sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Mudar para mudar?


Diretor do PSV, Marcel Brands se entusiasma com a ideia de mudança no formato de disputa para a Eredivisie (Pro Shots)

Já se passaram cinco rodadas desde o início do returno do Campeonato Holandês. E o que se vê é um cenário inesperadamente previsível. Previsível, porque os três grandes do país, novamente, tornam o pensamento no título nacional um assunto restrito apenas a eles. O “inesperadamente” vem por causa da facilidade com que isso tem acontecido. Por mais que o título fique constantemente com um dos gigantes holandeses (e por mais que os três ocupem o “pódio” da tabela desde a temporada 2011/12), sempre um deles fraquejava na volta da pausa de inverno – o que sempre abria espaço para que um clube “médio” do país sonhasse com coisa acima da quarta posição da tabela. Pois bem: por caminhos diferentes, o triunvirato mais tradicional do futebol holandês tem chegado ao mesmo fim – ou seja, a cinco vitórias nos cinco jogos do returno da Eredivisie. Raras vezes essa invencibilidade aconteceu simultaneamente com Feyenoord, Ajax e PSV.

Líder, o Feyenoord está num estágio em que esbanja entrosamento e confiança até diante de partidas em que poderia ter sérias dificuldades. Na rodada passada, o Groningen chegou a atuar com até nove jogadores atrás da linha da bola, num 4-5-1 muito defensivo, mas a velocidade do Stadionclub na troca de passes venceu esse projeto de retranca, levando à vitória por 2 a 0. Com isso, segue a opinião unânime: mesmo que a torcida esteja compreensível e extremamente cautelosa, a esperança de encerrar o jejum de 18 anos sem títulos nunca esteve tão grande em Roterdã. Bem citou a manchete do diário “Algemeen Dagblad” na notícia do jogo contra o Groningen: quem quiser superar este Feyenoord atual, terá de estar num dia ainda melhor.

Vice-líder, cinco pontos atrás, o Ajax vive de alternâncias. A equipe de Amsterdã parte de um traço frequente: quase sempre, tem mais posse de bola e é mais ofensiva do que o adversário, em casa ou fora dela. O que não quer dizer que os Ajacieden sejam dominadores inquestionáveis neste returno: ora têm atuações elogiáveis (como nos 3 a 0 sobre o ADO Den Haag – a vitória sobre o time de Haia ficou até barata, tal o domínio), ora sofrem bastante para enfim fazerem o gol (foi assim no 1 a 0 contra o Utrecht, fora de casa, quando só belíssimo gol de Lasse Schöne venceu os Utregs, time muito bem armado taticamente), ora jogam até com certa displicência (foi assim na rodada passada: contra o Sparta Rotterdam, o Ajax teve incríveis 77 por cento da posse de bola, mas só atacou o suficiente para insípidos 2 a 0).

O PSV, por sua vez, sofre mais. Não é à toa que é o terceiro colocado, oito pontos atrás do Feyenoord, e que as esperanças de título são remotas: é o time grande que mais precisa se esforçar para conseguir o aproveitamento total. Já foi assim contra o Heerenveen, na 19ª rodada, quando os Boeren perdiam por 3 a 2 em pleno Philips Stadion até os 43 minutos do segundo tempo, quando a pressão desesperada conseguiu a virada para 4 a 3. Foi assim também na rodada seguinte, quando o time tropeçava contra o Heracles Almelo, fora de casa, empatando por 1 a 1, até Davy Pröpper ser o herói do dia, com um chute de fora da área aos 42 minutos do segundo tempo, que ainda resvalou em defensor adversário, resultando em mais uma vitória tardia. E na rodada passada, contra o Utrecht, o primeiro tempo ficou sem gols, antes dos 3 a 0 encaminhados na etapa final.

Enfim, de modos mais ou menos tranquilos, os três grandes clubes holandeses venceram em todas as rodadas do returno – algo que nenhum outro participante do Campeonato Holandês desta temporada conseguiu. Mais uma mostra da velha queixa: a Eredivisie é das ligas europeias com menor variação entre seus campeões. Bastou para reacender um desejo expresso da KNVB, a federação holandesa: alterar o regulamento do campeonato, a partir da temporada 2018/19. Inspirada no relativo sucesso do Campeonato Belga – e até no crescimento do desempenho dos clubes da vizinha nas competições europeias -, a KNVB pensa em fazer o mesmo: ao invés do formato em pontos corridos com 18 clubes, a ideia seria diminuir a quantidade de contendentes da Eredivisie para 16, fazendo dois hexagonais (um pelo título, com os seis primeiros ao final da temporada regular; outro pelas vagas nas competições europeias), excluindo apenas um clube do limbo e os três da zona de repescagem/rebaixamento.

A adoção nem seria nada inédito na história do campeonato. Basta lembrar o que ocorreu entre 2006 e 2008: para ampliar o equilíbrio e a alternância de times classificados às competições europeias, foi implantado um mata-mata, após as 34 rodadas regulamentares, para decidir os donos dos lugares na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões, na então Copa da UEFA (três das quatro vagas) e na ainda existente Copa Intertoto. Entre o vice-campeão da Eredivisie e o quinto lugar, disputava-se o play-off pela Champions League (2º contra 5º, 3º contra 4º); os vencedores decidiam a vaga, os perdedores disputavam para ver quem enfrentaria o vencedor de outro play-off (entre 6º e 9º colocado), por lugar na Copa da UEFA. E os classificados entre 10º e 13º lugar disputavam a vaga na Copa Intertoto.

Tais play-offs tinham compreensão complicada a ponto de terem durado apenas dois anos. Talvez por essa dificuldade desnecessária, pelo menos por enquanto, a ideia dos novos play-offs é rechaçada. Por vários torcedores, que se disseram contrários em pesquisas via internet. E também pelo técnico do atual líder da Eredivisie. Giovanni van Bronckhorst citou, ao diário Algemeen Dagblad, o velho argumento em favor dos pontos corridos: “É uma definição clara: o primeiro lugar é o campeão, e assim por diante. Sinto que é o mais justo, o mais desportivo”.

Por outro lado, Marcel Brands, diretor esportivo do PSV e membro do conselho técnico da federação, usa o exemplo da Jupiler Pro League belga para defender mudanças no formato de disputa: “O que se vê na Bélgica é que os grandes clubes, de fato, usam a fase de classificação [para o hexagonal] como um treinamento. A única pergunta é se isso é um problema. Olhe para os jogos por competições europeias antes da pausa de inverno, ou para os jogos entre seleções: você também pode ter vantagens com isso [regulamento com play-offs]. Os clubes grandes da Bélgica podem se focar com muito mais precisão nas competições continentais, sem que isso tenha consequências desastrosas na liga nacional”.

Brands comentou isso também ao Algemeen Dagblad, para reagir a outro forte opositor da ideia de alterar o formato de disputa da Eredivisie. E este opositor está influente, no momento, quando o assunto é alterar regras: Marco van Basten. O atual diretor de desenvolvimento técnico da Fifa havia advertido: “A gente não pode ficar olhando só para a história da Bélgica, porque neste momento, nós simplesmente temos uma geração pior tecnicamente, e eles não. Além do mais, a lei belga torna muito mais fácil para contratar jogadores baratos que não pertencem à União Europeia. O ganho esportivo que você tem com os play-offs é mínimo. É verdade que você consegue mais clássicos assim, mas a fase de classificação fica menos importante. Vira uma espécie de aquecimento para os clubes grandes”. A solução, para Van Basten? “A única coisa que mudaria algo substancialmente é se os melhores clubes holandeses se unissem aos da Bélgica, na BeneLiga. Claro que não vai acontecer – seguramente, não a curto prazo -, mas só assim você poderá formar a sétima ou sexta melhor liga da Europa. Ou você ouve conversas de mudança do formato de disputa na Alemanha, na Itália ou na Inglaterra? Nesses lugares isso não se discute”.

Em meio às polêmicas propostas que faz na FIFA, Van Basten só vê um caminho para a Eredivisie; fusão com a liga belga (FIFA)

Enquanto isso, Feyenoord, Ajax e PSV seguem para a disputa do título. A discussão mais séria ficará para o encontro de clubes holandeses, em junho, após a temporada. Ali, quem sabe, já tenha sido encontrada a resposta para as perguntas deixadas no ar por Marcel Brands: “Acima de tudo, o que será levado mais em conta: a emoção na competição? Fazer a Holanda voltar ao topo? Nossa posição internacional? Talvez as rendas?”.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 17 de fevereiro de 2017)

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