A garra do Feyenoord dá confiança à torcida para o clássico contra o Ajax (ANP/Pro Shots) |
Nesta quinta-feira, o Feyenoord encarou (e venceu – 1 a 0) o Zorya Luhansk, da Ucrânia, pela terceira rodada da fase de grupos da Liga Europa. Uma competição continental é ótima oportunidade para um clube holandês colocar força máxima, certo? Não para o clube de Roterdã: Dirk Kuyt, capitão da equipe, ficou no banco de reservas. Com isso, ficou relativamente claro: o Stadionclub está com a alça de mira fortemente virada para o domingo. Mais precisamente para o jogo a ser disputado em De Kuip, às 10h30 do horário brasileiro de verão. Afinal, trata-se de mais um encontro contra o arquirrival Ajax, pela 10ª rodada do Campeonato Holandês. Mais um encontro? Talvez não.
Não bastasse o fato de ser o mais tradicional clássico do futebol holandês, há muito tempo o Feyenoord não chega para o Klassieker (nome pelo qual todo Feyenoord x Ajax é conhecido) numa posição de superioridade como a atual. Nem mesmo em outros bons momentos, vistos na reação que o clube vive desde 2012, há a excitação vista no clube e na torcida. Sabe-se que o jogo do próximo domingo terá um clima de “teste final”, de “primeira fase de vestibular”. Caso vença o rival de Amsterdã - e seria a primeira vitória num Klassieker desde 2012 -, seria a certeza absoluta: sim, o Feyenoord está firme e pronto para quebrar o jejum de 17 anos sem títulos na Eredivisie.
E não tem faltado esforço à equipe de Roterdã nesta temporada para mostrar que pode colocar fim ao tabu e deixar para trás a fama de negar fogo em horas decisivas do Holandês. Para ser justo, o time já merecia mais crédito após a vitória contra o PSV, em pleno Philips Stadion, pela sétima rodada – ou então, após triunfar contra o Manchester United, pela primeira rodada da fase de grupos da Liga Europa. Como já se escreveu aqui, nessas duas partidas, a equipe mostrou um poder de concentração invejável, para evitar qualquer erro mínimo.
Também já foram comentados aqui os destaques que Giovanni van Bronckhorst tem à disposição – e como eles têm crescido nesta temporada. Seja na defesa, com a segurança de Brad Jones (no gol) e Eric Botteghin (na zaga) ou mesmo com a rapidez e os maiores cuidados defensivos de Rick Karsdorp; seja no meio-campo, em que Dirk Kuyt só pode se adiantar ao ataque porque Karim El Ahmadi e Tonny Vilhena são dois azougues, cuidando de marcar e armar jogadas com velocidade; seja no ataque, em que Jens Toornstra capricha nas assistências, fazendo do dinamarquês Nicolai Jorgensen um dos goleadores da Eredivisie (7 gols); enfim, o Feyenoord conseguiu um time coeso como há muito não se via.
Talvez, um elenco coeso como há muito não se via. Que soma isso ao espírito de luta tão admirado pela torcida do Feyenoord para conseguir vitórias mais e mais admiráveis. A última delas, na rodada passada do Holandês. Fora de casa, contra o NEC, uma falha de Brad Jones deu o 1 a 0 aos mandantes, em Nijmegen, ainda no primeiro tempo. E começou uma pressão quase irrespirável dos Rotterdammers para cima do gol: foram 25 chutes a gol, só no primeiro tempo. Na parte final do jogo, Van Bronckhorst ainda colocou Michiel Kramer no ataque, deixando o esquema no 4-2-4. De tanto martelar, veio o prêmio: aos 34 minutos do segundo tempo, Jorgensen empatou. A invencibilidade já estava garantida, mas a variedade de jogadas no ataque rendeu a virada empolgante aos 46 minutos, com Kramer.
O 2 a 1 manteve os 100 por cento de aproveitamento do Feyenoord, com nove vitórias em nove jogos – nenhum clube, em nenhuma outra liga europeia, mais forte ou mais fraca, faz campanha tão boa. Mais do que isso: se vencer o clássico contra o rival mais acirrado, será igualado o recorde histórico de invencibilidade do clube no Campeonato Holandês (dez vitórias em dez jogos, só em 1967/68). Aí mora um problema: vencer o Ajax. Porque a equipe de Amsterdã está crescendo a olhos vistos.
Ziyech faz no Ajax o que já fazia no Twente: sucesso (ANP/Pro Shots) |
É difícil esquecer o vexame contra o Rostov, da Rússia, pelos play-offs da Liga dos Campeões. Mas pede-se ao leitor que faça isso. Porque aquela equipe insegura parece coisa do passado. Após muito tatear, o técnico Peter Bosz enfim encontrou um esquema tático para chamar de seu. Melhor: sob Bosz, o Ajax agora é um time bem mais acelerado e variado taticamente do que o marasmo visto nos últimos tempos de Frank de Boer trabalhando na Amsterdam Arena. Pode até jogar no 4-3-3 velho de guerra, mas no mesmo jogo alterna para o 3-4-3 ou até para o 4-1-4-1.
Nisso colaboram alguns jogadores – boa parte deles, vinda nesta temporada. O principal? Claro, Hakim Ziyech. Cada vez mais, o marroquino prova que não era à toa que a torcida pedia tanto sua contratação: trouxe para os Ajacieden todo o destaque que detinha no Twente. Em oito jogos pelo Ajax, em todas as competições, Ziyech já marcou três gols, e deu seis assistências – na Eredivisie, lidera o quesito de passes para gol, com cinco assistências. Dá para dizer que o marroquino até realça o desempenho de seus colegas de meio-campo, como Davy Klaassen e o redivivo Lasse Schöne. É até estranho que ainda esteja na Eredivisie: tem nível para centros maiores.
A reação do Ajax também desemboca no ataque. Kasper Dolberg é mais um novato que vai ganhando ritmo e acaba agradando: o dinamarquês de 19 anos já marcou quatro gols pelo Campeonato Holandês, e constantemente volta para ajudar o meio-campo nas jogadas. Pelos lados, Amin Younes é cada vez mais insinuante pela esquerda, enquanto Bertrand Traoré já se entrosou com o resto do time.
Por falar em entrosamento, a defesa mostra um caso curioso: por mais que o badalado Tim Krul já esteja praticamente recuperado da lesão no joelho, pronto para voltar, o camaronês André Onana tem agradado bastante no gol, e não cederá facilmente a posição. Na linha de quatro marcadores, o destaque absoluto é Davinson Sánchez: o zagueiro colombiano pode até avançar, mas não só volta rapidamente, como também sabe desarmar até com carrinhos precisos - já fez isso duas vezes na temporada, contra Utrecht e ADO Den Haag. Sem contar os dois gols que já marcou, ambos na goleada contra o Zwolle. Vale citar também a evolução notável de Daley Sinkgraven, que desbancou Mitchell Dijks na lateral esquerda.
Essa evolução teve um preço para outros jogadores: além de Dijks, Kenny Tete, Riechedly Bazoer e Nemanja Gudelj foram para o banco, e de lá não devem sair tão cedo. Mas o Ajax tem razões para justificar isso: são nove partidas de invencibilidade (seis pelo Holandês, três pela Liga Europa). Nessas partidas, o que se vê é um time agressivo, quase sempre jogando no campo do adversário, com defesa muito adiantada. A torcida tem gostado disso.
E o Ajax terá o teste final de sua reação exatamente ao enfrentar o arquirrival Feyenoord – que por sua vez, anseia por uma vitória em casa no domingo, para lavar a alma, já que abriria invejáveis oito pontos de vantagem na liderança da Eredivisie. Há muito tempo o futebol holandês não ansiava assim por um Klassieker.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 21 de outubro de 2016)
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