quinta-feira, 4 de julho de 2019

O fim merecido

Na montanha-russa que foi sua carreira, Robben superou desconfianças e lesões. E terminou vencedor: coberto de aplausos, pelos títulos e pela habilidade (VI Images/Getty Images)

Durante muito tempo, duvidou-se dele. Por todos os motivos: por sua fragilidade física, pela incapacidade de decidir partidas, pela mania de simular sofrer faltas e pênaltis, por só ter uma opção de jogada que repetia quase incessantemente. Mas ele seguiu. Foi superando as desconfianças, uma a uma. Algumas foram insuperáveis - como conquistar o título mundial pela seleção da Holanda. Mas ele foi vencendo cada vez mais os olhares tortos em sua direção. E agora, neste 4 de julho de 2019, quando anunciou o fim de sua carreira como jogador de futebol, Arjen Robben ganha o que merecia: aplausos e mais aplausos.

Robben no Groningen: quando tudo começou (VI Images)

Um começo fulgurante

A rigor, demorou até pouco para que o nativo de Bedum despontasse dentro da Holanda. Afinal, ele estreou pelo Groningen aos 16 anos, em 3 de dezembro de 2000, ao substituir o atacante brasileiro Leonardo pelos Groningers, contra o RKC Waalwijk. Na pausa de inverno daquela temporada 2000/01, já se converteu em titular - marcaria dois gols em 18 jogos que fez pelo Campeonato Holandês. E já mereceu atenção nas seleções de base. De 1999 a 2001, a ascensão foi fulgurante - da seleção sub-16 à sub-19, quase sem escalas, culminando na convocação para o Mundial Sub-20 de 2001. Treinada por Louis van Gaal, comandante da seleção principal, a Oranje sub-20 parou nas quartas de final, Robben começou titular e terminou reserva, mas já se desconfiava: aparecia um grande talento na Holanda. O PSV não pestanejou: bancou a aposta e, por € 3,9 milhões, trouxe o novato do Groningen para Eindhoven, em julho de 2002.

A aposta do PSV em Robben poderia ter dado muito errado. Deu certíssimo (Adam Davy/Empics/Getty Images)

Poderia ter dado errado, poderia ser mais um jovem promissor que não se confirmava... mas Robben venceu essa primeira desconfiança: na Eredivisie 2002/03, foram 12 gols em 33 jogos, uma ótima parceria com o sérvio Mateja Kezman no ataque do PSV, o destaque no título holandês dos Boeren naquele campeonato, o prêmio de "Revelação da Temporada" na Holanda. Já era hora de aparecer na seleção adulta. E Robben foi mais um a estrear: em 30 de abril de 2003, num amistoso contra Portugal, entrou no lugar de Marc Overmars, aos 77', para fazer a primeira de suas 96 aparições pela Oranje. Se os títulos inexistiram para o PSV em 2003/04, Robben seguiu crescendo. Mantendo ritmo de jogo acelerado pelos Eindhovenaren (23 jogos, 6 gols na Eredivisie), o cidadão de 20 anos era cada vez mais cortejado por grandes clubes da Inglaterra. E após reuniões fracassadas com o Manchester United, o Chelsea bancou a aposta a sério: em janeiro de 2004, Roman Abramovich pagou € 18 milhões ao PSV, garantindo a contratação de Robben, a partir de junho.

Já na Euro 2004, seu primeiro torneio pela seleção, Robben era a revelação: sua substituição contra a República Tcheca, na fase de grupos, foi altamente criticada (Andreas Rentz/Bongarts/Getty Images)

No meio do caminho, Robben fez o suficiente para garantir seu lugar entre os 23 convocados por Dick Advocaat para a Holanda que disputaria a Euro 2004. Chamado como "a promessa", estreou na reserva, mas com a atuação mediana da Laranja no 1 a 1 da estreia contra a Alemanha, Advocaat apostou nele: tornou-o titular, a partir da segunda partida, contra a República Tcheca. Deu certo: atormentando os marcadores tchecos pela esquerda, Robben participou das jogadas que levaram a Holanda a fazer 2 a 0 em 20 minutos. No segundo tempo, foi substituído, por Paul Bosvelt. A República Tcheca virou para 3 a 2, e para sempre Advocaat precisou explicar aquela alteração: por quê mudara, se a revelação estava resolvendo a vitória? Pelo menos, Robben seguiu titular na campanha holandesa na Euro. Converteu a cobrança da classificação, na decisão por pênaltis contra a Suécia, nas quartas de final. E terminou aquele torneio continental justificando o interesse por ele. Era hora de encarar o crescimento da carreira, no Chelsea.

Robben foi útil ao Chelsea... enquanto as lesões permitiam (Mike Hewitt/Getty Images)
As desconfianças se ampliam

Mas foi justamente na chegada à Inglaterra que Robben começou a encarar seu principal problema: as lesões. Antes mesmo do começo da temporada, quebrou um metatarso do pé direito, num amistoso contra a Roma, em julho de 2004. Em meio à recuperação da fratura, um problema ainda pior: os médicos notaram que um testículo estava maior, e pediram biópsia. O holandês temeu: havia a possibilidade de que fosse um tumor. Segundo seu próprio testemunho, foram dias terríveis até o diagnóstico aliviante: não havia nada.

Só então o holandês pôde mostrar valor em Stamford Bridge: na reta final da temporada 2004/05, foram 18 jogos e sete gols pelo Campeonato Inglês, além de cinco partidas e uma bola na rede pela Liga dos Campeões, celebrando por fim o título da Premier League. Porém, outra lesão o tirou da reta final da temporada. Já em 2005/06, no bicampeonato nacional dos Blues, Robben conseguiu se livrar das lesões, por algum tempo: destacou-se na campanha do Chelsea dentro da Premier League, com 28 partidas e seis gols.

Com tal desempenho, quando podia, Robben seguia absoluto na ponta direita da seleção da Holanda. Foi justificadamente convocado por Marco van Basten para a primeira Copa do Mundo de sua carreira, em 2006 - e na estreia da Laranja naquele Mundial, contra Sérvia e Montenegro, foi o nome da vitória por 1 a 0, marcando o gol e mostrando velocidade (e um excesso de individualismo, diga-se...) no jogo em Leipzig. De resto, teve participação correta nas três partidas que fez na Copa.

Ainda assim, Arjen atraia cada vez mais desconfianças. Não bastassem as renitentes lesões, seguia visado por preferir a sua jogada-padrão - o domínio de bola, pela direita, trazendo a bola para a esquerda e finalizando - a passar a bola a algum companheiro. Na temporada 2006/07, ele teve um bom começo e um fim turbulento: mais uma lesão, em janeiro de 2007, além de uma operação no joelho, em março do mesmo ano. Voltou a tempo de participar da semifinal da Liga dos Campeões, contra o Liverpool (perdeu sua cobrança na decisão por pênaltis que levou os Reds à final), e da final da Copa da Inglaterra, vencida pelo Chelsea. Mas já não havia muita paciência para esperar por sua recuperação em Londres.

Robben teve espaço no Real Madrid, teve boas atuações... mas o clube não o quis mais (Barrington Coombs/EMPICS/PA/Getty Images)

A transferência para o Real Madrid, em agosto de 2007 (€ 35 milhões), deixava claro que a aposta em Robben ainda merecia muito investimento: em forma, ele poderia ser fundamental em qualquer clube. E sua atuação no Real, de certa forma, até justificou o investimento: titular na meia-esquerda durante a campanha do título espanhol dos Merengues (2007/08), Robben caiu nas graças da torcida madridista. Da ala "holandesa" que o Real tinha na época (ele, Wesley Sneijder, Ruud van Nistelrooy e Royston Drenthe), era um dos mais úteis e importantes para o time que Fabio Capello escalava. Pela seleção, mesmo com apenas quatro aparições em 2007, se sabia: era nome certo na convocação para a Euro 2008. Robben foi ao torneio continental. Poupado, veio e foi do banco de reservas: entrou e teve atuação excelente no 4 a 1 holandês na França (um gol), começou jogando contra a Romênia... e se lesionou, tendo de ver do banco a eliminação da Oranje para a Rússia, nas quartas de final.

Robben tinha tudo para continuar bem no Real Madrid: tinha espaço, conseguia alguma sequência de jogo, era importante para o time. Mas os tempos em Chamartín eram caóticos, com um clube que parecia perdido. Florentino Pérez voltou à presidência da agremiação espanhola, quis fazer o estelar Real Madrid se impor no mercado com as contratações de Kaká e Cristiano Ronaldo... e o holandês ficou sem espaço. Aceitou ir para o Bayern de Munique, na última semana da janela de transferências antes da temporada 2009/10, por € 25 milhões. Resmungou, dizendo que fora "forçado" a deixar o Real, já que o clube não o queria mais. Diante do que lhe aconteceu na Baviera, ficou tudo bem.

2012, um ponto baixo na carreira de Robben. Pelo Bayern, pênalti perdido na final da Liga dos Campeões. Pela Holanda, inclusão no vexame na Euro (ANP)
Os baixos da montanha-russa

Ficou tudo bem porque, no Bayern, Robben teve o que sempre merecia e queria: espaço para jogar onde se sentia melhor, na ponta-esquerda. Além do mais, mostrou grande força para superar as desconfianças e reveses que se sucederam. Poucas temporadas mostraram tanto isso quanto 2009/10. Nela, Robben foi o grande nome da campanha do clube de Munique, com o título alemão (24 partidas e 16 gols marcados), o título da Copa da Alemanha e o vice-campeonato na Liga dos Campeões (como esquecer seu gol, de bate-pronto, em Old Trafford, garantindo a classificação do Bayern às semifinais, contra o Manchester United?). Um dos destaques da Holanda que chegava consistente para a Copa de 2010, Robben prometia, enfim, brilhar num grande torneio.

Mas quase foi impedido pelo último amistoso da Laranja antes da viagem à África do Sul: entrando no intervalo, Robben fez dois gols nos 6 a 1 holandeses sobre a Hungria. Mas nos últimos minutos da partida, ao tentar um passe de calcanhar, distendeu um músculo da coxa. A euforia da torcida pela goleada se transformou em tensão: a possibilidade de corte de Robben perturbava as perspectivas do que poderia acontecer na Copa. Aí, o cidadão já então calvo mostrou a qualidade que o ajudou a superar os problemas: tenacidade.

Enquanto os outros 22 jogadores da Oranje foram para a Copa, Robben ficou uma semana a mais na Holanda, se recuperando da lesão com o fisioterapeuta Dick van Toorn, num trabalho de dia e noite. Foi para a África do Sul. Ficou sem jogar nas duas primeiras partidas. Entrou contra Camarões, no último jogo da fase de grupos da Copa, e participou do gol da vitória (chutou na trave a bola cujo rebote Huntelaar aproveitou para fazer 2 a 1 em Camarões). Contra a Eslováquia, nas oitavas de final, abriu o placar nos 2 a 1. Marcou outro gol contra o Uruguai, na semifinal. Na decisão, contra a Espanha, aos 15 minutos do segundo tempo, num lançamento perfeito de Sneijder, ficou livre, teve a grande chance do gol até ali, a seus pés... e começou ali a queda da montanha russa. Porque Robben errou: seu toque foi afastado para fora pelo pé de Iker Casillas.

Robben foi um dos grandes no futebol da Holanda. Poderia ter sido maior ainda, não fosse a conclusão afastada por Casillas na final da Copa de 2010 (ANP)
A final da Copa seguiu, a Holanda perdeu, e o homem da careca reluzente ficou com a fama de "amarelão", de quem não decidia em seu grande momento (por melhor que tivesse sido sua Copa de 2010 - e foi). Pior: voltando ao Bayern, se descobriu que a lesão muscular na coxa sofrida antes do Mundial fora agravada pelo esforço da disputa na África do Sul. Ficou todo o segundo semestre de 2010 em recuperação, voltando aos campos em janeiro de 2011.

Robben voltou, seguiu fazendo incontáveis gols com sua jogada do corre-pela-direita-corta-para-o-meio-e-chuta-com-a-esquerda, foi destaque na campanha que levou o Bayern à final da Liga dos Campeões de 2011/12 em plena Allianz Arena. Na decisão do torneio continental, contra o Chelsea, após o 1 a 1 do tempo normal, Robben teve a chance de definir o título, num pênalti, durante a prorrogação. Cobrou... e Petr Cech pegou. Nos pênaltis, o Chelsea conquistou a Champions League, calando a Allianz Arena. Dias depois, o camisa 11 da Holanda jogou um amistoso por sua seleção, justamente contra o Bayern, como indenização por sua lesão em 2010. Foi vaiado por sua própria torcida. Tinha a Euro 2012 para fortalecer seu nome. Foi pior ainda: no "Grupo da Morte" daquela edição, a Holanda perdeu os seus três jogos, Robben esteve envolvido em vários casos de discussões internas... parecia começar a reta final de sua carreira. Era o "amarelão", o "canela-de-vidro", o "cai-cai", o "inútil que só sabia bater de esquerda".

Os altos da montanha russa

Robben aguentou tudo. Passou a ser escalado no Bayern de modo mais parcimonioso, a partir da temporada 2012/13: fez 16 jogos e marcou cinco gols no Campeonato Alemão, apareceu em 9 partidas e colocou a bola nas redes por quatro vezes na Liga dos Campeões... e teve seu desempenho potencializado. Voltou a ser destaque nos Roten. A torcida tolerava seu lado "fominha", sua insistência na jogada do chute com a perna esquerda: sabia que aquilo podia ser decisivo. E Robben foi decisivo, na mais apropriada das horas. Na decisão da Champions League 2012/13, em Wembley, contra o Borussia Dortmund, parecia que ele novamente seria o vilão: perdera muitos gols durante a partida. Mas aos 88', quando a prorrogação já parecia inevitável, foi Robben que acompanhou a jogada de Franck Ribéry. Que deu um toque sutil, na saída do goleiro Roman Weidenfeller. E que fez o gol do quinto título europeu do Bayern, o gol da Tríplice Coroa do Rekordmeister. Naquele 25 de maio de 2013, Robben coroava a primeira parte de sua reação.


A segunda parte viria em 2014. Pela seleção da Holanda, todos seguiam desconfiando dele: de que adiantava ir bem em amistosos e qualificações de grandes torneios, se nas horas decisivas ele negava fogo? Pois bem: Robben não negaria fogo naquela Copa do Mundo, no Brasil. Aos 30 anos, mostrava velocidade e força muscular impressionantes - e notáveis para alguém com histórico tão cheio de lesões. Foi um dos dínamos a superar a Espanha, na marcante goleada por 5 a 1 em Salvador, na estreia da Oranje. Abriu o caminho da vitória contra a Austrália, por 3 a 2, em Porto Alegre. Conseguiu iludir a todos nas oitavas de final, em Fortaleza, levando Rafa Márquez a cometer (?) o pênalti que levou a Laranja às quartas. Chamava a responsabilidade, corria fosse qual fosse o tempo de jogo, atormentava a defesa adversária. Teve um gol impedido por Javier Mascherano na semifinal contra a Argentina, é verdade, e naquele jogo a Laranja foi eliminada. Mas o terceiro lugar ganho naquela Copa - talvez, aquela Copa como um todo - teve um rosto: o rosto calvo de Arjen Robben.

A Copa de 2014 foi o ponto de virada de Robben: melhor jogador do torneio para muitos, ali ele provou que era craque (Laurence Griffiths/Getty Images)
Dali por diante, Robben já nem precisava fazer muita coisa. No Bayern, já não era titular absoluto, já alternava a posição com outros, mas sempre que a experiência era necessária, o holandês era o nome a ser escalado - e ainda seguia marcando bonitos gols. Pela seleção, o caminho foi mais tortuoso: Robben tentava, mas o tempo passava. Uma séria lesão muscular o impediu de tentar ajudar, nos momentos finais da fracassada campanha nas Eliminatórias da Euro 2016. Na qualificação para a Copa de 2018, a Holanda já estava quase desenganada, mas ele tentou: no jogo derradeiro da campanha, contra a Suécia, a Laranja precisava de uma vitória por oito gols de diferença para se classificar. Venceu por 2 a 0, ficou de fora da Copa, mas quem marcou os dois? Ele mesmo: Arjen Robben. Que ali se despediu da camisa laranja, após 14 anos e 96 jogos em que a vestiu, com 37 gols.

Nesta temporada recém-encerrada, oito títulos da Bundesliga alemã e cinco títulos da Copa da Alemanha depois, Robben decidiu deixar o Bayern de Munique. Foi cobiçado: de Juventus a Benfica, de Groningen a PSV, vários clubes desejavam tê-lo no inverno de seu tempo futebolístico. Mas ele preferiu parar. Afinal, nada melhor para um craque como Robben do que ter o fim merecido: deixar saudades, sair de cena coberto de aplausos. Nada mais justo para alguém que simboliza, junto aos colegas de geração Wesley Sneijder e Robin van Persie, o que foi o futebol da Holanda nos últimos quinze anos.

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