sábado, 5 de setembro de 2020

Guia da Eredivisie feminina: otimismo, apesar de tudo

Van Veenendaal: a melhor goleira do mundo em 2019 voltou à Holanda. E seu retorno é o grande símbolo da força paulatina que a Eredivisie das mulheres ganha (Divulgação/PSV)

Tristeza, pelas vidas que se foram. Angústia, pelas incertezas que o futuro oferece (será mesmo que eventos adiados para 2021 poderão ocorrer?). Até raiva, pelos planos feitos e deixados de lado. A pandemia da COVID-19 trouxe um cenário de desesperança por vários lugares em todo mundo. Até por isso, tornou-se cada vez mais desejável saber de histórias otimistas, que mostrem que nem tudo está perdido, que não é pelas barreiras da pandemia que se tornou impossível fazer planos e olhar esperançosamente para o futuro. Pois bem: uma dessas histórias começará a se concretizar a partir deste domingo, quando começa mais uma edição do Campeonato Holandês de futebol feminino - com direito a clássico, entre Ajax e Twente, às 7h15 de Brasília. O regulamento da Vrouwen Eredivisie é o já habitual: oito times jogam 14 rodadas regulares, e após elas, em março de 2021, a liga é dividida em dois quadrangulares: os quatro melhores colocados disputam o título, os outros quatro apenas definem posições, sem rebaixamento.

Ajax e Twente fazem o clássico. Mas se há um clube que simboliza este otimismo com que a Vrouwen Eredivisie começa, ele ficará de fora dos campos nesta primeira rodada: o PSV. A equipe feminina de Eindhoven deveria jogar contra o VV Alkmaar, mas alguns casos de COVID-19 no grupo forçaram a quarentena das jogadoras e da comissão técnica - e, consequentemente, o adiamento da estreia. Sem problemas: a ambição dos Boeren supera quaisquer percalços. Para começo de conversa, o PSV liderava a fase de classificação da temporada 2019/20 antes da interrupção do campeonato feminino, pela pandemia. Além disso, exatamente por ser líder, recebeu a vaga direta na Liga dos Campeões das mulheres em 2020/21. Ainda em 2019, veio a agradável notícia de que o Philips Stadion sediará a final da Women Champions League, daqui a três anos.

Esses três fatores aumentaram a vontade dos Eindhovenaren em, cada vez mais, se consolidarem como uma força do futebol feminino nos Países Baixos. E a vontade foi confirmada com duas contratações que mostraram relativa força nos investimentos na modalidade. Apesar de já ter certo espaço no Atlético de Madrid, a goleira Sari van Veenendaal andava saudosa do país natal, onde ficou a família. O PSV chegou com a proposta. Bastou para que Van Veenendaal, eleita a melhor goleira do mundo em 2019 pela FIFA, optasse pelo retorno à Holanda. E a titular absoluta da seleção vice-campeã mundial voltou não só pelas razões familiares: ser um dos símbolos das Leoas Laranjas também pesou, como reconhece a ex-jogadora Kirsten van de Ven, diretora do futebol feminino na federação holandesa: "De fato, é um impulso para a Eredivisie".

E o fortalecimento do PSV não ficou só na vinda de Van Veenendaal. Embora não seja convocada para a seleção feminina da Holanda desde 2017 (começou a Euro como capitã, mas se lesionou, se desentendeu com a técnica Sarina Wiegman, e perdeu espaço), a zagueira Mandy van den Berg é vista como uma das jogadoras mais firmes do futebol holandês, com espírito nato de liderança e força no miolo de zaga. Ainda recuperando a forma no Real Betis espanhol após séria lesão no joelho, Van den Berg estava disposta a negociações. O PSV se atraiu, sondou... e contratou a zagueira. Chegando como um dos pilares do time que a equipe de Eindhoven quer formar, Van den Berg voltou também otimista, falando ao diário Algemeen Dagblad: "As condições estão muito melhores do que eram quando eu comecei, no ADO Den Haag. Agora, não é mais o caso de começar no futebol feminino e, depois, não poder dar o próximo passo na Holanda. Há alguns bons times agora, e essa é a base para um bom campeonato".

Van den Berg: outro retorno ao PSV, que sonha em fazer bonito nos próximos anos. Quem sabe, chegar à final da Liga dos Campeões que Eindhoven sediará em 2023 (Divulgação/PSV)

Claro que, se vindas como as de Van Veenendaal e Van den Berg são notáveis, o PSV também teve perdas a lamentar: a atacante Katja Snoeijs, destaque ofensivo dos Boeren nos últimos anos, tomou o caminho do Bordeaux francês. Mas, em geral, a base à disposição do técnico Sander Luiten continua a mesma da temporada anterior, com nomes conhecidos como a zagueira Aniek Nouwen (esta, pouco a pouco ganhando espaço nas convocações da seleção feminina), a ala Jesslyn Kuijpers e a atacante Joëlle Smits.

A preparação ambiciosa do PSV acabou virando o estopim do fortalecimento de outro grande favorito na Vrouwen Eredivisie. Sem ser campeão desde 2016/17, o Ajax passou ainda mais incólume pelas transferências. E muitas jogadoras com generosa experiência na seleção seguem em Amsterdã: a goleira Lize Kop, a defensora Kelly Zeeman, a lateral direita Liza van der Most, a volante Victoria Pelova, as atacantes Ellen Jansen e Vanity Lewerissa... e mais um retorno conhecido pelo título europeu de 2017 e pelo vice-campeonato mundial em 2019 com a seleção: a zagueira Stefanie van der Gragt, de volta a Amsterdã após dois anos (mais lesionada do que jogando, é verdade) no Barcelona. Conhecida pela força física na defesa, Van der Gragt foi mais uma a ser otimista sobre seu retorno: "Acho que a nossa volta diz algo sobre a ambição que a Eredivisie tem em fazer algo bonito aqui".

Após dois anos de (e no) Barcelona, Van der Gragt retorna ao Ajax: a zagueira titular das Leoas Laranjas amplia a experiência no time feminino (Divulgação/Ajax)

Mas se o PSV se notabiliza pelos reforços tremendos e o Ajax traz a fama, o último campeão holandês no futebol de mulheres foi o Twente, em 2018/19 (considerando que 2019/20 foi liga encerrada sem campeã). E a equipe de Enschede, carregando talvez a maior tradição em investimentos no futebol feminino dentro da Holanda, pouco a pouco avança. Bem ou mal, chegou novamente às oitavas de final da Liga dos Campeões feminina, sendo derrotada pelo Wolfsburg, futuro vice-campeão. E os Tukkers, treinados pelo alemão Tommy Stroot, seguem com um time que mescla bem experiência e juventude. Principalmente no ataque: lá há Renate Jansen, convocada para a Holanda nas duas Copas do Mundo em que as Leoas Laranjas participaram, e há a jovem Fenna Kalma, pouco a pouco entrando nas convocações de Sarina Wiegman.

Se os três favoritos ao título são Ajax, PSV e Twente, há outros times que se valem da tradição. Como o Heerenveen: embora fragilizado pelas más condições financeiras - o clube da Frísia chegou a anunciar o fim da equipe feminina em 2019, mas investimentos de empresários da cidade mantiveram-na -, o time que revelou Vivianne Miedema tem mais uma jovem promessa no ataque: Kirsten van de Westeringh, já titular na seleção sub-19 da Holanda, vinda da base do Ajax. Também regular no futebol feminino, o ADO Den Haag também chega com fama de ser osso duro de roer. Já os outros três participantes do Campeonato Holandês - Zwolle, o amador VV Alkmaar e o Excelsior (agora sem a parceria com o Barendrecht) - devem fazer figuração.

No Twente (tradicional no futebol masculino), Fenna Kalma é a nova promessa de atacante holandesa (BSR Agency)

No entanto, melhor ainda do que qualquer reforço é o investimento que a federação holandesa decidiu fazer em seu campeonato de mulheres. Uma das patrocinadoras da seleção, a seguradora IMG, fez parcerias com os oito times do torneio, ajudando nos custos de manutenção das equipes (e até nos investimentos). A FOX Sports holandesa, exibidora exclusiva da Eredivisie masculina, também mostrará os jogos das mulheres - e a NOS, emissora pública, fará um "resumo da rodada" nas noites de domingo. Em matéria de divulgação do campeonato, foi criado um novo logotipo - e um evento de apresentação teve figuras como Daniëlle van de Donk, Dominique Janssen e Merel van Dongen gravando vídeos de apoio.


Claro, o cenário pandêmico pode fazer com que todo esse apoio que o futebol feminino vem ganhando vire cinzas. Mas, no momento, estão corretas as palavras daquela que talvez seja o maior símbolo da força que a modalidade ganhou na Holanda (Países Baixos) desde 2017: Sarina Wiegman, ainda treinadora da seleção. "A preocupação inicial não deve ser com que todos os clubes tenham um time feminino, mas que o nível dos clubes agora representados seja maior. E as contratações que vieram se encaixam bem nisso". 

É certo que a Vrouwen Eredivisie não é forte quanto a Frauen-Bundesliga alemã, a Women Super League inglesa ou a Division 1 Féminine francesa. Ainda assim, os passos dados fazem crer que, de fato, a Holanda chegou ao futebol feminino para ficar. Na seleção e também nos clubes. O que aumenta os sonhos: já há quem pense em Daniëlle van de Donk no PSV para que torce (a meio-campista do Arsenal foi embaixadora da campanha vitoriosa de Eindhoven para sediar a final da Champions League em 2023), em Jackie Groenen vestindo a camisa 14 de seu ídolo maior Johan Cruyff no Ajax, em Vivianne Miedema voltando para jogar no seu Feyenoord, que começará equipe feminina profissional em 2021. Todas elas servindo de exemplo para as mais novas, como enfatizou Kirsten van de Ven, a diretora da federação: "Precisamos criar novas estrelas, não esperar que as antigas voltem".

Valorizando o passado, com olhos otimistas no futuro. Quem disse que não se pode ficar feliz em 2020?

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