sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

ADO Den Haag: a conta também pode chegar

Hui Wang e Gao Hongbo: duas histórias mal contadas no ADO Den Haag (Laurens Lindhout/VI Images)
A história da decadência do Twente já foi explicitada e explicada nesta coluna, há duas semanas. E como a Trivela noticiou na terça-feira, a federação holandesa já definiu as punições ao clube de Enschede: a cassação provisória (ainda) da licença profissional dos Tukkers, condenando-o a três temporadas de ausência de competições continentais, além do pagamento de multa. Houve quem opinasse que as sanções da KNVB poderiam ter sido mais duras, mas o fato é que elas já foram decretadas, e podem até endurecer. 

Porém, ainda há outro clube do Campeonato Holandês que pode ver más condutas de sua direção colocarem o futebol de campo num caminho muito perigoso: o ADO Den Haag. Por enquanto, a crise em campo está controlada: a ligeira reação das últimas rodadas – até com vitória sobre o Feyenoord – levou o Den Haag ao 12º lugar. Ainda assim, o time de Haia chegou a ficar oito rodadas sem vencer nesta temporada da Eredivisie; e na Copa da Holanda, caiu logo em sua primeira partida, na segunda fase, para o amador Genemuiden (3 a 3, vitória por 3 a 1 nas cobranças de pênalti).

Não era o que se esperava quando foi anunciada a venda do clube para a United Vansen, empresa chinesa de marketing esportivo, em janeiro deste ano, após negociações arrastadas. Afinal de contas, o mecenas Hui Wang chegou prometendo um aporte de 8 milhões de euros nos auriverdes. De quebra, é justo dizer que os atacantes contratados têm nível razoável para os padrões da Eredivisie. Não à toa, Ruben Schaken, Mike Havenaar e Édouard Duplan são considerados os melhores jogadores da equipe até agora (principalmente o atacante nipônico).

Só que o tempo passou, e as primeiras rachaduras começam a colocar a parceria a perigo. Tudo por causa de uma pergunta simples: cadê o dinheiro? Após investir em algumas contratações, a United Vansen fechou a torneira sem explicações à diretoria, retardando o cumprimento das promessas feitas sobre o pagamento da dívida do clube. Das três parcelas do débito, apenas uma foi paga. O que coloca o ADO Den Haag sob perigo de ser colocado na temida “categoria 1” da pirâmide da KNVB, com os clubes que estão na pindaíba.

Pior: no início do mês, o diretor geral do clube, Jan Willem Wigt, revelou que Hui Wang anda fugindo das satisfações necessárias. Falando ao site da revista Voetbal International, Wigt descreveu: “Tudo isso aborrece muito, e coloca a relação [entre clube e empresa] sob pressão. A comunicação está abertamente ruim, e não houve reuniões até agora. O porquê dele se comportar assim? Já me fiz essa pergunta centenas de vezes. A única resposta que consigo supor é que ele não tem dinheiro, de resto, seguem os palpites”. Depois, o diretor ainda alertou, referindo-se à reunião dos acionistas do clube, nesta sexta: “18 de dezembro é uma data crucial”.

A torcida também comungou das indagações de Wigt. A Haagse Bluf, associação de torcedores do clube (não confundir com torcida organizada), divulgou carta aberta a Hui Wang, no dia 9 passado. E nela as indagações já eram mais incisivas: “17 de julho de 2014! Uma data que nós, como torcedores do ADO Den Haag, nunca esqueceremos. Naquele dia tivemos nosso primeiro encontro, e você revelou os planos que tinha. Contratações, uma colocação melhor na tabela, competições continentais, tudo isso nos entusiasmou. E agora? Agora houve uma entrevista coletiva na qual soubemos que há problemas na liquidez do ADO Den Haag porque os pagamentos não chegam”.

Só aí Hui Wang se dispôs a falar. Entrevistado pela emissora de tevê NOS, o chinês explicou a razão dos pagamentos da dívida do clube ainda não terem sido feitos: “Os problemas são consequência de um mal entendido cultural. Ainda precisamos nos acostumar. Pagamentos do exterior passam por uma série de procedimentos. Isso leva a um atraso. Os torcedores do ADO Den Haag não precisam se preocupar”. Contudo, sobrou uma resposta de Wang no mesmo tom de alerta à diretoria: “Também é necessário que o ADO trabalhe mais como uma empresa, que gere mais renda a partir de si”.

Pelo menos, ficara prometida a presença de Wang na reunião desta sexta. Pois bem, ficara: na terça passada, seu filho, Terry, informou que o empresário tem um importante congresso organizado pela federação chinesa, e sua presença em Haia fica inviabilizada. Wang até disse que está completamente aberto para a marcação de uma nova reunião com os acionistas. Todavia, está claro que a confiança na relação entre ADO Den Haag e United Vansen se esvai dia a dia.

A bem da verdade, em outros setores do clube ela já andava cambaleando. Basta falar sobre a até hoje estranha chegada de Gao Hongbo ao clube. O treinador chinês, que passou pela seleção asiática entre 2009 e 2011 (e estava no Jiangsu Guoxin-Sainty), foi trazido para ser uma espécie de “assessor” de Henk Fräser. Embora não seja um auxiliar técnico propriamente dito, serviria para trocar experiências e conhecimentos com Fräser – pelo menos foi o que informou o assessor de imprensa do ADO, Ronald van der Geer. 

Entretanto, Hongbo chegou a Haia com o jornal De Telegraaf lembrando de acusações de corrupção sobre o treinador, que teria dado ao presidente da federação chinesa um laptop e milhares de euros para suborná-lo, em troca do cargo de técnico no Xiamen Hongshi. Nada foi provado, e um ex-técnico holandês que conheceu Hongbo na China, Arie Schans, foi enigmático: “Em todo jogo com um atleta que foi comandado por mim, este me dá um presente. Se é corrupção? Posso lhe garantir: aqui diariamente se presenteiam os outros. No futebol, no voleibol, em negócios”. Ainda assim, por seu contato próximo com Hui Wang, por algum tempo Hongbo foi acusado de conspirar pela queda de Fräser. Até agora, o treinador do ADO segue no cargo, com a ligeira reação.

O problema é que ninguém sabe até onde vão as evasivas de Hui Wang, e qual é o grau de uma eventual mentira do chinês. E isso já começa a irritar alguns personagens importantes da história do clube. Ícone do Den Haag (nasceu em Haia e teve duas passagens pelo clube, como jogador), Dick Advocaat já começou com as críticas: “Ainda antes de eu ir para o Sunderland, conversamos em Schiphol [aeroporto de Amsterdã]. Ele tinha ideias fantásticas, então. Alcançar o top 5 [da Eredivisie], jogar competições europeias em dois anos, e investir quinze milhões em dois anos. Tudo maravilhoso, mas até agora nada de concreto foi realizado”. Finalmente, o treinador ainda sugeriu: "Talvez seja melhor que alguns empresários de Haia tragam algum dinheiro para comprar o clube. E com Rob Jansen [agente de jogadores], Kees Jansma [jornalista] e os advogados Wim Nam e Harro Knijff, teríamos uma união admirável de gente que realmente conhece a cidade".

A verdade é que o prazo de Hui Wang vai se esgotando. E o ADO Den Haag espera poder se recuperar para que minore o perigo de seguir pela via-crúcis que arranha o Twente.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 18 de dezembro de 2015)

Um comentário:

  1. Gente... como é possível em pleno século 21 os times ainda acreditando nessas pessoas sem investigações, contratos com cláusulas bem específicas e fundos devidamente investigados? Chega a ser ridículo

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