terça-feira, 29 de junho de 2021

O círculo vai se quebrar?

A eliminação na Euro 2020 foi demais para Frank de Boer, visto com desconfiança desde antes de chegar à seleção da Holanda. Ele caiu. E a federação, que tanto tem errado na escolha dos treinadores, precisará acertar em pouco tempo (Pro Shots)

Quando foi contratado, só o benefício da dúvida ao qual todo ser humano tem direito permitia alguma confiança de que as coisas para Frank de Boer dariam certo na seleção masculina da Holanda. A desconfiança era gigantesca. Demorar quatro partidas para ter a primeira vitória sob seu comando não o ajudou. A campanha perfeita na fase de grupos da Euro 2020 rendeu só um leve crédito. Mas o modo desalentador com que os Países Baixos se renderam à República Tcheca na eliminação, nas oitavas de final, deixou claro que sua saída era um fato esperando para acontecer. Aconteceu: Frank se antecipou à decisão que fatalmente a federação holandesa tomaria. E a KNVB está de volta à estaca zero. A dois meses de uma sequência decisiva nas eliminatórias da Copa de 2022, terá de escolher um novo técnico para a Laranja. Sem poder errar. Até porque a entidade já colocou o comando da Oranje num círculo vicioso há muito tempo. Mais precisamente, desde 2014. 

Vale lembrar a história: já se sabia que Louis van Gaal deixaria a seleção após a Copa daquele ano. Ronald Koeman optara por não renovar contrato com o Feyenoord: esperava receber a proposta da federação para ser o sucessor de Van Gaal. Porém, Bert van Oostveen, então diretor de futebol profissional da federação, preferiu trazer Guus Hiddink (que se "candidatara" numa coluna de jornal) de volta, até a Euro 2016 - para que ele "preparasse" Danny Blind, que seguiria como auxiliar técnico, para se tornar o treinador neerlandês após a Euro. 

Deu tudo errado. Decadente para grandes trabalhos, com uma equipe taticamente frouxa sob seu comando, Hiddink preferiu antecipar a saída, ainda durante à problemática campanha nas eliminatórias da Euro 2016. Ainda sem preparação nem experiência suficientes para o cargo (só treinara o Ajax por alguns meses, entre 2005 e 2006), Danny Blind foi jogado à fogueira. Tinha tudo para dar errado. Deu errado: não só ele fracassou ao tentar arrumar a Holanda, que ficou mesmo fora daquela Euro, como seguiu sem atrair confiança nenhuma de torcida e imprensa. Foi demitido logo na quarta rodada das eliminatórias da Copa de 2018 - àquela altura, já sob outro diretor geral, o ex-goleiro Hans van Breukelen.

Aí, às pressas, Dick Advocaat teve de voltar à seleção pela terceira vez, para ocupar um papel que conheceu bastante em sua carreira: ser um "bombeiro", tentar consertar a situação com algum pragmatismo. Fez o possível, mas algumas derrotas (o 4 a 0 para a França) e o maior mérito da Suécia em aumentar seu saldo de gols deixaram a Laranja fora de uma Copa do Mundo, pela primeira vez após 16 anos. Só aí a federação viveu um cenário ideal: no começo de 2018, já com Eric Gudde como seu diretor geral, trouxe Ronald Koeman, o mais desejado por quem acompanhava futebol no país. Koeman podia estar em baixa, mas para o nível de jogos entre seleções, era capaz de fazer um trabalho decente. E fez: entre 2018 e 2020, ele conseguiu fazer o que se pede de qualquer equipe nacional - ou seja, aproveitar bem os nomes à disposição. A Holanda podia não ser brilhante, mas chegou ao vice-campeonato na Liga das Nações, e garantiu facilmente a vaga na Euro 2020. 

O diretor geral Eric Gudde escolheu certo quando trouxe Ronald Koeman para a Laranja, em 2018. O trabalho era bom. Mas aí, o azar arruinou (ANP)

Mas como em várias histórias tristes, o azar também deu seu empurrão. Eliminado de forma vexatória na Liga dos Campeões 2019/20 (um 8 a 2 do Bayern de Munique nas quartas de final), o Barcelona voltou a cortejar Ronald Koeman, como já fizera duas vezes antes. O técnico podia estar na seleção neerlandesa, mas nunca fez segredo: no seu plano de carreira, o ápice seria treinar o clube espanhol, em que fizera história como jogador. Tanto que, numa cláusula de seu contrato, constava: se o Barcelona, e só o Barcelona, fizesse uma oferta vantajosa, Koeman seria liberado pela federação sem problemas. O cavalo passava selado em sua frente pela terceira vez, o futebol ainda vivia relativa parada na pandemia... e Koeman decidiu realizar seu sonho. A KNVB ficava a ver navios.

E como sempre nos últimos anos, fazia a opção errada. Frank de Boer foi escolhido apenas por ser o único holandês imediatamente à disposição - Peter Bosz e Erik ten Hag, considerados os melhores do país, estavam empregados; Frank Rijkaard encerrara a carreira de técnico; Louis van Gaal, mesmo sempre deixando uma porta entreaberta, também parara. Havia 42 anos que um técnico estrangeiro não comandava a Laranja, desde o austríaco Ernst Happel. No que dependesse da federação, continuaria assim (muito embora o auxiliar Dwight Lodeweges, que até treinou a seleção como interino entre a saída de Koeman e a chegada de De Boer, seja canadense de nascimento).

Novamente, a escolha deu errado. E aí, entram mais problemas antes da falta de organização da federação holandesa sobre o que quer para a seleção masculina. Sem Erik ten Hag nem Peter Bosz, que seguem empregados, muitos nomes holandeses serão cogitados atualmente: Giovanni van Bronckhorst, Phillip Cocu, Ruud Gullit, talvez Clarence Seedorf, Henk ten Cate, talvez até tentar tirar Van Gaal da "semiaposentadoria". Nenhum deles é um técnico de ponta, na atualidade. Nenhum deles teria um nível muito diferente do que Frank de Boer teve, em seus 15 jogos na Oranje - oito vitórias, quatro empates, três derrotas -, ao longo de 279 dias.

Além do mais, já não há porque a Holanda ser tão ciosa de suas tradições, do fato de ter criado uma escola tática, porque ela já foi compreendida (e até superada) há muito tempo. Para isso, talvez fosse melhor trazer um treinador estrangeiro. Só que também não há muitos nomes à disposição. Saindo da seleção alemã, Joachim Löw talvez prefira treinar clubes, ou ficar um tempo parado; Arsène Wenger seria uma incógnita completa, parado há alguns anos; Zinedine Zidane é mais uma ideia de torcedor do que uma possibilidade factível.

Enfim, há poucas opções para a federação holandesa escolher, e tentar consertar o trabalho antes de três rodadas decisivas nas eliminatórias da Copa de 2022 (os Países Baixos enfrentarão Noruega, Montenegro e Turquia, três concorrentes à vaga no Mundial). Prestes a deixar a federação - Marianne van Leeuwen será sua substituta -, Eric Gudde tem pouco tempo para a escolha. E ela tem de ser quase perfeita. Fica a pergunta: quem quebrará o círculo vicioso entre os treinadores da Laranja?

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