sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Feyenoord: não é crise, é um velho hábito

O desencanto da torcida com o Feyenoord vitimou injustificadamente Vejinovic (à esquerda) (ANP/Pro Shots)

Talvez o meio-campista Marko Vejinovic, do Feyenoord, tenha encarado a pior marcação de sua vida no fim de semana passado. Não no gramado de De Kuip, enfrentando o ADO Den Haag, no domingo, pela 21ª rodada do Campeonato Holandês. Mas, infelizmente, por algo ocorrido antes mesmo da partida: sete “idiotorcedores” invadiram a casa do volante Feyenoorder e ameaçaram-no de morte, junto de sua esposa. Coisa pior só não aconteceu porque ela acionou a polícia de Roterdã, que deteve os sete (jovens entre 18 e 21 anos), e viu um deles confessar a insensatez. 

E no meio da semana passada, antes ainda dos momentos tensos que Vejinovic viveu, outro grupo de torcedores do Feyenoord passara de carro, em frente à casa do atacante Michiel Kramer, e o mandara fazer algo impublicável. Esses dois momentos, absolutamente dramáticos e desnecessários, mereceram as duras palavras de Eric Gudde, diretor técnico do clube: “É escandaloso, horrível, insano demais para descrever. Embora o time esteja atuando mal – e acreditem, todo mundo aqui lamenta muito isso -, isso não dá o direito de invadir o espaço privado de um jogador”.

A insensatez contra Vejinovic e Kramer só ampliou a dimensão do que se chama de “crise” no Stadionclub. Crise até justificável, a princípio: afinal de contas, com cinco derrotas consecutivas na Eredivisie (quatro delas após a pausa de inverno), estacionado na terceira posição, com 36 pontos, o Feyenoord viu sua esperança de título nacional ser demolida cruelmente. Não é apenas questão de ver o PSV, novo líder do torneio, 14 pontos à frente, com o vice-líder Ajax um ponto abaixo – logo, 13 à frente. É também correr o risco de perder a terceira posição na liga: o Heracles Almelo, quarto colocado, está um ponto abaixo dos Rotterdammers, e o NEC, quinto, está a dois pontos. E há o Vitesse, três pontos abaixo; o Utrecht, quatro pontos... 

Enfim, a pressão sobre o Feyenoord aumentou. Até compreensivelmente. Trata-se de um clube que já não conquista títulos nacionais há 17 anos, e que fez investimentos admiráveis para conseguir sair da fila na atual temporada. Aumentou o elenco em todos os setores. Na zaga, chegaram Jan-Arie van der Heijden e Eric Botteghin; o meio-campo recebeu o sueco Simon Gustafson; no ataque, Eljero Elia e Michiel Kramer ladearam a estrela maior da relação de contratações, o ídolo Dirk Kuyt. Tudo isso, sem contar o elenco que já estava no clube, mais a expectativa sobre o primeiro trabalho de Giovanni van Bronckhorst como técnico.

Todavia, falar em crise talvez seja um pouco demasiado. Afinal de contas, na expressão fria dos números, o Feyenoord não está tendo um desempenho muito diferente do mostrado nas temporadas mais recentes. O jornalista Ramon Min, da revista Voetbal International, levantou em seu perfil no Twitter todas as pontuações do time após 21 rodadas, de 1999/2000 (primeira temporada do jejum) até agora. Em 2014/15, o Feyenoord tinha 38 pontos, apenas dois acima dos 36 de atualmente; em 2013/14, eram 37 pontos após 21 rodadas; em 2012/13, eram 41 pontos. Ou seja, as pontuações não revelam queda brusca de desempenho. Ao contrário, indicam até regularidade.

Mas outro dado, também regular, não é nada positivo para o clube: nas últimas dez temporadas, o Feyenoord historicamente “morreu” no início do returno, mesmo que não disputasse diretamente o título. Nos jogos de janeiro, foram cinco vitórias, sete empates e 14 derrotas. Ou seja, por mais promissora que seja a campanha no turno, a pausa de inverno quebra o ânimo, e o time de Roterdã não consegue retomar ou manter o bom ritmo nas primeiras rodadas da volta, perdendo chances de alcançar objetivos mais promissores. Ou seja: talvez não seja uma “crise” o que a equipe de De Kuip vive, mas sim a repetição de um velho e mau hábito. 

Porém, o hábito foi potencializado pelo péssimo desempenho visto no returno: o Feyenoord é uma das duas únicas equipes do Campeonato Holandês a só ter derrotas após a pausa de inverno. Pior: as cinco derrotas consecutivas marcam a pior sequência negativa que o clube já teve em sua longa história na divisão de elite. Nem mesmo no seu ponto baixo mais conhecido (o 10 a 0 sofrido para o PSV, na temporada 2010/11) o retrospecto recente era tão negativo – a sequência daquela época foi de quatro derrotas e um empate, contando com a goleada dos Eindhovenaren. Para se ter mais uma dimensão, em toda a temporada passada, o Feyenoord teve... nove derrotas.

Mas por que, afinal de contas, essa queda brusca que eliminou o sonho de pôr fim ao tabu? Não é difícil explicar: se tem um ataque dos melhores no futebol holandês (Elia dá velocidade pela ponta esquerda, enquanto Kramer e Kuyt são bons finalizadores) e se o meio-campo tem crescimento de produção em Tonny Trindade de Vilhena (o único ponto positivo das rodadas recentes), a defesa deixa muito a desejar. São crônicos os espaços deixados pelos laterais – tanto na direita, com Rick Karsdorp, como na esquerda, com Miquel Nelom. Jogando adiantada, a linha de quatro defensores é facilmente surpreendida. Bastam contragolpes rápidos e eficientes para colocarem os atacantes adversários na cara do gol de Kenneth Vermeer. 

Assim aconteceu na última rodada do primeiro turno, quando o rápido ataque do NEC conseguiu a virada para 3 a 1. Assim foi no início do returno, no fundamental jogo contra o PSV: bastou ao atual campeão conter a pressão no primeiro tempo, fora de casa, para fazer 2 a 0 numa bola aérea (Héctor Moreno) e num contra-ataque no fim do jogo (Luciano Narsingh). Assim foi contra o AZ, quando Vincent Janssen e Dabney dos Santos marcaram a saída de bola, forçando erros que levaram ao 4 a 2 dos Alkmaarders. Assim foi contra o Heerenveen: dois avanços agudos dos frísios deram-lhes o 2 a 1 em pleno De Kuip. E assim foi na rodada passada, contra o ADO Den Haag: o trio de ataque insinuante dos visitantes de Haia trouxe perigo pelos lados desde o começo, e mereceu o 2 a 0.

O pior é que o ataque também rateou seriamente nessas partidas sem vitória. Primeiramente, pelo turbulento fim da passagem de Colin Kazim-Richards pelo Feyenoord. Desde o final de 2015, o turco nascido na Inglaterra era criticado pelo seu comportamento fora de campo, além de ter caído de produção dentro, perdendo a titularidade para Kramer. Em janeiro, o diário Algemeen Dagblad publicou reportagem comentando sobre as queixas a Kazim-Richards por parte de funcionários do clube, durante a intertemporada, na cidade portuguesa de Albufeira. O atacante decidiu resolver tudo com as próprias mãos, de modo desastrado: a dois dias do clássico contra o PSV, Kazim encontrou Mikos Gouka, o autor da matéria do Algemeen Dagblad, que esperava o início de uma entrevista coletiva de Van Bronckhorst. O jogador empurrou Gouka e ameaçou: "Eu vou te arrebentar". Aí, não houve mais como defendê-lo: ele foi suspenso pela diretoria, e ficou completamente desambientado no Feyenoord. Restou negociá-lo rapidamente com o Celtic, no último dia da janela de transferências.

Todavia, isso diminuiu demais as opções do elenco para o ataque. Porque Kramer lesionou-se durante a partida contra o Heerenveen - e mesmo antes dela, já não tinha bom desempenho. E os reservas Anass Achahbar e Bilal Basaçikoglu ainda são jovens demais para darem plena confiança. Achahbar é o grande exemplo: é capaz de entrar num jogo e incendiá-lo, com jogadas como o belíssimo gol de bicicleta no supracitado jogo contra o Heerenveen, mas não é confiável para resolver tudo em 90 minutos.

Pelo menos, ainda há a Copa da Holanda. E para minorar a pressão, jogou de modo tenso contra o Roda JC, nas quartas de final: escalado no 5-3-2, sem correr riscos nem levar muito perigo, só conseguiu a vitória na prorrogação, com um gol de cabeça de Eric Botteghin. E o zagueiro Sven van Beek já recomenda que o time entre com três zagueiros na próxima rodada (talvez até dando a chance de estreia a uma contratação da janela recém-encerrada: o peruano Renato Tapia, vindo do Twente). Nada mais ajuizado.

Afinal de contas, o Feyenoord tentará evitar a sexta derrota seguida tendo “só” um Klassieker contra o Ajax. Em Amsterdã. Será duro conter a paciência da torcida – e mais ainda, a de bagrecéfalos (criminosos, até, como os qualificou Bert van Oostveen, diretor da KNVB) como os que cometeram os atos contra Vejinovic e Kramer.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 5 de fevereiro de 2016)

Um comentário:

  1. eu ia comentar, beira ao absurdo a atitude desses "torcedores" do Feyenoord, Mas a verdade é que já é um absurdo a atitude deles.

    Mas o Feyenoord se especializou em arrasar com o Janeiro da Torcida em?

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