Janssen se destaca, na interessante disputa pela artilharia na Eredivisie (Tom Bode/VI Images) |
Na edição de fevereiro da revista inglesa World Soccer, o jornalista Jonathan Wilson (talvez o grande especialista mundial da atualidade em análise tática, entre a imprensa dedicada ao futebol, em todo o mundo) citou em sua coluna um fenômeno da atual temporada europeia. Pode até parecer absurdo, mas é bem plausível: novamente, algumas equipes estão escalando mais atacantes “de ofício”, para que eles tenham um papel predominantemente finalizador. Não que eles possam ficar parados ali durante os 90 minutos, apenas esperando que a bola chegue à grande área. Mas precisam estar sempre à espreita para fazer o que deles se espera: colocar a esférica de couro na casinha adversária.
Basta citar a coqueluche mundial, o Leicester City: de nada adiantaria a rapidez de N’Golo Kanté na saída de bola, nem a qualidade de Riyad Mahrez na criação de jogadas, não fosse a prontidão de Shinji Okazaki e, principalmente, de Jamie Vardy para transformar essas jogadas em gols. Há outros exemplos. Se ainda tem esperança (cada vez menor) de alcançar os Foxes na disputa do título inglês, o Tottenham deve grande parte dela à referência confiável que Harry Kane tem sido. Se o Barcelona não abre mão do 4-3-3, e isso abriu espaço para o entrosamento esbanjado pelo famoso trio de ataque, também é verdade que sempre se espera a presença de Luis Suárez na área, para marcar os gols. Há Robert Lewandowski e Thomas Müller no Bayern Munique, há Pierre-Emerick Aubameyang no Borussia Dortmund, há Gonzalo Higuaín no Napoli, há a frequência maior de times escalados no 4-4-2 ou até no 4-3-3 (e em suas variações)... enfim, os exemplos estão aí.
E o que diabos isso tem a ver com futebol holandês? Várias coisas. Para começo de conversa, sabe-se que o campeonato nacional da Holanda é um verdadeiro paraíso para quem tenha talento mediano em deixar a bola na rede “pelo lado de dentro”. A ponto de somente experiências em centros mais competitivos revelarem definitivamente se o goleador da vez na Eredivisie é um jogador que terá sucesso inegável no futebol (Johan Cruyff, Romário, Dennis Bergkamp, Ruud van Nistelrooy, Luis Suárez...) ou se viveu apenas uma temporada de sonho (Nikos Machlas, Mateja Kezman, Afonso Alves, Mounir El Hamdaoui, Bjorn Vleminckx, Alfred Finnbogason...).
E se a atual temporada vive essa revalorização dos atacantes de ofício, seja ela um fenômeno temporário ou algo destinado a se tornar novamente habitual, o Campeonato Holandês está testemunhando uma disputa das mais interessantes pelo posto de goleador. Basta dizer que entre o líder da tábua de artilheiros e o sétimo colocado, há cinco gols de distância. Mais do que isso: os cinco primeiros colocados da tabela da Eredivisie têm seus “homens-gol” em ótima forma nas rodadas recentes do torneio.
Claro, talvez o maior símbolo disso seja o ocupante momentâneo do posto de goleador da liga holandesa: Vincent Janssen. Desde que 2016 começou, o atacante do AZ é destaque na ascensão vertiginosa do clube de Alkmaar na temporada. Foram 14 jogos e 14 gols de Janssen no ano, pelos Alkmaarders. Somados aos seis que marcara em 2015, lhe renderam a artilharia da liga, com 20 gols. Sua convocação para a seleção holandesa que disputou os amistosos contra França e Inglaterra, no mês passado, não surpreendeu. O que impressionou é que o atacante também mostrasse segurança a ponto de ser escalado entre os titulares contra a Inglaterra – e que marcasse gol, em seu segundo jogo pela Oranje. Janssen deixou Wembley consolidando-se como a nova esperança holandesa de ataque.
Na 29ª rodada da Eredivisie, no fim de semana passado, Janssen tinha até a chance de abrir vantagem no posto de goleador. Afinal, o AZ enfrentava justamente o PSV onde joga seu principal adversário na disputa do galardão: Luuk de Jong. Claramente, ele é a referência ofensiva dos Boeren. Tanto para segurar a bola e passá-la a quem vem de trás (o que tem feito muito bem) quanto para finalizar (principalmente em seus cabeceios). O irmão de Siem vive na volta à Eredivisie um fenômeno semelhante ao de Klaas-Jan Huntelaar, quando este chegou à Alemanha: após fracasso em centros competitivos (no caso de Luuk, Alemanha e Inglaterra), ele voltou a um campeonato de nível técnico mais, digamos, “acessível”. Não só recuperou a confiança na volta à Holanda, mas também voltou a ser convocado para a seleção – e até marcou gol, contra a França, ainda que o tento tenha sido irregular.
Só que houve uma decepção: nem Janssen, nem Luuk de Jong marcaram em AZ x PSV. Sorte de Arkadiusz “Arek” Milik: nos 3 a 0 contra o Zwolle que mantiveram o Ajax na liderança, o polonês marcou dois gols, chegando definitivamente na disputa pela artilharia - agora, Milik tem 18 gols. Mais do que isso: ele marcou pela sexta rodada seguida, o que não acontecia com um jogador do Ajax pelo Holandês desde... Luis Suárez (o uruguaio marcou em seis rodadas entre março e abril de 2009). E é o primeiro Ajacied a passar dos 14 gols numa só temporada, desde Suárez e o sérvio Marko Pantelic, na Eredivisie 2009/10. Pode-se dizer: enfim, Milik diz a que veio em Amsterdã, desde sua chegada no meio de 2014, ainda emprestado pelo Bayer Leverkusen (só foi contratado em definitivo no ano passado).
Há mais exemplos. Mesmo escalado vez por outra no meio-campo, o velho e ainda bom Dirk Kuyt continua marcando pelo Feyenoord: como Milik, tem 18 gols (dois deles na rodada passada, no 3 a 0 sobre o Excelsior). No Twente, o ponta-de-lança Hakim Ziyech é a “exceção que confirma a regra”: vindo de trás, num time em fase mediana, já fez 17 gols. O Utrecht tem o francês Sébastien Haller, 16 gols. Finalmente, há no NEC o venezuelano Christian Santos, autor de 15 tentos.
Mais notável é ver que Janssen e Luuk de Jong (sem esquecer Bas Dost, jogando fora da Holanda) já ameaçam os atacantes veteranos na Oranje. A ponto de Huntelaar não ter jogado nenhum minuto nos amistosos, e de Robin van Persie sequer ser convocado. Aliás, a revista Voetbal International noticiou que "Hunter" se abateu com a ausência nos jogos recentes da seleção, e está pensando seriamente sobre sua continuidade com a camisa laranja. Esse crescimento de outras opções é um inegável sinal de renovação. Mas ela poderia ser mais representativa: por mais gols que estejam marcando, nenhum desses citados mostrou, ainda, nível técnico suficiente para ir além da finalização, criar jogadas, vir com a bola dominada desde o meio-campo. Se algum deles o fizesse, poderia se iniciar um novo projeto tático para a Laranja, usando bons armadores, como Davy Klaassen.
Seja como for, o futebol holandês tem comprovado como a temporada atual do futebol europeu está pródiga no prestígio aos “homens-gol”. Se isso vai durar, não se sabe. Resta continuar vendo quem será o goleador que levantará a Eredivisieschaal no final das 34 rodadas. Afinal, se bola na rede vale, troféu no clube vale muito mais.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 8 de abril de 2016)
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