sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Grandes laranjas: Rijkaard

A versatilidade que mostrou, ao jogar na defesa, tornou Frank Rijkaard um dos mais marcantes e vitoriosos jogadores de sua geração (Bongarts/Getty Images)

Quando ele jogou, foi um sinônimo de versatilidade em posições defensivas: poderia ser líbero, zagueiro, volante, sendo muito técnico e seguro em todas essas funções, ousando constantemente avançar ao ataque. Como técnico, sua experiência foi até pequena (15 anos de carreira, entre 1998 e 2013), mas teve pelo menos dois grandes momentos. O brilho em campo e a sabedoria na condução de grupos experientes, como técnico, fizeram Frank Rijkaard ser um personagem definitivo de sua geração no futebol da Holanda (Países Baixos), mesmo sendo uma figura discreta. Por tudo isso, o ex-defensor será certa e justamente relembrado nesta sexta-feira em que completa 60 anos de idade.

Origem parecida, decisões diferentes

Franklin Edmundo Rijkaard era filho de um surinamês com uma holandesa. Nasceu e cresceu no Jordaan, bairro operário de Amsterdã. Começou a conhecer (e a jogar) futebol na Balboaplein, praça das redondezas. Tudo isso, semelhante a um amigo que ele fez nessas peladas infantis, chamado Ruud Gullit. E como Gullit, na passagem para a adolescência, Rijkaard foi dos bate-bolas na Balboaplein para clubes amadores: desde 1972, passou por SC Buitenveldert, Blauw-Wit, DWS... tudo isso, junto ao amigo que conheceu desde a infância, como se pode ler no texto do começo deste mês, celebrando os 60 anos de Gullit.

Os bate-bolas na Balboaplein foram o começo da amizade de Gullit e Rijkaard, dentro e fora de campo. E a amizade segue - na foto, em 2020, ambos abriam uma quadra na Balboaplein (Remko de Waal/ANP/AFP via Getty Images)

Porém, em 1979, os caminhos dos dois se separaram, pelo menos momentaneamente. Se Gullit preferiu iniciar a carreira profissional em outro clube, o Haarlem, Rijkaard foi visto antes por um olheiro do Ajax, Rob Been. Chegou também a avaliar se seria melhor começar jogando no clube onde o amigo estava, após desconfianças internas de que seu nível técnico seria insuficiente para os Ajacieden. Mesmo tendo tantas semelhanças com Gullit, dentro e fora de campo, Frank decidiu arriscar: ficou no Ajax. Sua trajetória no futebol começaria para valer em Amsterdã.

A rápida evolução de um pioneiro

A estreia demorou um pouco: Rijkaard teve seu primeiro jogo pelo Ajax em 23 de agosto de 1980, substituindo o volante dinamarquês Soren Lerby no intervalo da vitória por 4 a 2 sobre o Go Ahead Eagles, pelo Campeonato Holandês 1980/81 - de quebra, o jovem já marcou o seu primeiro gol na estreia. Foi só o começo: a evolução de Rijkaard foi tão rápida que, com apenas um ano no time principal do Ajax, ele já recebeu a primeira chance na seleção masculina da Holanda (Países Baixos). Em 1º de setembro de 1981, ele jogou o primeiro tempo do amistoso da Laranja contra a Suíça - que venceu, por 2 a 1. Por sinal, na mesma partida, Rijkaard se "reencontrou" com o amigo de infância: o mesmo amistoso marcava a estreia de Ruud Gullit vestindo laranja.

Rijkaard começou a jogar pelo Ajax na temporada 1980/81. Na seguinte, já era titular absoluto - e já começava a ter espaço na seleção masculina (Marcel Antonisse/Anefo/Arquivo)

Treinador Ajacied na época, Leo Beenhakker abriu caminho para Frank virar titular rapidamente. E já mostrar versatilidade. Na primeira temporada, ele foi escalado como meio-campo, pela direita; a partir de 1981/82, Rijkaard já era zagueiro na campanha do título holandês do Ajax naquela temporada. Outros novatos começavam a aparecer em Amsterdã: Gerald Vanenburg, Wim Kieft, Marco van Basten... mas Rijkaard era, talvez, o pioneiro daquela geração. Até por isso, mesmo chegando aos 20 anos, já tinha certa ascendência dentro do Ajax. O que justificava a maior visibilidade de seu talento: nas premiações da revista Voetbal International aos melhores da temporada 1981/82, o jogador teve a quarta melhor média. E também justificava mais aparições dentro da seleção: foram cinco partidas pela Oranje, em 1982. 

Um racha adiado - e concretizado por Cruyff

Ao longo daqueles anos de início no Ajax, Rijkaard ganhou destaque. Mesmo sem aparições notáveis dos Amsterdammers em torneios continentais, foram mais dois títulos na Eredivisie (1982/83 e 1984/85) e uma conquista da Copa da Holanda (1982/83). Até vir um ponto de virada no Ajax, no meio daquela década: após uma volta fugaz e marcante ao clube em que começou, em 1981, entrecortada pela polêmica passagem no Feyenoord, Johan Cruyff começou sua carreira de treinador no clube de Amsterdã, em 1985. E fez de Rijkaard o grande nome da zaga, numa fase em que o Ajax ficou em segundo plano na Eredivisie, mas conquistou o bicampeonato na Copa da Holanda (1985/86, 1986/87), ganhando a chance para voltar a levar o clube a um título europeu - no caso, a Recopa Europeia (1986/87). A preponderância no Ajax, enfim, impulsionou sua carreira na seleção: a partir de 1985, na reta final das eliminatórias da Copa de 1986, Rijkaard começou a ter sequência definitiva na Laranja - e também começou a formação da dupla de zaga que seria tão marcante com Ronald Koeman.

Todavia, aquela mesma temporada vitoriosa trouxe o começo de um racha na relação entre Rijkaard e o Ajax. Procurando enfraquecer os rivais para consolidar o domínio que tinha no Campeonato Holandês, o PSV se interessou em trazer o zagueiro/volante para Eindhoven, em março de 1986. E tinha um "pombo-correio" bem conhecido do jogador: seu amigo Ruud Gullit, também chegando então a Eindhoven. Gullit trouxe a oferta do presidente do PSV, Jacques Rits: se aceitasse, Rijkaard levaria antecipadamente 30 mil florins (moeda dos Países Baixos na época), e ainda garantiria um equipamento de som completo - afinal, tratava-se do clube da Philips, empresa conhecida no setor. E ele fechou negócio para a transferência, no fim daquela temporada, a princípio.

Na metade da década de 1980, Rijkaard pelo Ajax, Gullit pelo PSV: os dois amigos quase se reencontraram em Eindhoven, mas a pressão do Ajax impediu o negócio (Pro Shots/Arquivo)

Só a princípio: o Ajax pressionou durante toda a temporada 1986/87 para que Rijkaard desfizesse o negócio com o PSV. As dúvidas aumentaram na cabeça do jogador, e sua produção em campo caiu. Até a decisão algo traumática, em fevereiro de 1987: os clubes entraram em acordo, com o Ajax concordando em pagar uma compensação de 1,5 milhão de florins ao PSV, que, em troca, rescindiu o contrato de Rijkaard antes mesmo dele valer.

Mesmo ficando no Ajax, porém, a confusa negociação iniciou seu fim no clube. Precipitado a partir do começo da temporada 1987/88: discordâncias quanto à posição em que jogaria no time levaram a uma briga com Johan Cruyff, nunca mais pacificada. Ali Rijkaard teve o fim de sua primeira passagem pelo clube em que surgiu. E o começo de uma fase difícil na carreira. Que demoraria um pouco a passar.

A apoteose na seleção reabre o caminho nos clubes

Barrado no Ajax, Rijkaard tentou acertar a transferência para o Sporting português, às pressas. De nada adiantou: com a temporada 1987/88 iniciada, a janela de negociações já estava fechada em Portugal. Mesmo cedido ao clube leonino luso, o holandês não poderia jogar por ele - sua passagem-relâmpago se resumiu a treinos no clube de Lisboa, e só é lembrada por isso. O jeito foi um rápido empréstimo ao Zaragoza-ESP, ainda em 1987. No clube espanhol, Rijkaard ganhou o ritmo de jogo necessário para participar da reta final das eliminatórias da Euro 1988. Mais do que isso: foi convocado para o torneio, que marcava a volta da Laranja às grandes competições. E começava aí, relativamente de baixo, a apoteose na carreira do jogador.

Rijkaard ficou pouco no Zaragoza, mas conseguiu ter no time espanhol um impulso para brilhar na Euro 1988

Porque, até curiosamente, foi numa derrota que Rijkaard começou a chamar a atenção. A Holanda estreou na Euro 1988 perdendo para a União Soviética (1 a 0), mas o camisa 17 foi comandante absoluto na defesa: ditava o posicionamento, organizava a saída de bola, liderava os colegas, formava uma dupla de zaga das mais vistosas com Ronald Koeman. Atuação tão impressionante que encantou nomes presentes ao estádio, como o técnico argentino Cesar Luis Menotti... e Arrigo Sacchi, que voltará a ser citado neste parágrafo. Se o começo já foi auspicioso assim, o final daquela Euro foi apoteótico: com a Holanda campeã, Rijkaard terminou consagrado como o melhor zagueiro do torneio. De seus pés saíram jogadas importantes, como a do gol da vitória na semifinal contra a Alemanha. A partir das atuações nos campos alemães, ele começou a simbolizar a polivalência que o deixou tão conhecido: fosse na zaga ou no meio-campo, Rijkaard esbanjava classe. O prêmio por tudo? Arrigo Sacchi trouxe: antes que a temporada 1988/89 começasse, o treinador do Milan correu para contratá-lo e juntá-lo à dupla Ruud Gullit-Marco van Basten. 

Encantado pelas atuações de Rijkaard na Euro 1988, Arrigo Sacchi foi fundamental para trazê-lo ao Milan tão logo o torneio acabou (Alessandro Sabattini/Getty Images)

Estava formado um trio que marcaria o futebol mundial nos anos seguintes. Van Basten era a classe nas finalizações; Gullit tinha a liderança e a força no ataque; e várias jogadas finalizadas pelos dois começavam nas saídas de bola de Frank Rijkaard. Principalmente entre 1989 e 1990: o Milan terminou a temporada 1988/89 consagrado como campeão da Copa dos Campeões, bisaria o feito em 1989/90, e também se consagraria bicampeão mundial interclubes nesses dois anos. Aliás, foi no bicampeonato europeu, na jogada do único gol da final contra o Benfica, que Rijkaard simbolizou toda uma carreira. Naquele 23 de maio de 1990, no então Praterstadion (atualmente estádio Ernst Happel) de Viena (Áustria), Rijkaard começou a se adiantar da zaga para o meio-campo, fora do lance. Acelerou a passada... e quando Van Basten desviou a bola no círculo central, já estava correndo para dominar, chegar à área, tocar na saída do goleiro Silvino e fazer do Milan bicampeão europeu. Da marcação à finalização, na mesma jogada.


Só que o ápice teve uma queda traumática. Às vésperas da Copa de 1990, Rijkaard chegava obviamente como um dos símbolos da Holanda campeã europeia, atraía atenções, era alvo de expectativas para ser um dos jogadores-base do que poderia ser uma histórica campanha dos Países Baixos naquele torneio. A realidade foi totalmente diferente: numa campanha decepcionante, cheia de péssimas atuações em campo e brigas internas fora dele, a Laranja caiu nas oitavas de final do Mundial. E se a versatilidade no gol do bicampeonato europeu do Milan simbolizou o apogeu de uma carreira, foi de Rijkaard também a imagem representativa do tamanho da decepção holandesa.

Naquele 24 de junho de 1990, no clássico feito contra a Alemanha, a Laranja até começou melhor o jogo em Milão, no Giuseppe Meazza que os três do Milan (e os três alemães da Internazionale) conheciam tão bem. Porém, por volta dos 20 minutos do primeiro tempo, Rijkaard cometeu uma falta em Rudi Völler, atacante alemão - e o estranhamento entre os dois foi além da falta: os dois começaram a brigar, e o juiz argentino Juan Carlos Loustau precisou afastá-los. Falta cobrada, o goleiro holandês Van Breukelen pegou a bola, Völler obstruiu a defesa dele... e Rijkaard voltou à carga, brigando de novo com o camisa 9 alemão. Foi o suficiente para Loustau: o argentino expulsou Völler e Rijkaard, aos 22'. Enquanto ambos saíam de campo, a cena: Rijkaard cuspiu no adversário. Só piorou sua situação: enquanto a Alemanha venceu e rumou para o título mundial, o volante ganhou o apelido de "Lhama". Fora de campo, enfrentava problemas pessoais, como uma separação conjugal. Tantos traumas renderam uma decisão, logo após aquela Copa malograda: Rijkaard abandonou a seleção masculina da Holanda. Só as pazes feitas com Völler, pouco depois, traziam algum consolo.

Rijkaard vinha em excelente fase antes da Copa de 1990. Mas sua cusparada em Völler, no jogo da eliminação, simbolizou a pesada decepção da Holanda naquele torneio (David Cannon/Allsport/Getty Images/Hulton Archive)

Reação, retorno e fim glorioso

Logo as coisas se pacificaram, pelo menos. No Milan, Rijkaard seguiu estável, como destaque de um time que ainda tinha muito a dar - e deu, na temporada 1991/92, com o título italiano ganho de forma invicta. Os traumas com a seleção também passaram, e ainda em 1991 ele reconsiderou sua decisão: voltou a jogar pela Holanda, a tempo de figurar na reta final das eliminatórias da Euro 1992 (foram duas partidas).

Eis que, em 1992, nem parecia que as crises tinham passado por sua carreira. No Milan, continuou absoluto, ajudando Franco Baresi a coordenar a defesa rubro-negra. E a Euro marcou sua reaparição definitiva: a habitual versatilidade, a consciência nas saídas para o jogo se alternando com Ronald Koeman, o auxílio ao novato Frank de Boer, dois gols (contra Alemanha, na fase de grupos, e Dinamarca, nas semifinais). A Laranja caiu nas semis, mas Rijkaard marcava ali sua reação rumo a um fim glorioso.

Rijkaard se levantou após os traumas da Copa de 1990, sacudiu a poeira e deu a volta por cima: outra Euro admirável em 1992 (Alain Gadoffre/Onze/Icon Sport/Getty Images)

Que se daria num retorno: em 1993, após cinco anos vitoriosos em Milão, era hora de voltar e consertar o fim abrupto no Ajax. Uma nova geração surgia em Amsterdã - de Edwin van der Sar a Patrick Kluivert, passando por Michael Reiziger, Frank de Boer, Edgar Davids, Clarence Seedorf, Marc Overmars... -, e o técnico Louis van Gaal viu em Rijkaard, de volta, o nome calejado e apropriado para guiar aqueles novatos rumo ao que vinha por aí na carreira e em campo. Bem pensado e melhor feito. Fora de campo, de fato, o zagueiro/volante foi o "espelho" no qual muitos dos jovens Ajacieden (em especial, os descendentes de surinameses) se viram e se inspiraram para melhorar. Dentro das quatro linhas, com o Ajax tendo preferencialmente três zagueiros, Rijkaard foi um líbero na acepção da palavra: começava de trás para criar jogadas, avançar ao meio-campo, até ajudar no ataque. Era simplesmente indispensável àquela equipe tão jovem.

Tudo isso bastou para conquistar o Campeonato Holandês, em 1993/94. E ajudou Rijkaard a seguir como um raro veterano constante na seleção neerlandesa daqueles tempos, titular absoluto nas eliminatórias da Copa de 1994, premiado com a convocação para o segundo Mundial de sua carreira. Nos Estados Unidos, Rijkaard teve utilidade, ajudou com sua calma, foi seguro na defesa, mas sofreu um pouco com as altas temperaturas e a velocidade dos jogos - ficou de fora contra Marrocos, na fase de grupos, sob calor escaldante em Dallas, e foi substituído durante as quartas de final contra o Brasil. A eliminação, aliás, foi seu último jogo pela Laranja, após 13 anos, 73 partidas e dez gols.  E 1994/95 seria o fim glorioso que Rijkaard tanto esperava. Na última temporada de sua carreira nos campos, ele não só foi outro destaque no bicampeonato nacional, como também conduziu o Ajax, acalmou o Ajax, foi o sinônimo de experiência de que a equipe precisou no caminho até a final da Liga dos Campeões, em 24 de maio de 1995, contra o Milan que ele conhecia tão bem. 

Conquistar a Liga dos Campeões 1994/95, sendo o líder num jovem time do Ajax, no penúltimo jogo de sua carreira: poucos fins de trajetória poderiam ser mais celebrados como o que Rijkaard teve (Christian Liewig/TempSport/Corbis via Getty Images)

Após um primeiro tempo sem gols e com pressão do time italiano naquela final, Rijkaard reanimou os colegas com o discurso no intervalo: aquela era uma das últimas partidas de sua carreira, e ele não concebia a ideia de sair do gramado do Ernst Happel sem o título europeu. Dito e feito: o Ajax foi se aprumando, teve nomes entrando bem na partida... até Rijkaard, num dos avanços, passar a bola para Kluivert fazer o 1 a 0 da vitória. Quando o juiz romeno Ion Craciunescu apitou o final da decisão daquela Champions que o Ajax conquistara, Rijkaard foi imediatamente comemorado: gritou a sua consagração pessoal, soterrado por abraços dos mais jovens, no penúltimo jogo de sua carreira. O último, quatro dias depois, com o Ajax já campeão holandês, foi a vitória por 2 a 1 sobre o Twente, na rodada derradeira da Eredivisie - vencida de modo invicto pelo clube. Poucos fins de carreira poderiam ser mais respeitáveis que o de Rijkaard.

O técnico Rijkaard: os feitos em campo ajudaram o respeito no banco

A migração para o banco de reservas foi até rápida: afinal, Rijkaard foi um dos primeiros nomes em quem Guus Hiddink, então técnico da seleção masculina da Holanda (Países Baixos), pensou para lhe ajudar durante a Copa de 1998, após as traumáticas brigas internas na Euro 1996. Também deu certo: integrando um trio de "auxiliares de luxo" com Johan Neeskens e Ronald Koeman, o agora ex-jogador conseguiu o respeito dos convocados, mantendo o bom clima vivido pelos neerlandeses naquela Copa. Resultado: quando o Mundial acabou e Guus Hiddink deixou a seleção rumo ao Real Madrid, Rijkaard foi a aposta inesperada da federação para sucedê-lo. Seu primeiro trabalho como técnico seria comandar a Laranja. Era o primeiro passo de uma trajetória marcante.

No princípio, foi marcante no mau sentido: mesmo em situação tranquila, só disputando amistosos em 1999 (afinal, os Países Baixos já estavam garantidos na Euro seguinte, países-sedes que eram), a Laranja ficou sem vitórias naquele ano - sete empates e duas derrotas, incluindo uma queda e dois empates contra o Brasil. Tal retrospecto parecia indicar uma campanha decepcionante na Euro. Aí a situação melhorou: quando a Euro 2000 chegou, o que se via era uma Oranje ofensiva, irresistível, com vários nomes em ótima fase - Frank de Boer, Phillip Cocu, Marc Overmars, Dennis Bergkamp, Patrick Kluivert... a eliminação para a Itália, nas semifinais, num cenário quase inacreditável (derrota nos pênaltis, após 0 a 0 em 120 minutos, com Holanda tendo um homem a mais desde os 33', e duas penalidades perdidas no tempo normal), foi um dos grandes traumas da história da seleção. Tão grande que Rijkaard, mesmo com a reação no ano 2000, mesmo com a Holanda tendo ótimas atuações na Euro... decidiu se demitir da seleção. Afinal, o grande objetivo era conquistar o torneio continental. E ele fracassara nisso.

Rijkaard começou a ser técnico logo na seleção masculina da Holanda. Após um começo ruim, a Euro 2000 marcou uma reação - e a eliminação foi tão traumática que levou à demissão (Eric Renard/Onze/Icon Sport/Getty Images)

Todavia, pior ainda seria o passo seguinte de Rijkaard como técnico. Em meados de 2001, ele iniciou sua trajetória em clubes, começando mais modestamente: treinaria o Sparta Rotterdam, na temporada 2001/02. Pelo menos no começo, estava prestigiado: a pedido dele, nomes como Aron Winter foram para os Spartanen. Só que o fim foi o pior e mais constrangedor possível: o Campeonato Holandês acabou com o Sparta em penúltimo lugar, tendo a pior defesa daquela Eredivisie, sendo rebaixado pela primeira vez em sua história que já tinha então 114 anos. Parecia um péssimo indício para a carreira de Rijkaard nas casamatas, por mais que ele tenha elogiado, em 2005, o tempo passado em Het Kasteel: "Sofríamos com o dinheiro, e os resultados não foram muito melhores, mas era um clube muito bacana. As pessoas eram bastante humildes, e não se tinha a pretensão de um clube grande".

Pretensão que Rijkaard conheceria muito bem, a partir de 2003. Foi quando Joan Laporta, recém-eleito então presidente do Barcelona, apostou na inesperada vinda do holandês para comandar o clube espanhol/catalão, vindo de uma grande crise. Em que pesasse a chegada de Ronaldinho Gaúcho, quase simultaneamente, o começo foi preocupante, com o Barcelona chegando a ser ameaçado de rebaixamento nas rodadas iniciais do Campeonato Espanhol da temporada 2003/04. Mas a virada foi marcante: logo que 2004 começou, o Barça também começou uma reação com várias partidas de invencibilidade, alcançando o vice-campeonato em La Liga. Era só o começo.

A partir de 2004/05, Rijkaard deu espaço definitivo a muitos novatos - Victor Valdés, Andrés Iniesta, Lionel Messi, todos viraram titulares gradualmente sob seu comando. Algumas chegadas qualificaram o time: Deco, Ludovic Giuly, Mark van Bommel, Samuel Eto'o. E finalmente, o holandês soube fazer de Ronaldinho Gaúcho o destaque absoluto, o símbolo daquele Barcelona - seu método com o brasileiro foi descrito assim: "Ele não precisa de instruções táticas, é só deixar que ele siga seu rumo". E o rumo do Barcelona foi para lavar a alma: campeão espanhol em 2004/05, bicampeão em 2005/06, alguns jogos marcantes (como esquecer o 3 a 0 no Real Madrid, em pleno Santiago Bernabéu, em novembro de 2005, na 12ª rodada do Espanhol, com aplausos adversários a Ronaldinho?) e, finalmente, o segundo título europeu da história barcelonista, em 2005/06. Valendo-se da experiência como jogador para conduzir o grupo e controlar vaidades, mesmo sem grandes invenções táticas, Rijkaard conseguia um trabalho marcante. Reconhecido pela UEFA, que o elegeu o melhor técnico da temporada.

Rijkaard (camisa azul) numa visita à NASA, com Xavi, Ronaldinho Gaúcho e Puyol: o Barcelona voltou a dominar a Europa com o holandês no comando, hábil na condução do grupo (NASA)

Um período tão vitorioso acabou em marasmo. Já em 2006/07, o Barcelona caiu nas oitavas de final da Liga dos Campeões, e perdeu o título espanhol para o Real Madrid na reta final. Após cerca de dois anos dignos de todo o aplauso possível, Ronaldinho, o grande símbolo dos tempos de glória, também decaía. Na temporada seguinte, em que pesasse a campanha melhor na Champions League (semifinais), estava claro que os Culés já haviam alcançado o possível sob Rijkaard. Que foi demitido ainda antes do fim do Campeonato Espanhol, abrindo espaço para que Josep "Pep" Guardiola conseguisse ainda mais.

A partir dali, a própria carreira de Rijkaard como técnico entraria na reta final. O Galatasaray foi sua parada seguinte, no meio de 2009. Mesmo tendo o velho conhecido Johan Neeskens como auxiliar técnico, o treinador fez um trabalho frustrante: após somente uma temporada, foi demitido do clube aurirrubro turco, já em outubro de 2010. A última tentativa no comando de uma equipe foi treinando a seleção da Arábia Saudita: Rijkaard chegou a ela em junho de 2011, com a intenção de levá-la de volta a uma Copa do Mundo. Fracassou nas eliminatórias, e a péssima campanha na Copa do Golfo em 2013 (eliminação na fase de grupos) foi o ponto final de seu trabalho na seleção saudita.

Foi também o ponto final de sua carreira como técnico. Enfim, Rijkaard decidiu deixar os holofotes, como sempre preferiu. Perguntado sobre o que faria após a saída da Arábia Saudita, foi curto e grosso: "Viver". É o que está fazendo: inaugurando quadras aqui, viajando ali, representando patrocinadores acolá, o ex-jogador curte uma vida sem pressões. Sempre que é perguntado sobre os boatos que surgem de vez em quando - uma volta ao Barcelona, outra volta ao Milan, quem sabe até retorno à seleção masculina -, Rijkaard recusa.

Justo. Afinal, sua vida privada está em paz. Um grande prêmio. Como se não bastassem os tantos que ganhou em campo...

(Robin van Lonkhuijsen/ANP/AFP via Getty Images)

Franklin "Frank" Edmundo Rijkaard
Data de nascimento: 30 de setembro de 1962, em Amsterdã
Clubes: Ajax (1980 a 1987 e 1993 a 1995), Sporting-POR (1987), Zaragoza-ESP (1987 e 1988) e Milan-ITA (1988 a 1993)
Seleção: 73 jogos e 10 gols, entre 1981 e 1994

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