sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Correção para a reação

Após o período no Ajax, Diederik Boer voltou ao Zwolle. E pode comemorar um novo bom começo da equipe em que é um marco (ANP)
Inegável: nas últimas temporadas, o Zwolle protagonizava a nova grande ascensão de um clube na Holanda. Nada muito diferente dos antecessores Twente e AZ: um mecenas querendo investir, algumas boas contratações, um bom técnico que recebeu respaldo e tempo para trabalhar (Ron Jans), e vieram as surpresas agradáveis que renderam talvez o melhor período da história do clube. Contudo, a temporada passada mostrou certos sinais de esgotamento no trabalho. Os sinais foram detectados. Por isso, e por outras razões também, o Zwolle se recuperou – e se converte novamente no clube pequeno que pode sonhar alto neste Campeonato Holandês.

Sim, já é possível falar assim. Afinal de contas, chegamos à 10ª rodada da Eredivisie neste final de semana. E na tabela, o nome do Zwolle está na quarta posição – ajudado tanto pelos tropeços de concorrentes diretos (como o Feyenoord, ainda lambendo as feridas do 4 a 1 sofrido em pleno De Kuip para o Ajax, o novo vice-líder) quanto por méritos próprios. São cinco vitórias, três empates e apenas uma derrota – sendo que um dos empates foi em Roterdã, contra o Feyenoord, mostrando até melhor atuação no primeiro tempo do 0 a 0. Na Copa da Holanda, houve um susto nessa semana, nos jogos da segunda fase – mas o clube superou o amador Kozakken Boys na prorrogação (3 a 2, após 2 a 2 nos 90 minutos), e ganhou vaga nas oitavas de final.

Abre-se, cada vez mais, a oportunidade para que a torcida sonhe com a comprovação da linha ascendente que os Zwollenaren exibem há algumas temporadas – cuja formação merece a recapitulação aqui. Como já dito, a mola propulsora do crescimento dos “Dedos Azuis” (apelido do clube) foi a chegada de um mecenas. No caso, um presidente que adotou postura profissionalizante – no caso, Adriaan Visser, comandante do Zwolle desde 2009, após dirigir a filial holandesa da SITA, empresa francesa de reciclagem. A fase inicial do trabalho, disputando o acesso à Eredivisie até conquistá-lo, com o título da segunda divisão em 2011/12.

Para se estabelecer, uma campanha mediana na elite: o 11º lugar, em 2012/13. O técnico Art Langeler deixou o clube para comandar o time B do PSV. Veio a aposta num técnico apropriado para o salto que o Zwolle queria dar: Ron Jans, vindo de trabalhos bons e longos em Groningen e Heerenveen. Havia um bom time – e uma ideia tática distinta do restante do futebol holandês: a opção pelo 4-2-3-1, com um estilo mais defensivo, apostando em contra-ataques. A partir daí, a ascensão se consolidou. Vieram as campanhas razoáveis no Campeonato Holandês. Um título da Supercopa da Holanda (2014). Duas finais seguidas da Copa da Holanda (2013/14 e 2014/15). E, acima de tudo, o grande momento da história do Zwolle: o título na copa, em 2013/14, com goleada sobre o Ajax – 5 a 1 -, em De Kuip, embasbacando toda a Holanda e rendendo um lugar na Liga Europa, nos play-offs preliminares.

Paralelamente, era justo dizer que, se não diferia muito da história de mecenas que inflam um clube para depois largá-lo à deriva - como fez Joop Munsterman com o Twente -, Adriaan Visser procurava ligar o Zwolle à sua comunidade, com opções como a escolha de patrocínio (a Molecaten, rede de parques para acampamento, que tem sede em Zwolle). Além do mais, o departamento de futebol “jogava o jogo”: a boa rede de contatos do diretor técnico Gerard Nijkamp permitia que chegassem ao clube, ano após ano, tanto novatos emprestados pelos grandes clubes holandeses (como o goleiro Mickey van der Hart e o atacante Queensy Menig, iniciados no Ajax) quanto agenciados pelo poderoso Mino Raiola sem espaço em gigantes europeus (Ouasim Bouy, zagueiro/volante sem atividade na Juventus; o brasileiro Gustavo Hebling, volante criado no São Paulo e contratado do Paris Saint-Germain; e outro volante, Hachim Mastour, do Milan).

Mas a temporada 2016/17 deu sinais de esgotamento do modelo. Após três temporadas seguidas em posições invejáveis para um clube pequeno na Eredivisie – 11º lugar em 2013/14, sexto lugar em 2014/15 e oitavo lugar em 2015/16 -, o time teve sérias dificuldades. O 4-2-3-1 já estava manjado pelos adversários; a defesa teve falhas, ao contrário dos anos anteriores; vários jogadores emprestados não deram certo (casos de Mastour e Gustavo Hebling); e Ron Jans não conseguiu reorganizar a equipe. 

Resultado: o Zwolle voltou a lutar para escapar da ameaça de rebaixamento. Só escapou definitivamente na última rodada, ficando na 14ª posição. Pelo menos, a salvação rendeu uma digna despedida a Ron Jans: já tendo anunciado no meio da Eredivisie passada que sairia ao final das 34 rodadas, o técnico foi saudado pela torcida na partida derradeira, indo às lágrimas. A homenagem a Jans era justa, mas não escondia: o Zwolle precisava passar por mudanças para continuar a missão de se estabilizar na Eredivisie.

Van't Schip foi o técnico escolhido para corrigir a rota do Zwolle em campo. Está dando certo, a princípio (Guus Dubbeldam/De Volkskrant)
A diretoria acertou já na escolha do sucessor no banco de reservas. Se não fez trabalhos muito conhecidos (trabalhou muito tempo na base do Ajax, no Melbourne Heart australiano e até no Chivas Guadalajara, entre 2012 e 2013), não falta experiência a John van’t Schip, seja no banco (fora as próprias experiências, foi auxiliar de Marco van Basten na seleção holandesa entre 2004 e 2008) ou jogando (em sua carreira de 15 anos, entre 1981 e 1996, fez parte da seleção holandesa campeã europeia de 1988, e foi à Copa de 1990). Van’t Schip manteve certos cânones que se tornaram conhecidos no Zwolle, como a aposta em um atacante fixo na área, circundado por pontas velozes. O atacante fixo já foi Tomas Necid, já foi Lars Veldwijk, e agora é o polonês Piotr Parzyszek. 

Porém, o trabalho dos pontas foi potencializado com a adoção do 4-3-3 como esquema, aproveitando melhor os avanços de Mustafa Saymak e Younes Namli – por sinal, Namli mostra outra vez a precisão nas contratações, sendo fruto do Heerenveen não aproveitado naquele clube. Outro acerto foi fortalecer a experiência no clube. Se um símbolo do clube já estava na lateral esquerda, com Bram van Polen (319 partidas, desde 2008), e o gol precisava de alguém confiável após as falhas de Van der Hart, nada mais justo e esperado que trazer de volta outro símbolo. Diederik Boer, 37 anos, iniciado no Zwolle, lá ativo entre 2000 e 2014, ganhara o que todo jogador holandês de clube pequeno/médio sonha: um período no Ajax. Boer foi reserva de Jasper Cillessen e André Onana, acrescentou até final de Liga Europa ao currículo... e voltou ao velho ninho, para ser titular e ampliar o número de partidas – 339, o segundo maior número na história do clube.

Mudando onde precisava mudar, o Zwolle começa bem. Um passo para voltar a deixar próxima a expectativa de se transformar num clube “médio” no Campeonato Holandês, após o solavanco.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 27 de outubro de 2017)

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