quinta-feira, 13 de julho de 2017

Nunca se saberá

A torcida do Ajax esperava ver Nouri comemorando muitos gols nos próximos anos. Provavelmente não verá, e isso lhe dói (Stanley Gontha/ANP)
A esta altura, o leitor provavelmente já sabe: Abdelhak Nouri, o "Appie" Nouri, holandês de ascendência marroquina, meio-campista do Ajax, 20 anos, terá "danos cerebrais graves e permanentes", conforme o clube divulgou em nota no início desta quinta-feira. Também já deve saber da comoção que isso causou em todo o futebol holandês - e até no mundial: gente como Wesley Sneijder, Sergio Ramos, Luis Suárez e Marco van Basten lamentaram pesarosamente a dura sorte que Nouri teve após a arritmia cardíaca sofrida no amistoso de pré-temporada contra o Werder Bremen, em Mayrhofer, na Áustria, sábado passado. Sabe que o lema "#StayStrongAppie" se disseminou redes sociais afora.

Se se aprofundou um pouco mais, talvez o leitor saiba até que, nesta quinta, Nouri já foi removido de Innsbruck, cidade austríaca em que esteve internado desde sábado, para ser trazido ao AMC (Centro Médico de Amsterdã). E que seu irmão mais velho, Abderrahim Nouri, foi direto na perspectiva da vida que "Appie" deve ter, falando ao diário Algemeen Dagblad: "Se ele despertar, não poderá mais pensar, comer, falar, andar, talvez nem mesmo reconhecer alguém. Nunca mais terá uma vida normal. Mas não desistimos. Nossa crença nos ensinou a aceitar, e rezamos por sua cura". O que talvez o leitor não saiba é que, além da fama de boa-praça que Nouri tinha para imprensa e torcida do Ajax, a abrupta interrupção de sua carreira deve ser lamentada pela perda de um talento cuja técnica muito teria a ajudar - o time e a seleção.

Pequenos torcedores dividindo a dor em frente à casa de Nouri. Na faixa: "Hier klopt een Ajax-hart", "Aqui bate um coração do Ajax" (ANP)
Com relação à personalidade, a simpatia por Nouri ficou clara pelas manifestações em frente à sua casa, no mesmo bairro de Geuzenveld em que nasceu: os torcedores colocaram uma faixa em frente a ela, vizinhos se juntaram ali, também fizeram discretas visitas dois colegas de Ajax (Donny van de Beek, colega desde a base, e Hakim Ziyech, concorrente de posição que virou um "tutor" de Nouri no time principal - ambos dividiam quarto nas viagens, e Ziyech ajudava o jovem com alguns macetes em campo).

Os jornalistas tiveram ainda mais a revelar. Principalmente aqueles que seguiram o jovem nascido em Amsterdã, no bairro de Geuzenveld, em 2 de abril de 1997, nos últimos dias. Simon Zwartkruis, setorista do Ajax na revista Voetbal International, pranteava: "Estou no meio do futebol há 20 anos, e raramente vi um sujeito tão amável, amistoso e alegre. Continue lutando, Appie". Mike Verweij, do diário De Telegraaf, postou em seu perfil no Instagram uma foto de Nouri nos treinos da semana passada, além de opinar: "Um jogador fantástico, uma pessoa mais fantástica ainda. O primeiro jogador pelo qual chorei". Willem Vissers, colunista e repórter do diário De Volkskrant, resumiu o sentimento de quem acompanha futebol na Holanda: "Um grande talento, do qual nunca saberemos o que poderia alcançar". Exato. Porque Nouri ainda completava seu surgimento.

No Ajax, clube em que desenvolveu seu futebol desde a década passada, o meio-campista começou a despontar no time sub-19, a partir da temporada 2014/15. Na temporada passada, teve sua primeira aparição de destaque. Foi um dos líderes técnicos do Jong Ajax, na campanha do vice-campeonato na segunda divisão holandesa: 26 jogos, 10 gols. De quebra, recebeu atenção de Peter Bosz - e as primeiras chances no time adulto dos Ajacieden. A prova de que seu talento poderia levá-lo longe veio logo no jogo de estreia pela equipe de cima: em 21 de setembro do ano passado, contra o Willem II, pela terceira fase da Copa da Holanda, Nouri substituiu Ziyech, aos 73'. No penúltimo minuto, falta para o Ajax, na entrada da área. O jovem pediu a Lasse Schöne, cobrador habitual, para bater. E chutou forte, no canto esquerdo do goleiro Kostas Lamprou, fechando a goleada dos Amsterdammers por 5 a 0. De lá para cá, foram mais dois jogos pela KNVB Beker, nove jogos pelo Campeonato Holandês, três jogos pela Liga Europa. Estava claro: com a promoção de Marcel Keizer para treinar o time principal, Nouri tinha tudo para se destacar ainda mais e virar opção constante no time.

Na seleção holandesa sub-19, Nouri já era o capitão. Quem poderia prever onde chegaria? (Pro Shots)
Na seleção, Nouri também tinha algo a mostrar. E mostrava. Pelo menos, na seleção sub-19: nela, atuou em dois Campeonatos Europeus, em 2015 e 2016. No ano passado, era o capitão da Laranja. Deu uma amostra de sua técnica com um espetacular passe para gol contra a Croácia (vitória por 3 a 1). E mesmo em duras derrotas - como os 5 a 1 para a França, no jogo final da fase de grupos, ou a queda nos pênaltis para a Alemanha, que tirou a chance de estar no Mundial Sub-20 de 2017 -, Nouri não fugiu da raia: marcou gols nas duas partidas, foi opção constante de ataque.

Talvez fosse sua maior qualidade: meio-campista de origem, "Appie" não sabia só armar jogadas, mas também chegar para finalizá-las. Nos treinos, mostrava talento com a bola nos pés - tanto jogando quanto em brincadeiras. Em suma: era aquele jovem para quem todos olham e dizem que está destinado ao protagonismo. Provavelmente, nunca se saberá se realmente estava. Que pena.


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