segunda-feira, 15 de julho de 2019

Holanda na Copa feminina (II): a análise de quem viu

A seleção feminina da Holanda, antes da final, e a taça da Copa do Mundo: tão perto e tão longe (FIFA/Getty Images)

Este Espreme a Laranja já começou a análise sobre a marcante campanha da seleção feminina da Holanda na Copa do Mundo passada, com este texto opinando sobre a atuação de cada uma das 16 jogadoras que entraram em campo pelas Leoas Laranjas (as sete restantes não jogaram nenhum minuto no Mundial). Após o vice-campeonato, os nomes que ampliaram a fama com as atuações na França já curtem as férias, o futebol masculino já acelera os trabalhos de pré-temporada rumo ao Campeonato Holandês - PSV e Ajax, rumo à Liga dos Campeões -... mas ainda falta uma coisa.

O blog decidiu trazer um último capítulo sobre o que a Laranja mostrou na Copa feminina. Mas não fará o trabalho sozinho: fez cinco perguntas sobre a campanha holandesa, a quatro nomes que acompanham a par e passo o futebol feminino. Dois deles fazem parte da equipe do Planeta Futebol Feminino, site referencial em notícias e opiniões sobre a modalidade: Bruno Bezerra e Amanda Marinho - sendo que a jornalista Amanda ainda integra o podcast Passa no DM, também sobre o futebol das mulheres, com as colegas Duany Khydac e Letícia Lázaro, que também estão na equipe do PFF. Também foi entrevistada a jornalista Olga Bagatini, do Yahoo, que também colaborou com o site Trivela na cobertura da Copa feminina.

A quarta entrevistada foi além: testemunhou a reta final da campanha da vice-campeã. Afinal, a jornalista Renata Mendonça esteve na tribuna de imprensa em Lyon vendo a semifinal contra a Suécia e a decisão perdida para os Estados Unidos, produzindo material como uma das Dibradoras, o trio que produz um site e um podcast sobre o esporte feminino em todas as modalidades - e todos os desdobramentos. E Renata, que também fez algumas participações na cobertura do SporTV para a Copa feminina (até porque é debatedora frequente do programa Redação SporTV), ainda se estendeu, com um depoimento admirado sobre um destaque particular: o que fez a torcida holandesa na França.

"Foi espetacular. Foi a melhor torcida da Copa, sem dúvidas. Foi muito legal ver o quanto a torcida estava acompanhando todos os jogos. E eu conversei com alguns holandeses que estavam lá, e eles realmente estavam indo a todos os jogos. Não era algo do tipo 'ah, não, só vim para esse...': foi uma torcida que realmente acompanhou a seleção feminina na Copa. Deram muito apoio antes dos jogos, eles faziam um encontro, aquela festa toda nas cidades... E se sobressaíam dentro dos estádios - aquela fanfarra com a corneta, dava para ouvir muito bem o tanto que eles embalavam a seleção holandesa. Isso foi um grande destaque. Eu até conversei com algumas jogadoras holandesas na zona mista, a própria Van Veenendaal falou sobre como a torcida foi crucial para a Holanda chegar tão longe, foi 'o 12º jogador'... é um dos meus destaques nessa Copa do Mundo."


Time e torcida holandeses: para Renata Mendonça, o comportamento dos adeptos da Laranja foi um dos pontos altos da Copa (FIFA/Getty Images)

Sem mais, vamos às perguntas.

Vocês já esperavam a seleção da Holanda como uma "possível finalista"? Se não, qual a fase que lhe parecia mais natural ela alcançar na Copa?

Bruno: Não, para mim foi uma grande surpresa. Particularmente, achava que a Holanda chegaria as semifinais, o que já seria um feito gigantesco.

Amanda: Sim. Antes de começar a Copa e fazendo um desenho do lado da chave que a Holanda ficaria, imaginava que elas poderiam chegar na semifinal. Ainda assim, não deixou de ser uma surpresa elas terem chegado até a final, mas não colocaria como a maior da Copa, acho que a Suécia ficou com esse cargo, surpreendendo muita gente.

Olga: Não esperava como finalista, mas coloquei a Holanda entre potenciais equipes para surpreender no torneio pelo trabalho feito pela Sarina Wiegman nos últimos anos e o embalo pela conquista da Eurocopa em 2017.

Renata: Eu não esperava como finalista, esperava pelo menos quartas ou semifinais. Acho que a Holanda vinha muito forte para essa Copa, pela evolução que teve, mas eu não achava que chegaria à final da Copa, não. Na minha previsão, estariam Estados Unidos ou França na final, contra a Alemanha, pelos chaveamentos. Eu achava que aquela [partida das] quartas de final entre França e Estados Unidos definiria quem seria a finalista. Foram os Estados Unidos, como poderia ter sido a França. A Holanda chegaria às quartas de final ou às semifinais, com certeza, pelo conjunto - é um time muito forte, coletivamente falando. Não acho que tenha um destaque individual, mas ela brilha muito no coletivo. Acho que foi isso que fez com que ela fosse campeã da Eurocopa, e acho que foi isso que fez com que ela chegasse à final da Copa do Mundo.

Nas suas opiniões, houve algum momento em campo na Copa em que a Holanda pareceu ter o "clique" que a fez partir de "candidata a surpresa" para uma seleção que poderia ir além, que poderia chegar à final, como chegou? Se houve, qual foi? Ou, para você, a campanha foi elogiável como um todo?

Bruno: O "clique" pra mim, foi no segundo tempo das quartas de final diante da Itália, melhor partida da Holanda na minha concepção. Ali eu pensei: "esse time pode encarar Suécia ou Alemanha de frente e sem medo."

Amanda: Durante toda a Copa do Mundo a Holanda sempre me pareceu um time que controlava a situação. No jogo contra o Japão passaram o maior apuro da Copa do Mundo, mas conseguiram resistir a pressão e fechar o jogo graças aos gols de Lieke Martens. Pra mim esse jogo contra o Japão serviu para mostrar a força mental das holandesas, que apesar de estarem apenas na sua segunda Copa do Mundo, demonstravam ter a bagagem pra aguentar momentos adversos.

Olga: A campanha foi elogiável. Eu imaginava que a Alemanha seria finalista, e quando foi eliminada pela Suécia, acreditei que a Holanda pararia na semi. Mas a Holanda conseguiu passar da Itália, que também mostrou muita evolução na Copa, e contra a Suécia, apesar das adversárias terem pressionado a maior parte do segundo tempo, as holandesas conseguiram se defender, muito com ajuda da goleira, e acharam um gol para avançar. Mas eu sabia que se elas jogassem do mesmo jeito contra os Estados Unidos, não teriam chance. Faltou objetividade, faltou articulação no meio-campo para criar chances reais de gol.

Renata:  Acho que o jogo contra o Japão foi meio "chave", porque foi justamente para o Japão que a Holanda foi eliminada em 2015. Claro, a seleção japonesa não vem em boa fase, enquanto a Holanda, pelo contrário, vem em grande ascensão. Mas é lógico que tem aquele peso de enfrentar uma seleção que é campeã mundial [2011], que eliminou as holandesas em 2015... então, acho que esse foi um dos jogos-chaves da Holanda para chegar à final. De certo modo, a semifinal contra a Suécia também foi "chave". A Holanda foi engolida no primeiro tempo: por ter uma marcação muito forte, a Suécia não deixou a Holanda jogar. Mas o time holandês teve muita paciência e muita inteligência para jogar. Soube aproveitar as oportunidades que teve, já melhorou no segundo tempo, e na prorrogação estava com todo fôlego para construir suas jogadas e fazer o gol de que precisava. A Holanda foi muito inteligente na semifinal. Mas eu diria que o jogo contra o Japão foi o ponto de virada para determinar até onde a Holanda iria chegar na Copa.

As seleções femininas da Europa mostraram crescimento notável como um todo, nesta Copa do Mundo. No entanto, coube à Holanda ser a representante deste crescimento, na decisão do torneio. Nas suas opiniões, em que ela se sobressaiu em relação a outras europeias, até mais badaladas pré-Copa (como França e Inglaterra)? 

Bruno: Psicologicamente soube se portar bem em jogos complicados, se sobressaindo principalmente no aspecto tático: elenco fechado e organizado, defesa, que era preocupação, indo bem.

Amanda: Novamente, acredito que a Holanda se sobressaiu no poder mental, mostraram que poderia aguentar momentos adversos. A Alemanha confirmou o temor de que realmente não conseguiria ir longe na Copa do Mundo, e na chave onde estava a Holanda, era o principal adversário. Destaque de novo para a Suécia, que estava longe de ser uma das favoritas, mas fizeram uma grande partida contra a Alemanha e lutaram muito contra a Holanda, conseguindo levar o jogo para a prorrogação.

Olga: A Holanda teve uma campanha boa, mas também teve caminho mais fácil no mata-mata ao cair na chave oposta dos Estados Unidos. O principal trunfo é a federação ter feito um trabalho de base nos últimos anos que permitiu que a equipe formasse boas jogadoras, que se jogam juntas e estão bem entrosadas, e ainda se destacam individualmente a ponto de jogarem nas melhores ligas do mundo, como é o caso de Martens, Miedema e Van de Sanden.

Renata: Como eu já tinha dito na primeira pergunta, eu acho que, coletivamente, a seleção da Holanda é um time que rende muito bem. Não tem "mega destaques", não tem alguém que resolva o jogo sozinha. É um time muito coletivo, de toque de bola, e pressionou muito bem o adversário, ocupou bem os espaços no campo, meio que encurralando o adversário, atacando sempre com muitos passes. Acho que isso foi uma das características que fizeram com que a Holanda chegasse à final: o jogo coletivo. Também temos que levar em consideração a chave do outro lado: ela teve Estados Unidos e França nas quartas, por exemplo. Provavelmente a França chegaria mais longe, se não tivesse de pegar os Estados Unidos. E também teve a Inglaterra... eram seleções que estavam entre as quatro primeiras do ranking (Estados Unidos em 1º, Inglaterra em 3º e França em 4º). E todos esses estavam do outro lado da chave. Com certeza, complicou muito para Inglaterra e França. Ao mesmo tempo, a Holanda soube se impor muito bem, soube fazer valer sua superioridade diante dos outros adversários, mesmo no jogo contra a Suécia, que foi um adversário que impôs muita dificuldade, pela forma de marcação para anular o jogo da Holanda. 

Houve alguma partida da seleção feminina da Holanda que tenha lhe chamado mais a atenção na Copa? 

Bruno: Como tinha citado, o segundo tempo contra a Itália. Em geral, o jogo contra a Itália foi um desafio bem interessante.

Amanda: Uma partida que me chamou atenção foi contra a Itália, tanto positivamente, quanto negativamente. O primeiro tempo do time holandês foi talvez um dos piores dentro da Copa, mas no segundo tempo o time voltou muito mais focado e ciente do que precisava fazer para vencer. Então pra mim, os 45 minutos finais contra a Itália foram os melhores da Holanda na Copa do Mundo.

Olga: Gostei muito do jogo com a Itália, mas o que mais me impressionou foi o primeiro tempo contra os Estados Unidos. Como eu disse, achava que se a Holanda não ajustasse os erros que cometeu diante da Suécia, não teria chance, mas a treinadora conseguiu organizar o time mudando algumas peças e fechando bem a defesa para se proteger da pressão das americanas -- que até então haviam marcado antes dos 13 minutos contra todos os outros rivais. O pênalti foi uma infelicidade, aí a Holanda teve que ir para cima, deixou espaços e sofreu o segundo gol. Mas decididamente jogou de igual para igual.

Renata: Como eu falei, o jogo contra o Japão me chamou a atenção.

Para os três entrevistados pelo blog(ueiro), Van Veenendaal foi unanimidade: a melhor goleira da Copa (FIFA/Getty Images)

Apesar de vários destaques, a Holanda ficou sem nomes entre as três melhores da Copa (Rapinoe, Lucy Bronze e Lavelle). E mesmo os destaques holandeses entram e saem das seleções eleitas por quem acompanhou o torneio - Van Veenendaal e Miedema estão em alguns times, em outros já não estão. Essas duas mereciam mais crédito? Alguma outra merecia?

Bruno: Talvez Miedema merecesse a bola de bronze, mas Van Veenendaal mereceu todos os créditos possíveis e merecidos como melhor goleira, em uma Copa com tantos destaques na posição (Endler, Lindahl, Schult). Outra que merecia mais crédito sem dúvida é a Sherida Spitse, que jogou muito bem, sendo literalmente uma "leoa" marcadora nesse meio campo holandês. Destacaria também a Van Dongen, que substituiu bem a Van Es e fez excelente Copa do Mundo.

Amanda: A Van Veenendaal foi eleita a melhor goleira da Copa do Mundo, então acredito que ela recebeu seus méritos, muito justos. A Miedema foi uma das melhores atacantes da Copa do Mundo, centroavantes, mas teve uma concorrência muito forte contra a Ellen White, que também fez uma grande Copa do Mundo e sem ter a mesma expectativa que a Miedema. Acredito que as duas jogadoras devam ser analisadas sob perspectivas diferentes. No time ideal da Copa do Mundo, no presente, a Ellen White tem vantagem. Mas se montarmos um time ideal também levando em consideração potencial, a Miedema seria a minha escolhida.

Olga: Acho que essa disputa foi bem acirrada. Não tem como tirar esse prêmio da Rapinoe, mas talvez a Ellen White merecesse um lugar nesse pódio. Claro que houve jogadoras da Holanda que se destacaram e merecem crédito, como as citadas Van Veenendaal e Miedema, e também Martens e Groenen, mas acho que prêmios individuais pela participação no Mundial já seria exagero.

Renata: Acho que a Van Veenendaal até teve o seu destaque. Foi eleita a melhor goleira do torneio, e acho que foi muito justo isso. Eu entendo que a Miedema foi um dos destaques dessa Copa, mas eu acho que, como eu falei, o jogo da Holanda é mais coletivo. Sobressai-se mais o coletivo, e menos as jogadoras. Mas se você fizer a seleção da Copa, com certeza ela [Van Veenendaal] está. E gostei bastante da Miedema nessa Copa, achei que ela rendeu muito bem. Mostrou todas as suas características, fez gol de cabeça, de todos os jeitos, ela participou muito do ataque. Acho que a Martens acabou prejudicada pela lesão que ela teve, acabou não jogando tão bem na final, e a Holanda sentiu isso, coletivamente. Acho que a Van de Sanden também ficou devendo um pouco, eu esperava mais dela. Mas gostei muito da Van Veenendaal. Teve atuações muito seguras - bem, foi a melhor goleira da Copa... e foi uma das melhores jogadoras da Holanda nessa Copa, porque ela passava uma segurança muito grande. No próprio jogo contra os Estados Unidos, aquela bola que ela defende da Morgan (a Rapinoe cruza, e a Morgan está na boca do gol para fazer) [no 1º tempo], foi uma bola muito difícil. Acho que ela passou a segurança que o time precisava. Quando a bola chegava no gol, ela estava ali para evitar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário