sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Dinamarca e Ajax: uma relação próxima

Lasse Schöne: o continuador mais regular da longa história entre Ajax e Dinamarca (VI Images/Getty Images)
Já foi citada aqui uma pesquisa, feita pelo site do diário holandês Algemeen Dagblad, indagando aos visitantes para qual das 32 seleções classificadas para a Copa do Mundo iria a torcida deles. E também foi citado o resultado – então momentâneo, agora certo, com o fim da pesquisa: Marrocos ficou com 55 por cento. Justificável: afinal de contas, defendem os Leões do Atlas jogadores que se destacam na Eredivisie atual, além de terem até nascido na Holanda: Karim El Ahmadi, Sofyan Amrabat, Mbark Boussoufa, Hakim Ziyech e Mimoun Mahi. Abaixo, ficaram países vizinhos e fronteiriços, com os quais a Holanda tem forte rivalidade: Bélgica (16 por cento) e Alemanha (7 por cento). 

Porém, não foi muito citado outro país que terá seleção na Rússia: a Dinamarca. De todos, talvez, a nação que tem mais vínculos com o futebol holandês. E boa parte desses vínculos, graças ao Ajax. Fora a Holanda, nenhum outro país teve tantos jogadores no clube de Amsterdã (até agora, são 25). Certo, vários outras nações europeias tiveram alguma ligação marcante com os Godenzonen – marcada por uma passagem marcante de alguém: a Finlândia de Jari Litmanen, ou a Suécia de Stefan Pettersson e Zlatan Ibrahimovic. Mas a história dinamarquesa com a agremiação da estação Bijlmer Arena vem de longe. E perpassou momentos importantes da história Ajacied.

Basta dizer que o primeiro jogador danês a ter vestido a clássica camisa branca com a faixa central vermelha chegou na temporada 1969/70, selecionado por Rinus Michels, quando o Ajax passava pelos ajustes finais para tomar de assalto o mundo do futebol a partir do ano seguinte. Era o atacante Tom Sondergaard, com relativa experiência: afinal, jogara a Euro 1964 pela seleção. Só que não deixou grandes memórias em Amsterdã – por problemas disciplinares, Sondergaard saiu do clube tão logo acabou aquela temporada, indo para o Metz.

Sem problemas. Na experiência seguinte, o Ajax ganhou dois dos mais importantes personagens de uma época, para o clube holandês e a seleção dinamarquesa. Em 1975, Rinus Michels – de volta ao Ajax como diretor técnico, após a marcante passagem pelo Barcelona – autorizou pessoalmente a contratação de dois jovens vindos do Fremad Amager (clube do Amager, bairro da capital Copenhague). Tratavam-se de dois meio-campistas: um atuando mais à frente, Frank Arnesen, e outro cuidando mais da marcação, Soren Lerby.

Mesmo que o “Futebol Total” já não fosse uma exclusividade do Ajax, e que o clube não tenha obtido sucesso em torneios continentais durante o resto dos anos 1970, Arnesen e Lerby se converteram em destacados jogadores. Não só viraram titulares absolutos durante todo o tempo em que atuaram no clube (Arnesen, entre 1975 e 1981; Lerby, entre 1975 e 1983), mas usaram dos cânones do Futebol Total para se converterem em meio-campistas completos.

Soren Lerby, Henning Jensen e Frank Arnesen: os dois das pontas da foto foram os principais dinamarqueses na história Ajacied (Twitter)
A partir daí, também não foi difícil que ambos virassem fundamentais também para uma seleção dinamarquesa que mudava, graças à profissionalização nascente do futebol no país. Parceiros dentro e fora de campo, Arnesen e Lerby eram nomes certos nas convocações do técnico Kurt Nielsen. Mas tinham de conciliar, cada vez mais, a mentalidade profissional que encaravam no Ajax com o espírito totalmente relaxado que sempre foi preferencial na Dinamarca. 

Em sua biografia, Arnesen se lembrou de uma série de treinos para a seleção, no verão de 1978, quando Kurt Nielsen prometeu algo especial para o treino: “Nós nos surpreendemos, de certa forma, quando chegamos ao terraço da sede do clube [Skovshoved, onde treinaram]. Kurt havia convidado alguns amigos, e a mesa estava lotada de deliciosos smorrebrod [sanduíches típicos do país], mais cerveja e destilados. Foi muito bacana, embora eu e Lerby, que estávamos acostumados à disciplina no Ajax, não estivéssemos entendendo muito. Mas bebemos a cerveja, os destilados, e tivemos um ótimo dia”.

Se o regime a que ambos estavam se acostumando colidia com as noções um tanto flexíveis de Kurt Nielsen sobre treinos e preparações, ele se encaixou perfeitamente com a firmeza que o técnico alemão Sepp Piontek trouxe para a seleção dinamarquesa tão logo foi contratado, em 1979. Não só Arnesen e Lerby se tornaram cada vez mais importantes na seleção titular, mas também estimularam a mudança de mais gente de seleção (dinamarquesa, no caso) para o Ajax. Como o atacante Henning Jensen, já veterano quando foi para Amsterdã. Como o armador Jesper Olsen. Como o defensor/meio-campista Jan Molby. 

Em sua última temporada no Ajax (1980/81), Arnesen já era o capitão, com apenas 22 anos. Deixou o clube rumo ao Valencia, mas ganhara no Ajax a sabedoria profissional e o aprimoramento técnico. Entregou a braçadeira a... Lerby, que ficou até 1983, quando tomou o caminho do Bayern de Munique. Resultado: Arnesen, Lerby, Jesper Olsen e Jan Molby foram parte fundamental da seleção que fez eclodir a Dinamarca no cenário mundial do futebol – com a campanha de semifinalista na Euro 1984 e, principalmente, com as atuações tão fugazes quanto marcantes na Copa de 1986. 

Depois, Arnesen e Lerby defenderam até o PSV, no final de suas carreiras. Mas era inegável: para sempre teriam a marca do Ajax em suas carreiras. Haviam sido os “cupidos” do casamento entre um país e um clube de futebol. Ou talvez, do casamento entre jogadores que se tornaram, inevitavelmente, discípulos de Johan Cruyff, que voltou ao clube em 1981 – Jan Molby reconheceu, em sua biografia: “[Cruyff] era como um rei em seu território. Ele sabia tudo, e você não podia fazer nada além de ouvir. Às vezes você queria que ele calasse a boca, mas ele não o faria”. Claro, a privilegiada geração se encarregaria de fazer as devidas adaptações táticas em campo, conforme acrescentou outro luminar, Preben Elkjaer-Larsen: “Tínhamos muitos jogadores que atuavam na Holanda naquela época [anos 1980], mas o esquema era nosso: jogávamos no 3-5-2, e eles no 4-3-3. Apenas o espírito tinha um pouco a ver com o holandês: queríamos ter a bola, fazê-la correr, e deixar os outros buscarem”.

Michael Laudrup e Morten Olsen: duas figuras de destaque em Amsterdã, no fim dos anos 1990 (Polfoto)

De todo modo, a relação Ajax-Dinamarca estava traçada. Seria aprofundada nos anos 1990 – principalmente na segunda metade da década, quando foram titulares absolutos da equipe Ole Tobiasen, Michael Laudrup (exatamente na temporada final da carreira), Brian Laudrup e Jesper Gronkjaer, todos treinados por Morten Olsen. Assim seguiu pelos anos 2000, com Dennis Rommedahl e Kenneth Perez obtendo certo destaque – curiosamente, quem virou figura popular na Holanda foi Perez, menos conhecido em termos de seleção (ainda passaria por PSV e Twente, e hoje é comentarista da FOX Sports holandesa). 

Na década atual, o começo trouxe até uma revalorização de jogadores holandeses dentro do clube: sob Frank de Boer, foram titulares por algum tempo (longo ou curto) Nicolai Boilesen, Christian Poulsen, Viktor Fischer e, principalmente, Christian Eriksen. Na mesma época, Lasse Schöne veio do NEC. E cabe ao meio-campista – do grupo atual, quem está no Ajax há mais tempo - manter, junto de Kasper Dolberg, a tradição dinamarquesa no clube. Porque embora haja na seleção atual até um destaque do arquirrival Feyenoord – claro, Nicolai Jorgensen -, os jogadores supracitados provam que, futebolisticamente, Amsterdã e Copenhague têm algo em comum.

A lista de jogadores dinamarqueses no Ajax (considerando-se apenas a equipe principal):
Tom Sondergaard (1969-1970)
Frank Arnesen (1975-1981)
Soren Lerby (1975-1983)
Henning Jensen (1979-1981)
Sten Ziegler (1980-1981)
Jesper Olsen (1981-1984)
Jan Molby (1982-1984)
Jan Sorensen (1987)
Dan Petersen (1991-1994)
Johnny Hansen (1992-1994)
Ole Tobiasen (1997-2002)
Michael Laudrup (1997-1998)
Jesper Gronkjaer (1998-2000)
Brian Laudrup (1999-2000)
Michael Krohn-Dehli (2006-2008)
Kenneth Perez (2006-2007 e 2008)
Christian Poulsen (2012-2014)
Lucas Andersen (2012-2016)
Dennis Rommedahl (2007-2010)
Christian Eriksen (2010-2013)
Nicolai Boilesen (2011-2016)
Lasse Schöne (2012-)
Viktor Fischer (2012-2016)
Niki Zimling (2014-2015)
Kasper Dolberg (2016-)

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 1º de dezembro de 2017)

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