terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Entrevista: Rodrigo Bueno (1ª parte)



Dentro da popularização do futebol europeu no Brasil - não só clara, mas inescapável, embora com inegáveis exageros -, há muitos blogs falando sobre os campeonatos/seleções/"futebóis" de vários países. Sobre Alemanha, Itália, Espanha, Inglaterra, França, Portugal... sendo assim, não é de se impressionar que haja alguém doid... quer dizer, ousado e visionário o suficiente para fazer um blog falando sobre futebol holandês. Certo, não há muitos autores - para dizer a verdade, só um -, e a audiência do Espreme a Laranja é inegavelmente minúscula. O que não quer dizer que o blog não devesse ser feito. Muito menos quer dizer que o futebol holandês não tenha seguidores fervorosos, a despeito de todos os dissabores (principalmente neste 2015 que se encerra). 

E um dos seguidores fervorosos da Oranje faz a ponte com o início deste texto. Pode-se dizer que o paulistano Rodrigo Tadeu Guerra Bueno colaborou bastante para a popularização do que outros países fazem no futebol. Primeiramente, por sua trajetória longa na Folha de São Paulo: o jornalista começou a carreira no diário, em 1995, e dois anos depois assumiu o espaço deixado por outro jornalista, Sílvio Lancellotti, iniciando uma coluna dedicada principalmente ao futebol internacional que foi até 2012, rendendo-lhe a cobertura in loco de três Copas do Mundo, uma Eurocopa, duas Copas Américas e três finais de Ligas dos Campeões. Mesmo tendo deixado a redação da Folha, em 2012, Rodrigo segue colaborando até hoje com o jornal. 

Além da indissociável ligação de sua carreira com a publicação da alameda Barão de Limeira, Bueno também desenvolve trabalho já longo nas emissoras esportivas de tevê a cabo. Entre 2002 e 2012, colaborou constantemente com os canais ESPN, principalmente a ESPN Brasil. E desde 2012, enfim, o jornalista é exclusivo dos canais FOX Sports, não só na tevê, mas também com seu blog, o Diferenciado - que já no nome, mostra o traço bem humorado de seus comentários, ao ironizar o uso indiscriminado (e mal empregado, aliás) do próprio termo "diferenciado", sem contar o particular "abrááço" que virou a marca registrada das despedidas das transmissões de "Bubu", como ficou conhecido entre os admiradores.

E entre tantas características que fizeram-no célebre, está a paixão pela seleção holandesa - e entre a admiração por tantos clubes estrangeiros pelo mundo, um carinho especial pelo Ajax. Pois bem, é para isso que o blog entrevistou-o via e-mail. A paixão ficou notória no tamanho da entrevista, a ser dividida em quatro partes. Sendo assim, para encurtar a já longa introdução, melhor apresentar. A partir de agora, a história de amor entre a Oranje e Rodrigo Bueno.

Como você tinha apenas dois anos em 1974, era novo demais para acompanhar as atuações da histórica seleção do Futebol Total. Mas virou torcedor da seleção holandesa desde 1987. Como conheceu e se encantou com a Oranje, a um ano da Euro 1988?

Eu nem tinha dois anos na Copa de 1974, então só fui ver (bastante) o Carrossel em VTs e em fitas que gravei dos jogos daquele Mundial da Alemanha. Costumo mandar para as pessoas como cartão virtual de Boas Festas nos finais de ano um clipe dos melhores momentos de Holanda 2 x 0 Uruguai, em 1974. Foi uma demonstração de futebol total para toda a eternidade. Algo realmente tocante.

Antes de chegar a 1987 e 1988, preciso fazer uma confissão. A primeira lembrança que tenho da Holanda jogando foi na final da Copa de 1978. Lembro que em casa meu pai e alguns outros torciam para a Holanda porque o adversário era a Argentina. E eu, garotinho de tudo, não entendia aquilo, pois os jogadores da Argentina pareciam piratas legais para mim e fiquei encantado com a chuva de papel picado e a festa da torcida. Posso dizer que torci de forma discreta contra a Holanda naquela final que quase vencemos mesmo (essa bateu na trave no final literalmente). Quis o destino que, dez anos depois, eu viraria um torcedor roxo da Laranja (que combinação de cores rs).

Eu comecei no meio dos anos 80 a acompanhar bastante o futebol italiano, então o Eldorado do futebol mundial. A coisa mais normal para mim seria torcer pelo Napoli por causa do Maradona e do Careca. Mas me encantei mesmo com a dupla Gullit e Van Basten. Admirava demais os caras, suas jogadas e virei torcedor do Milan na temporada 1987/88, temporada que acabou mesmo rubro-negra. Começou a Eurocopa de 1988 na Alemanha, e eu já torcia pela Holanda por causa deles, mas era meio que uma apresentação oficial da Laranja para mim.

E a conquista da Euro 88? Qual a importância dela para você, como torcedor - e hoje, 27 anos depois, como jornalista, como você analisa aquele time?

Lembro bem da final contra a União Soviética, time que aprendi a respeitar já na Copa de 1982 (deu trabalho para a seleção brasileira que eu amava) e que tinha o sensacional goleiro Dasaev. Eu vi o jogo em casa com meu pai e vibrei muito nos gols. Quando saiu aquele gol antológico do Van Basten, a alegria foi como a de um time do coração mesmo. Torcia pelo Van Basten e pela Holanda muito já. Nem me dei muito conta de que o técnico campeão ali era Rinus Michels, simplesmente o treinador do século para a Fifa e para quase todo mundo, nem me dei conta direito do Rijkaard, dos Koeman e outros bons jogadores que a Holanda tinha. Eu meio que me fiz uma promessa: dali em diante torceria sempre pela Holanda. E tenho cumprido bem a promessa (risos).

Você tem vários times com que simpatiza. E pelo Ajax, uma de suas "preferências" mais conhecidas, como a simpatia começou?

Eu não vi nenhum jogo ao vivo do Ajax com Van Basten. Queria ter visto ao menos a final da Recopa de 1987, quando fomos campeões com Van Basten decidindo, claro. Fui descobrir que Van Basten tinha sido jogador do Ajax quando ele já estava no Milan. Como ele virou meu ídolo, já tive logo uma simpatia pelo clube de Amsterdã. Depois, fui conhecendo mais a história do time, que deu base para o Carrossel, teve Cruyff como grande nome etc. Não dava para ver jogos do Campeonato Holandês na época, então mal deu para torcer muito pelo clube. Fiz isso na Copa da Uefa 1991/92, quando o Ajax foi campeão em cima do Torino, com Bergkamp - a quem passei a admirar muito -, Frank de Boer, Blind, Jonk, Winter, Roy, entre outros. No Brasil, vi gente torcendo pelo Torino por causa do Casagrande, mas eu fui de Ajax, de boa. A partir dali, como jornalista, ficou mais fácil acompanhar o clube. Vi a montagem daquele Ajax sensacional de Van Gaal que ganharia a Champions League e o Mundial de 1995. Foi a base da poderosa seleção holandesa que poderia (e deveria) ter vencido a Copa de 1998 e a Eurocopa de 2000. Pena que a Lei Bosman praticamente matou o Ajax em termos continentais. Ficou quase impossível para o Ajax concorrer com os endinheirados clubes de Espanha, Inglaterra, Alemanha e Itália, recheados de estrangeiros. Quando havia limite de estrangeiros, a forte base do Ajax conseguia levar a melhor sobre Real Madrid, Bayern, Manchester United etc. Agora, quando aparece um Sneijder ou um Van der Vaart ou mesmo um Ibrahimovic no Ajax, ele sai logo do clube. Só dá para lutar mesmo no mercado interno.

Em 1994, você ainda começava como jornalista: só no ano seguinte começaria sua passagem pela Folha de S. Paulo. E ainda como espectador, você viveu um momento engraçado no Brasil x Holanda das quartas de final da Copa do Mundo daquele ano, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Como foi?

Na verdade, na Copa de 1994, eu ainda não trabalhava na Folha. Eu tentei trabalhar no jornal, fiz teste para ser estagiário no Banco de Dados. Um colega meu que trabalhava no jornal (Rodrigo Bertolotto) me indicou dizendo que eu manjava muito de futebol, de esporte em geral e que eu estudava jornalismo na PUC-SP. Mas um cara pegou minha vaga usando essas mesmas referências. Devem ter perguntado para ele algo como “então você é o cara da PUC-SP que conhece muito de futebol?”. Contrataram o cara pensando que era eu. Vi então a Copa de 1994 como mero telespectador em casa mesmo.

Quem foi para o Vale do Anhangabaú foi meu pai. Ele não quis ver Brasil x Holanda nas quartas de final na mesma casa em que um filho dele torceria pela Holanda. Meu pai nunca digeriu bem essa minha preferência pela Holanda e pelo futebol internacional como um todo. O resto da minha família não ligava muito para minha predileção pela Holanda, mas, quando o Winter empatou o jogo de cabeça, eu levantei da cadeira e me atirei no chão. Minha família então viu que o negócio era sério, deviam pensar que eu só brincava de ser Holanda para sacanear meu pai (risos). A Holanda perdeu o jogo muito por causa do juiz: Romário estava impedido no gol de Bebeto, a bola foi para ele, e Branco cavou uma falta depois de ter feito falta naquele lance que gerou o terceiro gol do Brasil. Lamentei muito, claro, as ausências de Gullit e Van Basten naquela Copa. Mas ambos já estavam bem bichados, essa é a verdade. Com eles, a Holanda poderia muito bem vencer aquela Copa. Na Eurocopa de 1992, a Holanda estava jogando tão bem ou mais que em 1988. Mais um campeonato em que encantamos e não vencemos. 

Já viajou à Holanda? Em caso de resposta positiva, sua viagem teve um "roteiro futebolístico? E lá, virava-se no inglês ou conseguia algo na língua nativa?

Já viajei, sim. E uma viagem, em especial, foi sensacional, do ponto de vista esportivo. Fui em 2000 para lá como jornalista, num jabá de primeiro nível, voei de primeira classe na KLM e tudo. Era para conhecer os preparativos da Holanda para a Eurocopa de 2000, realizada no país e na Bélgica. Deu para conhecer bem os principais estádios holandeses: Amsterdam Arena, De Kuip, Philips Stadion, Gelredome (que era sensação na época pelo teto retrátil e pelo gramado que pode ser removido). Não falava nem falo nada de holandês, a não ser os nomes de clubes, jogadores e técnicos: falo com pronúncia quase sempre errada em relação ao holandês, que é complicado. Falar simplesmente Cruyff ou Seedorf de forma holandesa já é um desafio. Mas na Holanda todo mundo se vira bem no inglês, isso não é problema lá. O povo fala umas três línguas e é muito receptivo, aberto a estrangeiros.

(Nesta quarta, a segunda parte da entrevista com Rodrigo Bueno)

3 comentários:

  1. rsrsrsrsr, não torcer pela seleção brasileira, é uma arte que só quem domina sabe como é gratificante (rsrsrsrsrsrsrsrsr)

    Cara... eu só tentei falar o nome de uma cidade e tive que praticar um bocado, e ainda acho que falei errado também ^^

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  2. Parabéns pelo blog!

    Um abraço,

    Darcio Ricca

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