sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A revolução não é mais aveludada

Desprestigiado pela diretoria, Wim Jonk quis sair. E criou mais um capítulo na crise do Ajax (Jeffrey van Bakel/Pro Shots)
Era 20 de setembro de 2010. Dias depois do Ajax ser derrotado inapelavelmente pelo Real Madrid, na estreia pela fase de grupos da Liga dos Campeões: fora 2 a 0 para os Merengues, e ficara muito barato. O desnível entre os Ajacieden e os madridistas foi tamanho que motivou uma coluna bastante ácida de Johan Cruyff (quem mais?), no diário De Telegraaf. Para citar somente o título: "Este não é mais o Ajax". Tudo bem, mais um trecho: "Após o apito final, todos estavam felizes pela derrota ter sido 'somente' por 2 a 0, enquanto ela podia ter sido de 8 ou 9".

Não se passaram mais de dois meses: em 15 de novembro, Cruyff escreveu outra coluna no De Telegraaf. Título: "Mensagem a todos os Ajacieden". Ali pedia que antigos jogadores do clube se candidatassem a cargos no Conselho Deliberativo, para que assim, personagens importantes de sua história estivessem de volta à condução dos destinos. Bastou: Marc Overmars, Tscheu La Ling, Peter Boeve, Keje Molenaar... enfim, todos estes foram eleitos conselheiros. Estava iniciada a "Fluwelen Revolutie", a "Revolução de Veludo" no Ajax, assim nomeada por não ocorrer com grandes conflitos internos. 

Também mudaram os personagens em campo. Um triunvirato de ex-jogadores formou-se para trazer de volta o estilo técnico que fizera o clube famoso pelo mundo: Wim Jonk, diretor das categorias de base; Dennis Bergkamp, técnico da equipe de juvenis; e Frank de Boer, então técnico dos juniores. Sentindo que seu espaço e seu método tático não caberiam mais na Amsterdam Arena, o técnico Martin Jol pediu o boné, no início de dezembro. Frank de Boer assumiu imediatamente, e até com um resultado positivo: vitória por 2 a 0 sobre o Milan, em San Siro, na última partida da fase de grupos da Liga dos Campeões.  A mudança pretendia ter resultados para dali a algum tempo. Mas baseado num final de temporada fulgurante - sete vitórias nos últimos sete jogos -, o Ajax conseguiu ser campeão holandês em 2010/11, após sete anos de jejum.

Desde então, a revolução de veludo conseguira trazer o Ajax de volta ao posto de grande clube do futebol holandês. Até agora. Porque, se dentro de campo a equipe ainda lidera a Eredivisie desta temporada, fora dele a crise está cada vez mais aberta. E um novo capítulo aconteceu nesta semana: o pedido de demissão de Wim Jonk - que seguia desde 2010 dirigindo as categorias de base em De Toekomst, o afamado centro de treinamento da base dos Amsterdammers.

O anúncio da saída de Jonk (ex-meia, com duas Copas pela seleção no currículo) foi o capítulo mais dramático num racha que já se aprofunda há pelo menos dois anos. De um lado, o próprio Jonk, que defende o plano original de Cruyff, com a continuação do uso frequente de egressos da base na equipe adulta do Ajax - cabe citar aqui: do atual time-base que Frank de Boer normalmente escala, sete dos onze titulares são formados no próprio clube. Do outro lado, há Marc Overmars: hoje diretor de futebol, cada vez mais o ex-atacante acredita que o Ajax precisa contratar, caso ainda sonhe com campanhas honrosas nos torneios continentais. Com o leve apoio de Frank de Boer, Overmars foi o idealizador das chegadas de Arkadiusz "Arek" Milik e John Heitinga, por exemplo. Aos poucos, o conflito cresceu, e Jonk passou a não se reunir mais com os outros integrantes da diretoria técnica - último passo antes de pedir demissão, que era a intenção real dos que o escanteavam.

O pior é que o racha não tem mediadores confiáveis. Para tentar solucioná-lo, no final do ano passado, Cruyff já aconselhara a vinda de Tscheu La Ling, como supervisor técnico. Mas La Ling não durou mais do que alguns meses, desprestigiado pela dupla Overmars-Frank. O diretor geral Dolf Collee tem nome discreto demais para exercer destaque; e a outra opção, se tem destaque, também mostra fraqueza. Edwin van der Sar, na diretoria desde 2012 (era o diretor de marketing, e assumiu o posto de diretor técnico há pouco) é criticadíssimo por não mostrar pulso firme na situação.

Para muitos, uma prova disso foi vista na última quarta-feira, dia da demissão de Jonk. Van der Sar estava treinando em campo, junto de André Onana e Diederik Boer, goleiros reservas de Cillessen na equipe adulta. Ao invés de estar no ambiente frenético e turbulento dos gabinetes, o ex-goleiro agia como se ainda fosse profissional dentro de campo. Pouco recomendável para quem foi pensado por Johan Cruyff para ser o futuro diretor-geral do clube, exercendo no Ajax um papel semelhante ao de Karl-Heinz Rummenigge no Bayern de Munique, por exemplo.

Pelo menos, Van der Sar não precisou aguentar dúvidas sobre sua conduta, como Overmars precisou: na última segunda, o diário De Volkskrant publicou que uma empresa pertencente ao cunhado do diretor de futebol fora contratada para construir uma escola dentro de De Toekomst, neste ano, e que em 2013, uma reforma nos vestiários dos campos da base fora feita por uma empresa que já fizera trabalhos a outros negócios do dirigente. Overmars defendeu-se dizendo que avisou a direção do clube sobre seus contatos anteriores com a empresa, e que a contratação não tivera sua participação. O Ajax confirmou as palavras do ex-atacante, e as acusações caíram no esquecimento.

Ainda assim, no aspecto técnico, o pedido de demissão de Jonk (e, antes ainda, o fracasso no trabalho de Tschen La Ling) seguiram esquentando a crise. As duas saídas foram vistas como um projeto da direção atual para minimizar a influência de Johan Cruyff no Ajax. Resultado: mesmo no início do tratamento contra o câncer no pulmão, Cruyff precisou falar ao De Telegraaf para criticar a saída do diretor da base: "Jonk naturalmente tem muita razão. Ele se afastou das reuniões. É que ele não me falou nada, senão eu teria observado isso. As coisas não podem ser assim, em que ninguém fala nada, depois as coisas dão errado, e colocam tudo nas minhas costas. Digam, então, 'a sua visão não nos serve mais'".

Eis que, nesta quinta, não só Jonk voltou normalmente ao trabalho, como uma carta aberta da equipe técnica de De Toekomst à diretoria manifestou-se contrária à saída dele: "A partir do nosso comprometimento com o Plano Cruyff e nossa crença na missão e na visão que Wim Jonk trouxe ao clube com esse plano, achamos completamente ilógico e portanto incompreensível que vocês o tenham ameaçado".

Nesta sexta, haverá a reunião dos acionistas do Ajax. Certamente, a situação não será aveludada. Johan Cruyff já colocou um ultimato, na entrevista supracitada: "Os acionistas precisam parar o que a diretoria e o conselho estão fazendo. Ou então, digam que acabou o Plano Cruyff. Que sejam honestos e não usem indevidamente o meu nome". Diante das manifestações contrárias à saída de Jonk, partidário de Cruyff, fica a dúvida sobre a coragem dos diretores para dizerem que o Ajax mudará, de novo. E agora, sem tanta simplicidade.

Um comentário:

  1. Inacreditável como Cruyff tem influência no Ajax... e em minha opinião isso já está se tornando algo extremamente ruim para o clube até mesmo para o futebol holandês...

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