Certamente você tem alguma(s) camisa(s) laranja(s) da seleção. Dá para considerar que é coleção ou é somente uma aqui e outra ali?
Tenho muitas camisas da Holanda, sim. Virou algo corriqueiro ganhar camisas da Holanda de presente. Houve um tempo em que eu até pedi para a família parar de me dar camisas e coisas laranjas. Meu guarda-roupa normal estava virando quase 100% laranja. Só que, curiosamente, a marcante camisa da Holanda de 1988 eu não tenho ainda. A camisa que eu mais deveria ter, ainda não tenho. Certamente eu vou adquiri-la em algum momento diferenciado.
Em 2010, precisamente em 7 de janeiro, você escreveu uma coluna lembrando dos 15 anos que completava na Folha, e de como ficara mais fácil se atualizar sobre futebol internacional, com o advento da internet. E para saber sobre a seleção da Holanda, quais as facilidades que você tem agora e não tinha em 1997, quando começou com a coluna na Folha?
Eu comecei com a minha coluna de futebol internacional na Folha no primeiro semestre de 1997. Fui o sucessor do mestre Silvio Lancellotti nesse nobre espaço do jornal, uma responsabilidade e tanto. Eu já fazia muito uso da internet desde 1996, quando cobri de forma experimental a Copa Africana de Nações na África do Sul entre janeiro e fevereiro. Na época, havia dois computadores apenas na redação da Folha com acesso à internet. Lembro que tinha cartazes em cima dos computadores, estimulando os jornalistas a usar aquela moderna ferramenta. Quase todo mundo passava pelos dois computadores e nem mexia na internet, era mesmo um novo mundo, bem estranho.
Na Eurocopa da Inglaterra, no meio de 1996, eu já estava bem familiarizado com a internet e cobri o torneio do Brasil mesmo usando a grande rede. Foi uma cobertura tão boa quanto diferenciada. Não estava in loco, mas dei muitas informações que só eram possíveis devido ao uso da internet. Houve quem me criticasse por essa cobertura distante e muito virtual, mas já não havia volta. Eu podia colher frases de jogadores e técnicos dos sites da Uefa, das federações nacionais, dos clubes, dos mais diversos veículos de comunicação. Tudo isso sem estar na Inglaterra. Nada substitui estar presente no local do evento, mas sabemos hoje que o ideal é estar no local do evento conectado com a internet, com o mundo. Ainda mais para quem cobre futebol internacional. Em seu auge na Folha de S. Paulo e na TV Bandeirantes, o mestre Lancellotti não tinha essa poderosa arma à sua disposição. Ele e os adoradores do futebol mundial torciam para chegar em uma ou outra banca do centro da cidade uma revista estrangeira. Essa quase sempre servia como guia para a temporada. Hoje em dia vemos vários guias de futebol europeu produzidos no Brasil mesmo, os tempos são outros.
Sobre a Holanda em especial, era ainda mais difícil obter boas informações. Ler a mais tradicional revista do país, a Voetbal International, era algo impensável, ainda mais em holandês (risos). Era mais fácil ver análises de fora da Holanda sobre o futebol da Holanda. Sabia mais do Gullit e do Van Basten pelo que via na Itália, por exemplo. Sabia mais do Cruyff pelo que lia em espanhol. Hoje há mais sites, jornalistas e fontes de quem posso pegar informações boas sobre o futebol holandês sem saber nada de holandês. A globalização faz com que quase todo mundo tente se comunicar mais e melhor com o mundo. O Campeonato Holandês inclusive passou a ser transmitido regularmente para o Brasil, isso faz muita diferença em relação a 1997. Antigamente, era raro ver jogos da seleção holandesa na tevê brasileira, exceto em Copas e Eurocopas. Hoje em dia, quase todo jogo amistoso da Oranje é exibido no Brasil. Temos como ver todas as partidas na internet, a Holanda agora é logo ali (risos).
Sabe-se que você é um admirador do futebol europeu em geral, a ponto da hoje célebre frase "o futebol europeu vai dominar o mundo" ter intitulado uma coluna sua na Folha, em 7 de abril de 2011. Por mais que ele tenha nível técnico abaixo da crítica, o Campeonato Holandês tem algum espaço nessa admiração, ou só o Ajax?
A frase antológica que eu lancei foi “O futebol mundial vai dominar o mundo”. Trata-se de uma redundância, um trocadilho, mas é uma verdade, algo cada vez mais atual. Criei essa frase porque na imprensa esportiva brasileira quase sempre havia (e muitas vezes ainda há) uma separação de “Futebol” e “Futebol no Mundo”, como se fossem duas coisas bem diferentes, como se fossem dois esportes diferentes. Tinha chapéu [nota do blog: no jornalismo, "chapéu" significa uma pequena palavra acima de um texto, indicando o assunto a que ele se refere] para basquete, automobilismo, tênis, vôlei e futebol mundial na Folha, por exemplo. O que eu queria dizer, e hoje muitos entendem, é que o tal “futebol mundial” ia ganhar cada vez mais espaço, mais importância, mais popularidade. Cada vez mais, os campeonatos estaduais e os torneios regionais perdem espaço e relevância diante dos grandes torneios internacionais. Isso é reflexo da globalização, da internet, do videogame, das mídias sociais... o mundo ficou pequeno, tudo está ao alcance. Um indiozinho da Amazônia talvez tivesse acesso há algum tempo “apenas” a uma rádio que transmitia jogos dos Flamengo. Esse indiozinho hoje talvez veja o Barcelona de Messi e o Bayern de Guardiola sistematicamente. O futebol europeu reúne a nata da modalidade, é natural que seja hoje a maior referência do esporte mais popular do mundo.
Da mesma forma, o futebol holandês não é o mais endinheirado da Europa, assim seu campeonato não é tão poderoso nem muito badalado. Entendo que muita gente não se interesse pelo Campeonato Holandês. Não é o meu caso. Além de ser um jornalista esportivo que busca notícias e informações de todos os lugares do mundo, eu tenho uma adoração pelo futebol holandês. Então sigo sim o “Holandesão”, mesmo quando não estou trabalhando diretamente na cobertura dele, e mesmo quando meu querido Ajax não está em campo.
Euro 1996, Copa de 1998, Euro 2000, ausência da Copa de 2002, Euro 2004, Copa de 2006, Euro 2008, Copa de 2010, Euro 2012, Copa de 2014, ausência da Euro 2016... a lista de frustrações da Oranje só aumenta. E você noticiou ou comentou cada uma delas, fosse na Folha ou em seu blog no FOX Sports. Para você, torcedor assumido e militante da seleção laranja, qual dessas decepções doeu mais?
A maior dor que eu tive com a seleção da Holanda foi na Euro 2000. Doeu muito ter perdido aquela, fiquei um mês pelo menos muito mal tentando me recuperar daquela derrota. Por vários fatores, aquele fracasso me machucou demais. Em primeiro lugar, o time da Holanda era bem bom. Apostava muito naquela base da Copa de 1998, que poderia (e deveria) ter sido campeã mundial na França.
Em segundo lugar, a Holanda abrigou a competição. Eu nunca tinha visto a Holanda ser sede de nenhum torneio importante de futebol. Entendia que seria uma prova de grandeza a Holanda se impor mais sobre os adversários. Muitos ganharam torneio como anfitriões mesmo não sendo grandes times. Achava que a Holanda tinha mesmo a obrigação de ganhar aquele torneio. Foi a única vez que me senti, como torcedor da Holanda, obrigado a ser campeão. E isso não aconteceu por causa de um jogo inacreditável. Foi quase uma "Batalha dos Aflitos" aquela semifinal entre Holanda e Itália [nota do blog: 0 a 0 em 120 minutos, Itália 3 a 1 nos pênaltis]. A Holanda pressionou o tempo todo, criou inúmeras chances, desperdiçou dois pênaltis no tempo normal, jogou muito tempo com um jogador a mais [nota do blog: Zambrotta fora expulso aos 33 minutos do primeiro tempo] e mesmo assim não conseguiu vencer aquela Azzurra, que nem era tudo aquilo. Não deu para engolir. Ali eu senti mesmo que o time amarelou, inclusive na disputa de pênaltis (nosso velho trauma). Respeitava apenas a França, que viria a ser campeã (e foi derrotada na fase de grupos pela Holanda numa grande virada) [nota do blog: 3 a 2 Holanda], e a República Tcheca, nossa tradicional carrasca (foi batida também pela Holanda na fase de grupos) [nota do blog: 1 a 0 Holanda).
Depois dessa derrota, eu jurei que nunca mais sofreria tanto por um tropeço da Holanda. Vi a final da Copa de 2010 torcendo como louco ao lado do Tostão - que torcia pela Espanha, então. Foi duro ver a realização de um sonho escorrer pelos dedos e pelos pés do Robben, mas nada se compara à dor que eu senti com aquela derrota para a Itália. Curioso ver que, quando eu torcia para o Brasil, só chorei naquele 3 a 2 da Azzurra no Sarriá em 1982...
Em 9 de setembro de 2001, numa coluna sobre a eliminação holandesa ainda na qualificação para a Copa do Mundo do ano seguinte, sua coluna na Folha criticando o estilo técnico/tático da Seleção Brasileira de então, dizendo que torceria por Portugal, de estilo tão exuberante quanto o que a Holanda tinha então. Pois bem, a Oranje já não tem mais aquele estilo de coletividade maciça, de troca de passes incessante, de ofensividade quase suicida. Pelo menos desde a Copa de 2010. Sente falta disso ou acha que... faz parte?
Sinto falta disso. E essa questão ficou muito forte na Copa de 2006, quando a Holanda fez o jogo mais violento das Copas contra Portugal, justamente. A Holanda treinada por Van Basten jogava um futebol burocrático naquela época. E olha que o meu ídolo Van Basten tinha por obrigação até em contrato fazer um time vistoso, ofensivo... Van Basten italianizou demais a Holanda. Não gostava do jeito que a Holanda jogava ali, mas torcia como louco como de costume. Diante de Portugal, que tinha Felipão no comando, esperava um duelo entre o bem e o mal, entre o futebol-arte e o futebol-força, entre a técnica e a garra, mas ficou tudo igual. Os dois times apelaram. O Van Basten se igualou ao Felipão naquele jogo, teve pancada e falta de fair play dos dois lados, uma baixaria. Felipão infelizmente levou a melhor, mas a Holanda ao menos foi punida por esse jogo tacanho. Na Eurocopa seguinte, a Holanda não foi campeã, mas ao menos deu bons espetáculos, deu orgulho.
(Abaixo, o vídeo com os melhores momentos de Holanda x Itália, semifinal da Euro 2000)
Concordo, eu tive a chance de ver esse jogo da Holanda com a Itália, foi algo surreal a Holanda cair daquele jeito...
ResponderExcluirSensacional essa entrevista. Rodrigo Bueno ama a laranja como a gente. Virei fã dele e do Blog Espreme a Laranja. Compartilho da mesma opinião do entrevistado. A derrota que mais senti também foi aquela na semifinal da Euro 2000. Não consegui digerir aquela derrota em casa. Em 2008 também me doeu muito a derrota para os russos, pois ali vi se perder a última oportunidade do meu ídolo Van der Sar conquistar um título pela Holanda.
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