Quando virou dono do ADO Den Haag, Hui Wang sorria. Agora, a situação é bem diferente. Para ele, para adversários, para o clube e para a torcida (Tom Bode/VI Images) |
O leitor já deve conhecer uma daquelas histórias em que o clube de futebol acha um parceiro para chamar de seu – mas que é daquelas parcerias fadadas ao fracasso, desde o começo. Dá para citar, como um grande exemplo no Brasil, o Corinthians com a MSI, entre o final de 2004 e 2007: o que parecia o pulo do gato para tornar o clube do Parque São Jorge gigantesco, começando com a contratação de Carlos Tevez, passou por incontáveis dores de cabeça no cabo-de-guerra entre Kia Joorabchian e Alberto Dualib, terminando no melancólico rebaixamento à Série B em 2007.
Pois bem: desde o ano passado, o ADO Den Haag parece viver uma dessas histórias cujo final promete ser previsivelmente desastroso. Uma briga que vive, de novo, um tiroteio explosivo. Tanto que o blog até já comentou sobre isso, há quase um ano (mais precisamente, em 18 de dezembro do ano passado). A empresa chinesa de marketing esportivo United Vansen comprou o clube da cidade de Haia – e seu dono, Hui Wang, tornou-se o acionista majoritário, com 98 por cento das ações. Chegou prometendo mundos e fundos, até que aos poucos o Conselho Deliberativo e a torcida começaram a se perguntar onde estava o dinheiro, e por que Hui Wang demorava a aparecer novamente na Holanda.
Estava iniciada a briga. De um lado, Hui Wang dizendo que faltava paciência, que o clube só estava em crise financeira por gastar todo o dinheiro investido pela United Vansen sem planejamento algum, e que o projeto levaria o Den Haag a se desenvolver e ser um clube médio e sustentável, em médio prazo (dez anos, segundo o empresário chinês). Do outro, não só a torcida sentia-se ludibriada, mas o Conselho Deliberativo queria vingança, além da diminuição da influência de Wang no organograma do clube. Todo esse caos corroeu o clube auriverde durante boa parte da temporada 2015/16.
As consequências só não foram piores porque, dentro de campo, a equipe correspondeu. Contando com um trio de atacantes de qualidade técnica aceitável, para os padrões baixos do futebol holandês (Ruben Schaken, Mike Havenaar e Édouard Duplan), mais a revelação inesperada e satisfatória (Dennis van der Heijden, também atacante), mais o bom desempenho de dois defensores (o goleiro Martin Hansen e o zagueiro Tom Beugelsdijk, ídolo da torcida), o Den Haag conseguiu segurar-se no Campeonato Holandês sem muitos sustos: ficou em 11º lugar.
Além do mais, Hui Wang teve importante vitória interna: impôs um novo diretor geral ao clube, o aliado Mattijs Manders, destituindo do cargo o adversário Jan Willem Wigt. O dono da United Vansen começou até a aparecer mais na Holanda, para reuniões com a diretoria e os conselheiros. Por fim, e mais importante: o dinheiro enfim apareceu, com o aporte de 13 milhões de euros. E o ADO Den Haag foi momentaneamente promovido à “categoria 2”, dentro da pirâmide de classificação que a federação holandesa faz para a situação financeira dos clubes – na categoria 2, ficam os clubes que começam a sair da penúria.
Ainda assim, por trás da aparência de normalidade, continuavam as ameaças de uma nova crise. Um dos responsáveis pela crise interna não ter vazado, mantendo certo nível dentro de campo, o técnico Henk Fräser não quis pagar para ver: aceitou o convite do Vitesse para a atual temporada. E o técnico sérvio Zeljko Petrovic teria vários novos jogadores para experimentar, principalmente na defesa – já que o aporte financeiro no início de 2016 permitiu manter os destaques ofensivos em Haia.
O primeiro furo no remendo feito por Hui Wang começou em setembro passado. O diário NRC Handelsblad noticiou que o pequeno empresário Dick van Tintelen exigia que o ADO Den Haag lhe devolvesse 10 mil euros. A razão? Investindo no clube parte dos lucros ganhos com sua empresa farmacêutica (a Starbalm, da própria cidade), Van Tintelen alegou que Hui Wang teria prometido a ele divulgação da Starbalm na China... e tinha ficado na promessa. Um porta-voz do clube se apressou em dizer que “soluções estavam sendo procuradas”.
Mas o novo capítulo da crise explodiu mesmo em meados de outubro. De novo, a United Vansen parou de sustentar o clube – e de novo, Hui Wang parou de aparecer em Haia. Obviamente, o Conselho Deliberativo e a direção do clube recomeçaram a carregar nas críticas ao acionista majoritário, exigindo sua presença numa reunião. Esta reunião, com a presença de todo o conselho e dos outros acionistas, ocorreu na semana entre os dias 24 e 30 de outubro.
Hui Wang saiu dela irritado – desde então, nunca mais apareceu em Haia. A razão: sua segunda intenção continuava sendo fortemente repelida por conselheiros - entre eles, gente conhecida no meio do futebol e com história em Haia, como Martin Jol. O empresário chinês quer não só um compatriota como diretor geral (tem nome: Lee Zheng), mas também fazer do ADO Den Haag um clube com forte presença de gente do país asiático. Pasmem: há planos até de fazer do Den Haag o clube que receberia um jogador amador do país, para ali desenvolver sua carreira, como parte de um reality show a ser exibido na tevê chinesa. E no plano de colocar compatriotas na direção e no conselho, um nome cogitado para diretor é o de um... ex-ator: Bao Xian Wei, que vive na Holanda há muitos anos, já foi lutador de artes marciais e enveredou pelo cinema, atuando em filmes holandeses.
Claro, a grita foi gigante contra os planos de Hui – que em contrapartida, disparou à emissora de tevê NOS que o clube não o teria comunicado sobre os problemas financeiros: “Não faço ideia do que está acontecendo. Eles [Conselho Deliberativo] não me disseram nada. Já investimos de seis a sete milhões de euros no clube. E pedimos que o investimento fosse feito na modernização das instalações e do estádio. Mas o ADO não está fazendo isso. Até onde pude ver, há cerca de um milhão investido em coisas que não sei o que são”.
Enquanto isso, a preocupação cresce. Há quem fale até em perigo crescente de não ter dinheiro para pagar salários, em algum tempo. E dentro de campo, já não há mais a compensação existente em 2015/16: nas últimas doze partidas pelo Campeonato Holandês, só uma vitória, e o clube já cai para a 15ª posição, primeira fora da zona de rebaixamento. A torcida, claro, já culpa alguém: são cada vez mais numerosas as faixas pedindo a saída de Hui Wang. O mecenas, por sua vez, pede compreensão dos adeptos. “Estamos do mesmo lado”, estampava a carta assinada pelo filho de Hui, Terry Wang.
Fica a espera pelas cenas dos próximos capítulos. Mas o ADO Den Haag parece repetir o ditado: algo que começa mal dificilmente vai terminar bem.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 9 de dezembro de 2016)
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