Quem diria: o Ajax alquebrado do começo da temporada virou semifinalista da Liga Europa (Ronald Bonestroo/VI Images) |
Rostov, Rússia, 24 de agosto de 2016. Após já ter saído da Amsterdam Arena com
um mau resultado (empate em 1 a 1), no jogo de ida da terceira fase preliminar
da Liga dos Campeões, o Ajax é humilhado pelo Rostov, na volta. Com ótimas
atuações de Sardar Azmoun, Dmitri Poloz e Cristian Noboa, era o caso de dizer
que o time russo merecia até mais do que o 4 a 1 que conseguiu pespegar no time
de Amsterdã.
Não
era a primeira eliminação vexatória do Ajax numa terceira fase preliminar da
Liga dos Campeões – na década passada, a equipe já perdera para Kobenhavn e
Sparta Praga. Mesmo assim, parecia um sinal de que uma melancólica temporada
estava à espera. Ainda mais porque já houvera derrota para o Willem II, no
final de semana anterior, pela 3ª rodada do Campeonato Holandês (1 a 2, em
plena Amsterdam Arena).
Quase
oito meses depois daquele aziago 24 de agosto, é impossível não se impressionar
ao ver a deliciosa limonada que o Ajax fez daquele amaríssimo limão “recebido” em Rostov
do Don. Disputar o título holandês? Tudo bem, é ótimo ter reagido e ser um
arquirrival ferrenho do líder Feyenoord até o final da competição, mas para o
Ajax, isso é quase obrigatório a cada temporada. Mas chegar à primeira
semifinal de competição europeia em 20 anos, como os Ajacieden chegaram na Liga
Europa, não estava no roteiro – e simboliza como a equipe entrou nos eixos ao
longo da temporada.
Quando
Peter Bosz chegou para substituir Frank de Boer, causou (e causa até hoje) certa
estranheza, visto que se trata de um personagem pouco conhecido fora da
Holanda, com mais cancha fora das quatro linhas, como diretor, do que dentro,
como técnico – embora tenha feito bom trabalho no Vitesse. Ainda assim, era
difícil compreender porque o Ajax se interessara pelo ex-atacante a ponto de
trazê-lo do Maccabi Tel Aviv para comandar a reformulação de um grupo que se
mostrara taticamente repetitivo e pouco vibrante, nos últimos tempos sob Frank
de Boer. Além do mais, o começo trôpego na temporada não ajudava.
Agora
já não é mais tão difícil compreender. Como fizera no Vitesse – e foi
exatamente pela boa experiência tida ali com Bertrand Traoré que Bosz pediu o
empréstimo do atacante -, o técnico conseguiu dar ao Ajax uma cara ofensiva de
verdade. Sim, a defesa corre riscos desnecessários. Mas é inegável que fazia
falta um time Ajacied que realmente procura o gol. Com velocidade, toques
rápidos, entrosamento. E é isso que a equipe está fazendo. Com Davy Klaassen,
Hakim Ziyech, Lasse Schöne, o supracitado Traoré, Kasper Dolberg, Amin Younes,
Justin Kluivert, David Neres...
Dos
citados, Dolberg, Traoré, Younes, Klaassen e Schöne já faziam parte do grupo de
jogadores do Ajax na goleada sofrida para o Rostov (Klaassen, aliás, foi o
autor do gol de honra). Até como consequência indireta da eliminação, dias
depois, o clube gastava 11 milhões de euros para trazer Hakin Ziyech. Isto é: a
equipe ainda estava sendo reformulada. Custou uma possibilidade de vaga na fase
de grupos da Liga dos Campeões – e isso prejudicou, inclusive financeiramente.
Mas era daquelas situações em que engolir o sapo e continuar trabalhando era o
mais prudente a ser feito. A prova disso não vem com a vaga nas semifinais da
Liga Europa. E sim, com as atuações cada vez mais seguras e melhores no nível
técnico, dentro do Campeonato Holandês. Basta citar que as três últimas
vitórias na Eredivisie foram goleadas (4 a 1 no AZ e dois 5 a 1, em NEC e
Heerenveen).
O
que não quer dizer que o Ajax esteja perfeito. Longe disso. Aliás, na derrota
“celebrada” para o Schalke 04 em Gelsenkirchen, não seria injustiça nenhuma
dizer que perder a vaga nas semifinais seria castigo merecido, pelas tantas
chances perdidas no jogo de ida. Ao invés de ter frieza e jogar mais
cautelosamente – e o Ajax até fez isso na temporada -, a equipe tentou criar
vários ataques, já no primeiro tempo. Talvez fosse hora de deixar o próprio
estilo ofensivo de lado. Até porque a defesa esteve caótica nas laterais, tanto
com Joël Veltman (não à toa, justamente expulso, tais os problemas que teve com
Sead Kolasinac) quanto com Nick Viergever. E Davinson Sánchez arriscou demais
em seus desarmes.
Bastaram
os dois gols tomados em quatro minutos, e o Ajax se desmontou. A expulsão de
Veltman e o mau retrospecto do clube em tempos extras (em competições
continentais, jamais os Ajacieden venceram disputas de pênalti – e foram
eliminados cinco vezes dessa maneira nelas) só preconizavam o melancólico fim
que pareceu irremediável com o gol de Daniel Caligiuri. De novo, um clube
holandês decepcionaria. Daria motivos para risada. Perderia uma vantagem
grande. Faria um clube alemão mostrar como, mesmo no meio de tabela da
Bundesliga, tem poder de decisão incomparavelmente maior do que um holandês.
Mas,
quando menos se esperava, veio o gol salvador de Viergever (“Eu nem vi a bola
entrando, estava com cãibras, só soube porque vieram me abraçar”, riu o lateral
após o jogo). Depois, no desespero do Schalke, Younes aproveitou sua chance. E
o Ajax conseguiu dar sequência à reação notável que teve na temporada. Não sem
sequelas: seguirá cansado para o fundamental clássico contra o PSV, neste
domingo, pela 32ª rodada da Eredivisie, como indicou ironicamente o diretor de
futebol Marc Overmars: “Nós estamos muito felizes, e o Feyenoord também deve
estar”.
Ainda
assim, se um time talentoso precisava ser provado nas emoções de um mata-mata
para mostrar sua raça, o Ajax mostrou. Passou na prova – com sofrimento, mas
passou. De quebra, ainda favorece a Holanda no ranking de coeficientes da Uefa:
se o país perderá sua vaga na fase de grupos em 2017/18, sai em vantagem para
recuperá-la na temporada posterior, pelos pontos que a equipe vai ganhando.
Agora,
na reta final, além da habilidade que aumenta a autoestima da torcida, talvez
caiba ao Ajax ter algo que sobra na equipe do arquirrival Feyenoord, muito
perto do título holandês: raça. De certa forma, já mostrou que teve, nesta
quinta. Para uma equipe que parecia entregue quando a temporada começou, após o
vexame contra o Rostov, os resultados já são um tremendo prêmio de consolação.
Com ou sem qualquer título.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 21 de abril de 2017)
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