O AZ sabe se reorganizar. Por isso, repete ano após ano a doce rotina: ser saudado pela torcida (Ed van de Pol/az.nl) |
Mas isso é teoria. A prática é a dura realidade da Holanda fora da Copa, e da torcida pensando com quem simpatizará na Rússia (em pesquisa do jornal Algemeen Dagblad, está em esmagadora vantagem o Marrocos, com 63% - até esperado, “enclave do Campeonato Holandês” que será na Copa, com gente como Karim El Ahmadi, Sofyan Amrabat, Hakim Ziyech...). O pior é que a Eredivisie também não parece indicar muitas emoções: afinal, o PSV já abriu oito pontos de vantagem na liderança. E seus outros dois colegas no trio de ferro, Ajax e Feyenoord, parecem patinar na própria incompetência.
Sendo assim, vale mais a pena focar em histórias de clubes médios/pequenos que estão com campanhas respeitáveis na liga holandesa. Uma delas já foi descrita, a do Zwolle, que segue na terceira posição (agora, com a mesma pontuação do vice-líder Ajax – 22 pontos). Mas talvez a outra história mereça ainda mais crédito. De um time que também está na mesma toada de Ajax e Zwolle, com 22 pontos, na quarta posição. Um time que sofre turbulências em seu trabalho, mas que tem conseguido manter a tranquilidade – e que obtém suas recompensas por isso. Um time que está sempre à espreita, para surpreender: é o AZ.
Tinha tudo para ser diferente. Afinal de contas, o AZ foi um daqueles clubes que vivia com um mecenas – no caso, o banco DSB, de Dirk Scheringa, presidente entre 1993 e 2009 -, sendo muito feliz com ele: graças ao dinheiro do DSB, a equipe de Alkmaar conseguiu um desempenho excepcional na década passada. Com Co Adriaanse como técnico, alcançou a semifinal da Copa Uefa em 2004/05; e com Louis van Gaal e alguns outros destaques – Sergio Romero, Stijn Schaars, Demy de Zeeuw, Moussa Dembélé, Mounir El Hamdaoui -, alcançou o histórico título holandês de 2008/09. Mas tudo isso ameaçou se esvanecer quando o DSB faliu, forçando a saída de Scheringa e a óbvia queda de investimento.
De fato, o AZ fez uma temporada mais discreta, em 2010/11. Mas se reergueu já a partir de 2011/12, alcançando as quartas de final da Liga Europa. Na temporada seguinte, veio o título da Copa da Holanda. De lá para cá, sempre se manteve tranquilo na metade de cima da tabela. Não raro, disputando os play-offs que rendem vagas na Liga Europa. E até atormentando os três grandes – caso de 2014/15, quando se baseou num ótimo fim de temporada para destronar o Feyenoord da terceira posição e conseguir lugar direto no segundo torneio continental europeu de clubes.
Até alcançar a situação atual, de sempre disputar a posição de “melhor do resto”. Graças a um ambiente no qual a diretoria dá muita organização ao futebol – a ponto de ter contratado até Billy Beane, da antológica história com o Oakland Athletics no beisebol, para apurar as contratações, como consultor especial do clube. A partir disso, o técnico recebe respaldo para desenvolver seu trabalho – algo provado pelos três anos em que John van den Brom já está em Alkmaar.
Claro, nada disso se dá sem crises. Foi o caso em 2014, quando a ambiciosa contratação de Marco van Basten para treinar a equipe fracassou após apenas quatro rodadas do Campeonato Holandês: Van Basten se cansou da pressão, e pediu para ser “rebaixado” a auxiliar-técnico de Alex Pastoor, que era seu braço-direito e seria “promovido” – foi a recusa de Pastoor, prontamente demitido, que abriu o caminho para John van den Brom, só auxiliado por Van Basten em sua primeira temporada. Também houve crises em 2015, quando o ex-jogador Earnie Stewart (sim, o atacante norte-americano que disputou as Copas de 1994, 1998 e 2002) deixou o cargo de diretor técnico para Max Huiberts.
E não raro, achou-se que Van den Brom já estava com o trabalho defasado, e que já dera o que tinha de dar. Foi assim na temporada passada, única em que o clube nada conquistou: perdeu os play-offs da Liga Europa para o Utrecht, sofreu a vexatória eliminação na LE para o Lyon, terminou as 34 rodadas da Eredivisie apenas em sexto lugar. Pensou-se em demissão, mas o que veio foi uma reformulação da comissão técnica, com a troca de auxiliares: Dennis Haar foi treinar a equipe B do PSV, com o ex-jogador Arne Slot o sucedendo – e ajudando Van den Brom a renovar a equipe.
Tal renovação também passou pelos acertos do AZ na formação do grupo, somando precisão nas contratações ao crescimento das categorias de base. O primeiro caso é exemplificado por dois atacantes. Já despontando no Heracles, Wout Weghorst chegou para ser o homem de referência com quem é habitual a equipe de Alkmaar contar (mentalidade tática que já se via com El Hamdaoui, passando por Josmer “Jozy” Altidore e Vincent Janssen). Pois bem: Weghorst está bem na disputa pelo posto de goleador, com seis gols. Processo semelhante ocorreu com Alireza Jahanbakhsh. O atacante iraniano foi um dos únicos destaques do NEC rebaixado em 2014/15. Foi prontamente contratado, e desde então se desenvolveu para chegar ao estágio atual da carreira: não só impera na ponta direita do ataque, como está praticamente certo como titular e protagonista do Irã na Copa, se nada anormal ocorrer.
Weghorst: mais uma aposta certeira nas contratações (Ed van de Pol/az.nl) |
Mas o que salta aos olhos na atual campanha dos “queijeiros” (apelido do AZ, pelo tradicional “Kaasmarkt”, o “mercado de queijo”, uma das principais atrações turísticas de Alkmaar) é o crescimento e o protagonismo das promessas próprias. Os veteranos Ron Vlaar e Rens van Eijden estão lesionados na zaga? Pois bem, o grego Pantelis Hatzidiakos (20 anos) e Owen Wijndal (19 anos) estão ocupando o miolo da defesa sem problemas. No meio-campo, se Marko Vejinovic rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho e está fora da temporada, é hora do despontar de Guus Til, 19 anos, que já tomou conta da armação das jogadas com Joris van Overeem (outra cria de Alkmaar) – sem contar o volante Teun Koopmeiners. No ataque, a história foi parecida: logo na primeira rodada, Calvin Stengs (18 anos) também rompeu seu ligamento. E sua vaga está sendo disputada por dois da base, Dabney dos Santos e Levi Garcia – vantagem do primeiro. De quebra, Guus Til já é titular da seleção holandesa sub-21.
Enfim, o AZ repete o bom desempenho doméstico das temporadas passadas, deixando a receita para clubes médios e pequenos da Holanda. Uma diretoria bem organizada que sabe resolver suas crises; um técnico com respaldo para trabalhar, ainda que tenha desconfianças e exigências; e um time acostumado a atuar no mesmo estilo, e não sofre com mudanças bruscas. Provavelmente não ganhará o campeonato. Mas também trará algum orgulho à sua torcida.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 17 de novembro de 2017)
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