sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A "primeira fase" do "vestibular"


Confiança do Feyenoord vai crescendo, mas terá seu grande teste contra PSV (Jeroen Putmans/VI Images)

Na semana passada, mencionou-se aqui o começo incontestável dos três grandes clubes holandeses no segundo turno do Campeonato Holandês: em cinco rodadas até ali, haviam sido cinco vitórias. Pois bem: continuou sendo assim após a 23ª rodada. O trio venceu seus respectivos compromissos (Ajax 1x0 Vitesse; PSV 3x1 NEC; ADO Den Haag 0x1 Feyenoord), e continuou invicto no returno da Eredivisie desta temporada.

E aí, obviamente, a atenção maior vai para o Feyenoord. O clube de Roterdã conseguiu a nona vitória seguida no campeonato, somando os resultados do primeiro turno – simplesmente a segunda vez em que o Stadionclub engatou nove triunfos consecutivos na edição atual da liga. Mais: aproxima-se cada vez mais o recorde histórico de sequência de vitórias dos Feyenoorders (12, na temporada 2002/03). 

Enfim, não resta dúvidas: se o principal temor da torcida – e principal desconfiança da imprensa – era a capacidade da equipe de manter no returno o ritmo elogiável visto nas 17 primeiras rodadas, ele vai sendo pulverizado rodada após rodada. Em certos momentos, com até mais segurança do que no primeiro turno. Basta dizer que o goleiro Brad Jones não sofreu gols nos jogos do returno – ou seja, já são 540 minutos sem a meta do australiano ser vazada.

Aliás, cabe repetir algo que já se disse aqui: o Feyenoord parece naquele estágio em que a segurança e a autoconfiança são tamanhas que até o adversário mais difícil, uma hora, é superado. A vitória sobre o Groningen, há duas rodadas, já mostrara isso; e o 1 a 0 em cima do lanterna ADO Den Haag, domingo passado, foi ainda mais alentador. Tratava-se de mais um daqueles jogos em que o Feyenoord correria o risco de se descontrolar, em tempos idos. Afinal de contas, mesmo em situação cada vez mais difícil na liga, o time de Haia oferecia pouco espaço em sua defesa, trazia certos perigos no contra-ataque, segurou o 0 a 0 no primeiro tempo... até que, aos 17 minutos do segundo tempo, Eljero Elia conseguiu fazer uma jogada pela esquerda, cruzou, e Karim El Ahmadi entrou pela área para chutar e garantir o gol da vitória. Calmamente, sem desesperos, sem desproteger a defesa.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas o fato é que, se o Feyenoord tem essa sequência altamente positiva, também não encarara nenhum adversário “do seu tamanho” no returno. Até esta 24ª rodada: no domingo, a equipe receberá o PSV, em clássico a ser realizado num De Kuip com ingressos já esgotados. Se a vitória em plena Eindhoven no primeiro turno (1 a 0, na 8ª rodada) foi o primeiro sinal de que a equipe falaria realmente grosso na Holanda nesta temporada, um novo triunfo não só deixará os Boeren definitivamente fora da disputa pelo título, mas também realçará a esperança que toma conta de Het Legioen, a sofrida e fanática torcida, ainda que de modo cauteloso.

E após muito tempo, dá para dizer: há razões reais para o Feyenoord olhar o PSV de igual para igual, ou até numa posição superior. Na defesa, além do supracitado Brad Jones, Eric Botteghin pode ser considerado o melhor zagueiro desta Eredivisie – o brasileiro não chega a encher os olhos com suas atuações, mas tem sido o exemplo perfeito da concentração do time na temporada (não perdeu um só minuto de jogo na Eredivisie, e está sempre atento nas sobras de bola e nos desarmes). Seu parceiro de zaga, Jan-Arie van der Heijden, cresceu de produção no returno. E os laterais, Rick Karsdorp e Terence Kongolo, seguem exibindo equilíbrio entre marcação e apoio.

Mas sem dúvida, é no meio-campo que está o pulo do gato do Feyenoord nesta temporada. Não é exagero dizer que o supracitado El Ahmadi e Tonny Vilhena disputarão o posto de “melhor do campeonato” ao final da temporada: mostram velocidade impressionante para apoiarem e marcarem, e não raro avançam para surpreender nas chegadas ao ataque, como provou o gol de El Ahmadi contra o ADO Den Haag – foi o sétimo tento do marroquino na Eredivisie. Aliás, não raro, há quem diga que o Feyenoord melhorou ainda mais com o retorno de El Ahmadi, titular magrebino na Copa Africana de Nações.

Paralelamente, começando a receber chances frequentes na armação das jogadas, Jens Toornstra vai se destacando nas assistências – já são 7. Mesmo número de passes para gol que fez Eljero Elia, outro destaque no ataque, sempre criativo na ponta esquerda. Assim como Steven Berghuis, enfim entrosado pela direita. No meio, não é novidade citar Nicolai Jorgensen, goleador (15 gols) e quem mais assistências deu (8) no campeonato. O atacante dinamarquês não só disputa com El Ahmadi e Vilhena o posto de jogador da Eredivisie, mas também deverá ser cobiçado na próxima janela de transferências.

Todavia, há alguns furos no casco do seguro barco do Feyenoord. O leitor mais atento há de notar que não foi citado o nome de Dirk Kuyt. Pois é: o capitão Feyenoorder está deixando de ser tão importante. Não que tenha sido esquecido, longe disso. Mas Kuyt já não é fundamental no time. Prova disso é que tem iniciado algumas partidas no banco de reservas – principalmente quando essas partidas exigem mais intensidade, como contra o Groningen. Afinal de contas, por mais que o esforço e a aplicação tática sejam fatores constantes e elogiáveis na carreira de Kuyt, os 36-quase-37 anos já começam a lhe pesar, e a velocidade já não é tanta. 

Obviamente, Kuyt chateou-se. Ao ser colocado na reserva contra o Groningen, reclamou à FOX Sports holandesa: “Eu fiquei surpreso e triste por não ter jogado. Achava que, por ser o capitão, estava livre dessas coisas”. Pelo menos, tendo voltado ao time titular, o próprio colocou panos quentes em qualquer problema com o técnico Giovanni van Bronckhorst, após a vitória contra o ADO Den Haag: “Coloquei um risco enorme sobre isso”. Enfim, pensou em não criar problemas. Coisa que, talvez, Michiel Kramer devesse ter feito: esquecido no banco de reservas com a ascensão vertiginosa de Jorgensen, o atacante faltou a um treino, há duas semanas. Bastou para ser barrado do grupo por alguns dias, além de levar uma multa – ambas as punições já cumpridas, aliás.

Tudo isso leva a crer que o Feyenoord está se esforçando para evitar toda e qualquer escaramuça que tire o foco daquilo que interessa: a manutenção da liderança e o sonho do desfile na avenida Coolsingel, com a taça na mão. Faz bem. Até porque, se há um time que pode atrapalhar isso, é o PSV. Se o Feyenoord tem seis vitórias nos seis jogos do returno, o time de Eindhoven também tem (além do Ajax, bom lembrar). E os Boeren têm conseguido seus triunfos na base da calma e da eficiência, sem se preocupar em jogar bem. Na semana passada, a coluna citava vitórias dos Eindhovenaren contra Heerenveen e Heracles Almelo, conseguidas tardiamente. E o PSV seguiu sendo mais eficiente contra o NEC, na rodada passada: saiu na frente, sofreu o empate, mas teve cabeça fria para aproveitar as chances no segundo tempo e garantir a vitória por 3 a 1. É o que resta, para manter as remotas chances de tricampeonato – que praticamente acabarão, em caso de vitória do Feyenoord no clássico.

Ou seja: se há um time matreiro o suficiente para conter a vontade do Feyenoord, que atua em casa, e vencer com eficiência, este time é o PSV. E o líder do campeonato sabe disso. Eis a razão da partida deste domingo ser tão importante para o Stadionclub. No returno, ele tem sido um estudante aplicado: cumpre suas tarefas de modo elogiável, e vai muito bem nos “simulados”, até “gabaritando” algumas provas. Contra o PSV, o Feyenoord passará pela “primeira fase” de seu “vestibular” rumo ao sonhado título. E precisa ir bem nela.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 24 de fevereiro de 2017)

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