sexta-feira, 30 de março de 2018

O problema do Twente chega ao campo


As demissões do técnico Verbeek (à esquerda) e do diretor técnico Van Halst foram mais um capítulo no drama do Twente. Que tem seis rodadas para resolver sua situação no Campeonato Holandês (Emiel Muijderman)

Durante esta semana, quem acompanha futebol na Holanda prestou mais atenção na seleção. E até que foram muitos os comentários sobre ela, tanto pela derrota para a Inglaterra (reações mistas ao 1 a 0, pela atuação promissora da defesa e pelo desalento que o ataque causou), quanto pela vitória em cima de Portugal (3 a 0 relativamente animador, em que pese o time reserva dos Tugas, por novo destaque dos zagueiros, De Ligt à frente, e pela maior mobilidade dos avantes). Com tudo isso, passaram quase despercebidas as demissões no Twente. Sim, no plural: tanto o técnico Gertjan Verbeek quanto o diretor técnico Jan van Halst viram o fim de suas passagens. É mais um capítulo da crise gigantesca que vivem os Tukkers. Enfim, com dramáticas consequências vistas no gramado – mais precisamente, com a última colocação no Campeonato Holandês. 

É até surpreendente que só agora o clube de Enschede esteja aflito com a ameaça de rebaixamento, a seis rodadas do fim desta Eredivisie. Afinal, os problemas vêm fortes há pelo menos três anos, quando se descobriu o custo que teriam as parcerias feitas pelo antigo presidente Joop Munsterman. Aqui mesmo já foram citados o enorme prejuízo deixado pelas transações envolvendo o fundo de investimentos Doyen (neste blog, no final de 2015), a imposição do rebaixamento ao clube, como punição da federação às falhas nos balanços financeiros (em maio de 2016), e finalmente a discutível decisão de restringir as sanções apenas no campo esportivo, proibindo o Twente de disputar competições continentais pelos próximos três anos (em junho, pouco depois).

Talvez animado por essa decisão, o clube vermelho teve uma atuação surpreendentemente elogiável em 2016/17. Obviamente, para minorar a sangria dos cofres, vendeu quem pudesse vender, pelo máximo que conseguisse – Hakim Ziyech e Felipe Gutiérrez à frente. Buscou empréstimos camaradas, alguns até com clubes de ponta (caso do Manchester City). E das trevas fez-se a luz: com as boas atuações de Bersant Celina e Mateusz Klich no meio-campo, o esforço habitual dos defensores e, acima de tudo, com os gols de Enes Ünal – foram 19, disputando a artilharia até o final da temporada -, o Twente alcançou o 7º lugar na liga. Deixou os torcedores imaginando o que poderia ter sido não fosse a punição que o tirava dos torneios da Uefa: afinal, estaria na repescagem que dá direito a uma vaga na Liga Europa.

Só que o tempo passou. Enes Ünal voltou ao Manchester City – e de lá foi vendido ao Villarreal -, Bersant Celina e Yaw Yeboah também... e o técnico René Hake precisou começar a temporada com um time ligeiramente refeito. Nem tanto na defesa, onde ainda figurariam jogadores como o zagueiro Stefan Thesker e o lateral direito Hidde ter Avest. Mas no meio-campo, setor em que o time precisaria ser reconstruído em torno de Fredrik Jensen e Mateusz Klich. E no ataque, também dizimado pelos fins de empréstimos, restaria apostar em Oussama Assaidi para dar a habitual velocidade nas pontas – e em Tom Boere, de bom desempenho na segunda divisão, para marcar os gols. 

Aparentemente, daria certo, já que a atuação contra o Feyenoord, na primeira rodada, foi honrosa: sim, houve derrota por 2 a 1, mas o Twente jogou bem, viu um golaço de Jensen e mostrou que, talvez, quem sabe, poderia continuar desafiando os três grandes – e brigando de igual para igual com os médios do mesmo tamanho, como Heerenveen e AZ. Pois é: não aconteceu. Foram quatro derrotas nas quatro primeiras rodadas, já despertando os primeiros temores de uma temporada na parte de baixo da tabela. Uma goleada sobre o Utrecht – 4 a 0, na quinta rodada – deu a impressão de que tudo se acalmaria, e tal impressão se fortaleceu com a vitória sobre o Heracles Almelo, que faz junto do Twente o “clássico” da região (Almelo e Enschede, as cidades respectivas, são muito próximas, na região do Twenthe, dentro da província do Overijssel), na sétima rodada. 

Contudo, na 8ª rodada, o revés para o Willem II (3 a 1) rendeu aquela que é, provavelmente, a decisão mais desastrada no caminho do Twente rumo à queda: a demissão do técnico René Hake. Claro, Hake fazia um trabalho longe de ser perfeito. Mas a torcida ainda tinha por ele grande respaldo, pela surpresa positiva de 2016/17. E há longo tempo trabalhando com os jovens nas categorias de base, o treinador conquistara o respeito dos jogadores. A diretoria ainda tentou contemporizar, dizendo que a demissão era apenas um “rebaixamento” de Hake às categorias de base, mas o próprio se negou e preferiu deixar o clube de vez. Para a torcida, a impressão era de que a escolha do bode expiatório fora a errada. Ali a crise financeira do Twente começava a ter, enfim, as consequências dentro de campo.

A torcida até apoia o Twente, mas sua pressão está cada vez mais forte (Marco Munnink)

Gertjan Verbeek foi contratado, com apostas na sua experiência e nos seus bons trabalhos em Heracles Almelo e AZ. No começo, a garra que não falta ao grupo de jogadores se fazia sentir – e dois jogos contra grandes foram a prova disso. Na estreia de Verbeek, contra o líder PSV, na 11ª rodada, por três vezes o Twente ficou atrás no placar, e nas três vezes buscou o empate, antes de sofrer o 4 a 3 nos acréscimos. Contra o Ajax, na 14ª rodada, foi até mais honroso: os Tukkers chegaram a ficar com uma desvantagem de 3 a 1, mas correram atrás do empate. E os avanços na Copa da Holanda (com direito a eliminação do Ajax) davam a impressão de que o time conseguiria ficar acima da zona de repescagem/rebaixamento. Contratações na janela de transferências do começo do ano, como as vindas de Adam Maher, Mounir El Hamdaoui e Luciano Slagveer (este por empréstimo, davam mais esperança de fortalecimento técnico, para debelar o impacto de perdas como Mateusz Klich, que se foi para o Utrecht.

Tudo isso caiu por terra tão logo a temporada foi retomada. Fosse no 4-3-3 ou no 5-3-2, o Twente seguia com a defesa fragilizada, mesmo com o esforço de sempre. Escalado como titular no gol, Joël Drommel mostra deficiências crônicas. No meio-campo, Maher falhava na criação das jogadas, e restava apenas a Assaidi vir buscar a bola para iniciar as jogadas de ataque. Na Copa da Holanda, ainda houve como mascarar tais falhas, chegando às semifinais. Mas no Campeonato Holandês, a crise ficou a nu: até agora, com onze rodadas transcorridas no returno, o Twente espera por vitórias. Foram cinco empates e seis derrotas. E a partir da 22ª rodada, o clube caiu na zona das três últimas posições para não mais sair dela, até agora.

Irritando ainda mais a torcida, Verbeek escondia a fragilidade do Twente em campo atrás de críticas aos adversários – como o célebre uso do termo “schijtbakkenvoetbal” (“futebol de m****”, citado aqui), em referência à aposta do PSV nos contra-ataques, que rendeu o 2 a 0 do líder do campeonato em Enschede. Enquanto isso, avolumavam-se as derrotas: 4 a 0 para o AZ nas semifinais da Copa da Holanda, o dramático 2 a 1 para o Heracles Almelo na 27ª rodada – neste revés, a torcida perseguiu nas arquibancadas o diretor técnico Jan van Halst, que saiu do estádio para evitar males maiores.

Assim, não surpreendeu a demissão da dupla nesta semana. Verbeek saiu com a marca péssima de ser o único técnico da história do Twente sob cujo comando o time teve menos de 22% de vitória na Eredivisie. Para Van Halst, então, a demissão foi um alívio, conforme ele reconheceu: “Algumas vezes eu pensei em me demitir pessoalmente”. A decisão simboliza a desordem desalentadora no clube, conforme comentou Gerard Marsman, diretor técnico da associação holandesa de treinadores: “Demitir dois treinadores numa só temporada: nunca pensei que veria isso na Holanda. Parece o Palermo, que contrata quatro técnicos por ano”. Para piorar, já havia a fratura no tornozelo que tirou Ter Avest do resto da temporada - e nos treinos desta semana, o meio-campo Haris Vuckic rompeu o ligamento cruzado anterior, sendo mais um desfalque definitivo nas seis partidas restantes.

Agora, sob o interino Marino Pusic – que já prometeu um estilo mais ofensivo -, o Twente jogará tudo nas próximas seis rodadas. Para sair da última posição e tentar se salvar na repescagem de acesso/descenso, evitando uma queda que não lhe ocorre desde a temporada 1983/84. Uma queda que seria o fim melancólico de um sonho de grandeza, que teve o apogeu no título histórico de 2009/10. Uma queda que, acima de tudo, provaria como, em busca de tal sonho, o Twente está pagando o mais caro dos preços.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 30 de março de 2018)

Nenhum comentário:

Postar um comentário