terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Schrijvers: guardado na memória

Schrijvers passou longe de ser um dos grandes goleiros da Europa na década de 1970. Mas na Holanda, numa década de roda-viva na posição, teve presença marcante (Arquivo Nacional Holandês)

2020 tem sido um ano de muitos comentários e lembranças na Holanda (Países Baixos) sobre goleiros da década de 1970. Em primeiro lugar, as lamentações ocorridas em novembro passado, pela morte de Willem "Pim" Doesburg, arqueiro que fez história em Sparta Rotterdam e PSV - além de ter sido o jogador com mais atuações na história do Campeonato Holandês (687 jogos, entre 1962 e 1987). Também em novembro, foram as celebrações - poucas, mas notáveis - pelos 80 anos de Jan Jongbloed, guarda-metas da Laranja nas finais das Copas de 1974 e 1978. 

Pois bem: neste dia 15 de dezembro, faz aniversário (74 anos) um outro goleiro histórico da Holanda. Que também viveu seu auge nos anos 1970. Que foi contemporâneo de Jongbloed e Doesburg - aliás, os três foram os goleiros convocados para a seleção holandesa que disputou a Copa de 1978. Que também se notabilizou pela longevidade na carreira dentro de campo. Que após essa carreira, também ficou conhecido como um ex-goleiro capaz de boas avaliações sobre os sucessores de posição, na seleção e fora dela. Verdade, também dava sustos vez por outra, nunca foi incluído na lista dos melhores da Europa.

Mas, bem ou mal, Piet Schrijvers teve aparições na Laranja. Mais constantes até do que os outros colegas de geração. E por ter ficado um pouco mais conhecido, merece também um texto sobre sua carreira.

Começando depois, evoluindo antes

Nascido na pequena Jutphaas (tão pequena que nem existe mais - seu território foi anexado ao município de Nieuwegein, em 2005), Schrijvers começou a jogar na adolescência, em clubes amadores de duas cidades maiores próximas à terra natal. Em Utrecht, atuou pelo VV RUC; em Soest, no SEC. Mas sua carreira começou para valer mesmo já na reta final da adolescência, com a mudança para o HVC, clube amador de Amersfoort, também próxima a Utrecht. Foi por lá que, aos 16 anos, o goleiro já estreava no time principal do HVC, então disputando a terceira divisão.

No começo da carreira, Schrijvers saltou rápido até o destaque (Joop van Bilden/Anefo)

Lá, as atuações de Schrijvers chamaram a atenção a ponto dele já ser convocado para a seleção sub-19 da Holanda, em 1964, sob o comando do técnico Georg Kessler (que depois, o treinaria na Laranja adulta). E o salto posterior veio já em 1965: Schrijvers foi contratado pelo AFC-DWS, clube de Amsterdã que disputava a primeira divisão. Por sinal, o jovem chegou para a reserva de um nome que já tinha mais tempo de estrada - e que seria seu contemporâneo na seleção: Jan Jongbloed.

Mesmo com Jongbloed como titular, Schrijvers seguiu evoluindo na carreira. Teve uma pausa forçada, por um acidente automobilístico sofrido em 1965. Mas tão logo voltou, cresceu no AFC-DWS a ponto de tomar a titularidade. Ou, no mínimo, de dividi-la com Jongbloed. Até por isso, quando o técnico Leslie Talbot chegou ao clube de Amsterdã, logo após a temporada 1967/68, disse que Jongbloed seria seu titular e colocou Schrijvers à disposição para transferências, o goleiro atraiu logo a atenção de um clube de relativa grandeza no Campeonato Holandês. No caso, o Twente. Foi para lá que o goleiro rumou, em 1968.

Sempre a postos

Enfim, Schrijvers tinha um time para ser titular absoluto. Fez mais do que isso: junto a nomes como o zagueiro Kees van Ierssel e o meio-campista Epi Drost, Schrijvers foi um dos símbolos da primeira grande fase da história do Twente. Começando pelo terceiro lugar na temporada 1968/69 da Eredivisie, sua primeira no clube de Enschede. Mostrando alguma firmeza debaixo das traves, e um porte físico respeitável (até demais - sempre esteve acima do peso durante a carreira, beirando os 100 quilos), Schrijvers já recebeu um primeiro prêmio em 1969: ainda que na reserva de Jan van Beveren, veio a primeira convocação para a seleção holandesa adulta - por sinal, vinda do técnico Georg Kessler, o mesmo que lhe abrira espaço na seleção sub-19.

Nas temporadas seguintes, o Twente continuou com campanhas elogiáveis: quarto lugar na Eredivisie 1969/70, quinto lugar na Eredivisie 1970/71, a chegada às quartas de final da Copa das Feiras (antecessora da Copa da UEFA), também em 1970/71, só caindo para a Juventus. Schrijvers seguia como titular dos Tukkers. Mostrava cada vez mais firmeza no gol. A ponto de enfim ter estreado na seleção para valer, em dezembro de 1971, num amistoso contra a Escócia.

No Twente, Schrijvers (esticando o braço na foto) se consolidou como um dos goleiros mais notáveis de sua geração na Holanda (Arquivo ANP)

Todavia, seria a partir de 1972 que Schrijvers viveria a melhor fase da carreira. No Twente, foi o líder de uma defesa que sofreu somente 13 gols, sendo o ponto forte de uma equipe que voltou a terminar o Campeonato Holandês na terceira posição, em 1971/72. Na temporada seguinte, 1972/73, viriam desempenhos ainda melhores. Pela Eredivisie, o Twente alcançou o vice-campeonato; na já rebatizada Copa da UEFA, mais um vice-campeonato, com a equipe vermelha de Enschede só caindo para o Borussia Mönchengladbach na final.

Indiscutível no gol do Twente, Schrijvers só não era o titular no gol da seleção holandesa porque lá estava Jan van Beveren, o melhor dos arqueiros daquela geração. Ainda assim, era um reserva confiável. Provou isso em duas das três partidas em que atuou pela Laranja em 1973, nas eliminatórias da Copa de 1974. Uma delas, decisiva: na última rodada, contra a rival geográfica Bélgica, fora de casa. Em Bruxelas, no antigo estádio Heysel, Schrijvers ajudou a segurar o 0 a 0. E ajudou a colocar a Holanda na Copa.

Em suma: Piet Schrijvers podia não ser o titular, mas estava sempre a postos para cumprir a função.

Agarrando a oportunidade no Ajax

Com o titular Van Beveren lesionado (e já em rota de colisão com Johan Cruyff, o líder num grupo cheio de vaidades), o convocado Schrijvers chegou a sonhar com a titularidade na Copa de 1974. Mas as escolhas táticas de Rinus Michels para aquele torneio acabaram com tais chances: desejoso de um goleiro que soubesse trabalhar melhor com a bola nos pés - até mais do que com as mãos -, o treinador daquela histórica seleção escolheu um velho conhecido de Schrijvers para ser o primeiro goleiro neerlandês no Mundial: Jan Jongbloed, com quem se alternara nos tempos de AFC-DWS. Se servia de consolo, Schrijvers sempre foi o goleiro escolhido entre os cinco reservas a ficarem no banco, nas sete partidas em que a Laranja mostrou o ápice do Futebol Total.

Consolo maior ainda para Schrijvers veio logo depois. Procurando um titular, ainda em meio a reformulações após a saída de Johan Cruyff no ano anterior, o Ajax se interessou pelos dois principais goleiros convocados para a Holanda no Mundial - até porque o terceiro, Eddy Treijtel, era do arquirrival Feyenoord. Jongbloed declinou da proposta: preferiu continuar na titularidade e no ambiente mais tranquilo do FC Amsterdam, como era chamado o DWS desde 1972. Já Schrijvers agarrou aquela chance: tomou o caminho Ajacied em julho de 1974, logo após a Copa.

Por nove anos, Schrijvers foi titular absoluto no gol do Ajax - e se acostumou à torcida chamando-o de "urso", mais pelo porte físico do que pelas atuações (Arquivo ANP)

E pelos nove anos seguintes, Schrijvers foi titular absoluto na meta do Ajax. De vez em quando causava alguns sustos na torcida, pela falta de agilidade debaixo das traves. Tanto que, pelo porte físico pesado - com trocadilho -, para sempre o goleiro ganhou o apelido de "De Beer van de Meer" (em holandês, "O urso de De Meer", referência ao estádio do Ajax na época). Mas sua calma, sua experiência e seus conhecimentos na posição o mantiveram firme na meta dos Amsterdammers. Começava com Schrijvers a escalação do Ajax em cinco títulos holandeses - 1976/77, 1978/79, 1979/80, 1981/82 e 1982/83 -, duas Copas da Holanda - 1978/79 e 1982/83 - e em outras boas campanhas, como a chegada às semifinais da Copa dos Campeões em 1979/80.

Na seleção, frustração na grande chance

Enquanto se consolidava no Ajax, Schrijvers se mantinha nas convocações da seleção holandesa masculina. Em 1975, ainda se alternou nos titulares com Jongbloed e Van Beveren (então, num "armistício" com Cruyff). Mas em 1976, o "Urso de De Meer" se consolidou como o camisa 1 da Laranja. Foi o titular na fase final da Euro daquele ano, disputada na Iugoslávia. Passou relativamente incólume, numa campanha turbulenta da seleção batava. E se Jongbloed foi o goleiro mais escalado em 1977, quando a Copa de 1978 chegou, ambos foram convocados e seguiram candidatos à titularidade, numa interessante alternância de estilos. Schrijvers era um goleiro mais afeito a pegar bolas; Jongbloed atuava mais adiantado. Schrijvers se valia do porte físico mais avantajado; Jongbloed era mais ágil.

Pelo menos na fase de grupos daquele Mundial na Argentina, o técnico Ernst Happel preferiu Jongbloed como titular da Holanda. Porém, nas mudanças por que a escalação da Laranja passou para a segunda fase após um início inconstante, Happel (e seu auxiliar técnico, Jan Zwartkruis) preferiu mais segurança no gol. Entrava em campo Schrijvers, jogando na goleada sobre a Áustria, por 5 a 1, e no empate contra a rival Alemanha (2 a 2). Assim, provavelmente, o arqueiro camisa 1 seguiria titular. Porém, o jogo que valia a vaga na final daquela Copa também valeu uma das grandes frustrações na carreira de Schrijvers. 

Schrijvers conseguira chegar à titularidade na seleção masculina da Holanda durante a segunda fase da Copa de 1978. Mas uma dividida num gol sofrido acabou com seu sonho (Arquivo ANP)

Ela veio aos 26 minutos do primeiro tempo, num cenário já ruim: na jogada que rendeu o primeiro gol à Itália, adversária holandesa naquela partida, houve uma dividida tripla, com o atacante Roberto Bettega, o zagueiro Ernie Brandts e Schrijvers disputando a mesma bola. Bettega tocou e fez 1 a 0. Brandts atingiu involuntariamente a perna de Schrijvers. E o goleiro levou a pior: com muitas dores na tíbia, mesmo sem fratura, precisou ser substituído. Justamente quando tinha a grande chance de ser titular da Holanda numa ocasião grande como uma Copa (e dentro dela, numa final), Schrijvers teve de ver Jongbloed entrando para jogar na virada holandesa sobre os italianos (2 a 1), além de ser titular de novo na derrota para a Argentina, na final da Copa. Nem mesmo no banco Schrijvers ficou: ainda lesionado, deu lugar a Doesburg entre os cinco reservas holandeses da final.

A longo prazo

Pelo menos, após a Copa de 1978, com Jongbloed fora das convocações seguintes, Schrijvers enfim se consolidou como titular da Holanda, indo para os 32 anos de idade. O problema é que a Laranja começava a mergulhar numa profunda entressafra. Ainda conseguiu ir à Euro 1980, mas a geração que viveu seu apogeu em 1974 tinha se despedido da seleção (Cruyff, Willem van Hanegem) ou já caminhava para os últimos anos nela (Ruud Krol, os irmãos Willy e René van de Kerkhof, Robert Rensenbrink, Johnny Rep), e novatos como Jan Peters não traziam a confiança necessária.

Bem ou mal, Schrijvers foi o titular na Euro. Novamente sofreu com uma lesão - deu lugar a "Pim" Doesburg no 1 a 0 contra a Grécia, estreia holandesa naquele torneio continental -, mas concluiu a campanha na fase de grupos. Porém, com um grupo decadente e um técnico sem conseguir impor respeito, veio a eliminação precoce da Laranja. Mais do que isso: já naquela convocação, um dos três goleiros era um novato ousado de 23 anos. E Hans van Breukelen dava mostras de que não aceitaria ser tratado como café-com-leite nem pelo reserva Doesburg (37 anos em 1980), nem pelo titular Schrijvers.

Só veterano Schrijvers conseguiu ter boa sequência como goleiro titular da Laranja (Arquivo ANP)

Mesmo assim, Schrijvers seguiu como forte opção no gol da Holanda naquela primeira metade de década. Em 1981, mesmo com uma roda-viva de goleiros em amistosos (o também veterano Doesburg, Van Breukelen, uma experiência com Edward Metgod), ele ainda foi presença constante na fracassada campanha nas eliminatórias da Copa de 1982. A partir de 1982, começou a ser alternado com Van Breukelen na seleção. Ainda assim, foi titular em boa parte de 1983, na campanha de qualificação para a Euro 1984, outro doloroso fracasso naquela fase obscura da Holanda.

Até que a temporada 1983/84 representou um ponto da virada final na carreira do já veteraníssimo Schrijvers. Começando pela sua carreira em clubes: com os novatos Hans Galjé e Sjaak Storm pedindo passagem para disputarem a posição de goleiro do Ajax, ele preferiu deixar o clube, já em 1983 - teve propostas do Groningen e do canadense Edmonton Eagles, mas tomou o caminho do pequeno Zwolle. E em 1984, aos 37 anos, ele fez a última de suas 46 partidas pela seleção masculina da Holanda - goleada sobre a Dinamarca em amistoso (6 a 0, em março). No Zwolle, Schrijvers seguiu mostrando tanto a calma e a postura no gol quanto o porte físico cada vez mais pesado e lento - mas foi querido da torcida dos Zwollenaren. Que até criou um apelido para ele: se no Ajax foi "De Beer van de Meer", no Zwolle o goleiro virou "De bolle van Zwolle" (em holandês, "a bolota do Zwolle"). E mesmo com a queda do time para a segunda divisão, ao fim da temporada 1984/85, Schrijvers se despediu do futebol aclamado pelos companheiros e pela torcida, aos 38 anos, num amistoso de celebração.

O Zwolle pode até ter sido rebaixado no capítulo final da carreira de Schrijvers, mas ele foi aclamado - e até erguido por Frank Rijkaard no amistoso de celebração da carreira (Cor Mulder/Arquivo ANP)

Fora do gramado, dentro do futebol

Como vários outros casos na Holanda, Schrijvers parou de jogar mas começou a treinar. Aliás, fez isso no próprio Zwolle: já em 1985, tornou-se auxiliar técnico de Co Adriaanse no comando dos "Dedos Azuis". Em 1987, teve sua primeira experiência como técnico principal, treinando o Wageningen (segunda divisão). Demitido no ano seguinte, Schrijvers foi para outra função que poderia exercer bem: treinador de goleiros. Foi como trabalhou no Utrecht e no Twente, ganhando experiência que o fez um dos nomes mais respeitados dos Países Baixos quando o assunto era analisar guarda-metas - até mesmo os seus sucessores na seleção.

Como técnico, Schrijvers viveu um bom momento no começo da década de 1990, ainda na segunda divisão do país. No TOP Oss, ficou dois anos (1991 a 1993), ajudando na estruturação de um clube que estava recém-convertido ao profissionalismo; depois, o ex-goleiro treinou o AZ na temporada 1993/94, quase devolvendo a equipe de Alkmaar à primeira divisão - ela terminou em 3º lugar na Eerste Divisie. E sua carreira como treinador principal se encerrou de volta ao Zwolle, que comandou entre 1995 e 1996.

A partir de então, Schrijvers voltou a ser treinador de goleiros. Acumulou mais experiências na função - PSV, seleção da Arábia Saudita -, e até escreveu um livro sobre a posição ("Keepen is een kunst" - "ser goleiro é uma arte" -, lançado em 2002, em parceria com Yoeri van den Busken). Finalmente, parou de estar no meio do futebol em 2009, após comandar uma equipe amadora.

Schrijvers já começa a sofrer com o Mal de Alzheimer, mas sua fama como goleiro está garantida nos Países Baixos (Pim Ras)

E Schrijvers foi sempre voz muito ouvida quando o assunto era a posição de goleiro. Até 2019, quando o lançamento de sua biografia - "De Beer van de Meer", também em parceria com Yoeri van den Busken. Foi quando o ex-goleiro trouxe a triste notícia de que começava a conviver com os primeiros efeitos do Mal de Alzheimer.

Até por isso, neste aniversário de 74 anos que Piet Schrijvers celebra nesta terça-feira, merece ter um texto em sua celebração. Por mais que não tenha sido um goleiro mundialmente marcante, segue guardado na memória como um dos nomes importantes que a posição teve na Holanda (Países Baixos).

Piet Schrijvers
Data de nascimento: 15 de dezembro de 1946, em Jutphaas
Clubes: HVC (1963 a 1965), AFC-DWS (1965 a 1968), Twente (1968 a 1974), Ajax (1974 a 1983) e Zwolle (1983 a 1985)
Seleção: 46 jogos, entre 1971 e 1984

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