sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Guia da Eredivisie feminina: todos contra o duopólio

Na gangorra com o Ajax pelo domínio do futebol feminino na Holanda, o Twente foi o campeão passado. Resta ao Ajax tentar destroná-lo. E aos outros clubes, correrem atrás (Photo Pestige/Soccrates/Getty Images)

O futebol feminino da Holanda já começa a notar algo com que o futebol masculino do país já está habituado há muito tempo: uma coisa é a seleção, outra coisa são os clubes. Afinal, se antes os destaques das Leoas Laranjas já eram muito conhecidos (Daniëlle van de Donk, Jackie Groenen, Lieke Martens, Vivianne Miedema, Shanice van de Sanden), ficaram ainda mais célebres depois do vice-campeonato na Copa do Mundo, prova definitiva de que a geração atual é histórica e de que o título da Euro 2017 não foi só "sorte de principiante". 

Todavia, todas as jogadoras que simbolizam o grande momento da seleção atuam fora da terra natal. E a Eredivisie feminina, que começa nesta sexta-feira, com quatro partidas, ainda sofre com o lado B do incentivo que a federação tenta dar à modalidade: poucos clubes têm times de mulheres, a liga tem baixa qualidade técnica... e o título é assunto de apenas dois times: Ajax (bicampeão em 2016/17 e 2017/18) e Twente (campeão na temporada passada - e, antes, dono do título em 2015/16). É exatamente contra este "duopólio" que os outros seis clubes da Eredivisie Vrouwen se esforçarão.

Será difícil. Porque, se a dupla Ajax e Twente domina o futebol feminino, é porque de fato se tratam dos únicos clubes a unirem tradição e investimento (pouco, mas existente) na modalidade dentro da Holanda. O PSV até sonhou em fazer frente no ano passado, ao ser líder da fase de classificação - mas fraquejou na segunda fase, quando os cinco primeiros colocados disputaram o título. Já outros clubes, como ADO Den Haag, Zwolle e Heerenveen, têm tradição com equipes de mulheres, mas falta a eles dinheiro. E outros ou são amadores (VV Alkmaar) ou precisam se unir para que uma equipe de futebol feminino seja viável (o Excelsior, que cedeu estrutura e jogadoras ao Barendrecht). Isso, para nem falar de clubes que sequer se interessam por uma equipe profissional feminina - o Feyenoord, por exemplo.

De todo modo, pelo menos os dois grandes fazem um papel digno. O Twente representa a tradição: várias das jogadoras da seleção atual tiveram passagem pelo clube de Enschede. Há vários nomes experientes nos Tukkers, como a zagueira Maud Roetgering, a meio-campista Sisca Folkertsma e a atacante Renate Jansen (esta, convocada para a Copa passada). Há pelo menos um reforço capaz de fortalecer a equipe: a jovem atacante Fenna Kalma, muito bem nas seleções de base da Holanda. E, ora bolas, é o Twente o atual campeão holandês feminino - e já classificado para o mata-mata da Liga dos Campeões, após passar da fase de grupos preliminar. Fica o desafio para as comandadas do técnico alemão Tommy Stroot: manter o domínio na Holanda, e conseguir surpreender na principal competição europeia.

Mal saiu e já voltou: uma temporada na Alemanha, e Van Lunteren já retorna ao Ajax que tão bem conhece para ajudar a equipe a voltar ao título (Divulgação)

Mas se o Twente é a tradição, o Ajax é o investimento. Promover a ex-zagueira Daphne Koster a diretora da modalidade dentro do clube - logo que Koster encerrou a carreira, em 2016 - já era um sinal de que os Ajacieden estavam interessados em exercerem no futebol feminino a mesma influência exercida no masculino. Com dinheiro e algum planejamento, os Amsterdammers alcançaram o topo facilmente. E o técnico Danny Schenkel tem em sua equipe ainda mais jogadoras com vivência de seleção. Só na campanha do vice-campeonato mundial na França, estiveram a goleira Lize Kop, a lateral direita Liza van der Most e a atacante Ellen Jansen. De quebra, pouco antes da Copa, outra convocada da Holanda foi contratada: a volante Victoria Pelova. E pouco depois do Mundial, uma velha conhecida voltou: após uma temporada no Freiburg, da Alemanha, a lateral direita Desiree van Lunteren, titular absoluta da seleção, retornou ao clube em que passara seis anos. Sem contar nomes já conhecidos da Eredivisie feminina, como a atacante Marjolijn van den Bighelaar e a zagueira (e capitã) Kelly Zeeman.

Katja Snoeijs pode ajudar o PSV a, enfim, ser um clube diferente com o título da Eredivisie Vrouwen (Divulgação)

Depois da decepção na reta final da Eredivisie passada, restou ao PSV se preparar para esta temporada. E os Boeren têm o que comemorar. Primeiro, mantiveram os principais destaques, configurando um time que equilibra bem experiência e juventude. De um lado, há as atacantes Jesslyn Kuijpers e Katia Snoeijs; do outro, nomes como a zagueira jamaicana Dominique Bond-Flasza (esteve na Copa). E pelo menos um reforço: a goleira mexicana Cecilia Santiago, experiente titular de sua seleção. Ainda há a lateral Aniek Nouwen, que quase foi convocada para a Copa do Mundo. Nem é tão impressionante, mas mostra uma equipe capaz de (tentar) fazer frente a Twente e Ajax.

De resto, nas outras equipes, há até nomes capazes de chamarem atenção. O Heerenveen tem a goleadora do campeonato passado, Tiny Hoekstra (que marcou... 28 gols - no guia da Eredivisie feminina, a revista ELF/Voetbal até brincou: "Alex Morgan, quem?"). O ADO Den Haag tem a goleira Barbara Lorsheyd, que vez por outra é convocada para ser reserva na seleção. Mas... parece insuficiente para sonhar com coisa maior.

De todo modo, os oito times começam a temporada 2019/20. O regulamento já é sabido: oito times disputarão 14 rodadas regulares. A partir daí, o Campeonato Holandês se divide em dois. Os quatro primeiros colocados terão suas pontuações divididas pela metade (e arredondada para cima, em caso de número ímpar de pontos) e disputarão um quadrangular pelo título, em pontos corridos. E os quatro últimos verão... quem ficará em melhor posição, já que não há rebaixamento na Eredivisie Vrouwen.

Óbvio, o Campeonato Holandês é fraco. Chama pouquíssima atenção. Qualquer candidata a craque dificilmente fica no país. Mas, entre outras coisas, a importância da fase esplendorosa da seleção holandesa feminina está nisso: fazer com que mais cidadãs achem que... sim, vale a pena jogar. Pouco a pouco, os clubes vêm respaldando isso. E cada Campeonato Holandês feminino tem sua colaboração na manutenção da evolução notável que o futebol de mulheres vive na Holanda. Bem vinda seja a temporada, então.


Nenhum comentário:

Postar um comentário