sábado, 23 de julho de 2022

De onde menos se espera... nada

A Holanda se segurou contra a França, se esforçou, teve pontos positivos... mas não escapou da derrota e da eliminação que eram esperadas para ela na Euro (Jonathan Moscrop/Getty Images) 

Aparício Torelly (1895-1971), apelidado "Barão de Itararé", foi um pioneiro brasileiro na análise política - com bom humor. Algumas de suas frases são notáveis e engraçadas ironias. Uma das melhores: "De onde menos se espera... aí é que não sai nada mesmo". Descreve perfeitamente o comportamento da seleção feminina da Holanda (Países Baixos) nas quartas de final da Euro feminina, contra a França. As francesas eram as favoritas, a maioria reconhecia. Temeu-se até um vexame das Leoas Laranjas, para alguns. E a Holanda, mesmo se esforçando, mesmo se segurando na defesa - quase inacreditavelmente, até -, mesmo tendo a confirmação de que Daphne van Domselaar é uma valiosa alternativa para o gol... foi pior mesmo do que as Azuis. Teve a esperada derrota - por pouco, só 1 a 0, mas teve. E está fora da Euro.

Aliás, pelo que se viu no primeiro tempo, houve risco não só da esperada derrota, mas de vexame. A escalação de Mark Parsons teve uma aposta: Victoria Pelova na direita do ataque, Daniëlle van de Donk como a "criadora de jogadoras" no meio-campo, Jill Roord no banco. Aposta errada, pelo que se viu nos primeiros 45 minutos. A Holanda teve apenas uma chance relativamente digna de nota (um chute de Sherida Spitse, aos 9', que foi para fora após desvio em Charlotte Bilbaut). De resto, o ataque laranja foi quase inativo. Por causa do meio-campo, de atuação terrível no tempo inicial. Spitse, Jackie Groenen, Van de Donk: não só falharam na marcação do bom meio-campo francês como, lentas, permitiram várias inversões de jogo e avanços da França pelos lados. Resultado: tudo estourou na defesa holandesa, como sempre tinha sido nesta Euro. Começando pelas laterais, com falhas de Lynn Wilms, na direita (mais), e Kerstin Casparij, na esquerda (menos).

As chances da equipe gaulesa, então, se avolumaram. Um chute de Kadidiatou Diani, aos 15'; outro arremate, de Delphine Cascarino, aos 22', uma tentativa de Sandie Toletti, no minuto seguinte. Por quê, então, o primeiro tempo terminou ainda em 0 a 0? Porque dois nomes da defesa da Holanda foram soberanos. Stefanie van der Gragt mostrou que, mesmo contestada, é a mais esforçada das zagueiras holandesas: salvou duas bolas em cima da linha (complemento de Melvine Malard, aos 37', e de Grace Geyoro, aos 41'). E Daphne van Domselaar, de certa forma, se confirmou como a melhor goleira da Euro, até agora. Várias defesas - dez ao todo, a maior quantidade de uma goleira nesta Euro até agora -, coroadas por uma sequência impressionante de duas intervenções, aos 17', evitando um gol contra de Dominique Janssen e se recuperando rápido para pegar o rebote de Bilbaut. Tudo isso, com agilidade e elasticidade como havia tempos a Holanda não via em suas goleiras.

A Holanda caiu, Van Domselaar subiu: a bola do pênalti da vitória francesa foi a única em que a goleira das Leoas Laranjas fracassou, em atuação valorosa (Marcio Machado/Eurasia Sports Images/Getty Images)

Se Van Domselaar era o grande destaque, ao mesmo tempo em que isso indicava seu mérito, mostrava como a Holanda precisava melhorar no segundo tempo. Melhorou. A entrada de Roord, no lugar de Lineth Beerensteyn, estabilizou mais o meio-campo, ao colocar tanto ela quanto Van de Donk nas suas posições preferenciais. E a equipe holandesa viveu alguns momentos de perspectiva de reação: um chute de Pelova bloqueado por Griedge Mbock Bathi aos 47', uma chance de Miedema aos 56' (voleio por cima), um cabeceio de Van der Gragt aos 59'... mas logo a França cresceu no ataque, novamente. A entrada de Selma Bacha trouxe mais velocidade - e mais perigo à Holanda. Aí, Van Domselaar também reapareceu. Defesa em dois chutes próximos (Bacha aos 65', Grace Geyoro aos 90' + 2), imponência... e tudo culminou na impressionante espalmada em cabeceio de Wendie Renard, no lance final do tempo normal.

Ao mesmo tempo em que continuava inferior à França, atacando mais esporadicamente, era justo reconhecer que a Holanda melhorara. Se Spitse seguia sem velocidade, melhorara nos desarmes - assim como Groenen. Casparij estava um pouco mais segura na lateral esquerda, até avançando de vez em quando. E Esmee Brugts, vinda para o jogo no fim do tempo normal, tentava algo (como num chute, aos 97'). Todavia, bastou um lance de desorganização defensiva, num avanço da França, para vir, enfim, o gol que as Azuis tanto buscaram. Janssen cometeu pênalti, derrubando Diani na área. A falta clara passou em branco a princípio, mas o VAR alertou a árbitra Ivana Martincic. O pênalti foi marcado. E Éve Perisset bateu para o 1 a 0, na única bola que Van Domselaar não pôde defender (embora tivesse acertado o canto).

Mais desgastada do que a França - que tinha mais alterações a fazer -, a Holanda tentou atacar mais na garra do que na capacidade. Como sempre foi nesta Euro, de certa forma. Mas isso não era suficiente para evitar a eliminação, embora ela tenha se dado de uma maneira digna. Sobrou esforço, Vivianne Miedema mereceu elogios por sua dedicação (jogar 120 minutos, vinda de COVID...), Van Domselaar foi a grande revelação do gol na Euro... mas a Holanda está fora da Euro. Poucos esperavam coisa diferente. E ela tentou, mas não conseguiu fugir de sua expectativa.

Euro feminina 2022 - quartas de final
França 1x0 Holanda
Data: 23 de julho de 2022
Local: New York Stadium (Rotherham)
Juíza: Ivana Martincic (Sérvia)
Gol: Éve Perisset, aos 102'

França
Pauline Peyraud-Magnin; Éve Perisset (Marion Torrent, aos 106'), Griedge Mbock-Bathy, Wendie Renard e Sakina Karchaoui; Sandie Toletti (Ella Palis, aos 106'), Charlotte Bilbaut e Grace Geyoro (Clara Matéo, aos 87'); Kadidiatou Diani (Ouleymata Sarr, aos 106'), Melvine Malard (Selma Bacha, aos 62') e Delphine Cascarino. Técnica: Corinne Diacre

Holanda
Daphne van Domselaar; Lynn Wilms (Damaris Egurrola, aos 115'), Stefanie van der Gragt, Dominique Janssen e Kerstin Casparij (Aniek Nouwen, aos 106'); Jackie Groenen, Daniëlle van de Donk (Esmee Brugts, aos 72') e Sherida Spitse (Romée Leuchter, aos 106'); Lineth Beerensteyn (Jill Roord, aos 46'), Vivianne Miedema e Victoria Pelova. Técnico: Mark Parsons

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