sábado, 28 de novembro de 2020

Os 25 anos de Ajax x Grêmio - na visão do Ajax

O Ajax pode nem comemorar tanto a conquista do Mundial Interclubes de 1995 quanto o Grêmio lamenta a derrota. Mas os Ajacieden gostam de lembrar, sim, que foram campeões. E fazem questão de ostentar a conquista - com a camisa que Dinho vestiu naquela final (Marcelo Alves/O Globo)


Muito se sabe de como o Grêmio reagiu em relação à final do Mundial Interclubes, contra o Ajax, há exatamente 25 anos: a postura de admiração em relação ao adversário, a irritação com o juiz inglês David Elleray (pela polêmica expulsão de Rivarola), a lamentação pela derrota nos pênaltis, após 120 minutos de 0 a 0, o orgulho por ver que o Tricolor segurou um adversário que causava tanto furor no futebol mundial, naquela década. Pois do lado do Ajax, a empolgação com aquela partida no Estádio Mundial de Tóquio evidente e obviamente não era a mesma. Porém, a postura do Grêmio em campo - e o fato de que, ora bolas, se tratava de um título mundial, que o Ajax só ganhara em 1972 (e se recusara a disputar em 1971 e 1973) - fizeram com que o clube holandês valorizasse a conquista daquele 28 de novembro de 1995. Conquista sempre lembrada - até pela camisa 5 vestida por Dinho naquela final no Japão, exposta no museu dentro da Johan Cruyff Arena, como se vê acima. É essa visão holandesa sobre aquele Mundial Interclubes será descrita aqui.

O Ajax no Brasil: a mania com respeito até exagerado

No Brasil, a badalação que se fazia sobre os Amsterdammers era até demasiada. É verdade que os motivos justificavam: o Ajax não só fora campeão holandês invicto na temporada 1994/95, como seguia com uma sequência admirável de jogos sem derrota. Em todas as competições - Copa da Holanda, Liga dos Campeões e Campeonato Holandês -, o Ajax não perdia desde 8 de janeiro de 1995. Até ali, em 15 rodadas da Eredivisie 1995/96, eram 14 vitórias, um empate e somente três gols sofridos. Não servia muito de parâmetro. Mas Alberto Helena Júnior, então colunista da Folha de S. Paulo, explicava o esquecimento do fato de que o nível técnico da Eredivisie era fragílimo: "Afinal, argumentam, o Campeonato Holandês é um cemitério de galinhas. Certo, até concordo. Mas, para chegar a Tóquio, o Ajax teve de matar pelo caminho alguns leões da Europa, como, por exemplo, o Milan e o Bayern de Munique, abatido por 5 a 2, fora os gols perdidos e o baile". Outro a lembrar isso foi Galvão Bueno, logo no começo do jogo, na transmissão da TV Globo: "No Campeonato Holandês eles têm o Ajax, o Feyenoord e o PSV. E o resto, não joga na divisão D do futebol brasileiro. Por isso aquelas goleadas de 8 a 0, 11 a 0, 10 a 0... eles jogam com defesas muito frágeis. É uma coisa sistemática do futebol holandês".

Para aumentar o respeito até exagerado que se tinha em relação ao Ajax, na semana anterior ao jogo em Tóquio, aquela equipe disputara um jogo considerado inesquecível - pelos próprios jogadores: na quinta rodada da fase de grupos pela Liga dos Campeões 1995/96, em 22 de novembro, o Ajax vencera o Real Madrid por 2 a 0, em pleno Santiago Bernabéu. E o nível técnico mostrado pelos Ajacieden deixara aquele placar muito barato, numa atuação até histórica. Além do mais, se Frank Rijkaard encerrara a carreira após o título europeu e se Clarence Seedorf já era da Sampdoria àquela altura, sobravam jogadores falados, de talento reconhecido (Edwin van der Sar, Frank de Boer, Edgar Davids, Jari Litmanen, Patrick Kluivert) ou apenas cumpridores discretos dos deveres (Michael Reiziger, Winston Bogarde, Ronald de Boer), todos treinados por Louis van Gaal.


Enfim: o Ajax era mania em 1995. Até no Brasil: a TV Globo exibira a final da Liga dos Campeões contra o Milan na tevê aberta, a TVA Esportes a exibira na tevê por assinatura - e já convertida em ESPN Brasil, seguia mostrando a Liga dos Campeões. E muita gente que assistia a futebol àquela altura achou aquele time vencedor, no mínimo, interessante. Prova disso era a matéria de Rodrigo Bueno, para a Folha de S. Paulo em 26 de novembro de 1995, ouvindo Nelson Semeone, gerente da Planeta Futebol, loja paulistana de camisas de futebol, que tinha certa fama: "O Ajax sempre vendeu bem, mas, devido à atual fase que o time vive, temos vendido mais de 40 camisas do Ajax por semana". Era um número maior do que as camisas de qualquer clube brasileiro vendidas na Planeta Futebol naquela época.

Na Holanda: quanto mais perto o jogo, mais informação e mais cuidado

Logo após a final vencida na Liga dos Campeões, Louis van Gaal deu mostra de como a Copa Libertadores (e quem a decidia) era um assunto totalmente alheio ao Ajax. Perguntado por Marcelo Duarte, enviado especial da revista Placar à decisão contra o Milan, o técnico disse: "Não sei quem vem do lado de lá". Porém, à medida que a partida em Tóquio foi se aproximando, pouco a pouco vieram as informações sobre o Grêmio. Tanto internas, para a comissão técnica do Ajax, quanto externas, para a torcida. E elas repercutiam na Holanda (Países Baixos) o estereótipo que se tinha daquela equipe gremista (com Danrlei, Arce, Adílson - hoje Adílson Batista -, Roger - hoje Roger Machado -, Dinho, Luís Carlos Goiano, Arílson, Carlos Miguel, Jardel, Paulo Nunes...): um time mais de força do que de técnica. Foi o tom da notícia do diário Algemeen Dagblad em 1º de setembro de 1995, repercutindo a conquista da Libertadores pelo Tricolor: "O mosqueteiro é o mascote do clube: um soldado com armas históricas. Combina com o time, no qual faltas duras e comportamento são mais frequentes do que a típica técnica brasileira".

Porém, tão logo o Ajax viajou a Tóquio, logo após a marcante atuação de 22 de novembro de 1995 contra o Real Madrid na Liga dos Campeões, é justo dizer: o foco foi total no Grêmio. E se houve um personagem que tomou todo o cuidado para que o adversário brasileiro fosse bem conhecido dos Ajacieden, foi justamente quem assumiu desconhecimento sobre os times que poderiam vencer a Libertadores: Louis van Gaal. Em podcast especial produzido pelo Ajax sobre aquela final, Blind reconheceu: "Só fomos estudar sobre o Grêmio na semana do jogo. Como o Mundial Interclubes é bem mais importante na América do Sul - é o maior título que se pode ganhar para um clube de lá -, eles já estavam se preparando havia duas semanas". 

Junto a Blind no podcast, Van der Sar (hoje diretor geral do Ajax) se lembrou: "Van Gaal e a comissão técnica expuseram tudo que era necessário saber sobre o Grêmio". E o ex-goleiro se recordou de um fator altamente importante para o Ajax não se abalar com o fuso horário japonês - as constantes atividades que a delegação vinda de Amsterdã teve, tão logo chegou a Tóquio, quatro dias antes do jogo: "Não podíamos dormir, de jeito nenhum: a gente precisava ficar em pé, precisava andar, precisava ficar acordado. E as atividades que Van Gaal planejou foram úteis para isso". Quais atividades? Um simples passeio por parques, templos e lojas de eletrônicos em Tóquio, com várias câmeras fotográficas para registrar tudo. As diferenças culturais chamaram a atenção, conforme registrou o jornalista Mark van den Heuvel no diário Het Parool, em 27 de novembro de 1995. Blind elogiava: "As pessoas são muito gentis". Kluivert estranhava: "As pessoas aqui são meio estressadas". E Van Gaal já reconhecia: "Eu não viveria em Tóquio. Muito estresse, muitas filas, muitos prédios. E japoneses são incrivelmente gentis, mas... até demais. Prefiro algo mais normal. Mas não levo a mal os japoneses, é a cultura deles".

No "Het Parool" de 27 de novembro de 1995, a estratégia do Ajax para driblar o fuso horário na viagem a Tóquio: andar, andar e andar pela capital (Reprodução/Arquivo)

De todo modo, se a viagem era cansativa e se os torcedores eram poucos em Tóquio (mas provocativos: traziam camisetas com os dizeres "Grêmio, Grêmio, who the fuck is Grêmio?” - "Grêmio, Grêmio, que merda é essa de Grêmio?" - antes do jogo), quem era da delegação do Ajax tinha um objetivo, como expressava ao Het Parool Bobby Haarms (1934-2009), um faz-tudo naquela delegação, figura querida e histórica no Ajax: "Não estou aqui para me divertir. Estou aqui para um jogo. Não importa muito onde ele é, se em Tóquio ou em Deventer [cidade do Go Ahead Eagles, time holandês]".

E cada vez mais, a imprensa holandesa repercutia sobre o Grêmio naquelas vésperas da decisão em Tóquio. Com um destaque básico: o estilo firme da marcação do time de Luiz Felipe Scolari. No Het Parool de 27 de novembro, Mark van den Heuvel citava que um jornalista holandês, Jan Donkers, fora assistir a Grêmio 1x0 Sport, no Olímpico, em 29 de outubro, pelo Campeonato Brasileiro - e ficou impressionado com o estado dos jogadores do Sport: "Eles chegaram ao hotel mancando, pareciam soldados voltando da guerra". No diário Trouw, o jornalista Matty Verkamman trazia uma opinião brasileira respeitável - Paulo Roberto Falcão, que comentaria o Mundial Interclubes para a Rádio Gaúcha: "Eu valorizo o futebol do Grêmio, assim como faço com o Ajax. Eles se defendem bem e saem rápido para o contra-ataque. É mais ou menos como a Seleção Brasileira foi campeã mundial, nos Estados Unidos: defesa fechada e ataque bem dosado. Pode não ser bonito mas é eficiente".

Na edição do Trouw de 28 de novembro, dia do jogo, Matty Verkamman escrevia até um curto histórico do Grêmio. Finalmente, eram repercutidos os destaques do Grêmio: Arílson, Paulo Nunes e, o mais comentado, Jardel. E uma opinião que "Felipão" deu na coletiva pré-jogo era muito usada, para descrever a diferença entre o que o Grêmio mostrava em campo e o imaginário do futebol brasileiro na Holanda: "Somos um time europeu. Viemos de um lugar em que o inverno é frio, e alguns lugares não têm espaço para caminhar. Claro que vamos ter um estilo de força física. O Ajax é que é mais comparável a um clube de São Paulo, ou do Rio de Janeiro".

O jogo: Ajax campeão e Grêmio vencedor

Por mais que o Ajax fosse considerado favorito, Van Gaal estava bem informado sobre a principal qualidade ofensiva gremista. Em sua biografia, lançada em 2011, Van der Sar deixou isso claro - e se lembrou de um lance perigoso do Grêmio, já no segundo tempo, aos 77': “Van Gaal dissera: ‘Jardel sempre cabeceia no primeiro pau. Sempre. Ele nunca se posiciona na segunda trave’. Foi isso mesmo, mas uma vez o cara fez que ia para o primeiro pau e foi para o segundo. E a bola foi para lá. Jardel perdeu por um fio de cabelo. Ali eu temi perder o título”. 

De certa forma, a postura Ajacied naquele Mundial Interclubes foi resumida por Van der Sar, no podcast especial do Ajax: "Estávamos todos cansados, mais preocupados com a Eredivisie e a Liga dos Campeões. Mas quando estávamos em campo, sabíamos: era uma decisão, era um título importante, e tínhamos que ganhar". E a equipe de Amsterdã teve dificuldades - até inesperadas. Em seu relato do jogo para a edição de dezembro da revista Placar, Sérgio Xavier Filho descreveu bem a pressão gremista no início do jogo: "O ataque gremista obrigou o goleiro holandês a diversos chutões, e não foi por outra razão que o time gaúcho dominou os primeiros minutos da partida". De fato: foram dois chutes que passaram à esquerda de Van der Sar - Paulo Nunes, aos 5', e Arílson, aos 19'.

E nem mesmo a controversa expulsão de Rivarola, numa dividida pela bola com Kluivert, aos 56' - que até rendeu grande chance do Ajax (Litmanen chutou fraco para Danrlei pegar, na sequência) - fez com que o Ajax melhorasse. Danny Blind lamentou: "Não conseguimos impor o nosso estilo. Estávamos bem na Liga dos Campeões, mas jogamos mal em Tóquio. Mesmo com o Grêmio tendo dez jogadores, fomos lentos". Não só foram lentos: também permitiram chances ao Tricolor, principalmente na segunda parte dos 90 minutos - como dois toques de Jardel, aos 60' e o supracitado, aos 76'. Nem mesmo a entrada de Nwankwo Kanu criou mais chances no ataque. A rigor, os únicos dois destaques dos Ajacieden foram Blind, na defesa, e Overmars, bastante ativo na ponta direita.

Para sempre a torcida do Grêmio criticará o juiz David Elleray: uma dividida até normal rendeu a expulsão a Rivarola. Mas o Ajax também criticou o juiz daquela decisão de Mundial (Masahide Tomikoshi)

Se o interesse dos Ajacieden em Amsterdã não era o mesmo que o dos gremistas (e dos colorados, "aumentando" a torcida do Ajax) em Porto Alegre, ele existia: o Algemeen Dagblad do dia do jogo previa uma "onda de gripes" na capital holandesa, para mais gente "enforcar" o trabalho e ir assistir à partida, às 11h da manhã de Amsterdã - e mesmo que as empresas na cidade mantivessem expediente normal, deixariam telões à disposição dos funcionários para uma espiadela no jogo, nos horários de folga.

Assim, todos viram um Ajax que teve até mais posse de bola, mas criou pouco. Cruzou bolas em excesso - foram 39 lançamentos para a área. Que sofreu com o gramado do Estádio Nacional de Tóquio, o elemento mais criticado pelo Ajax naquela final - o Het Parool do dia seguinte à final registrou Van Gaal irado: "Estava horrivelmente escorregadio. A final do Mundial Interclubes deveria ser jogada em condições perfeitas, e seguramente não foi o caso". 25 anos depois, Van der Sar se recordou: "Era um gramado careca, era ralo demais". E se a arbitragem de David Elleray foi o item mais criticado pelos gremistas, por rigor excessivo (e por demorar a dar cartões para o Ajax), a queixa do Ajax foi a oposta. O Het Parool registrou as palavras do presidente Ajacied, Michael van Praag: "Realmente perguntei se o juiz é que não deveria ter recebido o carro da Toyota, como melhor da partida. Ele deixou passar algumas faltas duras do Grêmio, durante a partida".

Na hora dos pênaltis, o Ajax estava tão despreocupado. Sequer treinara cobranças. Treinador dos goleiros da equipe holandesa, Frans Hoek justificou: "Van der Sar já sabe os cantos em que os batedores cobram. Treinar para quê?". E mesmo com o erro de Kluivert, a calma se apresentou nas cobranças. Melhor exemplo disso não houve do que o cobrador que converteu para o 4 a 3 que deu o segundo título mundial da história do Ajax. Van Gaal comentou: "Blind se ofereceu para bater o último. Facilitou o meu trabalho". E bateu muito bem para definir o título que orgulhou Frank de Boer, ao diário Amigoe: "Alguém acabou de me dizer 'que orgulho seus pais devem ter de você e de Ronald'. É, eu me emocionei".



Ainda assim, mesmo com o Ajax campeão, o Grêmio podia se orgulhar. Tinha conseguido o que o Real Madrid passara longe de conseguir na Liga dos Campeões, quase uma semana antes: dificultado as coisas. Na Folha de S. Paulo de 29 de novembro, dia seguinte à final, Alberto Helena Júnior (constantemente elogioso ao Ajax e crítico ao Grêmio) deu o elogio insuspeito: "O Ajax é campeão, mas o Grêmio é vencedor".

A festa foi pouca, mas foi festa

Não, o Ajax não fez muita festa no estádio - "não era um ambiente fervilhante, tinha uma pista de atletismo, deixava a torcida distante", opinou Van der Sar ao podcast especial de 25 anos da conquista. No entanto, quando o time saiu do Estádio Nacional de Tóquio, com a delegação unida de novo, pôde festejar. Primeiro, no Hard Rock Café de Tóquio ("Cantamos umas músicas de André Hazes, até o sol raiar, quase até a hora da viagem de volta", riu Van der Sar). 

Depois, no dia 30 de novembro, data do desembarque em Amsterdã - que tivera lá seus festejos com a vitória (cerca de mil pessoas foram às ruas após a cobrança decisiva de Blind) e que rendera boa audiência (4 milhões de telespectadores viram a partida de Tóquio, na emissora NOS). Se a festa na Museumplein, a Praça dos Museus, foi menos empolgada do que a apoteose dos festejos pelo título da Liga dos Campeões, também atraiu lá seus milhares de pessoas. 

E deixou claro que, sim, o Ajax se orgulha do título mundial ganho diante do Grêmio. Não fosse assim, e Louis van Gaal não faria este discurso na festa na Museumplein, até hoje lembrado, 25 anos depois:

"En wat zijn wij? Wij zijn de beste! Wij zijn de beste! En niet alleen van Amsterdam, maar ook van Rotterdam! En ook van Eindhoven! En ook van Europa! En wij zijn de beste van de.... wereld!"

(E o que nós somos? Nós somos os melhores! Nós somos os melhores! E não só de Amsterdã, mas também de Roterdã! E também de Eindhoven! E também da Europa! E nós somos os melhores do... mundo!)

2 comentários:

  1. Que artigo maravilhoso, muito bem escrito e repleto de informações. Se possível, façam um semelhante sobre a primeira Intercontinental vencida pelo Ajax, sei que deve ser ainda mais trabalhoso, mas devem existir histórias incríveis sobre aqueles confrontos, especialmente no caldeirão de Avellaneda e os antecedentes.

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  2. E onde tá o Ajax agora? Nunca mais ganhou uma champions depois de ter ganhado do Grêmio. Eita praga boa que eu roguei!

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