Frank de Boer pensou o que todo o futebol holandês de clubes pensa: o que fazer? (Jasper Juinen/Getty Images) |
Houve uma tentativa de acreditar que a crise podia ser contornada. A própria seleção nacional deu essa impressão: em março, o empate em casa com a Turquia (eliminatórias da Euro) mostrara as falhas sérias que a Oranje tinha, mas a vitória no amistoso contra a Espanha podia indicar alguma evolução. Pois bem: não indicou, como ficou claro nas rodadas finais da qualificação para o torneio europeu, já sob o comando de Blind. As atuações lamentáveis decretaram o vexame da primeira ausência holandesa num importante torneio de seleções desde a Copa de 2002 - e avermelharam de vez um sinal que já andava amarelo desde que as eliminatórias começaram, em setembro de 2014.
Mesmo que a crise interna do futebol holandês já esteja clara há quase uma década, alguns bons resultados da Laranja nos torneios (as atuações auspiciosas na Euro 2008, o vice-campeonato mundial em 2010, o terceiro lugar surpreendente na Copa de 2014) minoravam o impacto da crise. Mas em 2015, não houve como fugir disso: a ausência da equipe nacional na Euro 2016 escancarou sem rodeios o cenário combalido que os clubes já mostram, temporada após temporada.
É fácil repetir a ladainha de que a falta de adaptação à Lei Bosman dilapidou a competitividade continental da Holanda no futebol europeu. Fácil e correto. Mas não justifica completamente a depressão vivida neste 2015 que está acabando. Uma explicação mais completa precisa mencionar um tema comentado perfeitamente pelo jornalista Pieter Zwart, no site catenaccio.nl (e traduzido para o inglês por Michiel Jongsma, do blog BeneFoot): o futebol holandês está perdido dentro de campo. Há muito tempo. E curiosamente, está perdido justamente por manter o lado mais envelhecido do seu estilo de jogo.
Embora o conceito de “escola” esteja cada vez mais maleável, no sentido tático do futebol, ainda é possível apontar a essência da “escola brasileira”, da “escola argentina”, da “escola italiana”, da “escola alemã” etc. A questão é que todos esses países, em algum momento, puderam mesclar a essência aos avanços táticos naturais – aliás, mesclaram tanto que isso foi até danoso em alguns casos, como no brasileiro. Sem contar a maior possibilidade de gastos com preparações e transferências que a Europa tem, possibilitando um salto de desempenho impossível de ser igualado.
Pois bem: na hora de particularizar o desenvolvimento das escolas táticas ao redor do mundo, é que se vê como a Holanda ficou defasada. Enquanto Alemanha e Espanha despontaram, por exemplo, misturando o melhor do Futebol Total (a velocidade, a verticalidade no ataque, o esforço coletivo na marcação por zona, pressão incessante na saída de bola adversária) com os avanços na preparação física, os holandeses ainda apostam em variações preguiçosas do 4-3-3, em que só há troca de passes e, vez por outra, uma jogada mais aguda de ataque.
Exemplos assim campeiam no Campeonato Holandês. Talvez o maior deles seja o Ajax, que repetiu domesticamente a história da seleção holandesa. Enquanto ganhou o tetracampeonato nacional entre 2010/11 e 2013/14, os erros na concepção do time eram relevados. Neste 2015, a Eredivisieschaal não veio. E a participação continental foi indefensável, com as eliminações na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões e na fase de grupos da Liga Europa. Mesmo assim, a equipe seguia apostando no 4-3-3, que tocava e tocava a bola no meio esperando um espaço na defesa adversária para criar as jogadas e fazer os gols.
Contra a maioria dos adversários na Eredivisie – também com a defesa desacelerada e espaçada -, isso até é possível, como se vê em muitas rodadas. Não à toa, os Ajacieden lideram o torneio após o turno, encerrado no domingo passado. Já nos torneios continentais, contra adversários mais capacitados, o que se viu foi uma exasperante ineficiência, uma assustadora falta de criatividade. Também não é à toa que essa disputa entre o pragmatismo e o apego à velha tradição provocou o racha na diretoria do Ajax, enfim encerrado com o acordo entre o demissionário Wim Jonk, ex-diretor das categorias de base, e a direção do clube, que já contratou Patrick Ladru para a função - nome defendido por Marc Overmars e Dennis Bergkamp, os "vencedores" da cisão.
Já o PSV mostrou um estilo bem mais conservador no 4-3-3. Uma defesa dedicada, que conta com o apoio de Andrés Guardado e Jorrit Hendrix na marcação, já desde o meio-campo. E que tem pelas pontas ajuda mútua entre os atacantes, que marcam a saída de bola, e os laterais, que podem avançar vez por outra. Jogando assim, os Eindhovenaren mostraram consistência elogiável na temporada. E foram premiados com a primeira classificação de um holandês às oitavas de final da Liga dos Campeões desde 2006/07.
Há outros bons exemplos. Vários clubes “médios” mostraram esse estilo de jogo que trouxe mais pragmatismo ao futebol holandês, sem tirar totalmente sua essência ofensiva. E obtiveram bons resultados. Campeão da Copa da Holanda em 2014/15, o Groningen faz boa campanha no Holandês, com uma equipe bem veloz, que fornece rapidez nas chegadas ao ataque, pelas pontas, mas também tem esforço conjunto na marcação - desde o meio-campo, onde Hedwiges Maduro persegue os adversários junto de Simon Tibbling, que por sua vez também pode sair jogando. Tudo isso com o 4-3-3 como esquema básico.
Mesmo caso de Heracles Almelo e Vitesse, outras duas boas surpresas. No Heracles, a defesa tem o mérito de se manter compacta durante os 90 minutos, possibilitando que o meio-campo avance constantemente para o ataque - não à toa, um armador, Iliass Bel Hassani, é dos destaques dos Heraclieden na temporada. Já o Vitesse se vale de métodos parecidos com os do Groningen: tem um ataque muito acelerado (destaque para a revelação Dominic Solanke), possui um bom ponta de lança em Valeri Qazaishvili, mas tem ajuda de todos esses na marcação, desde a área de defesa adversária.
O Zwolle, por sua vez, faz mais uma boa temporada apostando no 4-2-3-1 conservador, com uma barreira de até seis homens na defesa (os dois volantes são predominantemente marcadores), enquanto o meio-campo tem dois homens velozes pelos lados, ajudando nas jogadas o atacante finalizador (já foi Tomas Necid; hoje, é Lars Veldwijk).
Sem contar que, ao olhar para o que Bayern e Barcelona fazem, nota-se: a “escola holandesa” de jogar bola ainda vive. Só não está mais na Holanda. E nem parou no tempo, como ainda se acredita nos Países Baixos. Que sofrem com esse atraso tático, mais a natural desvantagem financeira em relação a grandes centros. Prova disso é que, a despeito da surpresa agradabilíssima do PSV na Liga dos Campeões, a Liga Europa viu desempenhos lamentáveis das equipes holandesas. Basta dizer que só houve uma vitória holandesa na fase de grupos do torneio (o 2 a 1 do Ajax no Celtic, na quinta rodada, em novembro).
Mesmo caso de Heracles Almelo e Vitesse, outras duas boas surpresas. No Heracles, a defesa tem o mérito de se manter compacta durante os 90 minutos, possibilitando que o meio-campo avance constantemente para o ataque - não à toa, um armador, Iliass Bel Hassani, é dos destaques dos Heraclieden na temporada. Já o Vitesse se vale de métodos parecidos com os do Groningen: tem um ataque muito acelerado (destaque para a revelação Dominic Solanke), possui um bom ponta de lança em Valeri Qazaishvili, mas tem ajuda de todos esses na marcação, desde a área de defesa adversária.
O Zwolle, por sua vez, faz mais uma boa temporada apostando no 4-2-3-1 conservador, com uma barreira de até seis homens na defesa (os dois volantes são predominantemente marcadores), enquanto o meio-campo tem dois homens velozes pelos lados, ajudando nas jogadas o atacante finalizador (já foi Tomas Necid; hoje, é Lars Veldwijk).
Sem contar que, ao olhar para o que Bayern e Barcelona fazem, nota-se: a “escola holandesa” de jogar bola ainda vive. Só não está mais na Holanda. E nem parou no tempo, como ainda se acredita nos Países Baixos. Que sofrem com esse atraso tático, mais a natural desvantagem financeira em relação a grandes centros. Prova disso é que, a despeito da surpresa agradabilíssima do PSV na Liga dos Campeões, a Liga Europa viu desempenhos lamentáveis das equipes holandesas. Basta dizer que só houve uma vitória holandesa na fase de grupos do torneio (o 2 a 1 do Ajax no Celtic, na quinta rodada, em novembro).
Resta olhar esses bons exemplos que ainda surgem e esperar que sejam a luz no fim do túnel. Só assim, o péssimo ano do futebol holandês terá servido de algo.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 24 de dezembro de 2015)
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 24 de dezembro de 2015)
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