O Sparta Rotterdam não precisa mais se preocupar com as mudanças na Eerste Divisie: está de volta à elite (Pieter Stam de Jonge/VI Images) |
Sabe-se que a Eerste Divisie, a segunda divisão holandesa, é um campeonato meio estranho, até confuso. Afinal de contas, é o último estágio do profissionalismo no futebol do país – as divisões restantes são todas amadoras. Sem contar todos os cenários bizarros, já levemente presentes na primeira divisão: uma goleada extravagante aqui, um time fraquíssimo ali, um goleador em fase abençoada acolá... ah, e ainda há os famigerados play-offs pelo acesso ao final da temporada, com os tais “campeões de período” - em breve, você lerá sobre isto aqui no Espreme a Laranja.
Pelo menos, a edição 2015/16 da Eerste Divisie já está com sua definição relativamente adiantada. Nesta semana, o Sparta Rotterdam garantiu o título (e a volta à Eredivisie, após seis anos de ausência), com uma vitória por 3 a 1 sobre o Jong Ajax, o time Ajacied de aspirantes. E todos os participantes da Nacompetitie – nome dado pelos holandeses aos play-offs – já são conhecidos. O que dá mais tempo para se preparar rumo a uma substancial mudança a partir da próxima temporada.
Esta mudança reorganiza a “pirâmide” do futebol holandês de clubes. Tenta sacudir mais o nível técnico da segunda divisão, e também aumentar, ou mesmo estimular, uma profissionalização nos clubes. É a volta da Tweede Divisie, equivalente à terceira divisão, a partir de 2016/17. Existente entre 1956 e 1971, ela retornará para intermediar o caminho entre o amadorismo da Topklasse (hoje, a terceira divisão holandesa) e o (semi)profissionalismo da Eerste Divisie.
Nesse retorno, a Tweede Divisie contará com 18 participantes: 14 promovidos da Topklasse (os sete primeiros da “conferência de sábado” e da “conferência de domingo” nas quais ela é dividida), mais quatro equipes aspirantes de clubes profissionais. Outra medida anunciada pela federação holandesa foi a obrigatoriedade de acesso e descenso entre a Eerste Divisie e a Tweede Divisie: o último colocado da segunda divisão cairá, enquanto o campeão da terceira será promovido. É algo opcional no cenário atual: o campeão da Topklasse, geralmente amador, pode optar entre subir para a segunda divisão ou ficar na terceira – afinal, os custos já aumentariam bastante em caso de opção pela promoção. E isso torna inexistente o rebaixamento da segunda para a terceira divisão.
Como se fosse um ensaio, já na temporada atual houve mudanças. Pelo menos para as equipes de aspirantes que disputam a Eerste Divisie - no caso, Jong Ajax e Jong PSV. A federação obrigou-as a jogar o torneio sob certas condições. Para cada partida na segunda divisão, ambos podem relacionar somente dois jogadores que estejam simultaneamente no elenco do time de cima; e qualquer jogador acima de 23 anos que tenha atuado por mais de dez vezes no time principal, ou que tenha atuado por dez vezes durante, no mínimo, 45 minutos pela Eredivisie na mesma temporada, estará automaticamente proibido de jogar as partidas da segunda divisão. Até justo: antes disso, até Jasper Cillessen chegara a jogar pelo Jong Ajax em alguns prélios...
Em meio a essas mudanças, a edição 2015/16 da Eerste Divisie viveu momentos complicados, antes mesmo de começar. Pela crise financeira que o aflige, o Twente desistiu de colocar no torneio sua equipe de aspirantes, o Jong Twente. Ou seja: ao invés de 20, foram 19 os participantes da segunda divisão. O que já dificultou cálculos na tabela, já que uma equipe folgava obrigatoriamente em cada rodada, e deixou várias equipes com números diferentes de jogos.
Foi, aliás, o que possibilitou ao Sparta Rotterdam garantir o título na 35ª rodada, a quatro do final da temporada regular: a equipe tinha 32 partidas, uma a menos do que o VVV-Venlo, vice-líder com sete pontos atrás dos Rotterdammers. E seria justamente a equipe da cidade de Venlo a folgar na rodada. Bastava vencer o Jong Ajax que o título viria para os Kasteelheren (em holandês, “donos do castelo” – referência a Het Kasteel, estádio do Sparta). E venceram, no 3 a 1 citado no início desta coluna, abrindo dez pontos de vantagem a três rodadas do fim do torneio regular. A torcida não poupou na comemoração: invadiu o gramado para festejar o título.
Também houve sérias dificuldades em relação à manutenção do tradicional Fortuna Sittard, que esteve a um passo de perder sua licença profissional durante a temporada. Clube em que Mark van Bommel começou a jogar (e por que Bert van Marwijk passou como atleta e treinador), o FSC ficou sob o olhar próximo da federação, por ter uma dívida de 900 mil euros para pagar por sua licença. Pelo menos, houve a salvação: um grupo de empresários da cidade de Sittard ajudou com um pouco, os torcedores fizeram sua parte com algumas doações, e o Fortuna Sittard conseguiu pagar o débito, seguindo com a licença para atuar na segunda divisão.
Mas, claro, também há coisas boas a se olhar. Contando com os gols de Thomas Verhaar e as boas atuações de alguns jogadores ofensivos (destaque para o meio-campista Paco van Moorsel e o ponta Loris Brogno), mais a segurança oferecida pela defesa (aqui, merece menção o goleiro Roy Kortsmit), o Sparta teve um time talhado para disputar a segunda divisão. Uma boa sequência de oito vitórias seguidas foi fundamental para colocar o time na rota do título – a ponto de permitir uma derrota e três empates seguidos, sem grandes consequências, antes do triunfo decisivo contra o Jong Ajax.
De quebra, os play-offs pelo acesso prometem ser atraentes. Estão garantidas equipes tradicionais, como NAC Breda e Go Ahead Eagles, que tentarão voltar rapidamente à Eredivisie; outras, como Emmen e Almere City, nunca jogaram na elite em suas histórias. Sem contar a incerteza sobre penúltimo e antepenúltimo colocados da Eredivisie: não se sabe quem tentará a manutenção na primeira divisão, entre Willem II, Excelsior, De Graafschap e Cambuur.
Mas talvez o clube que simbolize a situação atual da segunda divisão da Holanda é o Achilles ’29, clube amador de Groesbeek: campeão da Topklasse em 2012/13, o time escolheu se profissionalizar e arriscar o acesso à segunda divisão. Não está bem atualmente: é o antepenúltimo colocado. Mas não cairia, se houvesse rebaixamento. E está profissionalizado, com maior estrutura. Pode ser o exemplo a ser seguido por quem participar da Tweede Divisie.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 15 de abril de 2016)
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