Ajax chegaria melhor para o clássico. Mas duas derrotas seguidas abateram um pouco a equipe (ANP) |
Desde a temporada 1999/2000, em apenas duas vezes o Campeonato Holandês não terminou com a festa do título reservada para Ajax ou PSV. Com relação ao âmbito internacional, os feitos desses dois clubes também são mais conhecidos na atualidade – por mais que o Feyenoord também tenha sua história em competições continentais. Basta dizer que foi o clube de Roterdã que conquistou o primeiro título europeu da Holanda (a Copa dos Campeões 1969/70) e o último (a Copa da UEFA, na temporada 2001/02). Além do mais, há a dinâmica pelas disputas da Eredivisieschaal nas últimas temporadas, nas quais esses clubes logo se destacam e se isolam, num "campeonato" só deles. E tudo isso faz crer até que só há dois grandes na Holanda, já que tanto Amsterdammers quanto Eindhovenaren logo se impõem.
Pelo menos, era assim até a temporada atual. Porque neste primeiro turno de Eredivisie que se encerra neste fim de semana, com a 17ª rodada e o início da pausa de inverno, o Feyenoord conseguiu se manter como o clube de maior destaque. Certo, o Stadionclub tem menos dominação do que tinha no início do torneio, quando chegou a ostentar nove vitórias nos nove primeiros jogos. Ainda assim, se recompôs. E na rodada passada, contra o AZ, fora de casa, a equipe de Giovanni van Bronckhorst mostrou aquela que foi considerada a melhor atuação de uma equipe holandesa na liga nacional, em 2016/17. Pela velocidade e volúpia ofensiva dos visitantes, o 4 a 0 em plena Alkmaar ficou muito barato.
Com o título de “campeão de inverno” praticamente garantido, o Feyenoord encerra o turno contra o Twente, em casa, com um clima de otimismo que havia muito não se via em De Kuip. O que leva a um cenário pouco habitual, pelo menos nos últimos 15 anos: Ajax e PSV farão o clássico da 17ª rodada sem disputarem diretamente a liderança do campeonato. Claro, ambos ainda aspiram à conquista do título nacional. Mas ao olhar a tabela, fica a impressão de que o jogo a ser realizado na Amsterdam Arena é “apenas” para definir quem será o adversário que perseguirá o líder Feyenoord no returno.
Em termos racionais, seria possível dizer que o Ajax é o grande candidato a cortar o barato do arquirrival – e que continuará sendo, mesmo que perca o clássico de domingo. Afinal, os Ajacieden estão na segunda posição, a apenas três pontos de distância da primeira posição. E também têm três pontos de vantagem para o PSV, que está em terceiro lugar. Mas a equipe da estação Bijlmer Arena segue mostrando um estilo de jogo ofensivo, veloz e mais variável. O que tem trazido mais animação às suas partidas, e à temporada que faz.
É visível e notável, por exemplo, a diferença entre o Ajax macambúzio e apático que jogou a Liga Europa em 2015/16, saindo na fase de grupos sem nenhuma vitória em casa, e o Ajax focado e acelerado que liderou com categoria seu grupo na mesma competição nesta temporada, chegando com otimismo justo para as partidas da segunda fase contra o Legia Varsovia-POL – por sinal, vencido na mesma fase, em 2014/15. Então, é lícito supor que o Ajax patrolará o rival de Eindhoven daqui a dois dias? Não necessariamente.
Certo, jogadores não faltam para chamar a responsabilidade e decidir o clássico em Amsterdã. Estarão em campo Hakim Ziyech, Kasper Dolberg, Davy Klaassen, Lasse Schöne, até o reabilitado Anwar El Ghazi (fez as pazes com o técnico Peter Bosz e foi reintegrado ao grupo principal) - a única ausência importante será Bertrand Traoré, com lesão muscular na coxa. E já se falou neste blog, também, de como as atuações de gente como André Onana e Davinson Sánchez têm sido confiáveis na defesa, permitindo até que se corra riscos.
Todavia, os resultados das duas últimas partidas acenderam um leve sinal de alerta na Amsterdam Arena. No domingo passado, pela 16ª rodada da Eredivisie, o Ajax já tinha dificuldades para superar o Twente, fora de casa. Mas, bem ou mal, conseguia um ponto, contra um adversário traiçoeiro, de campanha inesperadamente razoável. Até que, aos 45 minutos do segundo tempo, ao escorregar na área, o zagueiro Nick Viergever tentou espanar a bola com a mão. Foi pilhado no gesto, expulso, e o Twente ganhou o pênalti que Mateusz Klich converteu para derrotar o Ajax por 1 a 0.
Tudo bem, nada que representasse crise. Porém, preocupou mais a eliminação na Copa da Holanda. Por mais que tenha jogado com um time reserva contra o Cambuur, ser eliminado pelo oitavo colocado da segunda divisão holandesa, por 2 a 1, e jogando mal, já é motivo para apupos, quando se trata do grande clube nacional. Por sinal, o reconhecimento desse vexame partiu até do próprio grupo. Suspenso para o clássico, Viergever pôde jogar, mas apregoou depois da partida: “Se é para mostrar contra o PSV algo como hoje, melhor nem entrarmos em campo”. Peter Bosz foi tão duro quanto o zagueiro: “Vergonha? Olha, chamar isso de ‘vergonha’ ainda é ser bondoso”.
A volta de Andrés Guardado é muito esperada pelo PSV; quem sabe, com ele, o meio-campo melhore (VI Images) |
Pelo menos, se o sinal do Ajax ainda é um amarelo bem leve, o do PSV já é definitivamente vermelho. A Copa da Holanda já era passado, com a eliminação para o Sparta Rotterdam. Mas algumas lesões foram pondo a nu as fragilidades do grupo de jogadores dos Boeren. E Phillip Cocu não conseguiu pensar caminhos táticos para escondê-las. Resultado: nas partidas mais recentes da temporada, o PSV apresenta uma repetição tática exasperante.
Sem contar a falta de eficiência para transformar posse de bola em gols – até pela má fase que vive Luuk de Jong. Isso já tinha se visto claramente na eliminação da Liga dos Campeões: nem mesmo pressionando, o time conseguiu vazar o Rostov. No jogo anterior, pela Eredivisie, contra o Roda JC, fora de casa, um 0 a 0 daqueles de fazer dormir o mais animado torcedor. E já depois da eliminação, na rodada passada, contra o Go Ahead Eagles, o drama para colocar a bola na rede continuou: só aos 24 minutos do segundo tempo, Siem de Jong fez o 1 a 0 salvador – e isso, contra o último colocado da liga...
Se parte disso é culpa da tática, parte é evidentemente técnica. As lesões que tiram do time Andrés Guardado e Jorrit Hendrix enfraqueceram o meio-campo: apenas Bart Ramselaar merece destaque, com as aparições constantes no ataque. De resto, há apenas uma estéril e lenta troca de passes. Ou as tentativas de escalar gente como Oleksandr Zinchenko e Siem de Jong no setor, sem muito sucesso. Nem mesmo Davy Pröpper, cuja habilidade nos passes normalmente é muito útil, tem atuado bem. Se serve de consolo, o clássico marcará a volta de Guardado, recuperado do problema muscular na coxa.
Com a lentidão do meio-campo, os atacantes ficam impossibilitados de colaborar. E mesmo que tenham chances, não as aproveitam. Já foi citada aqui a seca que viveu - ainda vive, de certa forma - Luuk de Jong: considerando todas as competições que o PSV disputou, o capitão marcou apenas dois gols nos últimos 14 jogos, tendo até ficado no banco (contra o Atlético de Madrid, pela Liga dos Campeões). Pelas pontas, tanto os titulares Gastón Pereiro e Luciano Narsingh quanto o reserva imediato Steven Bergwijn sofrem com o mesmo problema: até têm driblado bem, criando constantes chances, mas precisam melhorar a pontaria.
Com a lentidão do meio-campo, os atacantes ficam impossibilitados de colaborar. E mesmo que tenham chances, não as aproveitam. Já foi citada aqui a seca que viveu - ainda vive, de certa forma - Luuk de Jong: considerando todas as competições que o PSV disputou, o capitão marcou apenas dois gols nos últimos 14 jogos, tendo até ficado no banco (contra o Atlético de Madrid, pela Liga dos Campeões). Pelas pontas, tanto os titulares Gastón Pereiro e Luciano Narsingh quanto o reserva imediato Steven Bergwijn sofrem com o mesmo problema: até têm driblado bem, criando constantes chances, mas precisam melhorar a pontaria.
Assim, enquanto o Feyenoord vai mantendo vivo e intenso o sonho de enfim quebrar o tabu que o aflige há 17 anos, Ajax e PSV reencontram-se apenas para ver quem será o principal adversário. E reencontram-se precisando terminar 2016 com mais paz. O eventual derrotado do clássico só verá a situação piorar mais para a intertemporada.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 16 de dezembro de 2016. Revista e atualizada)
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