sábado, 28 de janeiro de 2017

O único grande herói


Robben merece cada vez mais aplausos; aos 33 anos, ainda é capaz de atuar em alto nível (PRO Shots)
Na segunda-feira passada, Arjen Robben completou 33 anos de idade. Claro, houve lembranças aqui e ali, mas nada de incomum – acontece a mesma coisa em todo dia 5 de fevereiro (aniversário de Cristiano Ronaldo e Neymar), em todo 24 de junho (aniversário de Lionel Messi), para nem falar de outubro, com os aniversários de Pelé (23), Mané Garrincha (28) e Diego Maradona (30). Enfim, são efemérides. Que até merecem alguma atenção, mas nada profundo. Porém, se uma data natalícia oferece oportunidade para reflexões esporádicas, nada mais compreensível do que pensar sobre a carreira de Robben. 

E há uma conclusão bastante plausível sobre a trajetória profissional do atacante. Mesmo já a caminho do fim da carreira, mesmo que as lesões continuem vitimando-o vez por outra, já é possível comentar que o calvo precoce nascido em Bedum é o grande jogador holandês de sua geração. Mais do que isso: é o único holandês da atualidade a merecer ser chamado de “craque”, apesar de todos os pesares (que não foram poucos).

Prova disso é o estágio atual da carreira do camisa 10 do Bayern Munique. Por mais que já não seja titular absoluto nos bávaros, é útil para o grupo de Carlo Ancelotti a ponto de ter renovado o contrato por mais um ano, até 2018. Quando entra no time vermelho de Munique, tem seu valor técnico, comprovado pelos números razoáveis na atual temporada. No Campeonato Alemão, foram 11 jogos e cinco gols; na Liga dos Campeões, quatro jogos e mais um tento marcado. Tudo isso fica mais respeitável quando Robben é comparado com os seus maiores competidores pela posição de “símbolo de uma época” no futebol holandês. 

Certo, Wesley Sneijder também é destaque em sua equipe: esteve em 15 dos 18 jogos do Galatasaray pelo Campeonato Turco. Todavia, trata-se do Galatasaray, de um centro mais afastado do futebol europeu – e um clube que não está disputando torneios continentais em 2016/17. Além do mais, mesmo que não se pense os aurirrubros de Istambul sem Sneijder controlando o meio-campo, o armador não parece ter mais a rapidez que um dia teve. Trocando em miúdos: Sneijder parece não ser tão fundamental. A mesma coisa ocorre com Robin van Persie, que nem titular é mais no Fenerbahçe, embora tenha mais gols na temporada (9, contra os cinco de Robben e dois de Sneijder) e até apareça no cenário europeu, com o Fener na Liga Europa. Ainda é possível mencionar Rafael van der Vaart (até porque ele foi o primeiro da geração a estrear, em 2001, num amistoso contra Andorra), mas este já perdeu seu espaço há muito tempo, atuando num campeonato ainda mais discreto - o Dinamarquês, onde o meio-campista defende o Midtjylland.

E se ainda for possível duvidar do destaque maior de Robben em relação a Sneijder e Van Persie, é melhor usar a importância de ambos na seleção holandesa como um termo definitivo de comparação. Mesmo sendo o grande goleador da história da Laranja (e tendo até sua volta pedida aqui e ali), Van Persie parece ter caído de posição na escala de preferências de Danny Blind, nas convocações. Sneijder, por sua vez, continua sendo convocado (vale lembrar: está prestes a se tornar o jogador com mais partidas na história da Oranje), mas há muito também não exerce papel preponderante com a camisa laranja. E Van der Vaart dificilmente voltará a ser opção: o corte às vésperas da Copa de 2014 foi duro golpe nas suas possibilidades de voltar a defender a Oranje algum dia, bem como as atuações medianas nos clubes por que passou ultimamente - fosse no Hamburgo, fosse no Betis.

Eis a diferença de todos eles para Robben. O camisa 11 pode estar perturbado por lesões, pode ter dificuldades de jogo, mas quase sempre faz a diferença quando joga pela seleção holandesa. Basta lembrar de como se esperou até o último momento pela possibilidade (não concretizada) de sua presença no grupo de jogadores convocado para enfrentar Belarus e França, pelas eliminatórias da Copa de 2018. Como Robben foi poupado cuidadosamente para o jogo contra Luxemburgo, também pela qualificação para a Copa, em novembro passado. E finalmente, como ele justificou tamanho cuidado, marcando um dos gols da vitória por 3 a 1.

O que faz pensar também em outro fator pelo qual Robben vai se isolando como o grande jogador holandês de sua época, no “crepúsculo” de sua carreira (obrigado, Fiori Gigliotti!). Curiosamente, quanto mais o tempo passa, mais o marido de Bernadien parece determinado a pulverizar o status de “amarelão” que ameaçou colar nele definitivamente. Não conseguirá fazer isso completamente, é verdade: sempre haverá quem lembre (com justiça, diga-se de passagem) do gol perdido na final da Copa de 2010, do pênalti perdido na final da Liga dos Campeões de 2011/12, até de uma chance perdida no último minuto do tempo normal na semifinal da Copa de 2014.

Ainda assim, com todas essas falhas em momentos cruciais, Robben mostra uma determinação e um espírito de liderança como não se vê em nenhum outro jogador holandês da atualidade. Tome-se por exemplo a Copa de 2014: Van Persie era o dono da braçadeira de capitão, mas o calvo precoce era o verdadeiro galvanizador, o verdadeiro animador, aquele jogador que ficava no meio da roda orientando e comandando a conversa do time, antes de uma prorrogação. Não à toa, com Danny Blind, enfim Robben virou de direito o que já era de fato. E vale citar novamente suas atuações em Copas para mostrar como Robben ainda parece ter uma centelha de motivação que o faz se destacar. 

Em 2010, sofreu lesão muscular no último amistoso antes da viagem à África do Sul. Não fraquejou: passou uma semana em recuperação intensiva, viajou e conseguiu ser um dos destaques na campanha do vice-campeonato mundial. Daquela vez, Sneijder foi quem se sobressaiu na Laranja – mas seu auge foi curto, já tendo passado em 2011 (e não voltaria mais). Van Persie sofreu com a irregularidade: por melhor que jogasse em Arsenal e Manchester United, por mais gols que marcasse pela seleção holandesa, algo sempre parece ter faltado a ele, ao envergar a camisa laranja. E Van der Vaart nunca chegou a ser um protagonista por muito tempo na Oranje. Robben, ao contrário, passou pela via-crúcis de 2012, decepcionando em clube e seleção. Reagiu, fez o gol do título europeu em 2012/13... e subiu ainda mais em 2014, sendo para sempre um dos nomes que virão à cabeça quando se lembra daquele mês no Brasil. Coisa que não aconteceu com Sneijder, de atuações medianas no Brasil. E mesmo Van Persie, para sempre lembrado pelo gol feito contra a Espanha, começou bem e terminou mal a Copa.

É possível admirar, também, o nível de competitividade que Robben ainda parece manter, em palavras como as que disse quando renovou contrato com o Bayern: “Tive propostas da China, e elas são quatro, cinco, seis vezes maiores do que se ganha num grande europeu. Mas em toda a minha carreira, dinheiro nunca foi o fator principal. Por isso construí uma carreira fantástica, e estive em grandes clubes. Escolho sempre pelo futebol”. 

Talvez por isso, também, Robben possa ser reconhecido como o único grande herói do futebol holandês na atualidade. E consiga ser visto, aos 33 anos, como merece: com o respeito devido aos grandes craques. E no caso dos holandeses, com aquela nostalgia antecipada de pensar que o tempo está acabando – e a preocupação em pensar se há alguém com a liderança e a imposição técnica que conseguiu paulatinamente granjear em sua carreira.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 27 de janeiro de 2016. Revista e atualizada)

Nenhum comentário:

Postar um comentário