quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Não vai acabar. Vai mudar (parte 1)

Seleção holandesa na Euro 2008 deu a dica: é possível unir ataque e cautela. Oranje atual precisa disso (Johannes Simon/Reuters)
Jornalista sul-africano, crescido na Holanda e radicado na França, Simon Kuper é autor de conhecidos livros sobre futebol. Um bom exemplo é "Ajax, The Dutch, The War". Lançado originalmente na Holanda em 2000, sob o título Ajax, Joden, Nederland ("Ajax, Judeus, Holanda"), o livro comenta sobre como a colônia judia em Amsterdã se adonou de um clube que não teve raízes semitas - e parte disso para comentar sobre a excessiva permissividade holandesa com a invasão nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. 

Torcedor da seleção holandesa, Kuper lamentou as derrotas contra Islândia e Turquia em seu perfil no Twitter. E foi além, após o 2 a 0 dos turcos que deixou a Oranje próxima da ausência na Euro 2016. Primeiro, Kuper foi apocalíptico: "Não estou certo sobre o que sobrará do futebol holandês, após esta noite, com a geração Van Persie/Sneijder/Robben sumindo e a total inutilidade dos clubes holandeses". Depois, foi mais bem humorado, mas nem por isso menos melancólico: "Um dia nós, torcedores holandeses, olharemos para hoje e riremos, mas provavelmente isso só ocorrerá lá por 2034". 

Tais palavras mostraram o tamanho da desilusão que se abateu sobre torcida e imprensa na Holanda após as derrotas inapeláveis nas eliminatórias do torneio continental de seleções. De fato, a sensação imediata era de que o futebol do país não só entrará num período dificílimo, como dele jamais sairá. De que a Holanda voltará ao segundo/terceiro escalões do futebol europeu, após cerca de 40 anos entre as nações mais tradicionais do ludopédio mundial. Mas só mesmo a passagem do tempo começa a colocar as coisas nos devidos lugares.

Ficará mais difícil ver clubes holandeses ocupando lugares de ponta no cenário europeu? Sim, ficará. Tanto pelo fato de simplesmente não conseguirem segurar as maiores promessas (e isso se vê temporada após temporada), como pelo futebol holandês não ter se preparado direito para um mundo pós-Lei Bosman, como Portugal se preparou. Por isso, Ajax, Feyenoord e PSV - e até médios, como AZ e Twente - falham ao tentarem resultados realmente bons nas competições continentais. E não é raro ver Porto e Benfica chegando às fases decisivas dessas mesmas competições, além de terem uma melhor rede de procura de novos jogadores - e saber negociá-los melhor, de modo que cheguem "na baixa" e saiam "na alta".

E os reveses em série enfrentados pela Oranje desde a volta de Guus Hiddink (e a entrada posterior de Danny Blind) mostram uma certa defasagem tática da seleção. O orgulho holandês em jogar no 4-3-3, em não abdicar de ter o controle do jogo, em apostar na ofensividade quase suicida, está resultando em uma "camisa-de-força tática". Antes do jogo contra a Turquia, por exemplo, Danny Blind foi definitivo: "Não podemos jogar pelo resultado, porque esse não é nosso estilo".

O resultado foi muito bem abordado por um texto do site catenaccio.nl (ATENÇÃO: texto em holandês): um time excessivamente espalhado, dando espaço à vontade para os adversários trabalharem. Um time em que a linha de quatro defensores estava pessimamente treinada e posicionada. Um time que só apostava em jogadas pelas pontas (principalmente com Memphis Depay e Narsingh). E um time que não tinha jogadores em posições estratégicas que permitissem a aceleração do jogo quando necessário - ou seja, apostando na troca de passes estéril, de um lado a outro do campo.

Obviamente, a Holanda não pode nem precisa abandonar suas crenças tático-futebolísticas. Isso é um erro - no qual o futebol brasileiro incidiu em vários momentos, principalmente após a eliminação traumática na Copa de 1982. Mas precisa saber que há outros modos de ganhar um jogo, que há o momento de atacar e o de defender. E curiosamente, a Laranja já deu outras mostras de que pode aliar ofensividade e cautela. 

O primeiro caso em que isso se viu foi na Euro 2008. Nas eliminatórias para o torneio, a campanha, no 4-3-3, foi apagada. Após conversa com os cardeais do elenco (Van der Sar, capitão da seleção à época, Seedorf e Van Nistelrooy), o técnico Marco van Basten decidiu alterar a equipe para um 4-2-3-1. E a primeira fase da Oranje no torneio continental foi exemplar. Apostando francamente no contra-ataque, a equipe superou um grupo com Romênia, Itália e França, com três vitórias em três jogos. Caiu para a Rússia, é verdade. Mas deixara lições. Bert van Marwijk, sucessor de Van Basten, as aprendeu. E num 4-2-3-1 bem pragmático a Holanda conseguiu seu terceiro vice-campeonato mundial.

E na Copa passada, a equipe treinada por Louis van Gaal fez isso quase à perfeição. Por força das circunstâncias (a atuação desastrosa na derrota para a França, em amistoso, mais a primeira lesão de Kevin Strootman), Van Gaal armou o time para o Mundial num 5-3-2 bastante cauteloso. Com a sorte de tudo ter se encaixado - esquema compreendido, Robben sendo dos melhores jogadores do torneio, coadjuvantes atuando bem, defesa protegida -, a Holanda chegou a um surpreendente terceiro lugar.

Outro problema é a geração que surge. As seleções holandesas de base têm desempenho irregular nos últimos anos. A Jong Oranje (sub-21) foi campeã europeia da categoria em 2006 e 2007, mas desses dois anos só se aproveitou Huntelaar, artilheiro na primeira conquista. Em 2009 e 2011, mal chegou à Euro sub-21. Em 2013, chegou às semifinais. Em 2015, também ficou de fora. A seleção sub-19 caiu na primeira fase, no Europeu deste ano; a seleção sub-17 até mostra desempenhos promissores (campeã europeia em 2011 e 2012), mas pouco disso se viu na seleção adulta atual. Só Memphis Depay e Willems, membros do time de 2011, são convocados com frequência.

Ainda assim, times como Ajax, Feyenoord, PSV e AZ seguem revelando atletas. É o jeito. De mais a mais, ausências holandesas em torneios grandes não são raridade. Eram a regra, aliás, até 1974. Nada leva a crer que o futebol holandês vai "acabar". Mas ele deverá mudar, por bem ou por mal.

O blog voltará ao tema.

Um comentário:

  1. é essa foi certeira: "Um dia nós, torcedores holandeses, olharemos para hoje e riremos, mas provavelmente isso só ocorrerá lá por 2034"

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