sexta-feira, 1 de abril de 2016

Agora a decisão é contra o rebaixamento

As boas atuações do goleiro Jurjus são fundamentais na evolução do De Graafschap para fugir da lanterna (Erik Pasman/ANP)

A morte de Johan Cruyff abalou tanto a Holanda – e, claro, o futebol holandês – que até os amistosos da seleção ficaram um pouco em segundo plano. E mesmo a ocorrência deles (tanto a desalentadora derrota para a França quanto a vitória surpreendente contra a Inglaterra) fez com que torcida e imprensa “se esquecessem” que há um Campeonato Holandês em disputa.

Pois bem, ele volta a partir deste sábado, com a 29ª rodada. E terá outra partida decisiva. Mas é na parte de baixo da tabela: se o Ajax virou a disputa pelo título ao vencer o PSV em pleno Philips Stadion na rodada anterior (agora, os Ajacieden é que têm dois pontos de vantagem em relação aos Boeren), agora De Graafschap e Cambuur farão o jogo direto para tentarem escapar da 18ª posição, também conhecida como “lanterna”, a única a causar o rebaixamento direto à segunda divisão.

De fato, aparentemente, não causaria grande interesse – cá entre nós, talvez nenhum interesse – a partida entre o último (Cambuur, 16 pontos) e o penúltimo (De Graafschap, 17 pontos) colocados desta Eredivisie. Todavia, os rumos das duas equipes tornaram mais interessante o jogo de abertura da rodada, neste sábado, às 13h30 de Brasília, no estádio De Vijverberg, na cidade de Doetinchem. E pode-se dizer que o De Graafschap, mandante do jogo, é o “responsável” por isso. Afinal de contas, comparado ao turno, o returno dos “Superboeren” mostra uma mudança admirável.

Claro que essa mudança não ocorreu de uma hora para outra. Mesmo nas 17 rodadas iniciais, quando a equipe de Doetinchem conseguiu ridículos 5 pontos, havia mostras de talento aqui e ali. Para começo de conversa: até pela constante exigência de serviço a que é submetido, o goleiro Hidde Jurjus mostra talento, ao somar explosão nas defesas à queima-roupa e calma no posicionamento. Sua média de gols sofridos (1,96 por jogo – foram 55 em 28 jogos) é alta, mas menor do que a dos dois arqueiros do Cambuur na temporada (o titular Leonard Nienhuis sofreu 2,21 gols por partida; seu reserva, Harm Zeinstra, tem a pior média entre os guarda-metas da temporada da Eredivisie – 2,87 gols sofridos por jogo). E mesmo ao sofrer tantos gols, Jurjus ainda mostra capacidade suficiente para ser constantemente mencionado como um dos melhores da posição neste campeonato – e provável reforço para algumas equipes.

E também há gente promissora nos jogadores de linha. Na zaga, Robin Pröpper (irmão de Davy, o meio-campista do PSV) mostra algum talento na saída de bola. E no meio-campo, cuja importância é potencializada para o time no 4-4-2 “em losango”, o inglês Andrew Driver mostra força física – e sua habilidade, mesmo mediana, já é suficiente para ajudar os atacantes Cas Peters e Vincent Vermeij, dois outros destaques do De Graafschap na temporada. No banco, o belga Nathan Kabasele é costumeira opção vinda do banco de reservas, trazendo velocidade pelas pontas do ataque.

As atuações da equipe contra o trio de ferro no turno mostravam as possibilidades claras de reação: três derrotas vendidas duramente. Contra o Feyenoord, um 1 a 2 apertado; contra o PSV, o De Graafschap levara 3 a 0 no primeiro tempo, mas chegou a conseguir o empate antes de levar o 6 a 3 final; contra o Ajax, chegaram a empatar também, e a vitória dos Amsterdammers (2 a 1) teve algo de injusta.

Com algum tempo para trabalhar na pausa de inverno, veio a “reação” no returno. Entre aspas, obviamente: afinal, são cinco derrotas nos 11 jogos pela Eredivisie em 2016 - entre elas, quedas para PSV (4 a 2) e Feyenoord (3 a 1). Todavia, as três vitórias e os três empates já serviram para os Superboeren conseguirem algo que parecia impossível pela baixíssima pontuação no primeiro turno: deixar a última posição e, pelo menos, ganhar a esperança de permanência na primeira divisão, mesmo que pela repescagem para a qual vão 16º (antepenúltimo) e 17º (penúltimo) colocados do campeonato. 

Por sua vez, a torcida em Doetinchem já era elogiada pela fidelidade, pela animação e pela presença maciça nos jogos. E isso só aumentou com a ligeira ascensão dos alviazuis. Um bom exemplo veio na 27ª rodada, quando a equipe venceu o Roda JC por 3 a 0: a certa altura do primeiro tempo, uma das placas eletrônicas de publicidade ao lado do gramado caiu, forçando a interrupção do jogo por alguns minutos. A torcida não só se prontificou a ajudar os comissários na remontagem da placa, mas também continuou incentivando a equipe enquanto fazia isso. Esse cenário de otimismo justifica plenamente as renovações anunciadas dos contratos com o técnico Jan Vreman e sua comissão técnica, e com o atacante Vermeij, goleador da equipe na Eredivisie (ambos, até 2017). De quebra, Jurjus e Vermeij foram convocados para a seleção holandesa sub-21 que disputou amistosos contra Noruega e Sérvia nesta semana, vencendo ambos (dois 1 a 0 – aliás, Vermeij fez o gol contra os sérvios).

Se a animação no De Graafschap é crescente, o cenário no Cambuur é inverso. Não que a situação no turno estivesse boa: afinal, o time de Leeuwarden o terminou na zona de repescagem/rebaixamento. Além do mais, oferecia menor resistência aos três grandes do país: levou 6 a 0 do PSV em casa, e sofreu 5 a 1 do Ajax (contra o Feyenoord, derrota por “apenas” 2 a 0). Ainda assim, estava em 16º lugar, com 13 pontos, oito acima da última posição. Parecia possível até sair do fundo da tabela: ao começar a pausa de inverno, os Leeuwarders estavam a três pontos do Roda JC, na 15ª posição, primeira a garantir a permanência na Eredivisie. De quebra, havia um protagonista em quem a equipe podia confiar: o atacante nigeriano Bartholomew Ogbeche. Com passagens por Paris Saint Germain, mais futebol inglês e espanhol, sem contar uma Copa do Mundo na carreira (2002), Ogbeche era garantia de gols ao Cambuur: marcara 9 vezes em 15 jogos, no primeiro turno.

Só que 2016 está diminuindo drasticamente as perspectivas de salvação. Primeiro, Ogbeche deixou o clube em janeiro, rumo ao Willem II, um concorrente na disputa para sair das últimas posições (o Willem II é o 15º colocado). Uma sequência de cinco derrotas consecutivas fez o técnico Henk de Jong pagar pela crise com a demissão, dando lugar a Marcel Keizer, vindo do Emmen, da segunda divisão. Por fim, em 11 jogos no ano até agora, uma vitória (1 a 0 no Zwolle, na 25ª rodada) e dez derrotas: é a pior campanha do returno. Sem referências técnicas dentro dos titulares, o Cambuur caiu para a última posição, e agora está a nove pontos da salvadora 15ª colocação. Dentro de campo, cabe ao ponta-de-lança irlandês Jack Byrne e ao atacante Martijn Barto tentarem assumir o protagonismo que Ogbeche suportava sozinho.

Por essa queda, o Cambuur acabou permitindo a aproximação do De Graafschap. Nas últimas rodadas, ambos se alternam na última posição, tentando escapar dela. E assim como Ajax e PSV fizeram na rodada passada, jogarão por um triunfo que pode garantir a salvação na elite ao vencedor, ainda que temporária. Certo, o nível técnico não será lá essas coisas. Mas diga isso aos ansiosos torcedores de ambos…

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 1º de abril de 2016)

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