segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Sonho em meio a desconfianças

Feyenoord segue bem e animado. Mas Van Bronckhorst sabe: toda calma é pouca (ANP/Pro Shots)

Várias cidades holandesas têm o seu local público por excelência, um local receptivo a manifestações populares, como grandes comemorações. No caso de Roterdã, não há dúvidas sobre qual é esse local: é a Coolsingel, a principal avenida da cidade. Com várias lojas e órgãos públicos ladeando as duas pistas, a via leva também à sede da prefeitura municipal de Roterdã. Exatamente por esse simbolismo, Coolsingel é o cenário do principal sonho de qualquer torcedor do Feyenoord neste ano – bem, em outros também, desde 1998/99.

Qual o sonho? Bem, ele pode ser descrito deste modo: Coolsingel completamente lotada, sem espaço para mais nenhum ser vivo. A camiseta do Feyenoord é item básico de vestuário nesse formigueiro humano, que canta e comemora, em frente à prefeitura. A comemoração atinge seu ponto máximo quando chega o ônibus aberto, com todos os jogadores do Feyenoord em cima dele. Jogador mais querido da torcida, o capitão Dirk Kuyt carrega a Eredivisieschaal, a taça do Campeonato Holandês, para mais perto da torcida. E aí...

Aí, a torcida do Stadionclub acorda. Pelo menos, por enquanto. Afinal de contas, o primeiro turno comprovou: desde que retomou alguma grandeza na Holanda, poucas vezes o Feyenoord esteve tão focado num objetivo só, como agora parece focado em quebrar o tabu de quase 18 anos sem títulos holandeses. O que será muito importante a partir deste fim de semana, com a volta do Campeonato Holandês, após a pausa de fim de ano, começando com a 18ª rodada, primeira do returno.

Não falta vontade de seguir com a boa fase. Goleador da Eredivisie (12 gols), Nicolai Jorgensen provou isso em suas palavras à NOS, emissora pública de tevê: “O campeonato é tudo: para o clube,  para a torcida, para todo o resto. Sabemos que, muito provavelmente, não venceremos uma Champions League. Mas ser campeão com o Feyenoord seria fantástico. E é para isso que estamos trabalhando duro”.

Além do mais, a atual temporada mostra algo ainda adicional a essa vontade: o talento. Talento que coloca vários jogadores do Feyenoord entre os melhores da Eredivisie, até agora, seja na defesa (Brad Jones, Rick Karsdorp e Eric Botteghin), no meio-campo (Karim El Ahmadi e Tonny Vilhena) ou no ataque (o citado Jorgensen, Jens Toornstra). E que rendeu aos Rotterdammers um bom resultado para encerrar os treinamentos de intertemporada, sábado passado, no balneário espanhol de Marbella: vitória por 2 a 0 sobre o Mainz, em amistoso, com atuação satisfatória o bastante para fazer o técnico Giovanni van Bronckhorst se dizer “profundamente feliz”.

Está tudo muito bom, está tudo muito bem, mas real e obviamente, o Feyenoord ainda não ganhou nada. E a partir desta 18ª rodada, na qual enfrenta o Roda JC, a equipe de Roterdã estará entrando no trecho mais difícil do caminho que hipoteticamente a levará à Coolsingel. Se sua fama de refugar nos momentos decisivos já traz uma natural desconfiança, a boa campanha só faz aumentar a sensação de que todos confiam na equipe, desconfiando dela.

Tanta desconfiança chega até a ser injusta. Mas não é de todo imerecida. Vale lembrar um dado: nas últimas onze temporadas da primeira divisão holandesa, considerando os jogos ocorridos no mês de janeiro, o Feyenoord teve cinco vitórias, oito empates e 17 derrotas. Dado que foi turbinado pela derrocada fragorosa vista no final do turno/início de returno em 2015/16: nada menos do que nove partidas sem vitória (oito derrotas, um empate), a pior sequência do clube em sua história na Eredivisie.

Em termos mais práticos, as dúvidas são motivadas por uma forçosa ausência. Fundamental no meio-campo, ao ser capaz de chegar ao ataque para finalizar sem descuidar da defesa, Karim El Ahmadi estará com a seleção de Marrocos entre janeiro e fevereiro, para a Copa Africana de Nações. E isso já leva Van Bronckhorst a pensar quem substituirá o marroquino para ajudar Vilhena na importantíssima tarefa de manter velocidade no meio-campo. No amistoso contra o Mainz, foram testados no setor Dirk Kuyt e Toornstra, enquanto Steven Berghuis foi para a ponta direita do ataque, formado com Jorgensen e Eljero Elia. Até saiu a contento. Mas caso seja necessária mais força defensiva, pensa-se no peruano Renato Tapia. E há ainda as opções de Marko Vejinovic e Simon Gustafson. Várias opções, e Van Bronckhorst parece não ter se decidido.

Coisa que os rivais já parecem ter feito, por bem ou por mal. O Ajax teve uma intertemporada de clima semelhante ao do arquirrival: bons treinamentos na cidade litorânea de Albufeira, em Portugal, coroados com uma vitória até mais categórica (5 a 1 no Red Bull Salzburg). Sem contar que Peter Bosz, enfim, parece ter um elenco mais ajustado com o que pensa em termos táticos. Os descontentes já estão saindo: Riechedly Bazoer já tomou o caminho do Wolfsburg, Nemanja Gudelj se transferiu para a China (Tianjin Teda)... e quem já era destaque continuou sendo. Casos de Amin Younes, autor de três gols contra o Red Bull Salzburg – Kasper Dolberg marcou outro. Entrosado, o Ajax só faz os ajustes finais antes do jogo do próximo domingo, contra o Zwolle.


No PSV, o pessimismo aumentou após a pálida atuação nos 4 a 1 inapeláveis sofridos para o Borussia Dortmund, em amistoso no sábado passado. Até porque o time não só foi o titular, mas também deverá sofrer importante perda, com a virtual transferência de Luciano Narsingh para o Swansea. Se alguém se vai no ataque, todavia, outro alguém vem para o meio-campo. E alguém muito útil e esperado: Marco van Ginkel, novamente emprestado pelo Chelsea, é uma referência para ajudar no meio-campo. Como, aliás, já fez no returno da temporada passada. E fez na vitória por 2 a 1 sobre o Freiburg, em amistoso, ao abrir o placar. Pode muito bem ser titular contra o Excelsior, para tentar ajudar os Boeren a cumprirem o que Luuk de Jong preconizou após o empate contra o Ajax: "Não acho que o Feyenoord ganhará tudo no returno, então nós vamos com tudo atrás deles".


Ainda assim, PSV e Ajax seguem a uma relativa distância do Feyenoord. Que está motivado, e parece tecnicamente capaz de superar as desconfianças e transformar o sonho descrito no começo deste texto em realidade. 

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 13 de janeiro de 2017)

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