocado da Eerste Divisie poderia estar muito tranquilo na disputa. Afinal, o Jong Ajax não será promovido caso seja campeão, por motivos óbvios. Porém, a temporada decepcionante da equipe principal coloca uma certa pressão na equipe B dos Amsterdammers. Pressão que às vezes prejudica, como na derrota para o Jong PSV. De mais a mais, os jogadores às vezes sofrem com o vai-e-volta entre o banco do time de cima e a titularidade absoluta na equipe B. É o caso de vários jogadores: Luis Orejuela, Noussair Mazraoui, Carel Eiting e, acima de tudo, Mateo Cassierra, goleador da equipe na temporada. Além do mais, até pelo investimento que o Ajax faz em sua base (muito mais alto que o dos rivais, obviamente), considera-se que ganhar a segunda divisão seria um 
certo prêmio de consolação. E perdê-la, mais uma decepção.

Está certo que Fortuna Sittard e NEC, mesmo perdendo o título, continuariam na disputa pelo acesso – afinal, como “campeões de período”, estão garantidos na repescagem. Ainda assim, a mobilização na disputa pelo título da segunda divisão os faz esquecer tal possibilidade. Afinal, viria o acesso direto junto da taça. E a ansiedade da reta final foi expressa justamente por quem tem menos “obrigação” de ser campeão: Michael Reiziger, técnico do Jong Ajax. “Está uma competição legal. E está surpreendente, todo mundo pode perder pontos”. Após a 34ª rodada ser jogada nesta sexta, a vitória do Jong Ajax sobre o NEC (2 a 0) fortaleceu o time de Amsterdã - e também o Fortuna, que venceu o Go Ahead Eagles (1 a 0) e segue na ponta. Mas quem garante que isso durará?


Se há um time que pode impedir o sonho apoteótico do PSV, é o AZ, com a dupla Alireza-Weghorst (Tom Bode/VI Images)
PSV: a decisão antes da decisão

Sete pontos à frente do Ajax, com cinco rodadas para o final do Campeonato Holandês: a torcida do PSV já esfrega as mãos pensando em comemorar o título. Se tudo der certo para os Boeren, a comemoração seria deliciosa: precisando de duas vitórias, os três pontos decisivos viriam justamente no clássico contra o vice-líder de Amsterdã, na 31ª rodada, no próximo dia 15. Aí mora o perigo. Porque, antes do clássico, neste sábado, a partida da 30ª rodada traz justamente uma visita contra... o AZ, terceiro colocado. E não será nada fácil vencer a equipe altamente ofensiva e rápida que vem de Alkmaar.

Seja nas laterais, com Jonas Svensson e Thomas Ouwejan; no meio, com Guus Til e Teun Koopmeiners; no ataque, com Alireza Jahanbakhsh, Wout Weghorst e Oussama Idrissi; as opções ofensivas não faltam a John van den Brom. E a organização tática dá aos Alkmaarders franca superioridade sobre a maioria dos rivais – como provou o fácil 3 a 0 sobre o ADO Den Haag, na rodada passada. Não à toa, o AZ chega à final da Copa da Holanda pela segunda temporada consecutiva. Menos à toa, sonha até com o vice-campeonato – desvantagem ainda reversível de cinco pontos, para o Ajax, que será enfrentado na penúltima rodada. Menos à toa ainda foi ver alguns destaques (o goleiro Marco Bizot, Til, Weghorst) lembrados por Ronald Koeman na convocação da seleção.

Se há algum álibi com que os Eindhovenaren podem contar, é o péssimo retrospecto do AZ na temporada contra os grandes. Ao enfrentar o Feyenoord, o mais decepcionante do trio, foram duas derrotas – incluindo aí um 4 a 0 em plena Alkmaar. Contra o Ajax, numa partida que poderia dar a vice-liderança, fez-se o 1 a 0, mas foi tomada a virada. E contra o PSV, na primeira rodada, o AZ até saiu na frente, mas levou o 3 a 2. Ainda assim, num momento decisivo da temporada, e diante de um time elogiável tecnicamente (nem que seja para chegar na Liga Europa e passar vexame – quem esquece os 7 a 1 do Lyon?), o PSV precisa de atenção. Afinal, ainda há esta decisão contra o AZ antes da sonhada “decisão” contra o Ajax.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 6 de abril de 2018)

Nenhum comentário:

Postar um comentário