domingo, 8 de outubro de 2017

Só o imponderável salva

O que era melhor, para a Holanda: perder as chances contra Belarus ou vencer, como venceu, mas ter perspectivas remotíssimas de repescagem? (ANP/Pro Shots)

"Eles não vão ganhar de 8 a 0. Que pergunta estúpida! De 8 a 0? Não, não acredito." Assim Dick Advocaat reagiu à pergunta de um repórter, na entrevista coletiva da sexta passada, comentando sobre as perspectivas para o resultado de Suécia x Luxemburgo. Pois é: o destino encarregou-se de fazer o técnico da seleção holandesa pagar com a língua. Pior ainda foi ver que a Laranja repetiu, contra Belarus, os seus erros crônicos: desorganização defensiva e desespero na hora de atacar. Quase houve o vexame supremo: perder neste sábado mesmo as escassas chances de classificação à repescagem das Eliminatórias europeias para a Copa de 2018. No final, ainda veio a vitória por 3 a 1. Mas não se sabe se vencer, no caso, foi ainda pior, por manter na teoria possibilidades que ninguém acredita que a equipe laranja tem.

Desde o começo, era possível ver: na Borisov Arena, os anfitriões se defenderiam com meio-campo e defesa atuando bem próximos, e apenas dois jogadores na frente. O antídoto clássico contra a lentidão holandesa. Sem espaço para avançar, foi necessário começar a trocar passes no campo de defesa. Ou então, acionar as pontas. Como aos 2', quando Daley Blind veio pela esquerda, cruzou, sem a bola alcançar Davy Pröpper. Ou aos 7': Arjen Robben tentou iniciar triangulação com Pröpper, mas o meio-campista falhou ao tentar tocar de calcanhar. E aos 12', quando Ryan Babel (voluntarioso em sua volta) dominou pela esquerda, driblou Alexei Rios e cruzou, mas Ivan Maevski conseguiu afastar a bola.

Mesmo com uma Holanda vulnerável, Belarus sequer tentava qualquer coisa. Quando tentava, sequer trazia perigo. Aos 8', por exemplo Rios cobrou falta de longe, para ainda mais longe. No minuto seguinte, Aleksandr Karnitski recebeu na entrada da área, mas chutou fraco, e Jasper Cillessen agarrou. Porém, a Oranje também errava na marcação por zona: cada tímido avanço bielorrusso puxava todos os defensores para o lado em que a bola estava. Foi assim que as chances para os contra-ataques apareceram - como aos 17', quando o gol só foi impedido por erro de passe de Ihar Stasevich.

Surpreendido pela realidade, Advocaat é o único que ainda acredita (ANP/Pro Shots)

Ainda assim, mesmo lenta e cedendo espaços, a Holanda tinha algumas atuações esforçadas. Como a de Vincent Janssen, sacrificando-se para segurar a bola e abrir os espaços. A aposta nas laterais começava a render, como aos 21', quando houve enfim uma tentativa (Robben serviu a bola a Blind, que bateu de primeira, para fora, até perto do gol de Sergei Chernik). Aos 24', Robben serviu a Janssen, e o camisa 9 arriscou da entrada da área, no travessão de Chernik. Finalmente, aos 25', o gol que uniu os únicos holandeses mais próximos de serem chamados de "destaques": Babel cruzou da esquerda, Robben ajeitou de cabeça, e Pröpper completou para as redes.

Um gol impedido de Janssen, aos 28', fez crer que a Oranje enfim desencantaria. Não só não aconteceu, como Belarus é que se insinuou mais. Como aos 30', num cruzamento de Stasevich que Blind precisou afastar para escanteio. Ou no minuto seguinte, em cruzamento de Sergei Balanovich afastado por Karim Rekik, de cabeça. Ou ainda aos 32', em jogada individual de Stanislav Dragun. A Laranja só tentou algo aos 38', em chute de Tonny Vilhena, de longe: a bola quicou no gramado e quase engana Chernik, que espalmou. O goleiro bielorrusso ainda apareceu bem em sequência: aos 42', defendendo um chute de Janssen - sozinho na área -, e aos 44', afastando providencialmente cruzamento de Daryl Janmaat que tomou o caminho do gol.

Todavia, o entusiasmo incipiente dos bielorrussos seguiu no começo do segundo tempo. Cillessen enfim trabalhou sério aos 53', espalmando pela linha de fundo o arremate de Balanovich. Na sequência, Dragun veio pela esquerda, cruzou rasteiro, e a bola passou pela área sem ninguém chegar. Finalmente, aos 55', o gol que premiou o esforço dos mandantes: Maksim Volodko veio pela esquerda, recebeu a bola sozinho e chutou cruzado para o 1 a 1.

Robben batalhou, se esforçou, fez gol. Mas também jogou a toalha (Maurice van Steen/VI Images)

Só aí se viu o pior lado holandês: a falta de um plano B, de alternativas táticas relativa e minimamente organizadas. Tão logo veio o empate, Dick Advocaat colocou Bas Dost em campo, deixando a Oranje num espaçado 4-1-1-4: Georginio Wijnaldum marcava no meio, Pröpper criava as jogadas, e quatro atacantes (Robben, Dost, Janssen e Babel) tentavam completar os cruzamentos frequentes. De volta à defesa, Belarus conseguia segurar a Holanda com sua compactação - como aos 61', quando Robben fez sua jogada tradicional, mas o arremate parou no zagueiro Sergei Politevich. Ou aos 63', quando Pröpper arriscou e Chernik defendeu. Ao mesmo tempo, avançando mais, a Holanda deixava espaços para os contra-ataques. Quase aproveitados aos 64', num cruzamento de Nikolai Signevich, pela esquerda.

O ataque holandês foi reorganizado com a alteração seguinte, aos 68' (saída de Janssen, entrada de Memphis Depay, com Babel indo para o meio da área). Ainda assim, os cruzamentos pelas pontas não davam frutos. Nem as esparsas chances - como um chute de Dost aos 72', na rede pelo lado de fora. Estava cada vez mais próximo o vexame de perder as chances em Borisov mesmo. De todo modo, de tanto tentar, uma hora os holandeses conseguiram. Imediatamente depois de reclamarem pênalti (aos 83', após cruzamento de Janmaat, Dost tentou o cabeceio com Rios, e pediu mão na bola do lateral), o juiz Michael Oliver assentiu no escanteio subsequente: Dost foi puxado na área, Robben bateu e fez 2 a 1. Os bielorrussos foram à frente no abafa, quase conseguiram empatar ainda (houve até cabeceio para fora, aos 90'), mas a cobrança de falta precisa de Memphis Depay, aos 90' + 3, manteve o fio de esperança: vencer a Suécia, por sete gols de diferença, colocará a Holanda na repescagem. Diferença que a Holanda não obtém desde 2013, quando fez 8 a 1 na Hungria, pelas Eliminatórias da Copa de 2014.

E mesmo esse fio de esperança está tênue a ponto de ser rompido. Robben saiu de campo com esperanças perdidas, conforme lamentou à NOS: "Eu deixaria a calculadora em casa. Claro que se deve lutar até o último minuto, mas é preciso ser realista. Não direi o que todos esperam. Não temos chances". Babel, de volta, fez bem ao lembrar que a crise não começou ontem: "No momento, este é nosso nível. Que as coisas melhorem no futuro". O único a ainda manter algum tipo de otimismo é Advocaat, que aprendeu a lição: "É possível. Não é provável? Ora, o 8 a 0 da Suécia também não era provável...".

A verdade é que a Holanda vive, na prática, a situação expressa numa frase de Millôr Fernandes: "O desespero, eu aguento. O que me mata é essa esperança...". Talvez fosse melhor nem ter chances, do que ter a chance microscópica que resta para a última rodada, em Amsterdã, às 15h45 da próxima terça. Só o imponderável, esta entidade que às vezes aparece no futebol, salva a Laranja.

Eliminatórias para a Copa de 2018 - Europa
Belarus 1x3 Holanda
Data: 7 de outubro de 2017
Local: Borisov Arena (Borisov)
Juiz: Michael Oliver (Inglaterra)
Gols: Davy Pröpper, aos 25'; Maksim Volodko, aos 55', Arjen Robben, aos 84', e Memphis Depay, aos 90' + 3

Holanda
Jasper Cillessen; Daryl Janmaat, Virgil van Dijk, Karim Rekik e Daley Blind; Georginio Wijnaldum, Davy Pröpper (Davy Klaassen, aos 83') e Tonny Vilhena (Bas Dost, aos 56'); Arjen Robben, Vincent Janssen (Memphis Depay, aos 68'). Técnico: Dick Advocaat

Belarus
Sergei Chernik; Aleksei Rios, Sergei Politevich, Aleksei Yanushkevich e Maksim Volodko; Ivan Maevski e Stanislav Dragun; Igor Stasevich, Aleksandr Karnitski e Sergei Balanovich (Igor Burko, aos 76'); Nikolai Signevich (Anton Saroka, aos 87'). Técnico: Igor Kriuschenko

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