Cruyff não teve diploma nenhum. Mas sua inteligência prática o levou a estar para sempre entre os grandes do futebol (Popperfoto/Getty Images) |
"Eu não tenho diploma: tudo que conquistei foi por meio da prática".
Pode parecer que tal frase não seja de Hendrik Johannes Cruyff, que nasceu há exatos 70 anos. Afinal de contas, o maior jogador da história do futebol holandês será conhecido para sempre por sua genialidade dentro de campo, como se soubesse de todos os rumos que eram tomados durante uma partida. Genialidade que sempre lhe permitiu ter um ideário próprio sobre o futebol, que já lhe tornou um dos maiores teóricos que o esporte já teve.
No entanto, é aquela frase do começo que inicia a autobiografia do "Nummer 14" - sem edição brasileira (ainda). E é a mais apropriada das frases. Porque foi a prática simples do futebol que levou Cruyff onde ele foi.
Foi praticando futebol nas ruas de Betondorp, o bairro de Amsterdã onde nasceu e cresceu, que ele desenvolveu seu estilo fluido de jogar. Foi jogando com os amigos, nas peladas sem regra e sem medo, que ele criou seu estilo destemido de ser. Foi assim que ele virou sócio do Ajax. Que ele foi subindo, até a estreia na equipe adulta, em 1964. Que ele estreou pela seleção holandesa, num amistoso contra a Hungria, em 7 de setembro de 1966. Que ele virou o primeiro jogador da história da Oranje a ser expulso de campo - na segunda partida, contra a então Tchecoslováquia, em 6 de novembro daquele 1966.
Foi assim que Cruyff simbolizou, junto de Rinus Michels, a transformação do Ajax no começo dos anos 1970: de clube de bairro a potência europeia e mundial. Foi assim, baseado na prática, na fluidez e entrosamento com os companheiros, que ele idealizou o Futebol Total - que durou mais tempo no Ajax, mas teve apenas os sete jogos da Holanda na Copa de 1974 para se tornar inesquecível. Foi assim, leal ao sogro e agente Cor Coster, que Cruyff se tornou um dos primeiros craques da história a saber de seu valor - e a capitalizá-lo com propagandas mil.
Foi assim que Cruyff chegou ao Barcelona para colorir definitivamente a história do clube catalão, que andava triste pelos 13 anos sem títulos espanhóis - jejum encerrado na primeira temporada de Jopie, em 1973/74. Foi assim, fazendo o que desejava, como uma criança, que Cruyff já deixava claro: por vários motivos, 1974 seria sua primeira e última Copa. Foi assim que ele pensou ter encerrado a carreira, em 1978, jogando um amistoso com as cores de seu primeiro amor, o Ajax.
Depois, graças a péssimos investimentos, perdeu boa parte do que tinha amealhado na carreira. Talvez porque não soubesse mesmo fazer outra coisa que não fosse ter uma bola nos pés. Por isso, voltou. Mesmo que para recuperar seu dinheiro, voltou. Los Angeles Aztecs, Washington Diplomats, Levante, a passagem de apenas um jogo pelo Milan. Quando voltou ao Ajax, em 1981, o marido de Danny nem jogaria: seria auxiliar técnico de Leo Beenhakker. Oras, e o capitão lá aguentaria ficar sem jogar?! Disse Cruyff em sua biografia: "Eu fui muito mais um técnico do que um treinador. E fui muito mais um jogador do que um técnico". Pois voltou ao lado de dentro do campo já em 1981. Foi campeão holandês, em 1981/82 e 1982/83. Foi ignorado pelo Ajax - e decidiu jogar no arquirrival Feyenoord. Não chegou a estar em casa quando jogou em Roterdã, mas foi campeão (1983/84).
Enfim, saiu do campo. Mas continuava tendo suas ideias. Por elas, tornou-se técnico do Ajax, a partir de 1985, levando comandados com quem jogara (Marco van Basten, Frank Rijkaard, Gerald Vanenburg) e gente que surgiu com ele (Dennis Bergkamp, Frank Verlaat, Aron Winter, Rob Witschge) ao título da Recopa Europeia. Por elas, brigou com quase todo mundo na Holanda, país que sempre pareceu contestar o mais contestador e genial de seus jogadores. Que se cansou, e a partir de 1988 foi viver na cidade que mais amou na vida: Barcelona. Onde levou os Culés ao tetracampeonato espanhol, e ao primeiro título europeu da história azul-grená.
Claro, Cruyff uma hora cansou-se. Brigou com o presidente Josep Lluis Núñez, já vinha desgastado do infarto sofrido em 1991, e deixou Les Corts em 1996. Já tinha o nome marcado na história do futebol. E de lá para cá, isso continuou. Sempre por meio da prática - se não gostasse de jogar futebol acima de tudo, Cruyff não questionaria, não incentivaria o jogo com suas Cruyff Courts (quadras que fazia em projetos beneficentes, mundo afora).
E continuará para sempre, enquanto se olhe para a imagem de um sujeito vestindo laranja, ou alvirrubro, ou azul-grená, com a camisa 14, apontando rumos ou tendo a serena expressão de quem sempre soube o que fazer.
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