quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Citricultura: as canções da seleção holandesa

Se a seção sobre cultura do futebol holandês começou aqui no blog com as apresentações das músicas e das canções ligadas aos clubes do país, nada mais esperado que ela continue com o mesmo assunto no segundo texto, mas com a seleção laranja como destaque. E se o assunto é seleção, nada mais natural do que começar pelo hino nacional da Holanda - "Het Wilhelmus" ("O Guilherme", falando do príncipe Guilherme de Nassau), tornado hino holandês desde 1932, com a letra datando de 1570 e a música, uma variante de outra melodia do começo do século XVII. Não é um hino tão marcante quanto "A Marselhesa" (França), "Deutschland über alles" (Alemanha) ou o "Inno di Mameli" (Itália), mas é sempre cantado a plenos pulmões por torcedores e jogadores. Com uma letra muito maior, só a primeira estrofe é cantada antes dos jogos - como aqui, antes do jogo contra a Eslováquia, pela Copa de 2010:


Wilhelmus van Nassouwe, ben ik van Duitse bloed (Guilherme de Nassau eu sou, de sangue alemão)
Den vaderland getrouwe, blijf ik tot in den dood (À terra natal continuarei fiel, até a morte)
Een prinse van Oranje, ben ik vrij onverweerd (Um príncipe de Oranje eu sou, livre e destemido)
Den Koning van Spanje heb ik altijd geëerd (O rei da Espanha sempre honrei)

Com relação às arquibancadas, como sói acontecer, torcedores holandeses são mais criativos no visual do que nos cânticos: só há o "Holland!" ou "Aanvalluh!" (corruptela de "Aanvallen!" - em holandês, "ataquem"). Criações musicais ficam mais para fora do campo. E aí, fica até curioso: em geral, as criações musicais para apoiar a Laranja estão muito mais ligadas às Eurocopas do que às Copas do Mundo.

Ainda assim, uma das primeiras canções feitas para apoiar uma seleção numa Copa foi holandesa. Já em 1934, segunda Copa da história e primeira participação do país num torneio assim, anos antes de Johan Cruyff pensar em nascer, o cantor Willy Derby (1886-1944) celebrava a estreia em “Wij gaan naar Rome” (“Nós vamos a Roma”), celebrando a viagem rumo à Itália, país-sede. O refrão da letra (aqui, na íntegra) já mostrava otimismo nos talentos do país:


We gaan naar Rome, we gaan naar Rome (Nós vamos a Roma, nós vamos a Roma)
Bep Bakhuys doelpunt daar voor twee (Bep Bakhuys fará dois gols)
We gaan naar Rome, we gaan naar Rome (Nós vamos a Roma, nós vamos a Roma)
En Vente neemt z’n kanjers mee (E [Leen] Vente está levando seu brilho)
En Mijnders, Wels zóógoed als Smit (E [Kees] Mijnders, [Frank] Wels são tão bons quanto [Kick] Smit)
Die juichen om de beurt: Hij zit! (Eles comemoram de fora: ele fez!)
Als echte jongens, als ferme jongens (Como jovens de verdade, jovens firmes)
Hollandsche jongens van Jan de Wit (Jovens holandeses, de Jan de Wit)

Em 1950, nasceu mais um sucesso da torcida holandesa para a seleção. O músico Jan de Cler, empregado da rádio KRO, criou "Hup Holland Hup”, canção para ser cantada durante as transmissões das partidas da Laranja. Nas décadas seguintes, ela chegou a ser deixada de lado. Mas isso durou até 1988: nas transmissões da NOS, emissora pública holandesa de televisão, para os jogos da Eurocopa que a Holanda venceria, o humorista e cantor Freek de Jonge reabilitou "Hup Holland Hup". Bastou: desde então, vários torcedores holandeses têm a letra na ponta da língua, pedindo força à seleção - usando para isso o leão, mascote do país.


Hup, Holland hup (Vai, Holanda, vai)
Laat de leeuw niet in z'n hempie staan (Não deixe o leão ficar de cuecas) 
Hup, Holland hup (Vai, Holanda, vai)
Trek het beessie geen pantoffels aan (Não coloque pantufas no animalzinho) 
Hup, Holland hup (Vai, Holanda, vai)
Laat je uit 't veld niet slaan (Não se deixe ser derrotada) 
Want de leeuw op voetbalschoenen (Porque o leão de chuteiras) 
Durft de hele wereld aan (Ousa dominar todo o mundo) 

E o título daquela Euro 1988 rendeu aos adeptos da seleção batava mais um sucesso eterno. André Hazes (1951-2004), um dos cantores mais populares da história holandesa, usou a melodia da canção de domínio público “Auld Lang Syne” (aqui, a “Valsa da Despedida”) para o refrão de “Wij houden van Oranje” (“Nós amamos a Laranja”). Foi hit absoluto nas rádios holandesas após a conquista da Euro. E continua sendo hit da torcida, até hoje:


Nederland, oh, Nederland (Holanda, oh, Holanda)
Jij bent een kampioen (Você é uma campeã)
Wij houden van Oranje (Nós amamos a laranja)
Om zijn daden en zijn doen (Por suas façanhas e seus feitos)

18 anos depois, antes da Copa de 2006, com Hazes já falecido, "Wij houden van Oranje" foi reabilitada. Pelo menos, o refrão dela: a família autorizou que o rapper holandês Ali B. usasse a voz de André para sua recriação da canção, com vistas ao Mundial (aqui, a letra). Outra vez, foi sucesso: às vésperas da Copa na Alemanha, foi a segunda música mais escutada na Holanda. Teve clipe e tudo o mais:


Mais tarde, a Euro 2008 trouxe outro êxito que entrou para o repertório futebolístico da seleção, em Copas ou Euros: “Viva Hollandia”, do cantor Wolter Kroes. Talvez, a letra que melhor retrate o clima de um grupo holandês de torcedores. Até por isso, também virou comum no repertório da torcida:


We zijn er weer bij en dat is prima (Estamos aí de novo, e isso é maravilhoso)
Viva Hollandia (Viva Holanda)
We houden van het leven de liefde en de lust (Amamos a vida, o amor e o luxo)
We feesten door tot ‘s avonds laat nog lang niet uitgeblust” (Fazemos festa até tarde da noite e ninguém fica cansado)

E periodicamente, as criações para embalar a torcida holandesa em Copas ou Eurocopas continuam. Em 2010, a Copa da África do Sul teve uma de suas características transformada em hit para a campanha do bicampeonato: "Vuvuzela", da dupla Gebroeders Ko ("Ik toeter mijn speakers eruit/Wat een geluid!" - "Eu estouro meus altofalantes/Que barulho!"). E se a campanha da Euro 2012 foi decepcionante, pelo menos rendeu um clipe engraçado. Veja abaixo "Ben je ook voor Nederland?" ("Você também torce pela Holanda?"), parceria de Wolter Kroes, Yes-R e Ernst Daniël Smid, usando a melodia do "Baile dos Passarinhos" - sim, a do "passarinho quer dançar" que Gugu Liberato popularizou no Brasil. Não deixa de ser engraçado ver Sneijder, Robben e cia. interagindo com... pintinhos de plástico, mascotes daquela campanha na Euro.

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